Resumo: O presente artigo pretende discutir a respeito da responsabilidade civil dos construtores, projetistas e fabricantes de materiais de construção pelos vícios construtivos aparentes ou ocultos em imóveis. Tratará também de aspectos gerais e históricos sobre o referido instituto, bem como apresentará tópicos acerca da responsabilidade específica do construtor, advinda de seu dever ético-jurídico de bem realizar o seu trabalho.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Vícios na construção. Vícios redibitórios.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL; 3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSTRUTOR PELOS VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO; 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. INTRODUÇÃO
Por certo, tem-se que um dos direitos fundamentais inerentes ao ser humano é o direito à moradia. Todos têm direito a uma moradia digna, para que, assim, possam se desenvolver em todos os aspectos que permeiam a vida humana, sejam esses de ordem psicológica, moral, social e, até mesmo, espiritual. Não há como falar em dignidade da pessoa humana sem se falar em moradia digna. A moradia engloba o conceito protetivo de abrigo, refúgio, lugar em que a pessoa se acolhe, descansa e desfruta de momentos de suma importância em sua vida pessoal e familiar.[1]
Desse modo, o Direito vem reconhecendo e afirmando esse direito como fundamental em diversas sociedades, atribuindo-lhe relevância de ordem constitucional – em muitos casos -, recebendo, inclusive, disciplina em convenções internacionais, como ocorreu no Pacto Internacional de Direitos Sociais e Econômicos, que, dentre diversos direitos, reconheceu o direito à moradia como um direito humano.
Com efeito, a evolução da sociedade tem trazido relevantes mutações de monta filosófica, político-econômica, social e jurídica, assegurando mudanças no tratamento de questões preteritamente vistas de maneira conservadora - alinhada ao ideário liberalista em que o Estado possuía apenas o dever de proteger a propriedade privada, abstendo-se, todavia, de trazer respostas a diversos problemas sociais -, mas que são de suma relevância, como é o caso da responsabilidade civil, que hoje assume uma posição precípua na garantia da pacificação social.
Foi-se, então, reconhecendo a responsabilidade extracontratual, admitindo-se, outrossim, a responsabilidade do Estado em face dos danos provocados pelos atos de seus agentes, criando-se institutos como o da responsabilidade objetiva, isto é, sem a necessidade da prova de culpa, dentre outras várias modulações sofridas ao longo da construção jurídico-legal-doutrinária por que passamos.
A responsabilidade civil parte da máxima do neminem laedere, isto é, do dever jurídico fundamental de não causar dano a outrem. Pois bem, qualquer sociedade que deseja e necessita do desenvolvimento de suas instituições e da consolidação da paz social, visando o bem comum - que se encontra como uma de suas finalidades precípuas -, atribui a devida importância ao tema da responsabilidade civil, porquanto este está atrelado à convivência pacífica em sociedade.
Nessa toada, Kant vislumbrou o direito como um sistema que possibilita a coexistência de liberdades, ou seja, a convivência social pacífica asseguradora de uma liberdade individual limitada à liberdade do outro. É aquilo trivialmente reconhecido com o brocardo popular que afirma terminar a liberdade de uma pessoa quando começa a de outrem.
Destarte, aquele que causa dano a alguém, nos termos da lei, tem o dever de indenizar, verificados os requisitos elementares para a configuração da responsabilidade civil, quais sejam, dano, nexo causal, conduta ativa ou omissiva humana não amparada pelo direito e, em alguns casos, o dolo ou a culpa.
Desse modo, reconhecido o direito à moradia como um direito fundamental do ser humano, ensejando, até mesmo, a obrigação do Estado de propiciar políticas públicas destinadas a suprir o déficit habitacional, observando-se as condições mínimas de habitabilidade e de saneamento básico, bem como o papel social que assume, visto que a casa própria é tida como “sonho” de muitas famílias, faz-se necessário tutelar, dentre outros aspectos, as relações jurídicas advindas da construção deste “sonho”.
Maciços investimentos públicos voltados ao fomento do setor habitacional têm inflacionado o mercado de casas construídas, em alguns casos, de maneira precária, com materiais de qualidade duvidosa, visando o lucro de empreiteiros, construtores e incorporadoras, que, tempos após serem adquiridas, evidenciam vícios de construções que afrontam o direito fundamental à moradia digna e abalam a estrutura psicológica daqueles que, não dispondo dos recursos necessários para aquisição do imóvel, socorrem-se de instituições financeiras para realizarem o “sonho da casa própria”.
Nesse contexto é que o sonho da casa própria pode se tornar uma tormentosa cefaleia cujos atores dessa relação jurídica podem ser os mais diversos, dentre os quais, o adquirente do imóvel, sujeito do direito à moradia digna, sólida e segura; o incorporador; o projetista e o construtor, violadores do dever de fiscalização da obra e da utilização de materiais adequados para assegurar a sua solidez e segurança; o agente financeiro, fornecedor dos recursos financeiros aos adquirentes do imóvel; a empresa seguradora, etc.
Desse modo, alguns aspectos pontuais serão trazidos à baila para a melhor compreensão jurídica da problemática da responsabilidade civil por defeitos na construção do imóvel, apontando-se a responsabilidade do construtor do imóvel, do vendedor, do fabricante dos materiais de construção utilizados dos quais resultaram o dano, e suas nuances.
2.Breves Considerações sobre Responsabilidade Civil
Acredita-se que a origem etimológica da palavra responsabilidade provém do latim “re-spondere”, - que significa garantir ou convencionar o retorno ou o ressarcimento daquilo que o lesado perdeu.[2]
A noção da responsabilidade está diretamente ligada à preservação de interesses, a princípio, individuais, porquanto o homem, ao longo da história, sempre buscou as mais diversas maneiras de preservar o que é seu.
Desse modo, pode-se dizer que a preocupação inicial acerca da responsabilidade civil - naquela época não conhecida como tal -, era a de preservação, primeiramente, do patrimônio pessoal e que foi evoluindo com o passar do tempo, alcançando não apenas os aspectos materiais/patrimoniais da vida humana, mas também imateriais, como a honra, a privacidade, a intimidade, que estão mais relacionados a aspectos morais do sujeito humano.
Todavia, os danos físicos infligidos às pessoas, decorrentes de lesões corporais, homicídios, e outros atentados contra a vida em sentido lato eram “reparados”, não em pecúnia, mas em mesma medida que o causador do dano agredira o ofendido.
Deveras, hoje, além da punição no âmbito penal, na qual se restringem a liberdade e/ou direitos do autor do dano, é também possível o pleito de reparação de danos morais, materiais e, até mesmo, estéticos pelas retaliações sofridas.
Desse modo, reparava-se o dano causando-se outro dano de igual valência. Era o que ficou comumente conhecido como Lei de Talião, onde vigorava a máxima: “olho por olho, dente por dente”.
A reparação era feita, a priori, pela sanção/punição física oponível a quem quebrasse a ordem social, extrapolando os limites de uma coexistência pacífica de liberdades, por meio de uma conduta causadora de dano.
Com efeito, o princípio contido na Lei de Talião, como bem observou Silvio Salvo Venosa, “é da natureza humana”[3], sendo assim, é natural “reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social”.[4]
Trata-se, pois, o conceito da reparação de uma reação a uma ação injusta, visando o restabelecimento de um status quo ante, a fim de que a paz social seja restaurada e o equilíbrio patrimonial, restituído.
O que dantes era reparado por punições físicas, passou a ser solucionado por um ressarcimento compensatório em pecúnia, buscando-se a composição justa do litígio, sem o uso da violência, retirando-se, portanto, o caráter vingativo das punições.
Nessa toada pontua Xisto Tiago de Medeiros Neto que: “O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando à vingança”.[5]
Assim, percebe-se que, a despeito de ter sido realizada a reparação de uma forma violenta, impingindo-se outras agressões físicas, bem como punições das mais diversas ao causador do dano, o anseio pela reparação dos danos sempre esteve presente nas sociedades, por mais primitivas que fossem. Isso porque a reparação é uma “ideia” intimamente ligada à justiça, indissociável da própria natureza humana.
Desse modo, buscava-se garantir ao lesado que o autor do fato recebesse a punição que lhe era devida, aplicando-se o conceito de justiça esmiuçado por Platão e Aristóteles como o suum cuique tribuere, ou seja, dar a cada um o que é seu.
O devido, nesses casos, era a punição equivalente ao ato praticado. Hodiernamente, o devido é a indenização em pecúnia.
Com o passar do tempo, a ideia de vingança foi sendo mitigada, com o propósito de que deveria se buscar o restabelecimento natural do estado das coisas, o que se fazia possível, ainda que parcialmente, com a reparação em pecúnia, tendo em vista o viés eminentemente patrimonialista em que o instituto da responsabilidade civil se desenvolveu.
Destarte, de punição a reparação passou também a assumir um caráter de composição de conflitos, visando à pacificação social, adquirindo, também, um cunho pedagógico ao autor do dano, buscando-se, com isso, que ele não mais reincida em sua conduta ilícita.
Outrossim, o grande divisor de águas para a responsabilidade civil foi a Lex Aquilia, que ganhou maior dimensão durante o império de Justiniano, pois foi nesse diploma em que restaram consignados os primórdios da reparação de dano extracontratual por ato ilícito cometido pelo agente.
A partir desse momento, consagrou-se o dever jurídico de não lesar a ninguém, independentemente de relação contratual preexistente.
Hodiernamente, em conformidade com a doutrina monista, majoritária em nosso país, não se faz distinção entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, sendo ambas correlacionadas ao direito obrigacional, porquanto ambas têm por prevalecente o dever objetivo de não lesar a ninguém.
De igual modo, a importância do conceito de culpa em sentido lato foi sendo modificado, de sorte que foi perdendo a sua força para a configuração do dever de indenizar. Nesse diapasão é que surgem as teorias do risco e do risco integral, admitindo-se uma reparação em que são observados apenas os elementos objetivos da responsabilidade civil, sem a análise subjetiva da culpa.
Caio Mário da Silva Pereira já expunha, tempos atrás, que:
(...) Uma corrente, dita objetivista, procurou desvincular o dever ressarcitório de toda ideia de culpa. SALEILLES, que se fez campeão desta equipe, insurgiu-se contra a culpa, e assentou a indenização no conceito material do fato danoso. JOSSERAND (De La Responsabilité Du Fait dês Choses Inanimées) procurou conciliar a responsabilidade objetiva com o Código Napoleão, muito embora permanecesse este jungido à teoria subjetivista. Na sua esteira, numerosos escritores encaminham-se neste rumo, tentando alterar a equação para um dever ressarcitório fundado no dano e na autoria do evento lesivo, sem cogitar do problema da imputabilidade, sem investigar se houve ou não um erro de conduta, sem apurar a antijuridicidade da ação. Uma forte corrente procurou deslocar o fundamento da responsabilidade da culpa para o risco, mas perdeu-se logo fragmentando-se em subteorias (...).[6]
E termina seu pensamento criticando:
Filosoficamente a abolição total do conceito de culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação boa ou má da conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei quanto para aquele outro que age ao seu arrepio.[7]
Portanto, tal discussão vem de longa data e o resultado alcançado hoje é exatamente o oposto do que fora predito. Isso porque o que se viu é que, nos casos em que a lei prevê a responsabilidade objetiva, facilita-se a vida daqueles que sofreram algum dano e que são hipossuficientes nessa relação jurídica.
Outros mais conceitos foram se agregando ao instituto, de forma a albergar certas situações em que há uma desigualdade de forças entre os sujeitos envolvidos, que se expressa pela posição de hipossuficiência assumida em determinadas relações jurídicas, como ocorre nas relações de consumo e de trabalho.
Pois bem, para que incida o dever de indenizar, contido no instituto da responsabilidade civil, é necessário o preenchimento de requisitos elementares, quais sejam, a existência de uma ação ou omissão que viola um dever, nexo causal e dano, sendo a culpa dispensável em determinadas situações.
Luiz da Cunha Gonçalves conceituou responsabilidade civil como:
(...) a obrigação que a lei impõe ao autor de qualquer dano, injustamente causado a outrem, de ressarcir o respectivo valor, quer esse dano resulte da inexecução duma obrigação preexistente, quer de um acto ou duma omissão ilícitos e estranhos a qualquer contrato, constituindo infracção ao dever moral e princípio geral do direito expressos na velha máxima:”não lesar a ninguém.[8]
Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, fica consignado que:
Responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Destarte, toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.[9]
Desse modo, pode-se inferir que a responsabilidade civil e a obrigação de reparar dano é o remédio para a quebra do dever do neminem laedere, ou seja, o dever de não lesionar outrem. Assim, existente o dano decorrente de uma conduta violadora de direitos, tem-se o dever indenizar o lesado.
3.Da Responsabilidade Civil do Construtor, do Vendedor e do Fabricante dos Materiais de Construção pelos Vícios e Defeitos na Obra
Superados os contornos gerais do instituto da responsabilidade civil, inaugura-se a análise específica da relação jurídica constituída entre o construtor do imóvel e o adquirente desse imóvel.
Inicia-se trazendo o conceito de Hely Lopes Meirelles acerca dos contratos de construção, para quem “Contrato de construção é todo ajuste para execução de obra certa e determinada, sob direção e responsabilidade do construtor, pessoa física ou jurídica legalmente habilitada a construir, que se incumbe dos trabalhos especificados no projeto, mediante as condições avençadas com o proprietário ou comitente”.[10]
Basicamente, são duas as modalidades de contrato de construção: por empreitada, em que “o construtor-empreiteiro assume os encargos técnicos da obra e também os riscos econômicos da construção e ainda custeia a construção, por preço fixado de início”[11]; e por administração, quando “o construtor se encarrega da execução de um projeto, mediante remuneração fixa ou percentual sobre o custo da obra, correndo por conta do proprietário todos os encargos econômicos do empreendimento”.[12]
Nos contratos de construção, via de regra, está-se diante de uma relação de consumo. Excepcionalmente, contudo, quando a relação jurídica se dá entre particulares não agasalhados pelo conceito da relação consumerista, cujos atores são fornecedor e consumidor, caracterizado como o destinatário final do produto ou serviço, haverá uma relação jurídica meramente civil, regida pelas disposições contidas no Código Civil.
Observação essa que se faz mui relevante, porquanto há divergência no tratamento da matéria empregada no Código Civil em relação ao Código de Defesa do Consumidor. À guisa de elucidação, citem-se os prazos prescricionais e decadenciais previstos distintamente em cada um desses diplomas, o que gera dúvidas quando da aplicação do direito.
Prosseguindo a explanação, a construção de um imóvel se constitui numa obrigação de resultado, em que o contratante espera pela perfeição técnica da obra, bem como pela sua solidez e segurança, uma vez que contrata um profissional técnico habilitado detentor de um dever ético-profissional de bem realizar o seu trabalho. Trata-se, pois, de um pressuposto de qualidade intrínseco dessa obrigação, que deve atender a padrões mínimos de desempenho que garantam solidez, segurança e a sua razoável durabilidade.
Diante de tal fato, o contrato de construção não revela apenas seu cunho obrigacional pura e simplesmente, mas, pelo contrário, pela natureza do serviço e do resultado esperado, com o que se busca a realização de um sonho, o da casa ideal; assim, em ocorrendo o seu inadimplemento, configura-se situação ensejadora de reparação de dano moral.
Quanto à matéria, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, expresso nos acórdãos n.º 1.0382.05.047522-9/001 e 1070206317896-7/001:
APELAÇÃO CÍVEL. RESSARCIMENTO DE DANOS. CONSTRUÇÃO. IMÓVEL COM DEFEITO. PROVA PERICIAL NÃO DERRUÍDA. PREVALÊNCIA. dano moral. CABIMENTO. Caso concreto, em que o contexto probatório demonstrou que o responsável técnico pelo projeto e obra foi o responsável pelos defeitos decorrentes da sua má-execução, impõe o acolhimento da indenização por danos materiais demonstrados pela perícia técnica. O dano moral é devido tendo em vista que o incômodo supera a ordem natural das coisas, exigindo que o proprietário e sua família desocupem o imóvel, para viabilizar os consertos (grifo nosso).[13]
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - VÍCIO NA CONSTRUÇÃO - DECADÊNCIA - INOCORRÊNCIA - APURAÇÃO DOS DANOS - NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO - COMPENSAÇÃO COM VALORES PAGOS - POSSIBILIDADE - DANOS MORAIS - CARACTERIZAÇÃO. O prazo previsto no art. 1.245 do Código Civil de 1916, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez ou segurança da obra, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Comprovados os vícios na construção, por laudo de vistoria e prova pericial produzida por perito técnico de confiança do juízo, em consonância com as demais provas realizadas nos autos, devem prevalecer as suas conclusões, ainda que em confronto com os interesses da parte requerente. Determina-se a liquidação de sentença quando não for possível, na fase de conhecimento, a fixação do quantum debeatur. É possível a compensação de valor eventualmente pago pela construtora com a indenização devida pelos danos materiais, devidamente apurados em liquidação de sentença. Enseja indenização por danos morais situação de sofrimento e angústia sofrida pela parte que vê seu imóvel ser entregue com defeitos significativos que representam risco de funcionalidade (grifo nosso).[14]
Com efeito, a qualidade da obra executada dependerá, grosso modo, dos materiais utilizados, do projeto elaborado e da perfeição na execução desse projeto. As normas técnicas devem ser seguidas de modo que a sua inobservância acarretará a devida responsabilização.
Outrossim, tem o construtor o dever de fiscalizar a execução obra, devendo zelar pela escorreita execução do projeto, verificando não só a maneira como está sendo executada a construção, mas se os materiais utilizados são adequados e se estes estão de acordo com o discriminado no memorial descritivo.
Diferentemente, quando a empreitada é apenas de lavor, a responsabilidade pela qualidade dos materiais e da obra passa a ser do dono da obra, desde que seja advertido da inadequação dos materiais que deseja utilizar.
Há, portanto, da parte do construtor/empreiteiro uma obrigação legal na escolha de seus funcionários (encarregados, mestre de obras, pedreiros, serventes, etc.), de sorte que deverá eleger trabalhadores capacitados para a execução de sua obra; na escolha dos materiais utilizados, que devem ser adequados a assegurar a razoável durabilidade, a solidez e a segurança da obra; na fiscalização da execução de seu projeto, devendo corrigir tempestivamente erros na execução do projeto.
Desse modo, dessa relação jurídica decorrem não apenas um tipo responsabilidade, mas abrange também a responsabilidade ético-disciplinar regida pela Lei n.º 5.194/66, responsabilidade administrativa, penal e civil. Esta última poderá ser contratual e extracontratual.
A responsabilidade contratual advém da inexecução culposa de obrigações, entre as quais, a não execução da obra, ou a execução defeituosa, inobservando-se as disposições contratuais pactuadas. Esse tipo de responsabilidade acarreta a resolução contratual em perdas e danos, nos termos dos arts. 389 e 402 do Código Civil. Nessa modalidade de responsabilidade, apenas será exonerado de suas obrigações caso consiga comprovar que a inexecução total ou parcial da obra resultou de caso fortuito ou força maior, conforme preceitua o art. 393 do Código Civil.
Por sua vez, a responsabilidade extracontratual ou legal é de ordem pública e diz respeito especialmente à responsabilidade pela perfeição da obra, à responsabilidade pela solidez e segurança da obra e à responsabilidade por danos a vizinhos e terceiros.
Com efeito, genericamente, o dever jurídico de não causar dano a outrem resta consignado nos arts. 186 e 927 do Código Civil que aduz cometer ato ilícito todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência e imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ficando essa pessoa, pois, obrigada a reparar o dano causado.
Entretanto, aos contratos de construção, especificamente, devem ser aplicados os arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, que asseveram que o construtor responde, independentemente de existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, bem como aqueles relativos à prestação dos serviços, como também por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Ressalva-se que, no tocante à responsabilidade objetiva, tais dispositivos não se aplicam aos profissionais liberais, cuja responsabilidade deverá ser apurada mediante a verificação da culpa.
Há, ainda, os vícios de qualidade ou quantidade do produto - que in casu é a própria construção - que tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, disciplinado pelo art. 18 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. Destarte, o consumidor pode exigir a substituição das partes viciadas em até 30 dias e, em não sendo sanados os vícios tempestivamente, poderá exigir o abatimento do preço, a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Sobre a responsabilidade pela perfeição da obra, assim pontuou Carlos Roberto Gonçalves:
A responsabilidade pela perfeição da obra, embora não consignada ao contrato, é de presumir-se em todo ajuste de construção como encargo ético-profissional do construtor. Isto porque a construção civil é, modernamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico-artístico de composição e coordenação de materiais e de ordenação de espaços para atender às múltiplas necessidades do homem.[15]
Embasado nesse dever ético-jurídico é que o ordenamento jurídico autoriza o comprador a rejeitar a obra imperfeita ou defeituosa, consoante o disposto no art. 615 do Código Civil, ou, ainda, recebê-la com abatimento no preço, se assim o quiser, nos termos do art. 616 do Código Civil (estes dispositivos aplicam-se também ao contrato de compra e venda de imóvel, sendo o vendedor responsável pelos vícios redibitórios, que podem ocasionar a resilição contratual ou o abatimento no preço, conforme dito acima). Ademais, além dessas medidas, tratando-se diretamente com o construtor, poderá ser exigido que este repare o dano, de forma a sanar o vício existente, sob pena de multa diária, nos termos do art. 461 do Código de Processo Civil.
Cumpre ressaltar que, em sendo o dano decorrente da qualidade precária dos materiais de construção utilizados, haverá responsabilidade solidária entre o construtor e o fabricante de tais materiais, nos termos do art. 19 do CDC.
De igual modo, o projetista, responsável pelos cálculos, pela discriminação dos materiais adequados à obra, e pelo projeto em si, será responsável pelos vícios e defeitos decorrentes de sua atividade.
Nesse sentido:
Se a obra for executada pelo autor do projeto, responderá ele integralmente pelos vícios e defeitos da construção. Porém, se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto (se não assumir a direção ou fiscalização daquela) ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único, que são aqueles referentes à solidez e segurança.[16]
Todavia, vale mencionar, que, perante o adquirente do imóvel, responderá objetivamente e solidariamente juntamente com os demais responsáveis pelo imóvel, cabendo, em todo caso, ação regressiva ao verdadeiro causador do dano.
Dessa forma, nos termos do art. 25, §§1º e 2§ do CDC, serão solidariamente responsáveis o construtor, o projetista, o vendedor e o fabricante dos materiais de construção perante o consumidor, cabendo, todavia, o respectivo direito de regresso ao causador do dano, porquanto todos fazem parte da cadeia de produção do imóvel.
Desse modo, deverá o cliente verificar o estado em que se encontra o imóvel, a fim de não perder o direito de reclamação, caso encontre alguma imperfeição.
Outrossim, quando se trata de vício oculto, que não comprometa a segurança e a solidez da obra, persiste a responsabilidade do construtor após um ano da entrega da obra, conforme preceitua o art. 445 do Código Civil. Contudo, quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido após o lapso de um ano da data da entrega da obra, este prazo será contado a partir da data da ciência do vício.
Diversa é a situação dos defeitos relacionados à segurança e solidez da obra. O art. 618 do Código Civil assim assevera: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
Portanto, nesses casos, o prazo de garantia da obra é de cinco anos, tendo-se, todavia, o prazo decadencial de cento e oitenta dias a contar da data do aparecimento do vício ou defeito para ingressar com ação redibitória.
Muito embora tal dispositivo tenha restringido sua aplicação às construções de vulto, como prédios, pontes, viadutos, etc., a jurisprudência vem alargando sua eficácia para abranger outros defeitos, como infiltrações, obstruções na rede de esgoto e outros.
Diante de tantos prazos decadenciais e prescricionais a polêmica se instala, necessitando-se saber qual é o prazo certo para se pleitear a responsabilização do construtor/ fabricante do material de construção/vendedor do imóvel.
Pois bem, há que se diferençar as demandas de caráter condenatório das de caráter constitutivo.
Nestas, em se tratando de relação consumerista, aplicam-se os prazos decadenciais para se pleitear a rescisão contratual, com perdas e danos, ou o abatimento no preço, que podem ser de noventa dias (art. 26 do CDC) da entrega do bem – podendo, entretanto ser aplicável os prazos previstos na legislação civil, por serem mais favoráveis ao consumidor, de acordo com a teoria do diálogo das fontes -; cento e oitenta dias (art. 618 do CC) a contar do aparecimento do defeito que comprometa a segurança e solidez da obra durante os cinco anos de garantia da obra – cumpre ressalvar que, após esse período, ainda assim poderá o construtor responder, no prazo de cinco – ou três, quando se tratar de relação meramente civil - anos a contar do surgimento do vício, pelos vícios de construção, entretanto, nesta hipótese específica, sua responsabilidade será subjetiva, devendo sua culpa, em sentido lato, ser devidamente comprovada; um ano (art. 445 do CC) para vícios ocultos que não comprometam a segurança e solidez da obra a contar da entrega da obra, ou do aparecimento do vício, se este só puder ser constatado após esse lapso temporal,
Por sua vez, nas demandas de caráter condenatório, poderão ser aplicados os prazos previstos para as ações reparatórias, quais sejam, de cinco anos, caso esteja respaldado em uma relação de consumo, por força do disposto no art. 27 do CDC, ou de três anos, caso exista relação civil, aplicando-se o art. 206, §3º, V do CC.
Nesse sentido, extraem-se os seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO EM IMÓVEL RESIDENCIAL. BEM REVENDIDO AOS AUTORES PELOS PROPRIETÁRIOS ORIGINÁRIOS, QUE O ADQUIRIRAM DA CONSTRUTORA DEMANDADA. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO AFASTADA, NA HIPÓTESE, EM RELAÇÃO À CONSTRUTORA, NO QUE TANGE AOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRIDA. APLICAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO CDC. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES. DANOS COMPROVADOS EM PROVA PERICIAL. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
I. A circunstância de os autores terem adquirido o imóvel de terceiros, os quais compraram o bem ainda em construção junto à construtora, não afasta a incidência do CDC à espécie, em se tratando de bem de consumo durável e de obra recente, que não justifica os vícios constatados. Impossibilidade de afastamento de responsabilidade e garantias pelo serviço de construção tão só em razão da ausência de participação da construtora na revenda do imóvel, porquanto obrigações que não se mostram passíveis de restrição por estipulação contratual, nos termos dos arts. 24 e 51, I, do CDC.
II. Tratando-se de alegação de vício do serviço, é passível de aplicação o prazo prescricional qüinqüenal previsto no art. 27 do CDC, mais favorável ao consumidor, com aplicação da teoria do diálogo das fontes. Prescrição afastada.
III. Uma vez verificados em prova pericial os vícios de construção no imóvel residencial adquirido pelos autores, ocorridos quando ainda vigente a garantia de solidez e segurança da obra, a perda do direito de invocar tal garantia legal por força da decadência estabelecida no art. 618, parágrafo único, do CC/02 não lhes afasta a possibilidade à reparação civil por vício do serviço com base no art. 18 do CDC. Procedência da ação.
POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DERAM PROVIMENTO AO APELO.[17]
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÁ EXECUÇÃO DE OBRA. CONSTRUÇÃO DE CASA. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. DANO MATERIAL. LIQUIDAÇÃO. DANO MORAL.
1. Da tempestividade do apelo interposto pelo réu. Segundo a Lei n° 11.419/2006, considera-se publicada a nota no dia útil que se seguir à sua disponibilização no Diário de Justiça Eletrônico. E, pela regra de contagem dos prazos processuais do art. 184, caput, do CPC , exclui-se o primeiro dia, computando-se o último. Daí que, iniciada a fluência do prazo de 15 dias em 29.05.2008, expirou-se em 12.06.2008, sendo tempestivo, pois, o recurso.
2. Da prescrição e da decadência. Tendo os fatos ocorrido já sob a vigência do CC/2002, não há falar em prescrição vintenária. A regra do artigo 26, II, § 3°, do CDC não tem aplicação ao caso em tela, cedendo em relação ao que disposto no art. 27 do mesmo Diploma. Isso porque a pretensão do autor é indenizatória, relacionada aos danos materiais e morais sofridos com a alegada má execução do contrato, objetivo que se coaduna com a regra do ar. 27, que diz com responsabilidade por danos, ao passo que o art. 26 traz a responsabilidade por vícios. Não há falar em aplicação do prazo decadencial de 180 previsto no art. 618, parágrafo único, do CC/2002 para os contratos de empreitada, porquanto a relação em exame é consumerista e não civil. (...) (grifo nosso).[18]
Desse modo, via de regra, o prazo aplicável ao pleito de reparação de danos é o previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, qual seja, o de cinco anos, contados do conhecimento do dano e da sua autoria.
Com isso, encerram-se os aspectos pontuais atinentes à responsabilidade civil do construtor/vendedor/fabricantes do material de construção, que, como já visto, poderá ser subjetiva, se esse for profissional liberal, ou objetiva, se pessoa jurídica, ou, ainda, caso se trate de vício que comprometa a segurança e solidez da obra. Neste caso, conforme preceitua o art. 618 do Código Civil, tal hipótese se refere à garantia da obra, não havendo que se falar em dolo ou culpa; contratual ou extracontratual. Por derradeiro, importa observar os prazos decadenciais e prescricionais alhures para se buscar a devida reparação.