1INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por escopo o estudo da responsabilidade objetiva do Estado na concessão de benefício fiscal de Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), declarados inconstitucionais. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionavam a concessão de benefício fiscal nessa matéria sem a autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Na ocasião, tais ações foram julgadas procedentes, declarando que os benefícios fiscais questionados eram inconstitucionais.
Ante tal quadro, surge a seguinte indagação: qual a situação do contribuinte que, de boa-fé, usufrui do benefício fiscal concedido, muitas vezes de forma onerosa, fazendo investimentos, sejam eles quais forem, e, após, lhe é cobrado pelos valores do ICMS que foram objeto do incentivo fiscal?
Em resposta a essa indagação, este artigo evidenciará a responsabilidade objetiva do Estado sob a perspectiva da responsabilização civil por ato legislativo, apontando as correntes doutrinárias existentes sobre o tema. Para tanto, fará uma explanação sobre a concessão de benefícios fiscais em matéria de ICMS, bem como uma breve análise das decisões do STF sobre o tema.
2 ICMS: Aspectos Gerais
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) é um tributo de competência dos estados e do Distrito Federal, previsto no art. 155, inciso II, da Constituição. Segundo o artigo citado, o tributo é incidente sobre as operações relativas a circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e serviços de comunicações, ainda que iniciados no exterior, sendo não-cumulativo[1].
Tem caráter precipuamente fiscal, tendo a Constituição, no art. 155, § 2º, III, dando-lhe caráter extrafiscal, através da seletividade[2], de acordo com a essencialidade das mercadorias e dos serviços. A sua regulamentação foi delegada pela Constituição à lei complementar[3].
Na maior parte dos países, o ICMS encontra-se incluído no IVA (imposto sobre valor agregado), tendo caráter nacional. Porém, no sistema tributário pátrio, o legislador constituinte optou por delegar aos Estados este importante tributo, tendo a preocupação de contemplar inúmeras regras diretamente no texto constitucional, com o fito de dar maior uniformidade entre os entes federativos competentes para instituí-lo (ALEXANDRE, 2010). Previu também, como será tratado adiante, da necessidade de apreciação por todos os estados e Distrito Federal, na concessão de benefícios fiscais. O Senado tem papel importante na fixação de alíquotas interestaduais do imposto, conforme previsto no art. 155, § 2º, inciso IV da CF/88, podendo o mesmo também estabelecer alíquotas internas mínimas e máximas[4].
Os fatos geradores não foram definidos pela Lei Complementar 87/96, mas esta estabelece, no seu art. 2º, as situações em que o legislador estadual poderá tipificar as hipóteses de incidência[5]. Conforme acima citado, a Constituição determina que o ICMS incidirá sobre as operações relativas à circulação de mercadorias. Mas deve-se analisar tal dispositivo com o devido cuidado, uma vez que não é qualquer circulação de mercadorias que ensejará a incidência do tributo, sendo necessário que haja uma transferência de propriedade[6]. Da mesma forma que já se encontra consolidado o entendimento que o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não é fato gerador do ICMS, consubstanciado na súmula 166 do STF.
A sua base de cálculo é o valor da operação, incluindo o próprio imposto. Ressalva-se a previsão contida no art. 155, § 2º, inciso XI, determinando que “não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos”.
O contribuinte do ICMS é definido no art. 4º da Lei Complementar 87/96 como sendo
[...] qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações se iniciem no exterior.
O ICMS é tributo sujeito a lançamento por homologação, ou seja, é de responsabilidade do contribuinte o recolhimento do tributo, independentemente de análise prévia da autoridade administrativa, cabendo-lhe a verificação da correção do procedimento, para, caso não haja irregularidades, homologá-lo, podendo, também, caso existam diferenças, lança-las de ofício (ALEXANDRE, 2010, pág. 621).
3. BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS
3.1. Conceito de benefício fiscal
Muito se tem discutido na doutrina pátria sobre os conceitos de incentivo fiscal e benefício fiscal. A própria Constituição faz essa diferenciação quando menciona, no seu art. 155, XII, g, que cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Para fins deste estudo, adotaremos o conceito de benefício trazido pela Lei Complementar 24/75 e pela Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O art. 1º da Lei Complementar 24/75, no seu caput e parágrafo único, elenca as hipóteses em que deverá haver a deliberação do CONFAZ para sua concessão[7]. E, se referindo ao art. 1º, o § 2º do art. 2º da mesma Lei denomina aquelas hipóteses de benefício, elencando situações distintas de concessão e revogação, o que se verá adiante.
Por outro lado, o art. 14, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal define que
A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
Não se pode confundir neste caso, o conceito apresentado no dispositivo legal citado como renúncia de receita, já que o seu próprio texto traz expressamente a expressão “a renúncia compreende”, ou seja, as situações ali elencadas têm como consequência a renúncia de receita. O próprio caput do artigo 14 faz referência ao que seja renúncia de receita, o que nos indica que são conceituações distintas.
Como corolário, conclui-se que os benefícios fiscais são a anistia, a remissão, o subsídio, o crédito presumido, a concessão de isenção em caráter não geral, a alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. Tal conceito não colide com a disposição do art. 1º e parágrafo único da Lei Complementar 24/75, visto que todas as situações ali elencadas encontram correspondência com o conceito acima posto.
2.2. A Concessão de benefício fiscal de ICMS
A Constituição Federal prevê regramento rígido na concessão de benefício fiscal. O art. 150, § 6º determina que
§ 6º - Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
Como se pode observar, o dispositivo acima transcrito traz uma especificação contida no art. 155, § 2º, XII, g. Tal especificação estabelece que cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” relativos ao ICMS. Esta matéria encontra regulamentação na Lei Complementar n.º 24/75, recepcionada pela Constituição, pois com ela não tem incompatibilidade. O caput do artigo 1º da citada lei determina que “as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal”.
Muito embora tenha se citado sobre a necessidade da celebração de convênio sobre concessão de isenção do ICMS, é necessária também a sua celebração quando houver:
a) redução da base de cálculo;
b) devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
c) concessão de créditos presumidos;
d) quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus[8].
Como se pode observar, a necessidade de convênio não se limita às hipóteses de isenção do ICMS, abrangendo uma vasta gama de benefícios fiscais. E para que haja a sua concessão, a própria lei, no seu art. 2º, § 2º, estabelece que deverá haver a aprovação unânime dos Estados representados.
O legislador constituinte fez esta opção no tocante ao ICMS com o claro intuito de evitar as disputas fiscais entre os estados, a chamada guerra fiscal[9]. A ementa do acórdão proferido no deferimento da medida cautelar na ADI nº. 1247bem ilustra esta assertiva:
[...] O legislador constituinte republicano, com o proposito de impedir a 'guerra tributaria' entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais.
E continua o referido acórdão:
[...] A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à valida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributaria em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades politicas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributaria pertinente ao ICMS.
Constata-se, portanto, que qualquer concessão de benefício fiscal do ICMS sem a prévia aprovação unânime de convênio pelo CONFAZ, caso contrário infringirá as regras constitucionais sobre o tema.
Atualmente, as celebrações de convênios para os fins acima referidos é feita pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Este conselho é composto pelo Ministro da Fazenda, como representante do governo federal, e dos Secretários de Estado da Fazenda, Finanças ou Tributação, como representantes dos Estados e do Distrito Federal[10].
3.3 Consequências da declaração de inconstitucionalidade de benefício fiscal
Como é sabido, os Estados, na prática da chamada “guerra fiscal”, editam leis concedendo benefícios fiscais unilateralmente. Os contribuintes então, dada as vantagens propostas, se instalam nestes estados, fazendo investimentos em infraestrutura, instalação de unidades, criação de novos postos de trabalho, comprometendo o seu orçamento, muita das vezes, por um período longo de tempo, visando a recuperar estes investimentos com o aproveitamento do benefício fiscal concedido.
A declaração de inconstitucionalidade dessas leis pelo STF, sem a modulação de efeitos[11], poderá ter consequências perniciosas sobre esses contribuintes, visto que o imposto não recolhido devido à concessão do benefício fiscal agora é passível de cobrança. A exemplo disso, o Ministério Público do Distrito Federal ajuizou mais de 600 ações civis públicas contra empresas atacadistas instaladas no Distrito Federal, que obtiveram créditos de ICMS através do programa conhecido como TARE (Termo de Acordo de Regime Especial)[12]. O próprio STF já entendeu pela legitimidade do Ministério Público para propor este tipo de ação, no julgamento do Recurso Extraordinário 576.155/DF.
O que se percebe deste quadro é que o contribuinte pode ter que, além de arcar com os custos dos investimentos por ele feitos, pagar o imposto que deveria ter sido recolhido, caso não houvesse a concessão do benefício fiscal, o que pode inviabilizar até mesmo a continuação do empreendimento, restando evidente o dano.
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Não é o objetivo deste trabalho fazer um estudo aprofundado da responsabilidade civil do estado por ato legislativo. Em que pese os argumentos contrários[13], para os fins aqui propostos, filiamo-nos à corrente doutrinária que adota a responsabilização do Estado por dano causado na sua atividade legislativa, conforme será detalhado adiante.
4.1 Breves notas sobre a responsabilidade civil do Estado
A responsabilização do Estado nem sempre foi admitida. Com a evolução dosconceitosde Estado de Direito é que a ideia de Estado responsável tornou-se associada à de Estado de Direito (Dias, pág. 141). Neste sentido, cita Dias que
A partir da doutrinado Estado de Direito, cultuada pelos juristas alemães, na primeira metade do século XIX, submetendo o Estado à lei constitucional e o vinculando ao reconhecimento de certos direitos fundamentais dos indivíduos nela estabelecidos, permitindo-lhes defesa contra os excessos do poder estatal, despontou a tendência de se incluir nos textos constitucionais um preceito normativo genérico, estabelecendo a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos particulares. (2004, pág. 141).
A noção de Estado irresponsável[14] não teve sua plenitude adotada pelo direito pátrio. Embora tenha adotado a responsabilização do agente estatal, não havia de início a responsabilidade direta por danos causados[15]. Somente com a Constituição de 1946 é que a teoria da responsabilidade objetiva foi acolhida, quando passou-se a admitir a responsabilidade do Estado, independentemente de haver culpa ou não na conduta do seu agente, tendo a Constituição de 1967 pouco inovado neste sentido (FARIA, pág. 647).
A Constituição de 1988 consolida a responsabilidade objetiva do Estado com fulcro no risco da administração[16]. De fato, a Constituição, no seu art. 37 § 6º, dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros [...]”.
Existe um consenso doutrinário no sentido da responsabilização objetiva pelos atos estatais, com fundamento no risco da Administração.Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a responsabilidade objetiva “é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na espera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano” (2012, pág. 1022). Para Marçal Justen Filho, “a responsabilidade civil do Estado consiste no dever de indenizar as perdas e danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado[17]” (2006, pág. 792).
A aplicabilidade da responsabilidade objetiva tem como pressupostos a existência do dano, seja ele material ou moral, a ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado e o nexo de causalidade entre o dano a ação ou omissão estatal[18] (JUSTEN FILHO, 2006, pág. 794).
4.2 A responsabilidade objetiva do Estado por ato legislativo
Como já acima asseverado, a ideia de Estado irresponsável não encontra abrigo na noção de Estado de Direito. Por uma consequência lógica, todo o Estado está submetido ao império da lei, em todas as suas manifestações de poder, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, tendo como parâmetro a Constituição.Juary Silva, citado por Di Pietro, esclarece que “o princípio do Estado de Direito, vale dizer, o da plena submissão de toda a atividade estatal ao Direito, concebendo-se este como criado pelo Estado, senão como algo que se coloca acima do Estado” (2010, pág. 658). Logo, não há como conceber uma atividade legislativa estatal longe da ideia de não sujeição à responsabilidade do Estado (Esteves, 2003, pág. 81).
Argumentos contrários à submissão do poder de legislar à responsabilidade objetiva trazem os seguintes questionamentos, conforme assevera Di Pietro:
1. O Poder Legislativo atua no exercício da soberania, podendo alterar, revogar, criar ou extinguir situações, sem qualquer limitação que não decorra da própria Constituição;
2. o Poder Legislativo edita normas gerais e abstratas dirigidas a toda a coletividade; os ônus delas decorrentes são iguais para todas as pessoas que se encontram na mesma situação, não quebrando o princípio da igualdade de todos perante os ônus e encargos sociais;
3. os cidadãos não podem responsabilizar o Estado por atos parlamentares por eles mesmos eleitos.[19] (2010, pág. 657-658)
Rebatendo os argumentos acima postos, a mesma autora coloca:
1. mesmo exercendo parcela da soberania, o Legislativo tem que se submeter à Constituição, de modo que acarreta responsabilidade do Estado quando edita leis inconstitucionais;
2. nem sempre a lei produz efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas, mesmo que se trate de normas constitucionais;
3. ao terceiro argumento, responde-se que a eleição do parlamentar implica delegação para fazer leis constitucionais[20]. (2010, pág. 658).
Existem também outros argumentos, no sentido de que a responsabilização estatal pela edição de normas legais entravaria a evolução legislativa, ou que o particular lesado deve ser considerado como autor de suas próprias lesões, uma vez que elegeu seus representantes para a tarefa de legislar (NOBRE JÚNIOR, pág. 343) e que também não merecem prosperar.
A doutrina tem condicionado a hipótese de responsabilização do Estado por ato legislativo à declaração de inconstitucionalidade da lei[21] ou nos casos de lei de efeitos concretos, constitucionais ou não, estendendo-se também à omissão no poder de legislar e regulamentar (Di Pietro, 2010, pág. 658).A declaração de inconstitucionalidade defendida por esta corrente doutrinária deve ser feita pelo controle concentrado pelo STF, após a qual, visto que dotada de efeitos extunc, estaria hábil em gerar o direito à reparação[22].
Esteves afirma que prescinde a existência do controle concentrado de constitucionalidade para o ensejo à reparação civil por ato legislativo. Explicita o referido autor:
O reconhecimento da existência das duas modalidades de controle de constitucionalidade [difusa e concentrada] importa admitir que ambos se revelem igualmente eficazes na defesa dos direitos que preordenam a tutelar. De outro lado, não se vislumbra, no ordenamento processual pátrio, qualquer obstáculo à obtenção de efeito patrimonial pela via da ação em que se suscite o controle incidental de constitucionalidade. A indenização decorrente do reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, no caso concreto, pode, efetivamente, traduzir-se na pretensão essencial do autor da ação, o que não há d e ser visto como algo descabido ou ilegítimo na sistemática constitucional e processual em vigor”. (2003, pág. 231)
Parece-nos um posicionamento razoável, visto que os efeitos da decisão judicial, seja no controle concentrado ou difuso de constitucionalidade podem ser verificados no caso concreto, o que ensejaria a reparação do dano, caso ele tenha existido.
Portanto, verifica-se que o exercício da função legislativa não está isento de limites, impondo ao Estado o dever de reparar o dano causado por atos legislativos que extrapolem os limites fixados constitucionalmente. Esta responsabilidade prescinde de condicionantes, assentando-se, de modo inquestionável, em uma ideia de Estado de Direito, submetido à Constituição (Esteves, 2003, pág. 232).