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O direito do consumidor de receber a indenização integral pelos consertos necessários em seu automóvel independente da realização dos reparos em oficina credenciada pela seguradora

14/03/2014 às 15:56
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O consumidor não é obrigado a reparar seu veículo apenas em oficinas credenciadas nem deve pagar valores cobrados pelas oficinas superiores àqueles praticados pela rede credenciada da seguradora. É abusivo tarifar, no contrato, valor fixo da indenização bastante inferior aos preços do mercado.

Resumo: Ilegalidade de condicionar o consumidor a somente realizar reparos nos automóvel segurado em oficinas credenciadas

Palavras-chaves:. Direito do consumidor. Contrato de seguro. Dano. Automóvel. Oficinas credenciadas.


Uma companhia seguradora, ao comercializar seguros de automóveis, assume a responsabilidade por toda a cadeia de prestação de serviços, mais ainda em razão de falha de seus próprios empregados e prepostos. 

A eleição de oficinas credenciadas pela seguradora de automóveis é prática corriqueira no mercado, mas que deve se adequar aos balizamentos impostos pelo direito do consumidor, sob pena de restringir, de forma abusiva, o direito dos segurados. 

Por estarem na condição de fornecedora, as seguradoras têm a obrigação de prestar serviços adequados, bem como fornecer informações verdadeiras ao consumidor, que muitas vezes é induzido a erro, quando é levado a crer que somente teria o direito de consertar seu veículo em “oficinas credenciadas”, quando pagou por um contrato que dá direitos mais amplos.

E é bastante comum a ocorrência de situações em que o consumidor se depara com a recusa das companhias seguradoras de cobrir integralmente o prejuízo sobre o bem segurado, quando o consumidor opta por levar seu veículo a uma oficina de sua confiança e não a uma unidade credenciada pela seguradora. Essa recusa se dá, inclusive, de forma camuflada, quando lhe é exigida diferença entre o valor do reparo feito na oficina credenciada e na oficina comum. 

A SUSEP - Superintendência de Seguros Privados1, autarquia que regula o setor, entende que “as oficinas credenciadas constituem fator redutor no preço de peças e mão-de-obra, reduzindo consequentemente o custo médio de seus sinistros, além de agilizarem o processo de regulação/ajuste do orçamento e liberação do veículo. No entanto, a seguradora não pode exigir que o segurado repare seu veículo em uma oficina credenciada, podendo apenas estabelecer vantagens para tal”.

No mesmo sentido, a Justiça do Estado do Rio de Janeiro já decidiu:

VI Juizado Especial Cível: “Trata-se de relação de consumo, uma vez que as partes autora e ré se enquadram, respectivamente, nos conceitos de consumidor e fornecedor, trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor em seus arts. 2º e 3º. Presente, outrossim, o requisito objetivo para a configuração da relação de consumo, qual seja, o fornecimento de serviços por parte do réu, mediante pagamento, conforme o art. 3º, §2º, também do Código de Defesa do Consumidor. Verifico que é desnecessária a inversão do ônus da prova, uma vez que os fatos são incontroversos, cingindo-se a questão à análise da legalidade da conduta da parte ré, que sustenta não ser obrigada a responder por valores cobrados por oficinas contratadas pelos segurados, quando extrapolem aqueles praticados por oficinas credenciadas. Contudo, fato é que o contrato celebrado entre as partes não tem qualquer ressalva nesse sentido: ao contrário, deixa claro que a obrigação do autor, no caso de sinistro, é tão somente proceder ao pagamento de franquia, não havendo qualquer cláusula que autorize que lhe seja cobrado valor excedente” (Processo nº 0418834-61.2012.8.19.0001, j. 10 de março de 2013. Juíza Flávia Capanema)

Alegar, genericamente, que os preços praticados pela oficina escolhida pelo consumidor são superiores à média de mercado é prática abusiva, que dependeria de prova. 

Na verdade, se a companhia apenas pode estabelecer vantagens para premiar o consumidor que leva seu veículo a uma oficina credenciada, a prática contrária, ao negar indenização no caso de conserto em outra oficina ou de exigir o pagamento de diferença implica violação da própria essência do contrato de seguro de dano, conforme reza o art. 779 do Código Civil, in verbis:

“Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa”.

O STJ<, no julgamento do REsp nº 735.750/SP, já decidiu que cláusulas que tarifam o valor da indenização são abusivas porque reduzem os efeitos jurídicos da cobertura do contrato de seguro ao estabelecer um valor máximo para as despesas, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato. A propósito:

STJ: “O cerne da questão cinge-se à análise da existência de abuso na cláusula do contrato de plano de saúde que prevê limite de valor para cobertura de tratamento médico-hospitalar. In casu, a beneficiária de plano de saúde foi internada em hospital conveniado, em razão de moléstia grave e permaneceu em UTI. Todavia, quando atingido o limite financeiro (R$ 6.500,00) do custo de tratamento previsto no contrato celebrado entre as partes, a recorrida (mantenedora do plano de saúde) negou-se a cobrir as despesas médico-hospitalares excedentes. De fato, o sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. No entanto, tais cláusulas limitativas não se confundem com as cláusulas que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação. Na espécie, a seguradora de plano de saúde assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada. Porém, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura ao estabelecer um valor máximo para as despesas hospitalares, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato. É que tal cláusula não é meramente limitativa de extensão de risco porque excludente da própria essência do risco assumido (...)” (REsp 735.750-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/2/2012.)

No particular, a seguradora faltou com o seu dever estipulado no art. 765 do Código Civil que dispõe que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.

Outrossim, o consumidor não pode se ver obrigado a esperar mais tempo do que o contratualmente estabelecido, em razão da falta de estoque de peças de reposição nas “oficinas referenciadas”. Neste caso, a seguradora responderá de forma solidária pela demora ou ausência de peças de reposição. Nesse sentido, decidiu a Justiça do Estado do Rio de Janeiro inúmeras vezes:

 TJ/RJ: “(...)Não há dúvida, quanto à demora excessiva no reparo do bem, especialmente considerando que incumbe ao fornecedor manter estoque de peças de reposição como dever anexo decorrente do princípio da boa fé. Não houve, in casu, satisfação adequada do dever de informar e, se era tão difícil o reparo do bem, deveria a seguradora desde o início ter declarado a perda total e pago a indenização cabível, sub-rogando-se nos salvados para, então, consertá-los com o tempo que achasse conveniente.
Caracterizado, desta forma, o defeito do serviço e a responsabilidade da seguradora, impõe-se a obrigação de indenizar os danos sofridos em virtude do grave inadimplemento.
(Apelação nº 0377624-69.2008.8.19.0001 – DES. MÁRCIA FERREIRA ALVARENGA – Julgamento: 25/06/2012 – trecho do voto).

TJ/RJ: “Ação de reparação por danos morais e materiais. Veículo roubado e recuperado sem condição de trafegar. Prestação de serviço defeituoso e muito demorado em oficina credenciada pela seguradora, causando inúmeros transtornos à consumidora. Sentença de procedência. Inconformismo de ambas as partes. Entendimento desta Relatora quanto ser a relação de consumo. Responde, a Ré, independentemente de culpa pelos prejuízos. Demora excessiva no reparo do bem, especialmente considerando incumbir ao fornecedor manter estoque de peças de reposição como dever anexo decorrente do princípio da boa-fé. Descumprimento da oficina Ré do dever de informar, pois reiteradamente limitou-se a justificar os adiamentos, genericamente, sem apresentar qualquer comprovação, eventualmente existente, quanto à dificuldade na obtenção de peças ou por vistorias exigidas pela segurada com objetivo de autorizar os reparos. Demora de 121 dias corridos, por si só, já causa transtornos, mas os fatos tomaram contornos kafkianos, com desrespeito deflagrado por preposto da Ré. Caracterizado, o defeito do serviço e a responsabilidade da Ré, impõe-se a obrigação de indenizar os danos sofridos em virtude do grave inadimplemento. Mesmo após a excessiva demora foram detectados inúmeros defeitos do serviço da Ré, apontados na vistoria de qualidade feita pela seguradora, culminando que os reparos fossem entregues à outra oficina credenciada. Valor fixado dos danos extrapatrimoniais fixados em R$ 10.000,00 dez mil reais encontra-se adequado, razão pela qual deve mantido, pois proporcional à extensão do dano e adequado aos parâmetros desta E. Corte. Precedente TJERJ. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AMBOS OS RECURSOS, na forma do Artigo 557, caput, do CPC. (Apelação nº 0046469-78.2006.8.19.0038. Des. CONCEICAO MOUSNIER - Julgamento: 30/07/2012).

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Trata-se, a toda evidência, de práticas abusivas, que geralmente estão amparadas em cláusulas insertas em contratos de adesão, que são nulas, por desrespeitar o sistema de defesa do consumidor, por força do que dispõe o art. 51, I do CDC.

Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor qualifica como impróprio o serviço (art. 20 § 2º do CDC) que se mostra inadequado ao fim que razoavelmente dele se espera. Essa razoabilidade está intimamente ligada ao direito de informação do consumidor (art. 6º, III do CDC), que encontra, nos serviços massificados, o atendimento nos call centers seu principal veículo de comunicação com a empresa prestadora dos serviços. Diz a lei:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; 

(…)

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

(…)

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade

(...)

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

(…)

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor

A correta prestação de informações, além de direito básico do consumidor, demonstra a lealdade inerente à boa-fé objetiva e constitui ponto de partida para a perfeita coincidência entre o serviço oferecido e o efetivamente prestado. De acordo com Cláudia Lima Marques, “(...) não é unicamente no contrato e nas suas cláusulas que se deve verificar se houve uma adequada e eficaz prestação do serviço. A noção do serviço inadequado é objetivada, até porque depender do teor do contrato é colocar tudo nas mãos e no controle do fornecedor, o qual, invariavelmente, utiliza-se de contratos de adesão e redige as cláusulas considerando unicamente os próprios interesses econômicos” (MARQUES, Cláudia Lima et alli. Manual de direito do consumidor. 2ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 158).

Em resumo, o consumidor não é obrigado a reparar seu veículo apenas em oficinas credenciadas e também não deve responder por quaisquer valores cobrados pelas oficinas quando extrapolem aqueles praticados pelas oficinas credenciadas da seguradora. De outro lado, é igualmente abusivo tarifar, no contrato, um valor fixo da indenização que é bastante inferior aos preços praticados no mercado. 


Nota

1http://www2.susep.gov.br/menuatendimento/info_auto.asp

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Sobre o autor
Ricardo Marques de Almeida

Procurador Federal no Estado do Rio de Janeiro. Representante Suplente da Carreira de Procurador Federal no Conselho Superior da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Ricardo Marques. O direito do consumidor de receber a indenização integral pelos consertos necessários em seu automóvel independente da realização dos reparos em oficina credenciada pela seguradora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3908, 14 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26909. Acesso em: 22 nov. 2024.

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