1. Introdução
A qualificação técnica é a limitação imposta por lei aos licitantes com o objetivo de assegurar a qualidade e a garantia de execução do objeto contratado pela Administração Pública. Essa limitação está restrita às exigências indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, por determinação contida no art. 37, XXI, da Constituição Federal.
Tratando-se de aquisição de medicamentos, insumos destinados ao diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares, a exigência de qualificação técnica assume maior importância, uma vez que a qualidade do objeto contratado pela Administração Pública está relacionada à proteção da saúde da população.
O Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.814/1998, que estabelece os procedimentos a serem observados pelas empresas produtoras, importadoras, distribuidoras e do comércio farmacêutico, objetivando a comprovação da identidade e qualidade dos medicamentos. Em seu artigo 5º, estabeleceu a obrigatoriedade de apresentação de Certificado de Boas Práticas de Fabricação, nas compras e licitações públicas de medicamentos.
O Certificado de Boas Práticas de Fabricação declara que o estabelecimento licenciado cumpre com os requisitos de boas práticas de fabricação e controle, emitido pela a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA no cumprimento de sua finalidade institucional de promoção à proteção da saúde da população.
A exigência do certificado de boas práticas de fabricação como cumprimento da qualificação técnica exigida nas licitações é um tema polêmico e possui relevância em razão do seu relacionamento direto com a proteção à saúde da população.
Apoiado na literatura específica do assunto, pretendo analisar a possibilidade da exigência de Certificados de Boas Práticas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA como requisito de qualificação técnica em licitações públicas.
2. Certificado de Boas Práticas da vigilância sanitária
O art. 12 da Lei nº 6.360/76 proíbe que drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos sejam industrializados, expostos à venda ou entregues ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde. O art. 17, por sua vez, impõe a negativa de registro dos produtos de que trata sempre que não atendidas as condições, as exigências e os procedimentos para tal fim previstos em lei, regulamento ou instrução do órgão competente. [1]
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA foi criada pela Lei nº 9.782/1999 com a finalidade de promoção à proteção da saúde da população, através do controle sanitário de produção e da comercialização de produtos e serviços (art. 6º)[2].
Entre as competências da ANVISA fixadas na mencionada Lei, destacam-se para o presente estudo os arts. 7º, III, IX, X e XV, e 8º, §1º, I, V e VI, que assim dispõem, in verbis:
Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:
(...)
III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;
(...)
IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;
X - conceder e cancelar o certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação;
(...)
XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
(...)
Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.
§1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:
I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;
(...)
V - conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico;
VI - equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem;
Dessa forma, compete à ANVISA regulamentar as ações de vigilância sanitária, controlando e fiscalizando a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de medicamentos, insumos destinados ao diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares, inclusive odontológicos.
A competência da ANVISA para o controle e a fiscalização abrange a concessão do registro desses produtos e a emissão de certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação.
O Certificado de Boas Práticas de Fabricação, por sua vez, é o documento emitido pela autoridade sanitária que declara que o estabelecimento licenciado cumpre com os requisitos de boas práticas de fabricação e controle. A referida certificação surge no ordenamento jurídico brasileiro a partir do Decreto nº 79.094/1977, que estipulava a sua necessidade para registro de produtos submetidos à fiscalização da Vigilância Sanitária[3]:
Art 3º Para os efeitos deste Regulamento são adotadas as seguintes definições:
(...)
XXXII - Certificado de Cumprimento de Boas Práticas de Fabricação e Controle - Documento emitido pela autoridade sanitária federal declarando que o estabelecimento licenciado cumpre com os requisitos de boas práticas de fabricação e controle;(Redação dada pelo Decreto nº 3.961, de 10.10.2001)
(...)
Art 17 O registro dos produtos submetidos ao sistema de vigilância sanitária fica sujeito à observância dos seguintes requisitos:
(...)
X - Comprovação, por intermédio de inspeção sanitária, de que o estabelecimento de produção cumpre as boas práticas de fabricação e controle mediante a apresentação do certificado de que trata o art. 3º, inciso XXXII. (Inciso incluído pelo Decreto nº 3.961, de 10.10.2001)
No intuito de harmonizar as disposições legais em relação às inovações no controle sanitário de produtos, bens e serviços, foi editado o Decreto 8.077/2013, que revogou a regulamentação de 1977 (art. 25, I)[4]. O novo regulamento não contemplou a obrigatoriedade geral de apresentação de Certificado de Boas Práticas de Fabricação para registro de produtos para saúde, prevista no Decreto nº 79.094/1977. Com isso, a ANVISA passou a dispor de competência para a definição de quais produtos necessitarão apresentar o Certificado, bem como, quais requisitos deverão ser cumpridos para a concessão da Certificação.
Com o objetivo de instituir os procedimentos administrativos para a concessão das Certificações de Boas Práticas, a Diretoria Colegiada da ANVISA editou a Resolução RDC nº 39/2013 dispondo sobre os procedimentos administrativos para concessão da Certificação de Boas Práticas.
Conforme a RDC nº 39/2013, as empresas fabricantes de medicamentos, produtos para saúde, cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal, saneantes e insumos farmacêuticos devem apresentar Certificado de Boas Práticas de Fabricação. Por sua vez, as empresas armazenadoras, distribuidoras e importadoras de medicamentos, produtos para saúde e insumos farmacêuticos devem apresentar Certificado de Boas Práticas de Distribuição e/ou Armazenagem (art. 1º) [5]. Ressalte-se que o armazenamento, a distribuição e a importação de cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal e saneantes não estão sujeitos à certificação de Boas Práticas de Distribuição e/ou Armazenagem.
Os certificados de Boas Práticas são emitidos quando o relatório de inspeção concluir que o estabelecimento possui condições técnico-operacionais adequadas à fabricação em escala industrial de medicamentos ou produtos para saúde (art. 3º, IV, c/c art. 20) [6].
Dessa forma, os Certificados de Boas Práticas, emitidos pela ANVISA, para as etapas de fabricação e distribuição/armazenagem, são obrigatórios para o registro de produtos para saúde.
3. Exigência de certificados de boas práticas da anvisa em licitações públicas
A Portaria nº 2.814/1998 do Ministério da Saúde estabelece os procedimentos a serem observados pelas empresas produtoras, importadoras, distribuidoras e do comércio farmacêutico, objetivando a comprovação da identidade e qualidade dos medicamentos.
O art. 5º da Portaria estabeleceu requisitos para as compras e licitações públicas de medicamentos, in verbis:
Art. 5° Nas compras e licitações públicas de medicamentos, realizadas pelos serviços próprios, e conveniados pelo SUS, devem ser observadas as seguintes exigências:
I - Apresentação da Licença Sanitária Estadual ou Municipal;
II - Comprovação da Autorização de Funcionamento da empresa participante da licitação;
III - Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle por linha de produção/produtos, emitido pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde;
IV - Certificado de Registro de Produtos emitido pela Secretaria de Vigilância Sanitária, ou cópia da publicação no D.O.U.
§ 1° No caso de produto importado é também necessária a apresentação do certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle, emitido pela autoridade sanitária do país de origem, ou laudo de inspeção emitido pela autoridade sanitária brasileira, bem como laudo de análise do(s) lote(s) a ser(em) fornecido(s), emitido(s) no Brasil.
§ 2° No caso de produtos importados, que dependam de alta tecnologia e que porventura não exista tecnologia nacional para os testes de controle de qualidade necessários, poderão ser aceitos laudos analíticos do fabricante, desde que comprovada a certificação de origem dos produtos, certificação de Boas Práticas de Fabricação bem como as Boas Práticas de Laboratório, todos traduzidos para o idioma Português.
§ 3° Às empresas distribuidoras, além dos documentos previstos no caput deste artigo, será exigida a apresentação de declaração do seu credenciamento como distribuidora junto à empresa detentora do registro dos produtos, bem como Termo de Responsabilidade emitido pela distribuidora, garantindo a entrega dos mesmos no(s) prazo(s) e quantidades estabelecidos na licitação.[7]
Dessa forma, a exigência de apresentação de Certificado de Boas Práticas passou a ser requisito de habilitação técnica nas compras e licitações públicas de medicamentos, por força da Portaria MS nº 2.814/1998.
A qualificação técnica envolve o domínio de conhecimentos e habilidade teóricas e práticas necessárias à execução do objeto a ser contratado[8]. Por determinação contida no art. 37, XXI, da Constituição Federal, só podem ser impostas exigências indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações[9]:
“Art. 37.
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”[grifo nosso]
A Lei nº 8.666/93 disciplinou a matéria limitando a atuação discricionária da Administração Pública. Em seu art. 30, fixou a documentação necessária para a comprovação da qualificação técnica, limitando aos quatro incisos do caput:
“Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.” [10]
[grifo nosso]
Observa-se que o caput do art. 30 da Lei nº 8.666/93 expressamente limita o rol de documentos referentes à comprovação da qualificação técnica que poderão ser exigidos dos licitantes. Portanto, os requisitos de qualificação técnica são considerados do tipo numerus clausus, possibilitando ainda que lei especial fixe outros requisitos para habilitação técnica.
Apesar de obrigatório para o registro dos produtos para a saúde, não há lei que imponha a exigência dos Certificados de Boas Práticas da ANVISA como requisito para os procedimentos licitatórios de compra de produtos relacionados à saúde humana pela Administração.
Como ensina Hely Lopes Meirelles[11], “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘poder fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’”.
Inexistindo determinação legal impondo a apresentação dos Certificados de Boas Práticas da ANVISA, sua exigência em licitações para aquisição de produtos de saúde é incompatível com o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;[12]
Por isso mesmo, representa exigência excessiva, comprometendo, restringindo ou frustrando o caráter competitivo do procedimento licitatório, violando o disposto no art. 3º, § 1º, I, da Lei nº 8.666/93:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
O Tribunal de Contas na União no julgamento do Acórdão n.º 392/2011-Plenário, sob a relatoria do Ministro José Jorge[13], entendeu que a exigência de Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle emitido pela ANVISA para o fabricante de produtos ofende o princípio da legalidade além de não se revelar, na espécie, indispensável à garantia do cumprimento das obrigações a serem assumidas perante o órgão contratante, entre os quais não se incluem certificados de qualidade, conforme depreende-se o arresto a seguir ementado:
Acordão :
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação, com pedido de medida cautelar, formulada pela empresa QIAGEN BIOTECNOLOGIA BRASIL LTDA, CNPJ/MF 01.334.250/0001-20, em razão de possíveis irregularidades no edital do Pregão Presencial SRP nº 208/2010, realizado no âmbito do Ministério da Saúde, tendo por objeto o registro de preços para aquisição de kits de testes de quantificação de RNA viral do HIV-1 em tempo real, no total de 1.008.000 unidades, bem como sua distribuição para as 79 unidades que compõem a Rede Nacional de Laboratórios (com previsão de mais quatro a serem instaladas), em todos os estados da Federação.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da representação, porquanto presentes os requisitos previstos no art. 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal, c/c o art. 113, § 1º, da Lei nº 8.666/93, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente;
9.2. negar o pedido de suspensão liminar do Pregão Presencial SRP nº 208/2010, ante a ausência do periculum in mora;
9.3. determinar ao DLOG/SE/MS, com base no art. 70, IX, da Constituição Federal, c/c art. 43, I, da Lei nº 8.443/92 e art. 250, II do Regimento Interno/TCU, a adoção das seguintes providências quanto ao edital do Pregão Presencial SRP nº 208/2010:
9.3.1. excluir a exigência de "Certificado de Boas Práticas de Fabricação - BPF" para fim de qualificação técnica, por falta de amparo legal, bem como por não se mostrar indispensável à garantia do cumprimento das obrigações a serem pactuadas;
9.3.2. em observância aos arts. 14 e 15, § 7º, II, ambos da Lei nº 8.666/93, informar como o órgão estimou o consumo mensal de insumos para a Rede Nacional de Laboratórios, da ordem de 84.000 testes para quantificação da carga viral do HIV-1, apresentando o histórico de demanda por laboratório/localidade, ou pelo menos o percentual de demanda por unidade da Federação;
9.4. alertar ao DLOG/SE/MS que:
9.4.1 o prosseguimento do certame sem a adoção das providências indicadas no item anterior poderá ensejar a responsabilização de quem lhe tiver dado causa;
9.4.2 na hipótese de o preço de referência ser utilizado como critério de aceitabilidade, a divulgação no edital é obrigatória, nos termos do art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993;
9.5. recomendar ao órgão, com base no art. 250, III, do Regimento Interno/TCU, que avalie a conveniência de divulgar, como anexo do edital do Pregão Presencial SRP nº 208/2010, o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários;
9.6. encaminhar cópia deste acórdão, bem como do voto e do relatório que o fundamentam, à representante e ao DLOG/SE/MS;
9.7. arquivar os autos.
[Grifo nosso]
Para o relator, “o art. 30 da Lei nº 8.666/93 enumera os documentos que poderão ser exigidos para fim de comprovação da qualificação técnica, entre os quais não se incluem certificados de qualidade”. Assim, não haveria sido observado o princípio da legalidade. Além disso, ainda para o relator, “ainda que se considerasse legal a exigência supra, ela não atenderia, no caso concreto, ao princípio da proporcionalidade, não se revelando, na espécie, indispensável à garantia do cumprimento das obrigações a serem assumidas perante o Ministério da Saúde”.
A Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, ao qual se vincula a ANVISA, manifestou-se pela impossibilidade de exigência dos Certificados de Boas Práticas da ANVISA como requisito de habilitação em licitações públicas, conforme extrai-se do Parecer AGU/CONJUR/MS/CODELICI/AVP nº 539/2011, emitido pela Advogada da União Aline Veloso dos Passos:
“o Certificado de Boas Práticas de Fabricação não deve ser exigido como requisito de habilitação, eis que, a par de não haver supedâneo legal para tanto, não é documento hábil a cumprir com aquele objetivo.
[...]
Assim, o Certificado de Boas Práticas até poderia ser visto como um requisito previsto em lei, mas tão somente para a concessão do registro do produto (Lei nº 6.360/1976), não havendo lei que autorize a sua exigência como requisito de habilitação técnica, de modo que sua previsão no edital, nesta condição, configuraria violação ao princípio da legalidades.
[...]
Ademais, além da inexistência de previsão legal para a exigência do CBPF como requisito de habilitação, esta Consultoria Jurídica, em diversas oportunidades, já se posicionou no sentido de que a simples exigência de Certificado de Boas Práticas de Fabricação, s.m.j., não garante, por si, a qualidade do medicamento, Aliás, nem mesmo significa que os produtos fornecidos serão fabricados na vigência do certificado, ou que o certificado permanecerá vigente durante toda a fase de execução.” [14]
No mesmo sentido, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sob a relatoria do Desembargador Federal Francisco Barros Dias, entendeu que a exigência dos Certificados de Boas Práticas da ANVISA não possuiria amparo legal e representaria exigência excessiva em licitações públicas, o que restringiria a competição, além de afrontar o disposto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.520/2002, conforme se depreende do arresto a seguir ementado:
AÇÃO POPULAR. PREGÃO ELETRÔNICO. DOCUMENTOS PARA HABILITAÇÃO CONSTANTES DO EDITAL. EXIGÊNCIA DE CERTIFICADOS NÃO APONTADOS PELA LEI DO CERTAME. EXPECIFICAÇÕES EXCESSIVAS. LIMITAÇÃO À COMPETIÇÃO. IMPROVIMENTO DA REMESSA OFICIAL. 1. O edital do certame estabeleceu quais são os documentos necessários para a habilitação das empresas que participariam do certame, suficientes para o atendimento da legislação de regência, não sendo razoável a postulação para o acréscimo do Certificado de Boas Práticas de Fabricação, previsto na Resolução de Diretoria Colegiada nº 59/2000, e Certificado de Boas Práticas de Armazenamento e Distribuição de Produtos para a Saúde, disposta na Resolução de Diretoria nº 354/2002, seja por não se constituir em imposição legal, seja, ainda, por que representa exigência excessiva, o que levaria à limitação da competição, afrontando ao disposto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.520/2002. 2. O regramento legal atende ao disposto na Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XXI, que estabelece a obrigação de que "somente as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações", não se configurando os referidos certificados na qualidade de documentos indispensáveis. 3. O pregão eletrônico é regido pela Lei nº 10.520/2002, sendo a aplicação da Lei nº 8.666/1993 apenas subsidiária, o que afasta a alegação de afronta a dispositivos deste último estatuto legal, quando regula matéria disciplinada na primeira. 4. Improvimento da remessa oficial. [15]
A exigência de apresentação dos Certificados de Boas Práticas da ANVISA em licitações para o fornecimento de produtos relacionados à saúde humana viola o princípio da legalidade devendo ser afastada pelo administrador na elaboração dos editais de licitação, limitando ao rol fixado entre o artigo 28 e 31 da Lei de Licitações.
4. ConCLUSÃO
A documentação necessária à habilitação em processos licitatórios deve-se limitar ao rol fixado entre o artigo 28 e 31 da Lei de Licitações, não constando os Certificados de Boas práticas emitidos pela ANVISA nesta relação.
A apresentação desses certificados não se mostra como razoável, uma vez que não garante a qualidade dos produtos ofertados, não tem potencial de prevenir danos à saúde pública e ao Erário.
Dessa forma, a exigência de Certificados de Boas práticas emitidos pela ANVISA para fins de habilitação, dos interessados que desejem contratar com a Administração Pública não possui amparo legal, razão pela qual é indevida sua exigência nos procedimentos licitatórios para a aquisição de medicamentos, insumos destinados ao diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares.