Resumo:O trabalho tem por objeto a análise da evolução histórica das normas jurídicas que disciplinam a conciliação no âmbito da Procuradoria-Geral da União. Tal tema é de grande relevância, pois os esforços empreendidos pelo Poder Judiciário para a redução da litigiosidade, por intermédio da conciliação, não terão o resultado esperado sem a efetiva participação de um de seus maiores litigantes: a União. O que se pretende no presente estudo é a identificação das principais dificuldades para a implementação dessa prática.
Palavras-chave: Crise do Judiciário. Conciliação. Evolução. Procuradoria-Geral da União. Principais dificuldades.
Sumário:1. A conciliação como meio eficaz para a solução da crise do Poder Judiciário 2. A litigiosidade do Poder Púbico. 3. A discilina normativa da conciliação na Procuradoria-Geral da União. 3.1 Lei nº 9.469/97. 3.2 Ordem de Serviço PGU nº 26/2008. 3.3 Portaria AGU nº 990/2009. 3.4 Ordem de Serviço PGU nº 13/2009. 3.5 Ordem de Serviço PGU Nº 14/2009. 3.6 Ordem de Serviço PGU Nº 18/2011. 3.7 Portaria PGU nº 02/2012– As Centrais de Negociação 4. Conclusões.
1. A conciliação como meio eficaz para a solução da crise do Poder Judiciário.
Não é de hoje que se fala em crise do Poder Judiciário. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua conhecida obra Acesso à Justiça, já se manifestavam sobre ela nos idos de 1976. Essa parece ser a opinião também de José Roberto dos Santos Bedaque, manifestada em estudo mais recente, tendo já como pano de fundo o atual contexto:
“Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por quem se dispõe a pleitear a tutela jurisdicional do Estado, na tentativa de obter proteção a um direito lesado ou ameaçado. A Justiça está em crise, não só no Brasil, como na maioria dos países. E crise na Justiça implica, necessariamente, Crise de Justiça. Os fatores que contribuem para esse estado de verdadeira calamidade podem ser resumidos basicamente na exagerada demora e no alto custo do processo.”[1](sublinhou-se)
Como uma das formas de superar tal crise, a comunidade jurídica parece ser unânime em reconhecer a importância da conciliação. A título de exemplo, confira-se a opinião de Ada Pellegrini Grinover:
“Não há dúvida de que o renascer das vias conciliativas é devido, em grande parte, à crise da Justiça.
É sabido que ao extraordinário progresso científico do direito processual não correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da Justiça.
A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários[2]”
Firme no propósito de superar essa crise e na esteira da conclusão acima destacada, de há muito o Estado brasileiro vem empreendendo esforços no sentido de estimular a prática conciliatória por parte dos operadores jurídicos. Um dos objetivos do 1º Pacto Republicano, assinado em dezembro de 2004 pelos chefes dos três poderes da República, reafirmado, inclusive, pelo 2º Pacto, datado de dezembro de 2009, é, justamente, “fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados a maior pacificação social e menor judicialização”.
Aliás, até mesmo antes disso, em abril de 2003, foi criada no âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria de Reforma do Judiciário, cuja uma das metas, nos termos do art. 24, inciso I, do Decreto nº 4.991, de 18 de fevereiro de 2004, é formular, promover, supervisionar e coordenar os processos de modernização da administração da justiça brasileira, dentre os quais, inegavelmente, se inclui a conciliação.
Diversas alterações legislativas se sucederam, objetivando, também, permitir o incremento da prática conciliatória. Cite-se com exemplos as Leis nº 8.952/94, que alterou o CPC para introduzir, no procedimento ordinário, a audiência de conciliação obrigatória, e nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para o processo e julgamento das causas de menor complexidade e das infrações de menor potencial ofensivo.
Mais recentemente, após a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, é nítida a intenção de institucionalizar a conciliação como prática cotidiana na administração da justiça, tendo esse órgão, inclusive, adotado resolução (Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010), na qual disciplina a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Tal ato normativo, aliás, é expresso ao estabelecer a obrigatoriedade dos órgãos judiciais em oferecer soluções conciliatórias. Senão vejamos:
“Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.” (sublinhou-se)
Diversos outros dispositivos também podem ser citados como prova da eleição da conciliação como prática a ser observada no âmbito da justiça brasileira, tais como os artigos 4º, 6º, incisos III e VIII, 7º, 12, dentre outros.
A Advocacia-Geral da União - AGU, outrossim, atentou para tal realidade e criou, pelo Ato Regimental nº 5, de 27 de setembro de 2007, a Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal (CCAF) a qual, de acordo com o Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, tem por objeto dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios. Dessa forma, inegável que a conciliação foi erigida como política prioritária não só no âmbito do Poder Judiciário, mas do Estado brasileiro como um todo. Como dito acima, de fato, a via conciliatória é instrumento fundamental para a redução da litigiosidade e para a solução rápida dos conflitos, que, como se sabe, é um dos fatores incrementadores da crise do Poder Judiciário.
Além do que, como bem destaca Ada Pellegrini Grinover[3], não é só esse fundamento, dito por ela funcional, que justifica a adoção da via conciliatória como meio de resolução de conflitos. Há ainda que se considerar os fundamentos social e político:
“Releva, assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução.
(...)
Vistos, assim, os fundamentos funcional e social das vias conciliativas, passa-se a examinar a terceira dimensão da conciliação, baseada em seu fundamento político.
Trata-se de adentrar, agora, o aspecto da participação popular na administração da justiça, pela colaboração do corpo social nos procedimentos de mediação e conciliação.”
Dessa forma, ante todo o exposto, forçoso concluir pela importância da conciliação como meio eficaz para a superação da chamada crise do Poder Judiciário, bem como dos enormes esforços que vem sendo empreendidos pelo Estado brasileiro nesse sentido.
Contudo, é importante destacar que tal movimento ainda hoje se encontra muito concentrado em iniciativas como a “Semana Nacional de Conciliação” e os “Mutirões de Conciliação do CNJ”, não alcançando ainda o objetivo de tornar a conciliação uma prática cotidiana, estágio no qual, de fato, se terá um Poder Judiciário mais eficiente.
Entretanto, há que se registrar, que tal objetivo só será efetivamente alcançado com a participação do poder público nesse processo. Como se sabe, pela extensão de sua competência e pela complexidade de sua estrutura organizacional, os entes públicos figuram entre os maiores litigantes no Poder Judiciário.
2. A litigiosidade do Poder Público.
Como bem destacado acima, é inegável que, desde muito tempo, o Poder Judiciário em todo o mundo vive uma grave crise, que acaba por atingir, inclusive, sua credibilidade e legitimidade perante a sociedade. E o Brasil, como não poderia deixar de ser, não foge a essa regra.
A bem da verdade, a crise em nosso país é até mais exacerbada do que em outras nações, sobretudo em face da nossa “cultura de litigiosidade”. De fato, é traço marcante de nossa sociedade, a resolução de conflitos mediante a submissão deles à apreciação do Poder Judiciário, em detrimento de outras formas, dentre as quais se incluem a conciliação. Em pesquisa nacional efetuada pela FGV Direito Rio com o IPESPE, em 2009, constatou-se que 1 em cada 5 brasileiros foi autor ou réu em 2008[4].
Essa característica do nosso sistema, não passou despercebida pela doutrina mais abalizada. Para José Alcebíades de Oliveira Junior e Moacir Camargo Baggio[5]:
A questão da chamada explosão de litigiosidade e de um exponencial crescimento da demanda por prestação da atividade jurisdicional, vivenciada quotidianamente na sociedade contemporânea em transição, é tema recorrente na pauta de debates dos operadores do Direito. Assim também, a conseqüente retórica da necessidade de que se proponham medidas alternativas e racionalizadoras para o desafogo dos Tribunais - tudo se prestando, não raro, a motivar, inclusive, discursos políticos de ocasião.
Estão na ordem do dia, invariavelmente, discussões ligadas a essa temática, que parecem se repetir de maneira incansável, como a concernente à necessidade de incremento de celeridade da prestação jurisdicional, ou ainda, aquela pertinente aos limites de uma adequada, segura e efetiva atuação do Poder Judiciário na solução de disputas das mais variadas naturezas e graus de repercussão social. (sublinhou-se)
No mesmo sentido, também reconhecendo a existência de uma cultura da litigiosidade:
O discurso institucional acerca da necessidade de se implementar essas políticas alternativas nos tribunais comumente adota a justificativa de que elas são imprescindíveis para acabar com a “cultura da litigiosidade”, vigente em nosso país. Verifica-se, portanto, uma crença do sistema de que as pessoas são demasiado litigiosas e que esta cultura é a causa do esgotamento dos tribunais. A assertiva deixa de considerar, por exemplo, a forma como o campo jurídico se constitui. Nele, toda regra tem exceção, quer dizer, para toda regra posta há sempre correntes doutrinárias com interpretações diversas. Isso leva as pessoas a acreditar que sempre poderão, em alguma instância judicial, encontrar algum julgador que acolha sua tese, de modo que litigar, nesse sistema, é alimentá-lo, pois ele foi constituído de forma a sempre permitir teses necessariamente opostas para um mesmo dispositivo jurídico[6]. (sublinhou-se)
Até mesmo a Min. Ellen Gracie, na época em que presidia o STF e o CNJ, reconheceu o fenômeno: “ao implantar o Movimento pela Conciliação em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante a construção de acordos”[7]. (sublinhou-se)
E tal fenômeno pode ser percebido também estatisticamente. Segundo dados do CNJ, colhidos no sistema “Justiça em Números”[8], no ano de 2010, foram propostas, nas Justiças Estaduais, do Trabalho e Federal: 24.200.000,00 (vinte e quatro milhões e duzentos mil ações).
O relatório também demonstra que, no âmbito da Justiça Federal, por exemplo, o número de casos novos por Juiz, em 2010, foi de 1.706 processos. Somado às demandas já existentes e ainda em andamento, tem-se a média de 6.606 processos por Juiz Federal, no mesmo ano.
Inegável, portanto, que o fenômeno denominado “cultura da litigiosidade”, observado pelos observadores sociais e pelos cultores do direito, existe e é verdadeiro, consoante demonstram os dados do CNJ. Se é assim em relação à totalidade das demandas existentes, essa crise é muito mais exacerbada quando se trata de demandas que envolvam o Poder Público, em todas as suas esferas.
Seja por decorrência de sua estrutura burocrática ou pela estreita vinculação dos atos administrativos ao princípio da legalidade, o fato é que quando as pessoas possuem algum tipo de pretensão em desfavor do Estado, não constumam, na esmagadora maioria das vezes, tentar resolver a questão no âmbito administrativo, por intermédio do exercício do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, da CRFB). Preferem, portanto, a solução da contenda na via jurisdicional, exercendo o direito de acesso à justiça, preconizado no art. 5º, inciso XXXV, da CRFB.
Por outro lado, as demandas do Poder Público em desfavor do administrado, a maioria delas relativas à cobrança de algum crédito (execuções fiscais, ações de ressarcimento, execuções de título extrajudicial), em que pese terem uma fase prévia administrativa, quase sempre acabam desembocando no Judiciário, tendo em vista a o baixo sucesso alcançado nessa fase.
O fato é que o Poder Público é um dos maiores “clientes” do Poder Judiciário, seja na qualidade de autor, seja na de réu. E esse sentimento não passou despercebido pelos estudiosos mais atentos.
Esse, por exemplo, é o sentimento de Palhares Moreira Reis[9]:
“Hoje em dia, quase 80% dos processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal têm como uma das partes o Poder Público. E desses, quase 70% são causas em que um dos partícipes é a Administração Federal, direta ou indireta, discutindo, rediscutindo, recorrendo ou agravando sobre matérias de há muito debatidas, na maior parte das vezes com entendimento pacificado nos Tribunais Superiores, já presente na jurisprudência, evidenciando a repetitividade de questões idênticas, repisando sobre o mesmo tema. E, com relação a estes, a possibilidade de acordos é quase nula, pois que os representantes dos órgãos públicos têm um limitadíssimo poder de transigir.”
Em artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, Marcos da Costa[10], Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo - OAB/SP, ao comentar a lentidão da Justiça, verberou:
“Também seria fundamental buscar reduzir a litigiosidade do próprio poder público. Segundo pesquisa do CNJ, os setores públicos federal, estaduais e municipais constituem partes em 51% das ações em tramitação na Justiça brasileira, 38% de responsabilidade da União”
Esse sentimento é corroborado também pelos dados do sistema “Justiça em Números”[11], organizado pelo CNJ.
Tomando-se por parâmetro a Justiça Federal que, nos termos do art. 109 da CRFB, tem a maioria de sua competência atrelada aos entes públicos federais, vê-se que a quantidade de demandas que envolvem o Poder Público federal é bastante elevada.
Somente em 2010 foram ajuizados, na primeira instância e nos juizados especiais, 2.282.601 (dois milhões, duzentos e oitenta e dois mil e seiscentos e um) novos processos, os quais, somados aos ainda pendentes, no montante de 6.345.559 (seis milhões, trezentos e quarenta e cinco mil e quinhentos e cinquenta e nove), totalizam a movimentação processual no ano em 8.631.160 (oito milhões, seiscentos e trinta e um mil e cento e sessenta) processos. Subtraindo-se, contudo, os feitos baixados (2.528.146 – dois milhões, quinhentos e vinte e oito mil e cento e quarenta e seis), tem-se o total de processos em trâmite no final de 2010 em 6.100,014 (seis milhões, cem mil), isso, repita-se, só na primeira instância e nos juizados especiais.
Na segunda instância, em que pese menores que os da primeira, os números são também relevantes. Foram propostas 426.440 (quatrocentos e vinte e seis mil e quatrocentos e quarenta) novas demandas, que se somam às 937.223 (novecentos mil, duzentos e vinte e três) já existentes. Subtraindo-se os baixados, da ordem de 423.034 (quatrocentos e vinte e três mil e trinta e quatro) processos, chega-se ao total remanescente de 940.629 (novecentos e quarenta mil, seiscentos e vinte e nove).
Isso sem somar as execuções fiscais, em relação as quais existiam, ainda em trânsito naquele ano, 3.221.844 (três milhões, duzentos e vinte mil, oitocentos e quarenta e quatro), bem como as demais execuções de título extrajudicial, no montante 129.557 (cento e vinte e nove mil, quinhentos e cinquenta e sete reais).
Somando-se tudo, tem-se o total de processos existentes na Justiça Federal, no final 2010, a saber, 10.392.044 (dez milhões, trezentos e noventa e dois mil e quarenta e quatro).
A alta litigiosidade do Poder Público também pode ser comprovada pelos dados extraídos do Sistema Integrado de Controle das Ações da União – SICAU ( Indicadores de Desempenho – Cinco Mais e Cinco Menos), base de dados utilizada pela Advocacia-Geral da União para registro das demandas em que a União é parte. Apenas não constam nesse sistema as demandas de natureza fiscal, acompanhadas pela PGFN, registradas em sistema próprio.
Consoante o extrato “Indicadores de Desempenho – Cinco Mais e Cinco Menos”, existem hoje, cadastrados como ativos, 3.195.44 (três milhões, cento e noventa e cinco mil e quarenta e quatro) processos nas quais a União figura como parte.
Dessa forma, os dados acima apontados corroboram o sentimento da sociedade e da comunidade jurídica de que o Poder Público em geral, e em particular a União, são um dos maiores litigantes no Poder Judiciário, o que só confirma a tese ora defendida segundo a qual, para o sucesso do movimento conciliatório, é de fundamental importância a participação da advocacia pública nesse processo.
3. A disciplina normativa da conciliação na Procuradoria-Geral da União.
Como dito e demonstrado no tópico 1, é de grande importância a efetivação da prática conciliatória como meio eficaz para a superação da chamada crise do Poder Judiciário. Nesse sentido, aliás, são enormes os esforços que vem sendo empreendidos pelo Poder Judiciário, e pelo Estado brasileiro como um todo, nesse sentido.
Todavia, em face da grande litigiosidade do Poder Público, qualquer esforço no sentido da redução das demandas judiciais pela via da conciliação não pode ter êxito sem a participação efetiva da PGU, órgão de representação judicial da União, nesse processo. Contudo, para o alcance desse objetivo, faz-se necessário que a prática de conciliação se torne rotina entre os Advogados da União, expediente para o qual se afigura imprescindível a eliminação das dificuldades atualmente existentes que impedem a efetivação dessa prática.
Apesar da existência de regramento disciplinador, ainda hoje não se observa uma rotina conciliatória por parte dos Advogados da União, principalmente nas demandas em que a União figure na qualidade de ré. O presente capítulo tem por objeto, justamente, a análise das normas jurídicas que disciplinam a conciliação no âmbito da Procuradoria-Geral da União, com a finalidade de, ao final, identificar as principais dificuldades para a implementação dessa prática.
Como se sabe, o “Sistema AGU” é criação da CRFB de 1988, tendo sido efetivamente implantado com o advento da LC nº 73/93. Contudo, a primeira norma que ousou falar em conciliação na AGU foi a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, ainda hoje a lei básica regedora dessa questão, editada 4 anos após a criação da AGU.
Apenas por tal detalhe, já se vislumbra o quanto tal questão demorou a ser considerada relevante no âmbito da AGU. Se se considerar que já em 1994, com a Lei nº 8.952/94, instituiu-se a audiência de conciliação obrigatória no rito ordinário do CPC, tal demora no trato da matéria fica ainda mais evidente.
Contudo, como ela autorizava apenas o Advogado-Geral da União a celebrar acordos, foi de pouca aplicação prática no dia-a-dia dos que efetivamente atuam na representação judicial da União na maioria dos processos. Para estes, a regulamentação da questão tardou ainda mais, sendo possível apontar como primeira importante regulamentação da questão no âmbito da PGU, a Ordem de Serviço nº 26, de 22 de julho de 2008, a qual subdelegava aos Procuradores-Regionais e aos Procuradores-Chefes da União nos Estados a atribuição para celebrar acordos relativos a créditos da União inferiores a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Ato normativo relativo a débitos e dando poderes aos próprios Advogados da União, só mesmo com o advento da Ordem de Serviço nº 13, de 9 de outubro de 2009, que, dentre outras disposições, autoriza a celebração de acordos nas causas de até 60 salários mínimos. Tal norma foi recentemente alterada pela Ordem de Serviço nº 18, de 07 de dezembro de 2011, que buscou retirar-lhe algumas imperfeições.
Ainda há que se mencionar a Ordem de Serviço nº 17, de 10 de novembro de 2009, aplicada exclusivamente a créditos decorrentes de condenação imputada pelo Tribunal de Contas da União – TCU.
Apenas por esse breve histórico já se dá pra concluir que o despertar da PGU para essa questão é fenômeno recente, datado do final de 2009, pois só a partir da OS nº 13/2009 se tem instrumental normativo autorizador de uma prática mais efetiva por parte dos Advogados da União em relação à conciliação. A instituição de um órgão, com a atribuição de fomentar a conciliação, é obra muito mais recente, fruto da edição da Portaria PGU nº 02/2012.
Dito isso, passa-se a análise de cada uma dessas normas em separado.
3.1 Lei nº 9.469/97.
Como acima verberado, a primeira norma que ousou falar em conciliação na AGU foi a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, ainda hoje a lei básica regedora dessa questão.
Em sua redação original, tal lei estabelecia que o Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderiam autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$50.000,00 (cinquenta mil reais – art. 1º). Quando a causa envolvesse valores superiores a esse, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependia de prévia e expressa autorização do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da Presidência da República a cuja área de competência estivesse afeto o assunto, no caso da União, ou da autoridade máxima da autarquia, da fundação ou da empresa pública (art. 1º, §1º).
Diversas críticas podem ser feitas a esse dispositivo. A primeira diz respeito ao valor de alçada para celebrações das avenças, muito baixo, ainda que no contexto do período em que foi editada a lei. De fato, considerando as regras de experiência comum, a maioria das demandas proposta em face do Poder Público supera esse valor, fato que reduzia bastante as possibilidades de conciliação.
Observe-se que, nesse contexto, a maioria das demandas em trâmite contra a União versavam sobre diferenças salariais decorrentes de planos econômicos e reestruturações de carreiras, os famigerados índices (28,86%, 3,17%, 84,32%, 47,94%), cujos valores, em quase 100% por centos dos casos, superavam a casa dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
De mais a mais, a autorização só poderia ser concedida diretamente pelo Advogado-Geral da União, que é o chefe máximo da instituição. Isso dificultava bastante a formalização dos acordos, pois o Advogado da União que atuava diretamente no processo, diante da possibilidade de celebração da avença, não possuía autonomia para realizá-la, tendo que requerer a suspensão do processo, e, em seguida, remeter a proposta ao gabinete do AGU.
É evidente que essa via crucis para a formalização de acordos levou aos Advogados da União que atuavam diretamente nos feitos a desprezarem essa possibilidade, não apresentado propostas de conciliação e, ainda mais, rejeitando de plano a proposta apresentada pela parte litigante, sem sequer remeter ao gabinete do AGU para análise. Isso não se deu em razão de falta de comprometimento do membro da AGU ou outra razão atribuível a ele, mas sim pela própria dinâmica da conciliação, a qual exige dos interlocutores poderes para a efetivação dos acordos.
E as dificuldades para a celebração de acordos na sistemática da redação original da Lei ° 9.469/97 se afiguravam ainda mais evidente quando o valor da causa superava o limite dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesses casos, era necessária a autorização do Ministro de Estado ou do Secretário da Presidência da República ao qual o órgão interessado estava vinculado, o que tornava a conciliação ainda mais difícil.
Percebe-se, ainda, que tal norma sequer previa a possibilidade de delegação dessas atribuições, concentrando todo o poder para a celebração de acordos nas mãos das altas autoridades públicas mencionadas, as quais, contudo, se encontram muito distante das bases nas quais as demandas tramitavam inicialmente.
Além do mais, vedava expressamente a celebração de acordos sobre o patrimônio imobiliário da União (art. 1º, §2º).
Daí porque é de suma importância a alteração empreendida pela Medida Provisória nº 449/2008, que alterou o caput do art. 1º para permitir a delegação dessa competência. Isso porque, tal modificação permitiu a edição do primeiro ato de regulamentação interna da conciliação no âmbito da PGU, que foi a Ordem de Serviço nº 26, de 22 de julho de 2008, a qual será melhor estudada no tópico seguinte.
É importante destacar que essa MP alterou a redação do art. 2º da Lei nº 9.469/97, para permitir a autorização de acordos pelo Procurador-Geral da União nas causas cujo valor não superasse R$ 100.000,00 (cem mil reais). Tal disciplina era absolutamente contraditória, pois enquanto o chefe máximo da instituição, o Advogado-Geral da União, só poderia autorizar a celebração de acordos até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o PGU estava vinculado a valor de alçada maior.
Mas, as modificações mais importantes da Lei nº 9.469/97 ainda estavam por vir.
Em 27 de maio de 2009, como fruto da conversão da MP nº 449/2008, foi editada a Lei nº 11.941, que trouxe importantes mudanças, algumas sequer constantes do texto da MP. Tal norma manteve a possibilidade de delegação e alterou o limite de alçada dos acordos em relação ao Advogado-Geral da União para R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Para os valores acima desse limite, manteve a sistemática anterior, a qual já estabelecia a necessidade de autorização do Ministro de Estado ou do Secretário da Presidência da República ao qual o órgão interessado estava vinculado.
Além do mais, consolidou o disposto no art. 2º da Lei nº 9.469/97, in verbis:
Art. 2o O Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral Federal e os dirigentes máximos das empresas públicas federais e do Banco Central do Brasil poderão autorizar a realização de acordos, homologáveis pelo Juízo, nos autos do processo judicial, para o pagamento de débitos de valores não superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), em parcelas mensais e sucessivas até o máximo de 30 (trinta).
Por fim, há que se registrar a recente modificação introduzida pela Medida Provisória nº 496/2010, convertida na Lei nº 12.348, de 15 de dezembro de 2010, que excluiu a vedação da celebração de acordos sobre o patrimônio imobiliário federal.
Enfim, em resumo, pode-se concluir que a atual disciplina legal da conciliação no âmbito da AGU, conferida pela Lei nº 9.469/97, permite a implementação de uma prática conciliatória efetiva pela PGU, pois autoriza a celebração de acordos de valor até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sem qualquer interferência de outra autoridade administrativa fora da AGU, sendo que se a causa for inferior a R$ 100.000,00, essa autorização pode ser concedida diretamente pelo PGU. Ainda há que se considerar que essas competências podem ser delegadas, inclusive aos membros da AGU que atuam diretamente nos feitos.
Ou seja, instrumento legal para a implementação de uma prática conciliatória efetiva há. Tudo está a depender da regulamentação que será conferida internamente.
3.2 Ordem de Serviço PGU nº 26/2008.
Com a alteração empreendida pela Medida Provisória nº 449/2008 no caput do art. 1º da Lei nº 9.469/69, para permitir a delegação de competência por parte do Advogado-Geral da União, bem como no art. 2º, o qual autorizou diretamente a celebração de acordos pelo Procurador-Geral da União nas causas cujo valor não superasse R$ 100.000,00, permitiu-se a edição do primeiro ato de regulamentação interna da conciliação no âmbito da PGU, que foi a Ordem de Serviço nº 26, de 22 de julho de 2008.
Tal norma, em seus 11 artigos, subdelega aos Procuradores-Regionais e aos Procuradores-Chefes da União nos Estados, a realização para parcelamento de créditos da União quando a causa envolvesse valor inferior a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Percebe-se, de plano, a timidez dessa regulamentação. De fato, a ora analisada Ordem de Serviço se restringe a créditos da União e ainda mais, só autoriza a celebração de um tipo de avença: o parcelamento.
Ou seja, na maioria das demandas em que a União era parte, na qual, como se sabe, o ente federal ostenta a qualidade de ré, restava ainda submetida a autorização para acordo ao Procurador-Geral da União e ao Advogado-Geral da União. De mais a mais, a única forma de avença permitida era o parcelamento integral do débito em 30 vezes (art. 2º, §2º, “e”), não prevendo tal norma sequer o desconto para pagamento à vista.
Percebe-se que essa regulamentação, o que é natural no início da alteração de qualquer rotina, é bastante tímida, mas revela a inexistência, naquele momento, de política institucional conciliatória por parte da PGU. Visava, na verdade, a melhoria da eficiência na recuperação de créditos da União inadimplidos por falta de condições financeiras dos devedores para pagamento à vista, sem qualquer reconhecimento por parte do ente federal de obrigações perante os administrados.
Mas ela foi só o começo, logo viria a Ordem de Serviço PGU nº 13, de 09 de outubro de 2009, um verdadeiro avanço institucional.
3.3 Portaria AGU nº 990/2009.
Antes de adentarmos mais especificamente no objeto da OS PGU nº 13/2009, há que se registrar a existência do ato normativo em epígrafe, pois foi ele quem permitiu o avanço do trato da matéria no âmbito da PGU. Isso porque foi tal ato normativo que, por obra de seu art. 2º, delegou ao Procurador-Geral da União a competência prevista no art. 1º, caput, e §2º, da Lei nº 9.469/97, com a nova redação que lhes foram dadas pelas normas que lhes sucederam, a saber, a celebração de acordos cujo valor fosse inferior a R$ 500.000,00.
Há que se destacar, ainda, que o art. 2º, §2º, da mencionada Portaria, permitiu expressamente, a subdelegação de tal competência, abrindo caminho para que a PGU concedesse poderes para a celebração de acordos aos seus órgãos de execução, bem como a seus membros, para a celebração de acordos. E foi o que efetivou a OS PGU nº 13/2009, a seguir analisada.
3.4 Ordem de Serviço PGU nº 13/2009.
Como já se deixou assentado alhures, a Lei nº 9.469/97 concentrava os poderes para celebração de acordos em nome da União nas mãos do Advogado-Geral da União e, após modificações iniciadas pela MP nº 449/2008, também nas mãos do Procurador-Geral da União.
Contudo, para que haja uma política conciliatória eficaz, necessário se faz que tal poder seja atribuído a quem, de fato, atue inicialmente nas demandas, ou seja, aos órgãos de execução da PGU, bem como a seus membros (PRU´s, PU´s, PSU´s e Advogados da União).
E foi o que fez o referido ato normativo, in verbis:
Art. 1º Os órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União (PGU) ficam autorizados a realizar acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), relativamente a créditos e débitos da União, observados os seguintes limites de alçada:
I - até 60 (sessenta) salários mínimos, pelos Advogados da União que atuam diretamente na causa;
II - até R$ 100.000,00 (cem mil reais), mediante prévia e expressa autorização dos Procuradores Seccionais ou dos Chefes de Escritório de Representação;
III - até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), mediante prévia e expressa autorização dos Procuradores Regionais da União ou dos Procuradores Chefes das Procuradorias da União nos Estados.
O avanço do mencionado ato normativo está no fato, primeiramente, de abarcar tanto créditos quanto a débitos da União, não sendo restrito com a OS PGU nº 26/2008. Como visto, esta última se limitava a créditos da União e, ainda mais, só autoriza a celebração de um tipo de avença: o parcelamento.
De fato, a OS PGU nº 13/2009 é cristalina ao mencionar que “ficam autorizados a realizar acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), relativamente a créditos e débitos da União”. Além do que, os diversos dispositivos que se seguem ao primeiro disciplinam a matéria sempre levando em conta a natureza do acordo, se para recebimento de crédito ou o reconhecimento do débito (art. 4º, inciso II e III).
Outro avanço dessa normatização foi a desconcentração de poderes para a autorização da celebração de acordo. Como se viu pela transcrição dos incisos de seu art. 1º, foi concedida autorização aos próprios Advogados da União para, manu própria, firmarem a avença quando o valor do acordo for até 60 (sessenta) salários mínimos.
De mais a mais, quando a causa for de até R$ 100.000.00, cabe aos Procuradores-Chefes da União nos Estados, autoridade imediata a quem atua diretamente nas demandas, a autorização. Há que se destacar que, até esse momento, a autorização para celebração de acordos dessa monta, competia ao Procurador-Geral da União (art. 2º da Lei nº 9.469/97, com a alteração empreendida pela Medida Provisória nº 449/2008), autoridade cuja sede fica em Brasília/DF.
Por fim, para os acordos até R$ 500.000,00, a autorização foi concedida ao Procurador-Regional da União, autoridade regional, cuja sede é a capital do estado em que localizado a sede do Tribunal Regional Federal na qual aos Advogados da União atuam[12]. Trata-se, portanto, de autoridade muito mais próxima das bases do que o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da União.
Tais medidas abriram caminho para uma prática conciliatória efetiva. Isso porque, como se sabe, para que haja sucesso nesse intento, necessário se faz que tal poder seja atribuído a quem, de fato, atue diretamente no início das demandas, ou seja, aos órgãos de execução da PGU, bem como a seus membros. E foi isso que a OS PGU nº 13/2009 fez.
É possível destacar ainda, como aspecto positivo dessa disciplina, a possibilidade, atribuída por seu art. 4º, incisos II e III, de concessão e aceitação de redução nos valores dos acordos (descontos), o primeiro em caso de créditos e o segundo em caso de débitos. Eis o teor dos citados dispositivos:
Art. 4º Serão observadas as seguintes regras para ser firmado acordo ou transação:
(...)
II no caso de débitos da União, haver redução de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor estimado da condenação e se o autor da ação se responsabilizar pelos honorários de seu advogado e eventuais custas judiciais, aceitando ainda a incidência de juros de mora desde a citação válida no percentual máximo de 0,5% (meio por cento) ao mês, bem como o desconto dos impostos e das contribuições respectivas;
III no caso de créditos da União, a redução levará em conta os critérios de administração e de cobrança, bem como a exigência de que o réu da ação se responsabilize pelos honorários de seu advogado e eventuais custas judiciais;
Como se vê, os transcritos dispositivos atribuem poderes às autoridades referidas nos incisos do art. 1º, para concederam ou aceitarem descontos. Ou seja, é concedido à autoridade celebrante poderes para dispor, de acordo com certos parâmetros, sobre o crédito ou o débito.
Diz de acordo com certos parâmetros, pois em relação a débitos a disciplina do art. 4º, inciso II, limita o desconto a 10% do valor do débito, ficando o autor responsável pelo pagamento dos honorários de seus advogados, das custas judiciais, juros de mora de 0,5% ao mês, de demais descontos de tributos (impostos e contribuições).
Em relação a créditos, o desconto é ainda mais flexível, pois não se encontra sujeito a nenhum limite numérico, mas aos “critérios de administração e cobrança”. Tal expressão, que traduz inegável conceito jurídico indeterminado, concede ao Advogado da União margem para uma razoável redução do crédito, o que certamente estimulará a aceitação por parte do devedor.
Mas tal ato normativo não é isento totalmente de críticas. Há também aspectos nos quais poderiam ter avançado e não avançou, além de expedientes verdadeiramente contrários a uma política de estímulo a conciliação.
Uma das questões, inclusive de fundamental importância, é a inexistência de uma disciplina mais clara quanto às condições para a celebração de acordos. A OS PGU nº 13/2009, em seu art. 5º, remete o assunto para outra norma, a saber, incisos I e II e §§ 1º, 3º e 5º do art. 3º da Portaria AGU nº 109, de 30 de janeiro de 2007, editada para disciplinar a atuação da AGU nos Juizados Especiais Federais, que assim estabelece:
Art. 3° A transação ou a não interposição ou desistência de recurso poderá ocorrer quando:
I - houver erro administrativo reconhecido pela autoridade competente ou, quando verificável pela simples análise das provas e dos documentos que instruem a ação, pelo advogado ou procurador que atua no feito, mediante motivação adequada; e
II - inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado.
§ 1° A inexistência de controvérsia quanto ao fato deve ser verificável pelo advogado ou procurador que atua no feito pela simples análise das provas e dos documentos que instruem a ação, e a inexistência de controvérsia quanto ao direito aplicado deve ser reconhecida pelo órgão consultivo competente, mediante motivação adequada em qualquer das situações.
Tal norma, contudo, ao se referir a “transação” parece fazer menção ao reconhecimento do pedido, pois em seguida, dá o mesmo tratamento a não interposição, bem como a desistência de recursos. Entretanto, a simples remissão feita pela OS ora em questão pode suscitar a dúvida quando ao condicionamento da conciliação aos restritos requisitos estabelecidos na Portaria do AGU, a saber: o erro administrativo e a inexistência de controvérsia sobre questões de fato e de direito.
Ou seja, além de não constar expressamente na norma as condições, o que a deixa, de fato, um pouco obscura, a referida norma dá margem a dúvidas quanto à necessidade ou não de observância desses dois requisitos.
Além do mais, o ato em análise trouxe, em seu art. 10, a odiosa previsão de obrigatoriedade de remissão do termo de acordo para a Corregedoria-Geral da AGU. Ora, com uma mão se deu poderes aos órgãos de execução e aos Advogados da União para a celebração de acordos, com a outra se estabeleceu a presunção de que praticariam algo errado, prevendo a obrigatoriedade a obrigatoriedade de envio do acordo para a Corregedoria.
Pois esses dois últimos aspectos percebe-se que a disciplina da conciliação na PGU ainda precisava avançar muito.
3.5 Ordem de Serviço PGU nº 14/2009.
A Ordem de Serviço PGU nº 14/2009 foi editada com a finalidade de disciplinar, exclusivamente, a celebração de acordos para parcelamento de créditos decorrentes de acórdãos do Tribunal de Contas da União - TCU. Ela autorizava, aos Advogados da União integrantes do grupo permanente de atuação pró-ativa da PGU, criado pela Portaria PGU nº 15, de 25 de setembro de 2008[13], a celebração de avenças cujo valor não supere o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em que pese se restrinja aos créditos do TCU, esse norma trouxe importantes avanços.
Primeiramente, a elevação do valor para a celebração de acordo diretamente pelo Advogado da União, de R$ 60.000,00, nos termos da OS nº 13/2009, para R$ 100.000,00. Em segundo lugar, a existência de disciplina clara quanto aos critérios e condições do acordo, em seu art. 2º, estabelecendo, por exemplo, o número máximo de parcelas, o valor mínimo de cada parcela, os critérios de atualização, dentre outros. E, por fim, a inexistência de qualquer menção à necessidade de envio do termo à Corregedoria da AGU.
O sucesso alcançado pela PGU nas conciliações envolvendo esses créditos, parece ter inspirado a edição da Ordem de Serviço PGU nº 18, de 07 dezembro de 2011, que deu nova redação a diversos dispositivos da OS nº 13/2009.
3.6 Ordem de Serviço PGU nº 18/2011.
Do que até agora foi exposto, conclui-se que a disciplina básica da conciliação no âmbito da AGU é conferida pela Lei nº 9.469/97. Internamente, especificamente no que tange à PGU, tal disciplina tem como norma geral a OS PGU nº 13/2009.
Como visto no item 4.4, tal norma foi responsável por possibilitar a celebração de acordos em caso de débitos da União, o que não era permitido pela OS PGU nº 26/2008, que se aplicava apenas a créditos. Além do mais, desconcentrou poderes para a celebração das avenças aos órgãos de execução da PGU, bem como a seus membros, permitindo, nas causas de valor até 60 salários mínimos, a celebração diretamente pelo Advogado da União que atua no feito.
Entretanto, como também demonstrado no referido tópico, tal norma ainda carecia de uma disciplina, primeiramente mais clara, e, em segundo plano, menos duvidosa, quanto às condições para a celebração de acordos. Ou seja, além de não constar expressamente na norma as condições, o que a deixa, de fato, um pouco obscura, a referida norma dá margem a dúvidas quanto à necessidade ou não de observância dos dois requisitos dos incisos I e II do art. 3º da Portaria AGU nº 109/2007: o erro administrativo e a inexistência de controvérsia jurídica e de fato.
E são justamente esses óbices que a OS PGU nº 18/2011 tenta superar.
Primeiramente, ela altera a redação do inciso II do art. 4º da OS PGU nº 13/2009, que era a norma que estabelecia, em caso de débitos, a possibilidade de redução do valor no patamar mínimo de 10%, que passa a contar com a seguinte redação:
Art. 4º
(...)
II - no caso de débitos da União, haver redução do valor estimado do pedido ou da condenação conforme juízo de probabilidade de êxito da União na demanda, de forma a demonstrar efetiva economicidade e redução de custos para o Erário, e aceitação, para fins de atualização monetária, de incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados na forma do artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, bem como do desconto dos impostos e das contribuições respectivas; (redação dada pela Ordem de Serviço n.º 18, de 07 de dezembro de 2011)
Como se vê, diferentemente da disciplina anterior, ao Advogado da União é concedido mais liberdade para a celebração de acordos para reconhecimento de débitos. Antes, ficava vinculado à redução de, no mínimo, 10% do valor da dívida. Agora, pode, contudo, conceder desconto menor, de acordo com o “juízo de probabilidade de êxito da União na demanda, de forma a demonstrar efetiva economicidade e redução de custos para o Erário”.
Mas o maior avanço dessa nova Ordem de Serviço foi a exaustiva regulamentação dos critérios para a celebração do ajuste, por intermédio da inclusão dos parágrafos 2º e 3º ao referido art. 4º, in verbis:
§ 2º Para fins do inciso II do caput, aplicar-se-á uma redução sobre o valor estimado do pedido ou da condenação, de acordo com a análise de probabilidade de êxito da tese de defesa da União no processo, mediante a avaliação do melhor e do pior cenário possível, ponderando-se cumulativamente os seguintes critérios:I - perspectivas do caso concreto, das decisões judiciais e da fase processual em que se encontra a demanda;II - as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade, que detenham efeitos erga omnes;III - as Súmulas e Orientações Jurisprudenciais dos Tribunais Superiores;IV - a jurisprudência iterativa dos Tribunais da respectiva Região e dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal;V - os Pareceres, as Súmulas e as Orientações Normativas do Advogado-Geral da União§ 3º A análise sobre a viabilidade do acordo levará em conta ainda, quando possível:
I - a perspectiva média de duração do processo até que haja uma decisão definitiva de mérito, bem como de sua execução;II - o custo de manutenção do processo judicial para a União, definido em ato próprio;
Como se vê, o texto do parágrafo 2º estabelece os dois parâmetros que devem ser utilizados na celebração da avença, a saber: a) a probabilidade de êxito na tese de defesa e b) o melhor e o pior cenário possível.
Além do mais, o § 3º estabelece os critérios que devem nortear a análise desses parâmetros, tais como as perspectivas do caso concreto, das decisões judiciais e da fase processual em que se encontra a demanda, a jurisprudência iterativa dos Tribunais da respectiva Região e dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, dentre outros fatores.
Em que pese não ter havido a expressa revogação do art. 5º da OS PGU nº 13/2009, que remetia as condições para a celebração de acordos para os incisos I e II e §§ 1º, 3º e 5º do art. 3º da Portaria AGU nº 109/2007, parece ser o novel regramento estabelecido nos parágrafos 2º e 3º do art. 4º a atual disciplina da questão.
É que, em face das alterações empreendidas pela OS PGU nº 18/2011, o art. 5º perdeu sua total razão de ser. De fato, é evidente o seu esvaziamento ante o maior e melhor detalhamento ora estabelecido pelo art. 4º.
O que parece ter acontecido foi, tão-somente, o esquecimento de sua revogação expressa, o que não afasta, todavia, o reconhecimento de sua revogação tácita.
Dessa forma, a restrita disciplina da Portaria AGU nº 109/2007 deve ser aplicada, tão-somente, como estabelece seu texto, aos Juizados Especiais Federais – JEF´s. Tal norma, aliás, em nossa opinião, ao se referir a “transação”, parece fazer menção ao reconhecimento do pedido, o que não afasta a aplicação da OS PGU nº 13/2009, com a redação que lhe deu a OS PGU nº 18/2011, aos acordos celebrados no âmbito dos JEF´s.
Por fim, há que se registrar a revogação do odioso art. 10 da OS nº 13/2009, o qual estabelecia a obrigatoriedade de remissão do termo de acordo à Corregedoria da AGU. De fato, essa singela modificação tem o condão de passar uma mensagem de estímulo a todos os membros da PGU, a de que a conciliação passou a ser de fato uma política institucional.
Sendo assim, com as alterações estabelecidas pela OS PGU nº 18/2011, o que se vê é, ainda que sem a revogação do art. 5º, uma disciplina mais clara e mais detalhada das condições para a celebração de acordos, concedendo aos órgãos de execução da PGU e a seus membros, instrumentos legais aptos à implementação de uma prática conciliatória efetiva. Isso é o que vem permitindo o sucesso da participação da PGU em parcerias como os “Mutirões de Conciliação” e a “Semana Nacional de Conciliação”, organizadas pelo CNJ.
3.7 Portaria PGU nº 02/2012 - As Centrais de Negociação.
Outro importante passo na direção da consolidação de uma prática conciliatória específica foi a edição da Portaria PGU nº 02/2012, a qual criou as Centrais de Negociação.
De acordo com o art. 2º do referido ato normativo, as Centrais tem, dentre outros, o objetivo de “fomentar o paradigma da alternativa eficiente e diferenciada de solução e de prevenção de conflitos no âmbito da Procuradoria-Geral da União e respectivos órgãos de execução”. Além do mais, é sua atribuição “coordenar as negociações tendentes à solução de conflitos envolvendo a União”.
Como se vê, foram criados órgãos, com ramificações em todas as unidades da Federação[14], responsáveis pela coordenação dos acordos no âmbito de cada unidade da PGU. Se as condições objetivas para a celebração de acordos já tinham sido satisfatoriamente fornecidas pela OS PGU nº 18/2011, faltava a criação de um órgão responsável por, todos os dias, estimular, criar metas e cobrar os resultados.
Na prática, o trabalho das Centrais tem ido até mais além do que o delineado na Portaria em análise, que, como se viu, é o de fomentar e coordenar as ações voltadas à conciliação, tendo em vista que em alguns locais os acordos tem sido efetivamente celebrados nesse âmbito.
Nesse aspecto, aliás, reside a minha única crítica a essa iniciativa. A função das Centrais, como concebida, aliás, no âmbito do Grupo de Trabalho do qual partiu a redação da Portaria PGU nº 02/2012, era a de servir de órgão responsável pela coordenação, estímulo, pelo esclarecimento de dúvidas, dentre outros aspectos, em relação às conciliações. Sua concepção estava voltada para a transformação da cultura atualmente existente na advocacia pública em relação aos acordos.
Entretanto, como defendemos nesse trabalho, esse objetivo só será alcançado quando a conciliação for prática cotidiana de todos os Advogados da União, o que demanda o envolvimento de todos nesse projeto. Esperamos que essa práxis, não prevista na ideia original, não contamine o nobre propósito dessa iniciativa.
Mas o fato é que o trabalho das Centrais foi responsável, durante o ano de 2013, pela realização de 9.049 acordos. Por esse quantitativo e pelas cifras envolvidas, já se pode afirmar o sucesso da iniciativa e a sua importância como um verdadeiro divisor de águas para a efetivação da política conciliatória no âmbito da PGU.
Contudo, a despeito dessa iniciativa ser ainda bastante recente, entendemos que ela não será suficiente para se alçar a conciliação como uma prática cotidiana entre os Advogados da União. É de fato, um grande passo nessa direção, mas ainda há outras obstáculos que precisam ser eliminados. É o que veremos em seguida.