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Adoção do maior incapaz ao arrepio da hierarquia legal

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05/01/2014 às 07:23
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A legislação brasileira carece da clareza na oferta de melhor proteção ao deficiente intelectual maior de 18 anos e a possibilidade de ser adotado.

“Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados;”

Lucas capítulo 6, versículo 37,

Bíblia Sagrada

Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar, dentro da ótica interdisciplinar do Direito de Família juntamente com o Direito Constitucional, a existência do poder legítimo de se integrar a um ambiente familiar, pelo instrumento da adoção, o deficiente mental maior quando não se preenche o requisito da diferença legal de idade entre o adotante e o adotado. O direito à proteção do amental que possui idade superior a dezoito anos em estado de abandono, alimentado apenas pela curatela, é tão imperioso quanto o arrimo dado a uma criança, a qual a lei ampara pela adoção. Os princípios da dignidade da pessoa humana e o da função social da lei, entre outros, regem a possibilidade jurídica da adoção do deficiente mental maior ao desagrado de requisitos legais estéreis, e demonstram a existência de efetivos benefícios para o adotado, bem como, acautelam a possibilidade de extensão do poder familiar a estes indivíduos, os quais se configuram como infantes na ótica da mentalidade. Parece, inicialmente, que este tipo de adoção em foco vai de encontro ao modelo tradicional de família, em que a diferença de idade é necessária para a mantença da ordem familiar, da austeridade e do respeito. Contudo, essa irreverência ao acato hierárquico da família não se sustenta neste tipo de adoção, uma vez que o deficiente mental constitui-se em profunda criança no seu âmago mental, apesar de, biologicamente, seu corpo lhe apresentar uma estética amadurecida. A doutrina, a jurisprudência e a lei devem dar interpretação capaz de indicar caminhos racionais e pertinentes à realidade destes fatos.

Palavras-chave:Direito de Família; Adoção; deficiente mental; maior de idade; função social da lei.

Sumário: INTRODUÇÃO. IA MEDIDA JURÍDICA DA PERSONALIDADE. 1.1Aspectos gerais. 1.2Restrições absolutas ao exercício dos atos da vida civil. 1.3Restrições relativas ao exercício dos atos da vida civil. 1.4A representatividade das pessoas restritas ao exercício dos atos da vida civil. 1.4.1 Poder familiar1.4.2 Tutela. 1.4.3 Curatela. II ADOÇÃO: “VINHO NOVO EM ODRES VELHOS”. 2.1Conceito . 2.2Finalidade. 2.3Requisitos. 2.4Efeitos pessoais e patrimoniais da adoção. 2.5A adoção e o Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069/90 com as alterações da Lei nº 12.010/09  . IIIADOÇÃO DO MAIOR INCAPAZ AO ARREPIO DA HIERARQUIA LEGAL . 3.1O status da hierarquia como requisito para a adoção. 3.2A natureza da medida e as reais vantagens para o adotado. 3.3Motivos legítimos para a extensão do poder familiar e a adoção ao arrepio da hierarquia legal: Sistemas de preenchimento da lei. 3.4A extensão do poder familiar por meio da adoção do maior incapaz ao seu curador . 3.5A adoção do maior incapaz ao arrepioda hierarquia legal à luz das decisões Judiciais . CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

No Brasil, atualmente, é parca ou quase nula a discussão acerca da possibilidade de adoção de pessoas maiores de dezoito anos portadoras de deficiência mental. Em se tratando de adoção, a lei brasileira generalizou, indevidamente, os seus termos de aplicação aos adotandos infantes e adultos, sem ainda entregar qualquer atenção aos maiores amentais. Esta falta de melhor trato da lei aos ametais adultos está ofuscando os reais benefícios de uma adoção livre de rigores legais para estes indivíduos, principalmente no que diz respeito à flexibilização do requisito da obrigatoriedade da diferença de idade mínima de dezesseis anos entre adotante e adotado, e à permissão da adoção como medida substitutiva da curatela do incapaz maior, chegando-se à extensão do poder familiar por meio desta medida a estes indivíduos específicos.

Para a concessão da adoção nos termos em que as benesses são asseguradas ao incapaz maior, obram como meio imediato de atender ao clamor social em tema tão peculiar as decisões judiciais, as quais podem agir como norma no caso concreto na ausência de melhor lei específica no assunto. A formação de uma sólida jurisprudência pode ser capaz de levar ao desuso a lei de adoção, forçando a criação de uma legislação mais coerente com a especificidade dos destinatários deficientes intelectuais maiores de dezoito anos.

Com a finalidade de demonstrar todos estes fatos foi que se desenvolveu este estudo, que se inicia com uma explanação acerca das pessoas absolutamente incapazes, definindo os conceitos de personalidade e capacidade, os tipos de incapacidades, e explicando como ocorre a representatividade dos indivíduos caracterizados pela inaptidão para o exercício dos atos da vida civil.

No corpo do segundo capítulo, são apresentados o conceito, finalidade, requisitos, efeitos pessoais e patrimoniais da adoção, bem como uma abordagem já crítica sobre a nova lei de adoção.

 O terceiro capítulo fornece ao julgador, ao legislador e à doutrina argumentos capazes de municiar melhor perspectiva de uma solução imediata aos casos concretos que envolvam a adoção de maior de idade incapaz ao descontentamento do requisito legal da exigência da distância mínima de dezesseis anos entre a idade do adotante e do adotado, atingindo a extinção da curatela pela extensão do poder familiar por meio desta adoção. Apesar de mitigado pelo legislador e doutrinadores especializados neste assunto, o alicerce para arrazoar o entendimento maduro do tema foi construído com base nos meios de integração e interpretação da lei, tais como o instituo da analogia, os princípios gerais do direito, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da função social da lei e do melhor interesse do adotado e dos princípios específicos previstos no art. 100 do ECA, apresentados como princípio da proteção integral e prioritária do adotando e o princípio da responsabilidade primária e solidária do poder público.


A MEDIDA JURÍDICA DA PERSONALIDADE

1.1 Aspectos gerais

Para conceituar personalidade se faz necessário o entendimento da acepção da palavra “pessoa”, que equivale ao titular do direito. Washington de Barros Monteiro[1] informa que o mencionado vocábulo deriva do latim persona, aplicado no meio teatral antigo para designar as máscaras utilizadas pelos atores. Posteriormente, passou a designar o próprio papel desenvolvido por estes. Chegando à acepção atual, significa o indivíduo que figura como ator. A atuação deste é ser o dono do direito e por isso figura nas relações jurídicas.

Divide-se o termo “pessoa” nas modalidades física ou natural, que corresponde a um único indivíduo, e jurídica, entidade moral constituída por aglomerado humano com interesse comum. Nesta abordagem, interessa apenas a pessoa natural, assim como, as observações pertinentes à sua personalidade.

Juridicamente, entende-se como “pessoa” o sujeito de direitos e obrigações, resumido no termo “sujeito de direitos”. Justamente por ter posse de direitos e deveres, o indivíduo possui personalidade que se traduz como atributo, característica inerente à pessoa, a qual está apta a atuar na ordem jurídica.

A aptidão para adquirir tais prerrogativas e deveres é o que se denomina personalidade, garantida a todos, sem discriminação, pela lei. O art.1º do Código Civil (CC) propõe que “Toda pessoa é capaz de direitos na ordem civil”, o que significa que toda pessoa é detentora de personalidade.

A pessoa passa a existir no mundo jurídico por meio da personalidade, a qual proporciona um universo de direitos ao indivíduo, tornando-o sujeito. Da personalidade irradiam incontáveis direitos, como, por exemplo: identidade da pessoa, sua liberdade, sociabilidade, reputação, integridade física, moral e intelectual, proteção à vida, proteção à família, enfim, o universo dos direitos reconhecidos de forma geral e ampla a todos os indivíduos.

O rol desses direitos é arbitrado como absoluto, intransmissível, indisponível, irrenunciável, ilimitado, imprescritível, impenhorável e inexpropriável. Em outras palavras, a soberania dos direitos de personalidade configura-se como a proteção maior da ordem jurídica, conforme exposto de maneira sucinta e exemplificativa nos artigos 11 ao 21 do CC, e de maneira mais genérica na Constituição Federal do Brasil (CFB) em seus fundamentos, principalmente no decorrer de seu art. 5º.

O art. 2º do Código Civil dita, no tocante à pessoa natural, que a personalidade civil começa com a vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção. É de suma importância saber quando se dá início à personalidade jurídica e, pelo exposto, entende-se que o direito civil brasileiro tem como termo inicial o nascimento com vida, embasado na teoria natalista, não bastando o simples nascimento, mas a vinda da criança viva.

Por sua vez, como linha final da personalidade, a pessoa natural terá sua existência considerada finalizada quando ocorrer o fator morte, por expressa disposição do art. 6º do CC.

Sabendo que a personalidade é constituída, pela ótica da lei, como condição básica para se possuir direitos e obrigações, ocorrerá a capacidade ou incapacidade quando se mede a extensão desta posse ou poder. A capacidade se constitui como “a medida jurídica da personalidade”[2], ou seja, para que possa agir sobre seus direitos e obrigações, a pessoa precisa estar apta. A aptidão se denomina capacidade. A lei procede à medição para regular a ordem das ações realizadas entre os indivíduos, que constituem as relações sociais.

A capacidade pode ser limitada ou plena. A capacidade plena requer a junção da capacidade de exercício com a de direito, de modo que, na falta da capacidade de exercício, estar-se-ia diante da capacidade limitada.

 A capacidade atribuída a todas as pessoas, quando nascem, é denominada direito ou gozo. Qualquer que seja a nomenclatura escolhida entre as duas opções oferecidas, este tipo de capacidade é dada a todos, independentemente de qualquer distinção, sendo ela inerente ao ser humano, mesmo aqueles privados de discernimento mental, porquanto “nenhum ser dela pode ser privado pelo ordenamento jurídico”[3].

De outro modo se conceitua a capacidade de exercício ou de fato, a qual se entende como a aptidão para se exercer o direito pessoalmente, com autonomia. Esta capacidade não é entregue a todos, podendo inclusive ser retirada.  Este tipo de capacidade não subsiste sem a capacidade de direito. O conceito oferecido pela autora Maria Helena Diniz[4] auxilia na admissão de que a capacidade de fato constitui-se na aptidão de exercer os atos da vida civil, podendo sofrer restrições decorrentes da lei, ao se considerar o fator idade, quando se refere à maioridade ou menoridade, ou o fator mental, quando há ou não amadurecimento mental constatado, ou seja, quando não há o discernimento constituído.

Inicialmente, presume-se, juris tantum, que todos são capazes. Entretanto, observa-se que a capacidade de exercício será vetada ou limitada na ocorrência das incapacidades arroladas pela lei. Há duas modalidades de incapacidades: as absolutas, previstas no art. 3º do CC, e as relativas, apontadas no art. 4º do mesmo diploma.

1.2 Restrições absolutas ao exercício dos atos da vida civil

Toda pessoa é detentora da capacidade de direito. Entretanto, se a pessoa não detém a capacidade de fato, terá ela a capacidade limitada, sendo então conhecida como incapaz. A lei, ao vedar o exercício do direito pelo incapaz, visa à sua proteção, pois crê o legislador que estas pessoas carecem de desenvolvimento mental, intelectual, saúde ou amadurecimento. Assim, é necessário que elas se façam representar ou assistir, conforme o caso, sob pena de nulidade do ato civil praticado.

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O termo incapacidade deve ser visto, portanto, como restrição legal ao exercício dos atos da vida civil. Ele é uma exceção, já que, inicialmente, entende-se que todos deveriam ser detentores de capacidade.

Seguindo a ordem apresentada pelo Código Civil, este, em seu art. 3º, aponta aqueles que consistem em absolutamente incapazes, os quais estão proibidos de exercer, por si sós, os atos da vida civil, devendo para a validade do ato se utilizar do representante legal. Do contrário, configurar-se-ia uma nulidade absoluta, conforme dita o inciso I do art.166 do CC: “É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz”.

Pela lei, são três os casos de incapacidade absoluta. O primeiro apresenta os menores de dezesseis anos. O segundo, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. O terceiro, os que não puderem exprimir sua vontade, mesmo que por causa transitória.

Quanto aos menores de dezesseis anos, o legislador entende que estes detêm desenvolvimento mental reduzido, não possuindo discernimento necessário e suficiente para as decisões da vida civil.

O segundo tipo de incapacidade absoluta mencionado tem como sujeito aqueles que “por motivo de ordem patológica ou acidental, congênita ou adquirida, não estão em condições de reger sua pessoa ou administrar seus bens”[5]. Aqui se trabalha com a anomalia psíquica defina por Maria Helena Diniz como “qualquer doença que compreende não só o estado fronteiriço entre a sanidade e a insanidade mental como também a loucura”[6].

Ainda dentro do segundo tipo de incapacidade absoluta, é necessário que haja discernimento mental reduzido, em que a debilidade mental bloqueia o discernimento e o entendimento, de forma duradoura ou permanente, não importando se a pessoa apresenta intervalos de lucidez. Basta apenas que o discernimento encontre-se reduzido de forma a acarretar falta de entendimento para a prática dos atos da vida civil. A vontade para a prática destes atos é inexistente. Ocorrendo esta incapacidade absoluta, imperiosa será a interdição do indivíduo, a qual consiste em ato judicial declarador da incapacidade do sujeito maior de idade e limitado psicologicamente a se administrar na vida civil. O procedimento da interdição deve ocorrer nos moldes do art. 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil aliado ao que dispõe a Lei  nº 6.015/73, Lei de Registros Públicos.

Por fim, consideram-se absolutamente incapazes aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, em razão de uma patologia ou qualquer fato impeditivo que perdure temporariamente. Em tal situação, há a compreensão, o entendimento, mas a exposição fiel da vontade é dificultada.

Há casos polêmicos que necessitam de uma análise específica para se enquadrarem neste terceiro tipo de incapacidade absoluta. Um exemplo são os surdos-mudos. Eles poderão se enquadrar como incapazes absolutos se houver limitação mental relevante a ponto de retirar-lhes o discernimento, ou educação inadequada para se fazer entender e ser entendido ao manifestar vontade.

Conforme for o caso, se a incapacidade do surdo-mudo for absoluta juntamente com a dificuldade de se exprimir a vontade, mas transitória e com discernimento existente, recai no caso do art.3º, III. Se for por causa duradoura, ou até permanente, sem a existência de discernimento, recai na segunda ocorrência de incapacidade absoluta, explanada pelo art. 3º, II, do diploma civil. Do contrário, conforme for o grau de entendimento, poderá a surdo-mudez ser fator determinante para se considerar o indivíduo relativamente incapaz, em consonância com o art.4º, III, do CPC, que enquadra aquele que, por enfermidade, tem o desenvolvimento mental incompleto. Enfim, o que se expõe é que não há como se tachar os casos genéricos, mas deve-se proceder ao seu estudo para distinguir a hipótese de incidência de incapacidade absoluta pelo inciso II ou III do art. 3º, bem como os casos de incapacidade relativa do art.4º do CC.

1.3 Restrições relativas ao exercício dos atos da vida civil

Pessoas que praticam atos da vida civil, observando o instituto da assistência, são consideradas relativamente incapazes, pois a lei permite que estas exerçam o ato, desde que assistidas por seu representante legal. Na falta deste, o ato será anulável, conforme dita o art. 171, I, do CC.

O art.4 do CC prevê quatro situações de incapacidade relativa. A primeira delas vale-se dos menores situados entre a idade de dezesseis até dezoito anos. Após a incidência dos dezoito anos completos, a pessoa estará apta à realização dos atos da vida civil de forma autônoma. Durante o mencionado interregno, estará o menor apto a praticar, sem assistente, tão somente determinados atos definidos em lei, devendo todos os demais serem assistidos, sob pena de anulabilidade.

Os deficientes mentais de discernimento reduzido são aqueles que possuem vestígio de compreensão, porém diminuída. Sobre eles, e também sobre os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, para quem o vício ao álcool ou drogas já se configura como uma patologia, recai a segunda hipótese de incapacidade relativa. Nestes casos, uma vez configurada a incapacidade relativa, aplica-se o instituto da curatela, conforme preceitos dos artigos 1.772 e 1.782 do CC.

Os excepcionais sem desenvolvimento mental completo configuram o terceiro inciso do art. 4º do CC, que enquadra, por exemplo, os portadores da Síndrome de Down e os surdos-mudos que não possuam entendimento plenamente estruturado em razão de ausência da educação adequada. Para eles, também se aplica a curatela, nos moldes do art. 1.767 e seguintes do CC.

Como última menção do art. 4º do CC, os pródigos, pessoas que corroem o patrimônio pessoal inescrupulosamente, são relativamente incapazes. Como bem ensina Carlos Roberto Gonçalves[7], tratam-se de indivíduos com defeito de personalidade, e seu quadro pode evoluir até ao ponto de se tornarem absolutamente incapazes.

Só será o pródigo apontado como relativamente incapaz quando houver sentença de interdição, a qual nomeará curador, segundo o art. 1.767 e seguintes do CC. A interdição será limitada aos atos de disposição e oneração do patrimônio do interditado.

A lei civil determina o tratamento da capacidade dos índios por legislação especial. De acordo com a Lei nº 6.001/73, na falta de adaptação à sociedade, o índio permanece sob tutela da União.

1.4 A representatividade das pessoas restritas ao exercício dos atos da vida civil

A finalidade precípua de compreender a representatividade dos incapazes é permitir a formação válida do negócio jurídico, que se constitui em ato de vontade, a qual gera o alcance do fim pretendido com sua realização.

Apesar de várias características, conceitos e desdobramentos pertencerem à configuração do ato jurídico, é suficiente abordar apenas um de seus elementos essenciais e comum a todos os gêneros de atos jurídicos, qual seja, o agente capaz, mencionado no primeiro inciso do art. 104 do CC.

O agente capaz pressupõe um indivíduo dotado de consciência e vontade, estando assim apto a praticar todos os atos da vida civil, conforme lição de Washington de Barros Monteiro[8].

Para atender ao requisito da capacidade, o Código Civil supre a incapacidade dos impossibilitados pela exigência da representação ou da assistência, que compõem a chamada representação legal. Este instituto, conforme ensina Maria Helena Diniz[9], fornece aos incapazes segurança em relação à sua pessoa quanto aos bens que possui.

Os absolutamente incapazes são representados, o que significa que o representante do sujeito incapaz exerce o negócio jurídico em nome de seu representado. De outro modo, os relativamente incapazes são assistidos, atuação na qual o representante acompanha o ato praticado pelo próprio incapaz. Em qualquer uma das formas, o representado é que se obriga e não o representante, conforme preleção de Washington de Barros Monteiro[10].

Pelo art. 120 do CC, os efeitos e requisitos da representação legal são estabelecidos nas normas respectivas, ou seja, pelo poder familiar, quando os pais exercem a assistência ou a representação, conforme o caso. Mutatis mutandis, assim, também será quanto ao tutor e ao curador.

1.4.1 Poder familiar

O poder familiar cabe aos pais que, em igualdade de condições, têm o encargo de cumprir deveres de cuidado em relação aos filhos. Hoje não perdura mais a figura discriminatória do título de pátrio poder. Pelas palavras de Washington de Barros Monteiro, “o poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores. Eis a paternidade responsável”[11].

Maria Helena Diniz[12] assevera que o poder familiar configura-se em munus público, irrenunciável, inalienável, imprescritível, incompatível com a tutela e conservador de uma relação de autoridade, por serem pais e filhos ligados pela subordinação que têm estes em relação àqueles.

A competência do poder de família é dada aos pais, sem distinção. Todavia, na falta ou impedimento de um dos pais, caberá ao outro, com exclusividade, o exercício de tal poder. No caso de consortes separados ou divorciados, o exercício do poder ficará com quem detiver a guarda do menor. Na família não matrimonial caberá o poder familiar a ambos os pais se conviverem em união estável; do contrário, caberá a quem resida com o menor. Em se tratando de adoção, caberá ao casal, se ambos adotaram o menor; se apenas um adotou, apenas a ele caberá o poder familiar. Sujeitam-se ao poder familiar, portanto, todos os filhos menores, não emancipados, advindos ou não da relação matrimonial, adotados ou não, por força do art. 1.630 do CC.

O conteúdo do poder familiar, quanto à pessoa do menor, está adstrito ao art. 1.634 do Código Civil, o qual enumera a obrigação dos pais criarem e educarem os filhos, possuir a guarda, tomar decisões quanto ao consentimento do casamento destes, nomeação de tutor, representação até os dezesseis anos e assistência após esta idade, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e exigir obediência e respeito.

Existe a possibilidade de suspensão do poder familiar, diante da ocorrência de prejuízo a um dos filhos ou a alguns deles. Esta suspensão configura-se como sanção e finda quando desaparecer a causa que a originou. São atos que determinam a suspensão do poder familiar: o abuso do poder por um dos pais, a falta aos deveres paternos, dilapidação dos bens do filho, condenação por sentença irrecorrível, maus exemplos, exploração, crueldade, enfim, todos os atos atentatórios à saúde, à segurança e à moralidade dos filhos.

Como meio de punição mais gravoso que a suspensão, e sendo produto de sentença judicial, a destituição do poder familiar recai sobre pai ou mãe que pratica castigos imoderados aos filhos, abandona-os, exerce atos contrários à moral e aos bons costumes, ou abusa de sua autoridade, faltando aos deveres inerentes à sua posição ou arruinando os bens dos filhos.

É oportuno afirmar que se opera a extinção do poder familiar pela ocorrência de um dos casos do art. 1.635 do CC: morte dos pais ou filhos; emancipação do filho; maioridade do filho; adoção; ou ainda, decisão judicial decretando a perda do poder familiar.

1.4.2 Tutela

Como asseverado outrora, o poder familiar cabe aos pais. Diante da impossibilidade ou do impedimento deles o exercerem, o complexo de obrigações e direitos passará a um tutor, o qual tem a missão de proteger o menor e administrar seus bens.

Importante observar que o poder familiar não pode coexistir com a tutela, o que mostra o caráter puramente administrativo desta medida sobre o menor, não derramando sobre este as prerrogativas do laço de afetividade para a realização plena das partes envolvidas. Por isso, a lei criou a adoção, para entregar esta vantagem ao adotante e ao adotado.

A tutela se apresenta em três formas. A primeira é conhecida como testamentária, disposta no art. 1.729 e seguintes do CC, e no art.37 e parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nela, por ato de disposição de última vontade, os pais, no exercício do poder familiar, nomeiam tutor ao menor.

Em seguida há a tutela legítima, que segue uma ordem legal de pessoas hábeis a se tornarem tutoras, na falta da tutela testamentária. A listagem dos habilitados está disposta no art. 1.731 do CC, todos parentes consanguíneos do menor, iniciando-se pelos ascendentes, após irmãos ou tios.

Dativa é o terceiro tipo de tutela, em que uma decisão judicial opera na nomeação de tutor, na falta de tutor testamentário e inexistência de parente consanguíneo do menor. No caso das pessoas apresentadas na listagem de tutela legítima não deterem idoneidade, recai sobre elas a exclusão da tutela ou escusas dos tutores. Esta modalidade de tutela vai reger o menor mesmo que seus pais estejam vivos, mas destituídos do poder familiar. O menor será encaminhado para a nomeação judicial do tutor, ou será recolhido em estabelecimento público designado para tal finalidade. Inexistindo o referido estabelecimento, será o menor encaminhado à tutela de famílias voluntárias para este encargo.

Estão impedidas de exercerem a tutela as pessoas que incidam nas hipóteses abarcadas no art. 1.735 do CC: aquelas que não têm a livre administração de seus bens; que têm obrigação com o menor ou têm de fazer valer seu direito contra este, bem como têm pais, filhos ou cônjuge que estão demandando com o menor; que são inimigas do menor ou de seus pais, ou foram excluídas da tutela do menor; foram condenadas por crime de furto, roubo, estelionato ou falsidade; têm mau procedimento ou foram ímprobas ou culpadas de abuso em tutelas anteriores; e por fim, aquelas que exercem função incompatível com a boa administração da tutela.

Existe a possibilidade de se escusar da tutela, se for a pessoa mulher casada; ou pessoa maior de sessenta anos; ou que tenha mais de três filhos em seu poder; ou que esteja enferma; ou more em local diverso do exercício da tutela; ou já esteja no exercício da tutela ou curatela; ou apresentar-se como sendo pessoa despida de parentesco com o menor, apontando quem o seja conjugado com a idoneidade para exercer a tutela.

Cabe ao tutor, sob a inspeção do Juiz, cuidar do menor e de seus bens, utilizando-se destes para o sustento e custeio do menor, por meio de valor a ser arbitrado judicialmente, cumprindo todos os deveres que normalmente cabem aos pais, mas ouvindo a opinião do menor se este contar com mais de doze anos. Deve ainda o tutor representar o menor até a idade de dezesseis anos, e assisti-lo a partir de então.

A responsabilidade civil do tutor permanecerá até que o Juiz aprove a prestação de contas que deve ser apresentada de dois em dois anos, ou quando, por qualquer motivo, deixar o tutor o exercício da tutela, inclusive por determinação judicial que entenda ser conveniente o afastamento do tutor.

A tutela termina por parte do tutelado, se este atingir a maioridade, for emancipado ou se alistar no serviço militar. Quanto ao tutor, finda a tutela se expirar o prazo de dois anos de serviço; se for removido, comprovada a sua inidoneidade; ou se recaírem os casos de escusas legítimas do tutor.

1.4.3 Curatela

Curatela é o instrumento que objetiva amparar uma pessoa que se encontre impossibilitada de reger sua vida e seus bens. Para complementar este conceito, Maria Helena Diniz[13] afirma que curatela, em regra, configura-se como munus público, entregue ao curador para que dirija a pessoa do curatelado e os bens deste.

Por sua complexidade, a curatela é aplicável em diversos casos. Há a curatela para reger pessoa maior que esteja impossibilitada em razão de incapacidade, e curatela para reger nascituros e ausentes. Nestes dois casos, a curatela possui peculiaridades, tendo disciplina legal diferenciada. Há também as curatelas de fins especiais, denominadas curadorias especiais. Para o direcionamento do estudo, aborda-se aqui apenas a curatela dos adultos incapazes.

Maria Helena Diniz[14] informa dois pressupostos para a curatela: a incapacidade, advinda de causas patológicas, congênitas ou adquiridas, que são capazes de delimitar a pessoa a ponto desta não reger-se e administrar seus bens; e a decisão judicial, pressuposto jurídico, que irá submeter o incapaz à curatela.

Estão no art. 1.767 do CC os casos sujeitos à curatela dos incapazes. O primeiro deles compreende os psicopatas, alienados mentais e excepcionais, ou seja, enfermos ou deficientes mentais que não têm o necessário discernimento para os atos da vida civil, devido a patologias prolongadas, duradouras, permanentes e habituais, não importando se há lapsos de lucidez, igual explana Washington de Barros Monteiro[15]. Acrescenta-se que não há obrigatoriedade de ser a enfermidade sem cura ou perpétua.

O inciso II do art. 1.767 do CC expõe aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade. Nesta leitura, enquadram-se, por exemplo, os surdos-mudos que se não são desenvolvidos para a prática de atos da vida civil, e os acometidos do estado de coma.

Os toxicômanos e os ébrios habituais também são interditados pela curatela. Em ambos os casos, a curatela será plena ou limitada, observando-se as condições de manifestação da vontade dos curatelados, que serão encaminhados a estabelecimentos apropriados para seu tratamento, caso não se adaptem ao ambiente familiar.

Igualmente são sujeitos à interdição os excepcionais sem desenvolvimento mental completo. Neste caso se adequam os relativamente incapazes do art. 4º, III, do CC. O juiz analisará o grau da incapacidade a fim de delimitar os limites da curatela.

Por fim, estão sujeitos à curatela os pródigos, já definidos na abordagem sobre os relativamente incapazes. De todo modo, a prodigalidade revela-se como doença ligada a jogos e vícios que levam a cabo o patrimônio do pródigo. Este poderá praticar atos que não envolvam a administração de seu patrimônio, sendo assistido neste caso por seu curador.

 A caracterização da curatela só ocorre por decisão judicial, de cunho declaratório e constitutivo do estado de incapacidade, que será proferida por meio do processo de interdição, cuja finalidade é investigar a existência de justa causa para a medida.

O art. 1.768 do CC legitima como pessoas habilitadas a solicitar a interdição os pais ou tutores, o Ministério Público, o cônjuge ou qualquer parente. A atuação do Ministério Público está adstrita aos casos de doença mental grave, ou à omissão de outros habilitados para solicitar a interdição. Na verdade, a regra é que o Ministério Público atue como defensor do suposto incapaz, exceto quando o próprio órgão promover a interdição, caso em que o juiz nomeará um defensor.

A sentença concluirá pela incapacidade absoluta ou relativa, sendo a curatela plena ou limitada, respectivamente. Os atos do interdito serão declarados nulos ou anuláveis, conforme se revestir a incapacidade. Maria Helena Diniz[16] conclui que a natureza da sentença é concomitantemente declaratória e constitutiva.

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Sobre a autora
Suellen da Costa Gonçalves

Servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Pós-Graduada pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Suellen Costa. Adoção do maior incapaz ao arrepio da hierarquia legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3840, 5 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26330. Acesso em: 25 dez. 2024.

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