9 – EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL PELA ENTIDADE.
Em meio ao que aqui discutimos, sobre as peculiaridades do regime colaborativo estatal, sobrevem a comum discussão sobre se as Entidades que atuam nesta cercania devem emitir, ou não, nota fiscal pelos serviços (ou atividades assemelhadas), desenvolvidas em parceria com o Poder Público.
Estamos tranquilos em dizer que uma entidade (OSCIP, OS etc.), ao desempenhar atividades de relevante interesse social em parceria com entes ou entidades públicas, ou seja, dentro de percpetivas não econômicas, mas sim sociais, descuram da emissão de nota fiscal ordinária como instrumento fiscal hábil à desincumbência de sua obrigação tributária.
Na verdade, dentro da sistemática de não lucratividade ou de atividades não econômicas, não se justifica a exigência deste como o único instrumento hábil a se desonerar de tal incumbência fiscal. Outros documentos, como o recibo simples, desde que tragam informações mínimas sobre a prestação, mostram-se meio equivalentemente apto à transparência reclamada na atuação desta entidades e nas demonstrações obrigações exigíveis.
Isso não quer dizer que uma entidade sem fins lucrativos não possa atuar dentro da economia, isto é, economicamente, com fins econômicos (embora não lucrativos), sujeitando-se, ai sim, à emissão do referido documento fiscal (nota), quando para o exercício social acha por bem, por exemplo, prestar serviços ou circular mercadorias que ela mesmo produz ou intermedeia; mas, nestas hipóteses, claro, sem o enfoque público, eis que visando levantar recursos privados para assegurar sua manutenção ativa.
No âmbito dos ajustes firmados com a Administração Pública somente tem vez a atuação desinteressada, isto é, mais do que não lucrativa, aquela não econômica propriamente dita, de enfoque estritamente social e em prol da comunidade, geral ou específica; tais, ao nosso sentir, os únicos objetos compaíveis com os atuais termos de parceria, contratos de gestão e congêneres.
10 – Conclusão.
O regime colaborativo com o Terceiro Setor mostra-se alternativa primorosa para que o Estado possa desempenhar de modo eficiente e efetivo seus deveres na realização dos serviços públicos. A atual modelagem dos ajustes, ao contrário dos tradicionais convênios, demonstra melhores condições de aferição de resultados, mediante o estabelecimento de indicadores e metas de desempenho operacional, ao mesmo tempo em que o Poder Público, no exercício de suas atribuições, procurou melhor regular a forma como se dará a sua relação com as entidades privadas que pretendam obter qualificações de reconhecido interesse público, tal qual ocorre com aquelas qualificações conferidas às organizações sociais e às organizações da sociedade civil de interesse público, onde se exige, em muitos casos, a participação de profissionais com notória especialização na área de interesse e a existência de auditorias externas atuantes sobre a própria entidade colaboradora.
Os serviços de saúde, por serem de titularidade e execução não exclusiva pelo Estado, são passíveis de execução indiretamente através do regime colaborativo com as entidades que compõem o Terceiro Setor, mantidas as funções estatais indelegáveis de acompanhamento, fiscalização, controle e regulação. Peculiaridade ocorrente, é que referidos serviços, ao lado de outros constitucionalmente assegurados, além de delegáveis aos particulares - e no caso da saúde, preferencialmente à inciativa privada não lucrativa - submetem-se ao regime de fomento estatal, considerando-se serem atividades de relevância pública, uma vez se fitando a dispersão máxima do atendimento e o alcance de maior eficiência útil possível na prestação. Aliás, essa opção, uma vez atendidos os ditames legais, e porque devidamente motivada, encontra-se dentro da seara de discricionariedade do gestor público.
Esse fomento pode se dar através de medidas fiscais e financeiras, positivas ou negativas, como isenções ou o custeio de despesas administrativas e operacionais, incluindo a remuneração de dirigentes, quando devidamente autorizadas; o que pode ser alvo de regulação por parte do ente público parceiro, a conferir maior segurança jurídica à sua atuação. O que não implica em qualquer subversão ao caráter não lucrativo das entidades colaboradoras, que podem remunerar seus empregados, incluindo seus dirigentes, quando assim permitirem suas disposições internas. Mesmo porque, não seria razoável exigir que o particular, uma vez assumindo obrigações atinentes à atividade estatal delegada, não pudesse remunerar seus profissionais, do mais baixo ao mais alto escalão, como sempre fez o próprio Estado ao executar diretamente essas mesmas atividades. Daí porque, a nosso sentir, impedir que haja trabalho remunerado no âmbito do Terceiro Setor, como tem feito alguns órgãos de controle, não representa garantir a eficácia do fomento estatal em atividades de relevante interesse público, mas antes inviabilizá-lo; o que nem de longe se deve admitir.
Por sua vez, não há de se falar em terceirização de mão-de-obra utilizada na execução desses ajustes, tampouco em seu cômputo entre as despesas de pessoal do ente público parceiro, uma vez que, regularmente firmados os ajustes de entidades colaboradoras com o Poder Público, cujo fim primeiro será a utilidade decorrente do projeto ou programa a ser desenvolvido através das ações ou atividades da entidade privada; e não da mão-de-obra propriamente, que não estará subordinada à Administração Pública. Fita-se, assim, um resultado pronto e acabado, baseado em metas mínimas de desempenho, de modo que não se há falar em cômputo de despesas com pessoal contratado nessas condições.
Ademais disso, à contratação de fornecedores e de pessoal por parte das entidades do Terceiro Setor, continua a deter índole privada, não obstante submetam-se a adicionais requisitos de objetividade e impessoalidade, previamente fixados para a seleção de seus prestadores ou trabalhadores. Nem por isso, exige-se que haja a realização de verdadeiros certames licitatórios, tampouco a sua submissão ao regime dos concursos públicos, o que viria a inviabilizar esse tipo de parceria e a otimização que delas se espera.
Enfim, vale dizer que a regulamentação da qualificação ou titulação a ser conferida às entidades privadas que pretendam realizar suas atividades em regime de colaboração com o Estado deve ser regulamentada no âmbito de cada ente de governo, respeitadas, pois, suas peculiaridades, não sendo exclusivo de um ou outro ente , ou desta ou daquela esfera de governo, a celebração de ajustes com o Terceiro Setor. Em especial na essencial área da saúde, que clama por parcerias e modelos inovadores, eficazes e efetivos de prestação que possam fazer frente aos anseios sociais da coletividade; o que o Poder Público dificilmente tem alcançado por meio da execução direta desses serviços. O que não deve haver, nunca, é um Estado omisso nas suas atividades indeléveis de acompanhar, fiscalizar e controlar essas parcerias.
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Decreto Federal nº 3.100/1999
Jurisprudência
Voto do douto Ministro Carlos Ayres Britto na ADIN nº 1923/DF, STF;
Voto do douto Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues no processo no TC nº 002149/006/02, TCESP.