Hipoteca, resumidamente, é uma das espécies direito real sobre a coisa alheia que tem por escopo garantir o pagamento de uma dívida. Recai sobre bens imóveis e, excepcionalmente, sobre bens móveis (navios e aviões), permanecendo a posse do bem com o devedor, exercendo o credor o seu direito de preferência conforme a ordem de registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Quitada a dívida, ocorrerá a extinção da hipoteca. Entretanto, extinta a hipoteca por uma das hipóteses legais, não estará quitada a dívida. O crédito deixará de ser real para se tornar quirografário.
O nosso ordenamento não permite o pacto comissório (possibilidade de o credor ficar om o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento), visando proteger o devedor, haja vista que, em regra, o bem dado em garantia supera o valor da dívida. Porém, a legislação civil autoriza que após o vencimento, o devedor possa dar a coisa em pagamento da dívida, estando o credor de acordo (CC, 1428 c/c 1365). Em síntese, a nulidade atinge o pacto, se firmado antes do vencimento da dívida. Válida será a entrega da coisa se acertada após o seu vencimento. É a dação em pagamento.
O nosso sistema de fraudes em relação aos direitos de crédito divide-se em fraude contra credores e fraude de execução. Na primeira, o devedor desfalca propositadamente o seu patrimônio, a ponto de não mais ter condições de garantir o pagamento das dívidas, tornando o passivo maior do que o ativo. A fraude contra credores é causa de anulabilidade do negócio jurídico, que se dá com a propositura da ação pauliana, tendo o autor o ônus de demonstrar a insolvência e a fraude. Tal medida judicial tem por escopo repor o bem ao patrimônio do devedor ou cancelar a garantia especial concedida. Já na fraude à execução, basta o fato de existir demanda em curso e o ato condutor da insolvência. Assim, enquanto na fraude contra credores compete ao polo ativo provar na ação pauliana a insolvência do devedor, na fraude de execução há uma presunção em favor do credor, em razão de não terem sido encontrados outros bens para serem penhorados além daquele ou daqueles que o devedor transferiu ou gravou no curso de um processo cognitivo de natureza condenatória ou de um processo executivo fundado em título judicial ou extrajudicial. A alienação do bem é, à primeira vista, tida como ineficaz, podendo o prejudicado valer-se dos embargos de terceiro para demonstrar a não ocorrência de fraude de execução.
O caso se trata de uma execução movida pela Libra Administradora de Consórcios Ltda. em face da Manchester Mineira Automóveis, tendo o Banco GMAC S/A embargado de terceiro, sustentando que a executada lhe dera o imóvel objeto de hipoteca prévia, em pagamento de uma dívida.
O juiz singular, entendendo não haver fraude à execução, afastou a penhora e o Tribunal Mineiro reformou a sentença considerando configurada a fraude e restabeleceu a penhora.
A tese do Banco, com o retorno dos autos à primeira instância, foi de que a ineficácia da dação em pagamento frente à execução da Libra faz “ressurgir” a hipoteca que é preexistente, garantindo-lhe a preferência de receber caso o imóvel fosse levado a leilão. O juiz concordou com a alegação, e o TJMG, mais uma vez reformou a decisão, considerando que a despeito do reconhecimento da fraude, a dação em pagamento continuava válida entre a Manchester e o Banco, não ocorrendo o restabelecimento da hipoteca.
O Banco, em sede de Recurso Especial, reiterou a tese acima, posicionando-se a Corte Cidadã no sentido de que declarada fraudulenta a dação em pagamento do imóvel para o banco, a propriedade voltou a fazer parte do patrimônio da empresa devedora (Manchester), haja vista que perante a credora (Libra), tal transação é ineficaz. Destacando, ainda, que havia hipoteca prévia em favor do Banco GMAC e que ela foi cancelada exatamente por causa da dação em pagamento. Com a ineficácia desta, a hipoteca se restabeleceu e com ela todos os direitos do credor em caso de inadimplemento, merecendo destaque o da preferência no recebimento do crédito.
A meu ver, acertada a decisão do STJ.