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Inconstitucionalidades da Lei n. 8.072/1990 e revogação tácita do seu art. 8º

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Como o crime de quadrilha ou bando desapareceu, não há mais como aplicar o art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos.

A Lei n. 12.850, de 25.7.1990, dispõe sobre a organização criminosa. Ela revogou o art. 8º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, que é a denominada lei dos crimes hediondos. Esta, por ser pior do que os crimes que enumera, merece ser chamada de lei hedionda. Ela nasceu repleta de problemas, o que levou Alberto Silva Franco a mencionar diversas inconstitucionalidades contidas nas suas disposições.[1]

Embora a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CFB) tenha preceituado que os crimes hediondos seriam definidos em lei, a Lei n. 8.072/1990 preferiu tão somente enumerá-los (art. 1º), o que – ao meu sentir – não apresenta maiores inconvenientes porque o verdadeiro sentido de uma norma deve ser buscado em um sistema dinâmico, não apenas em um artigo de lei.[2] Assim, como o art. 1º da lei hedionda remete o intérprete a outra lei, a definição noutra poderá ser encontrada, sem que haja inconstitucionalidade na opção legislativa adotada.

Entendo que o art. 2º, inc. I, da lei hedionda é inconstitucional porque a CFB, em seu art. 5º, inc. LXIII, não veda o indulto enquanto o referido preceito da lei hedionda proíbe a sua concessão. Já afirmei alhures que a graça não é indulto individual,[3] considerando equivocada a posição que se consolidou no sentido de ser a graça indulto individual, e que o art. 5º da CFB admite interpretação extensiva para ampliar direitos e garantias, não para restringi-los, ex vi do seu § 2º. Destarte, não poderia a norma infraconstitucional ampliar as restrições do inc. XLIII do art. 5º da CFB.

O STF demorou a acordar e ver a incoerência outrora existente, além da inconstitucionalidade de, violando o constitucional estado de inocência (CFB, art. 5º, inc. LVII), proibir a liberdade provisória antes da sentença, mas com a autorização da mesma lei em favor daquele que tivesse contra si sentença condenatória recorrível (Lei n. 8.072, art. 2º, inc. II, e § 2º). Com o advento da Lei n. 11.464, de 28.3.2007, o art. 2º, inc. II, só proíbe a fiança e o § 2º de outrora foi renumerado, passando a constituir o § 3º, o que corrigiu a incoerência mencionada.

Outra inconstitucionalidade do art. 2º da lei hedionda estava no seu § 1º, que determinava o cumprimento da pena imposta por crime hediondo ou assemelhado no regime integralmente fechado, o que representava violação ao terceiro momento da individualização da pena (execução). Mesmo diante do clamor de todos autores que tinham a seriedade suficiente para enfrentar o assunto, o STF demorou 16 anos para perceber a inconstitucionalidade e para declará-la.

Com o advento do novo art. 2º, § 1º, da lei hedionda, apenas o regime inicial será fechado. Não obstante isso, o STF declarou a nova redação do referido § 1º inconstitucional, o que considero equivocado porque estabelecer regime inicial fechado para crimes considerados mais graves não pode constituir violação à individualização da pena e, como a própria CFB se ocupou dos crimes hediondos e assemelhados, impondo maiores rigores a quem os praticasse, sem dúvida, os considerou mais graves.[4]

Não sou simpatizante da delação premiada, tendo me manifestado academicamente contra ela.[5] Por isso, por instituírem a delação premiada, não poderia ser favorável aos arts. 7º e 8º, parágrafo único, da lei hedionda.

Quando surgiu a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, passei a proferir palestras sobre ela e afirmei que o art. 9º da lei hedionda foi tacitamente revogado, expondo:

Como o art. 224 do CP foi expressamente revogado, a impossibilidade de defesa da vítima, no caso de surpresa, caracterizará o tipo do art. 215. De outro modo, o menor de 14 anos e a vítima doente mental são classificados como vulneráveis, com pena maior em razão da vulnerabilidade, o que impede a incidência do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Destarte, com a incidência da nova lei, referido artigo foi esvaziado ocorrendo, ainda que tardiamente, revogação tácita da sua parte outrora aplicável.[6]

No sentido do que expus, Fernando Capez entende que o art. 9º da lei hedionda ficou esvaziado pela Lei n. 12.015/2009.[7] Pelas mesmas razões, ante a edição da Lei n. 12.850, de 2.8.2013, entendo que o art. 8º da lei hedionda foi tacitamente revogado.

Embora o art. 8º da lei hedionda só faça referência ao art. 288 do Código Penal, o seu parágrafo único dispõe que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”, o que evidencia o caput se restringe ao delito de quadrilha ou bando. Portanto, como o crime de quadrilha ou bando desapareceu, não há mais como aplicar o referido art. 8º.

O crime de organização criminosa, que agora ocupa o art. 288 do Código Penal, exige menor número de coautores, estando mantida a redação anterior. Com isso, representa novatio legis in peius, a qual não poderá retroagir e, também, em face da desnaturação do preceito anterior, somente uma nova lei autorizará novamente tratar de forma mais severa a organização criminosa destinada a praticar crimes hediondos e assemelhados.

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A Lei n. 12.720, de 27.9.2012, criou uma incoerência inaceitável porque o crime do art. 288-A, por ela instituído, tem pena cominada de 4 a 8 anos de reclusão, para qualquer grupo criado com “a finalidade de praticar qualquer dos crimes” do Código Penal, ou seja, pena maior do que aquela aplicável a quem participasse de organização criminosa para crimes mais graves (denominados hediondos ou assemelhados). Destarte, ao menos do ponto de vista da proporcionalidade, a revogação tácita foi oportuna. Porém, o novo art. 288-A não poderá alcançar a milícia destinada a praticar genocídio, uma vez que tal crime não se encontra no Código Penal, mas na Lei n. 2.889, de 1.10.1956, sendo necessário solucionar a nova incoerência legislativa.


Notas

[1] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8072/1990. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

[2] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 165.

[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 228-232.

[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei hedionda (Lei n. 8.072/1990). Um assunto delicado e que precisa ser melhor examinado. Teresina: Jus Navigandi, ano 18, n. 3533, 4.3.2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23842>. Acesso em: 20.8.2013, aos 36 min.

[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários a lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 114-116.

[6] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Crimes contra a dignidade sexual. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2340, 27.11.2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13917>. Acesso em: 20.8.2013, às 1h15.

[7] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 4, p. 262-263.

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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Inconstitucionalidades da Lei n. 8.072/1990 e revogação tácita do seu art. 8º. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3831, 27 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26267. Acesso em: 22 dez. 2024.

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