Abordagem preliminar
Com experiência adquirida ao longo de quase 30 (trinta) anos no exercício da magistratura federal e, no magistério, nas Universidades de Fortaleza e FA7, complementada em cursos preparatórios para concursos na área jurídica, lecionando Direito Penal e Processo Penal, tenho absoluta convicção de que o presídio é dispendioso ao Estado, não recupera ninguém, sendo uma verdadeira escola do crime, constituindo, ainda, mera utopia, a Lei de Execução Penal (7.210/84).
Em razão dessa experiência, jamais poderia ser a favor de prisão, senão unicamente para os crimes gravíssimos, cujos autores, em regra, são verdadeiros animais.
Finalmente o Governo Federal, através do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, reconheceu a imprestabilidade do presídio para recuperar os condenados, o que afirmou por ocasião do lançamento do 11º Prêmio Inovare, sobre a falência da segregação humana.
Os autores de crimes de mínimo potencial ofensivo e, em regra, os de médio potencial ofensivo, se condenados, devem cumprir penas alternativas, distintas da prisão, cabendo ao Estado oferecer todas as condições para os seus implementos, inclusive o monitoramente eletrônico a ser fiscalizado pelo Poder Judiciário.
Não somos a favor do direito penal do amigo nem do inimigo, mas de um direito penal mínimo que, todavia, não desproteja a sociedade dos crimes considerados de máxima potencialidade ofensiva, porque o rigor quanto a esses crimes não resulta da nossa vontade, mas sim, da vontade popular inoculada da própria Constituição da República de 1988.
Ao sairmos de casa, nenhum de nós tem a certeza de voltar vivo.
Toda família brasileira já teve alguém que sofreu algum crime grave, notadamente roubo, sequestro, homicídio ou estupro.
Raro é o Banco que não teve explodido o seu caixa, mormente no interior dos Estados.
Enquanto a criminalidade está organizada, o Estado está completamente desorganizado, sucateado mesmo, sem cadeias, sem policial suficiente e bem remunerado, sem possibilidade sequer de propiciar a lavratura rápida de um termo circunstanciado (boletim de ocorrência) conhecido, aqui no Ceará, como “boletim de otário”.
Em termos de violência, não há um único Poder responsável, sendo um conjunto de omissões que datam de muito tempo, nas três (3) esferas, Federal, Estadual e Municipal.
Não podemos culpar apenas o Legislativo, eis que já existem leis até demais para punir os crimes, inclusive os graves, com penas privativas de liberdades razoavelmente severas, não fossem as benesses da Lei da Execução Penal.
A prova de que o Congresso Nacional, apesar de tudo, tem dado a sua contribuição à sociedade, já está aprovado no Senado, e agora em discussão na Câmara Federal, projeto de lei que tornará crimes hediondos alguns praticados contra a Administração Pública (corrupção passiva e ativa, concussão e excesso de exação), inclusive com aumento das penas privativas de liberdade dos próprios tipos penais, e também com outro aumento, qual seja, em até um terço (1/3), se tais crimes forem cometidos por agente político ou ocupante de cargo efetivo de carreira do Estado, caso em que, dificultará sobremaneira o acesso a vários benefícios, tais como, livramento condicional e a progressão do regime (in Jornal Diário do Nordeste, 06.04.2014,pg.16).
O que ainda caberia ao Legislativo Federal, seria uma maior contribuição para permitir um rápido julgamento dos acusados e apostar mais na pena pecuniária/multa, do que na de prisão propriamente dita adotando, dentre outras, as seguintes providências:
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Alterar as Leis dos Juizados (9.099/90 e 10.259/01 ) para aumentar o elenco dos crimes considerados de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles que sejam praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, cuja pena privativa de liberdade, máxima, poderia ser de até 4 (quatro) anos, e não de dois (2) como é atualmente, e também permitir o “sursis processual” nos crimes, cuja pena privativa de liberdade mínima, seja de até 2(dois) anos e não de hum (1), como é atualmente. É que, nessa linha de raciocínio, já temos a regra do art.44,I, do Código Penal, segundo a qual, aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos, a referida pena deve ser substituída por restritivas de direito;
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Como ainda existe a prescrição retroativa, ainda que considerada como marco inicial a data do recebimento da denúncia, seria o caso de eliminar a prescrição mínima de três (3) anos (art.109,VI, do Cód.Penal), passando a adotar como a menor prescrição no direito punitivo brasileiro, o prazo de quatro (4) anos, eis que o Judiciário, após a CF de 1988, ficou e continua assoberbado de processos;
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Possibilitar o aumento da pena de multa, de 1/3 até o triplo, do valor previsto nos crimes de estelionato (art. 171) e nos praticados contra a Administração Pública (arts 312 a 359H) todos, do Código Penal, conforme a magnitude do valor do dano causado pelo autor do crime;
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Conferir maior rigor aos réus reincidentes, a saber: alterar o art.110 do Cód.Penal para determinar um aumento de metade do prazo da prescrição e não de um terço, como é hoje, e também aumentar de cinco (5) para oito (8) anos, o prazo hoje previsto no art. 64 do Cód. Penal,que trata da reaquisição da primariedade;
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Alterar a Lei de Execução Penal (7.210/84) para que o preso trabalhe,com opções que a lei lhe der, portanto, em serviços compatíveis com sua especialidade, para também pagar o que o Estado gastar com ele durante o cumprimento da pena, até porque, trabalhando, será bom para ele, que já tem direito à remição da pena;
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O “bolsa família” deveria ser limitado a um tempo razoável para extinção e, destarte, incentivar o trabalho de quem não é delinqüente e lhe trazer dignidade, como determina a Constituição;
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Diminuir a quantidade de recursos, acelerando a tramitação da PEC do ex-Min. Cesar Peluzo;
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Diante do constante descumprimento de decisões judiciais, mormente pelo Poder Público, seria convinhável a criação de um tipo penal com dolo genérico e não específico, inserido nos crimes praticados contra a administração da justiça, com pena privativa de liberdade de dois (2) a 8(oito) anos, multa elevada, além de perda do cargo, qualquer que seja a pena aplicada, e inabilitação para o condenado exercer qualquer outro cargo, notadamente de confiança, pelo prazo mínimo de oito(8) anos;
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Acelerar a tramitação da PEC, do Senador Aloysio Nunes Ferreira, que baixa de dezoito (18) para dezesseis (16) anos a idade penal, nos crimes hediondos, e deixar que o STF, acionado, diga se o art. 228 da CF/88 é ou não considerado clausula pétrea, em face da polêmica, a esse respeito, de parte da Doutrina.
É mera ilusão pensar que só a Lei aumentando a pena privativa de liberdade de determinados crimes, resolverá o problema da criminalidade no Brasil.
O bandido quando vai cometer crimes, não olha o código penal nem a legislação extravagante, porque aposta que ficará solto e na própria impunidade.
O principal responsável pela desproteção da sociedade, sempre foi o Governo: Federal, Estadual e Municipal, de ontem e de hoje, cada qual dentro de suas atribuições constitucionais, porque não resolveram nem resolvem efetivamente os problemas sociais como educação, saúde, ocupação dos menores, segurança publica, etc, ao contrário, ofertando todo tipo de “bolsa” com fins eleitoreiros e por isso acomodando a muitos que podem trabalhar e produzir para o País.
Hoje não se encontra mais um vaqueiro, em cima de um cavalo, à busca de boi/vaca, senão em cima de uma moto.
O Governo deixa de arrecadar contribuição previdenciária porque empregada doméstica, v.g., não quer que lhe assinemos a CTPS, porque perderá o “bolsa família” e depois nos levará à Justiça do Trabalho.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal é também um dos principais responsáveis pela atual intranquilidade da sociedade, porque dá a última palavra no campo jurídico e sua jurisprudência passa a ser aplicada pelos Tribunais, tornando inócua a resistência dos Juízes 1º grau em manter réus presos acusados de crimes gravíssimos.
Os Ministros do STF têm de sair do seu Gabinete e olhar, nas ruas, a realidade do Pais, o que foi dito pelo Min. Joaquim Barbosa, evidentemente tirando os seus exageros verbais.
Dá pena ver atuar na instância criminal um juiz de 1º grau, o que assume o cargo somente após aprovado em rigoroso concurso público de provas e de título e não pelas mãos de políticos, inclusive cassados por corrupção, como gostava de dizer o falecido Senador Antônio Carlos Magalhães, o “Toinho Malvadeza”.
A primeira instância criminal está completamente desacreditada, em razão de tantos recursos propiciados ao réu, evitando-se o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Por isso, o Juiz de 1º grau não consegue manter presos os acusados de crimes de gravíssimo potencial ofensivo, em face, ainda, de entendimento da maioria do STF da era Lula/Dilma, a seguir comentado.
O juiz de 1º grau, por conta de tudo isso, ainda é o primeiro a sofrer com a violência, eis que vários são ameaçados e alguns morreram pelas mãos do crime organizado.
Há casos comprovados de bandidos acusados de vários crimes ( homicídio, sequestro, assalto e explosões a bancos, etc) que continuam soltos, e assim vão continuar até que, após longuíssimos anos, venha a transitar em julgado uma sentença condenatória para, finalmente, ele ser preso e afastado do convício social. Até chegar a esse momento, ele já terá feito um grande estrago às pessoas de bem e à sociedade. Estará isso certo?
Num passado, não tão distante, não se via falar de que bandido matara policial, invadira delegacias de policia, dinamitara caixas de bancos etc.
Bandido matar Promotor e Juiz, isso era quase inimaginável no Brasil.
Quem não se recorda do maior traficante de drogas ilícitas, do mundo, Pablo Escobar que, na década de 80, apostando na impunidade, metralhou os Ministros da Corte Suprema da Colômbia?
Quem pode assegurar que os membros dos Tribunais, mormente do STF, órgão que dá a última palavra sobre a Constituição, também não possam ser alvos da grande criminalidade? Bandido perigoso não tem limite.
E porque isso se tornou coisa comum no nosso País?
A resposta é simples: é porque o bandido aposta na certeza absoluta de que permanecerá solto e, só será preso excepcionalmente, ou seja, cautelarmente, coisa muitíssimo difícil, ou quando transitar em julgado sentença que o condene, o que levará anos e anos, em face da enorme quantidade de recursos, “habeas corpus”, embargos disso e daquilo. Isso não é uma ampla mas sim uma eterna defesa.
E, solto, continuará cometendo diversos crimes gravíssimos, podendo até mesmo ocorrer uma famigerada prescrição, pelos crimes anteriores e, ao final, se livrará de tudo, sendo essa a realidade que não dá mais para ser colocada debaixo do tapete.
Por outro lado, e por mais paradoxal que seja, há muita gente presa. São 500 mil, afora os mandados expedidos e não cumpridos, além dos crimes para os quais sequer são instaurados inquéritos policiais. Só presos provisórios são 200 mil, conforme dados do CNJ e Min.Levandowski (Jornal DN 01.02.2014),o que, a estas alturas, esse numero deve ter aumentado, sem dúvida.
O que fazer?
Como o presídio é mero depósito de preso, o certo seria esvaziá-lo em cerca de uns 70% a 80%, idéia hoje aceita pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, dele se retirando todos os que ali cumpram pena por crime de menor potencial ofensivo (se é que teve algum magistrado que o colocou por isso), ou que já tenham cumprido pena, bem como, e em regra, os de médio potencial ofensivo, colocando-os para cumprirem penas alternativas, com o Estado oferecendo reais condições para tanto. O restante, uns 20 a 30% , que deve ser o contingente de presos por crimes gravíssimos, permaneceriam efetivamente ali, no que o Estado gastaria menos e teria mais tempo e condições de vigiá-los, sem risco de rebeliões, fuga individual e coletiva, entre outros problemas.
Como convencer o povo de que está correto um pai, mãe e até avó, que não paga pensão alimentícia, às vezes até por se encontrar desempregado, ser logo preso civilmente, sem esperar o fim da ação de alimentos, e não o seja, um bandido que cometeu vários crimes gravíssimos?
Fortaleza é a segunda (2ª) cidade mais violenta do Brasil e a sétima ( 7ª) do mundo, morrendo à bala, por dia, de nove (9) doze (12) pessoas. Não é por mês. É por dia mesmo. É uma verdadeira carnificina.
Estamos, sem dúvida, numa guerra civil não declarada.
Ninguém acredita na justiça criminal do Brasil, daí a justiça privada que está ocorrendo, com os linchamentos de assaltantes.
A população não espera mais pelo Estado, porque nele não confia, e o substitui perigosamente.
É gente de bem matando assaltantes e bandido matando bandido, em face da concorrência pelos pontos de droga e pelo produto do crime.
Segundo alguns dados divulgados pela imprensa, para que o Estado possa manter um preso, são gastos aproximadamente uns cinco (5) salários mínimos, por mês, além de que, em alguns casos, a Previdência Social (INSS) ainda paga auxílio-reclusão à sua esposa e/ou filhos, o que desanima um cidadão honesto, sem antecedentes criminais, que trabalha oito (8) ou mais horas por dia para, recebendo apenas um salário mínimo, para cuidar de sua família e se manter com dignidade.
Cogita-se, como opção, que essa tarefa de cuidar de presos seja entregue à empresa privada, como já ocorre em Minas Gerais e no Amazonas (“ Longe do cárcere, perto da Justiça”, in Revista Via Legal, ano VI, n. XVII, da Centro de Produção da Justiça Federal), caso em que o Estado continua a pagar essa conta, todavia, não tendo mais o trabalho de deles cuidar diretamente, o que não sabemos se isso dará certo num País como o Brasil.
2. Prisão antes e depois da condenação e o exagero da interpretação do STF, no HC 84.078, por maioria.
No regime jurídico anterior, a regra era a da provisoriedade da liberdade e a da prisão como regra.
Em face da Constituição Federal de 1988, hoje é exatamente o contrário. Prevalece a liberdade como regra e a prisão como exceção. Portanto, a prisão é que é provisória e não a liberdade.
Vejamos o que acontece quando um cidadão é preso no nosso País e contra ele vai ser iniciado um processo criminal.
Pela 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, antes de conservar alguém preso, o Juiz deve buscar lhe aplicar primeiramente uma ou mais, das nove (9) medidas cautelares diversas da prisão.
Nos termos do atual art. 310 do Código de Processo Penal, se a prisão em flagrante for legal, não havendo necessidade de convertê-la em preventiva porque não existentes as situações do art.312 do mesmo código, nem sendo estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, surge, então, a possibilidade do magistrado conceder ao preso, a sua liberdade, expedindo-lhe o competente alvará de soltura, mediante uma ou mais medidas cautelares, diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP que são: comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas, para o autuado informar e justificar suas atividades; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante, como no caso da Lei Maria da Penha; proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial e monitoração eletrônica.
Essas providências legais estão absolutamente corretas para os crimes de menor e, em regra, para os de médio potencial ofensivo.
Todavia, não devem ser aplicadas, “data vênia” aos crimes de grave potencial ofensivo (crimes gravíssimos) por uma simples razão: é a própria Constituição Federal, produto da vontade do povo, que lhes determina rigor, a saber, conforme art. 5º “verbis”:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
O outro responsável pela situação de insegurança que ora tratamos, além do Poder Executivo, é o atual Supremo Tribunal Federal, quando criou um exagerado precedente, por maioria, no julgamento do famigerado HC 84.078.
Sabemos que não é qualquer decisão do STF que vincula os demais magistrados, mas apenas aquelas por ele proferidas em ADIN, ADC,ADPF e Súmulas Vinculantes.
Nos demais julgamentos proferidos pelo STF, se não forem seguidos pelos juízes, notadamente os de 1º grau, terminará, todavia, prevalecendo exatamente aquilo que ele decidiu, quando o réu recorrer aos Tribunais: ele será liberado e, portanto, dará na mesma coisa, ou seja, na impunidade. Logo, o problema está no STF.
No referido HC 84.078, o entendimento do STF foi excessivamente garantista, o que vale dizer, assegurou a qualquer réu, ainda que autor de crime gravíssimo, o direito de continuar solto até que um dia transite em julgado sentença que o condene ou, excepcionalmente, se ocorrer concretamente situação cautelar que justifique a prisão, coisa bastante difícil.
Esse entendimento exagerado, foi por maioria, prevalecendo o que sempre entendeu a 2ª. Turma, hoje composta dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Melo, Levandoswki, Carmen Lucia e Teori Zawaski.
Basta fazer uma pesquisa na Jurisprudência dos Tribunais de Justiça, Regionais Federais e no próprio Superior Tribunal de Justiça, e se constatará que tudo que o juiz de 1º grau invocar para manter preso um réu perigoso, os Tribunais e o STF dirão que é mero subjetivismo do magistrado, não existindo elemento concreto que justifique a prisão e, destarte, o bandido de alta periculosidade continuará solto, por vários anos, a intranquilizar às pessoas com seqüestros, inúmeras explosões de agências bancárias, homicídios qualificados, estupros do morte etc. Essa a grande realidade brasileira.
Essa interpretação do STF, seguida pela quase unanimidade dos demais Tribunais inferiores, nos conduz a outra incoerência, beirando ao absurdo, como no caso da fiança. Vejamos.
Réu acusado de crime mais leve, ou seja, de médio potencial ofensivo, para ter o direito de obter a sua liberdade e responder solto, terá de pagar fiança, caso não seja pobre na forma da lei, enquanto que o réu acusado de crime gravíssimo obterá a mesma liberdade, sem nada pagar. Isso está certo? Isso é uma coisa surreal. É um absurdo dos absurdos. Só mesmo no Brasil, país da impunidade.
O STF poderia ter optado por outra interpretação, na medida em que, como demonstrado, a Constituição Federal é rigorosa contra crimes gravíssimos, não permitindo anistia, graça, indulto, fiança etc
Nenhum Tribunal Judiciário Brasileiro, notadamente o STF, julgará rapidamente réu que continue solto e, ai, vem a impunidade com a prescrição, ocorrendo também justiça privada, através dos linchamentos dos assaltantes, pelo povo, e homicídios pelos comparsas, como maneira de evitar que sua organização criminosa perca espaço para a outra.
Em todo cidade somos acordados com fogos de artifício, características de comemoração de que uma quadrilha vibrando com o assassinato de um bandido, seu concorrente.
Os únicos Ministros na época contra esse exagerado entendimento, no citado HC 84.078, foram Menezes Direito (falecido), Elen Gracie (aposentada),Carmem Lucia e Joaquim Barbosa, ou seja, só os dois últimos têm entendimento pela prisão do condenado antes do trânsito em julgado. E Joaquim Barbosa já avisou que em breve se aposentará.
O STF de vinte (20) anos atrás, cujos Ministros não eram menos competentes do que os atuais, entendia que quando a condenação do réu fosse confirmada pelo Tribunal inferior e, daí, só dependendo de Recurso Especial, ao STJ, e Recurso Extraordinário, ao STF, o réu já poderia ser preso, apenas sem o lançamento do seu nome do rol dos culpados, eis que tais recursos não têm efeito suspensivo, em face do art. 27 da Lei n. 8.038/90, artigo esse considerado constitucional até hoje, inclusive pelo atual STF.
Pergunta-se: o que mudou, de vinte (20) anos para cá, para o STF da era Lula/Dilma, alterar o posicionamento anterior, ao julgar o HC 84.078? Houve alteração da lei e da Constituição para melhorar a situação dos acusados de crimes gravíssimos? E a segurança jurídica? De vinte (20) anos para cá, a criminalidade diminui ou aumentou? Se aumentou, o que é um dado indiscutível, com maior razão o atual STF deveria aplicar aos crimes gravíssimos o rigor determinado pela própria Constituição.
Dos que participaram do julgamento do referido HC 84.078, não mais estão no STF: Cezar Peluzo, Ayres Brito, Eros Grau, Sepulveda Pertence, que se aposentaram, além do Min. Menezes Direito, que faleceu.
Novos Ministros passaram a integrar a nossa maior corte judicante, a saber:Luiz Fux, Rosa Weber, Tófilo, Roberto Barroso, e Teory Zavaski, de quem muito se espera sobre um novo pronunciamento quanto a esse assunto frente ao rigor que a Constituição impõe aos crimes gravíssimos.
Como quem não avaliou bem a profundidade do que julgara, o Min. GILMAR MENDES, que por algumas vezes que veio a Fortaleza experimentou de dois (2) pequenos assaltos, na Praia do Náutico, demonstra arrependimento em ter acolhido o famigerado HC 84.708.
Vejamos o que ele disse, conforme nos lembra o ilustre colega Juiz Federal Dr. Nagib de Melo Jorge Neto, no trabalho “ A aplicabilidade das normas constitucionais definidoras dos direitos e garantias fundamentais depois de 25 anos: desafios e possibilidades” inserido no Livro “os 25 da Constituição de 1988” publicado pela FA7, onde ele inicia assim: “Em entrevista concedida ao jornalista Fernando Rodrigues em 27 de junho de 2013, o Min. Mendes, que havia votado com o relator no HC 84.078, cogitou que esse especifico tema poderia ser solucionado no plano jurisdicional, com uma nova interpretação do STF para a questão”.....Disse Mendes: Eu tenho a impressão que nós caímos numa cilada. Inicialmente acho que foi até o Min. Peluso como relator que consagrou a tese, que era questionada no STF, a propósito da necessidade de que houvesse transito em julgado para mandar alguém ao presídio. Essa foi a tese por ele sustentada em razão de múltiplos abusos que se perpetravam e deixou alguma válvula de escapa para aqueles casos em que, com a sentença, já se justificasse a prisão temporária nos casos de crimes organizados, casos de continuidade delitiva etc. Mas foi ele mesmo que defendeu essa tese. O Tribunal a sufragou. Creio que por uma ampla maioria. Depois se viu que isso estava se resultando no final num quadro de impunidade porque as pessoas recorrem e passam a recorrer abusivamente agora parea o STJ e depois para o STF. Eu tenho a impressão de que a resposta poderá se dar no próprio plano legislativo e até no plano jurisprudencial”.
É impensável se ouvir isso de um competente Ministro do STF, que participou do julgamento do citado HC 84.078, quando ele teve toda oportunidade de ter o seu próprio entendimento, mas apenas “votou com o relator”.
Como nada é tão ruim que não possa melhorar, além dessa pública confissão do MIN. GILMAR MENDES afirmando, inclusive, que o STF poderia rever a sua interpretação que é altamente benéfica aos grandes criminosos e prejudicial à sociedade, surgindo, assim, uma ponta de esperança de novo julgamento, vejamos como atualmente a 1ª. Turma do atual STF vem decidindo, ou seja, chegando a admitir a prisão, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença, de réus condenados por crimes considerados gravíssimos, com argumentos que não são apenas os tradicionalmente cautelares:
a) No HC 103399 / SP - SÃO PAULO, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Julgamento: 22/06/2010, PDJe-154, DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010, EMENT VOL-02411-04 , a primeira turma do STF aceita a presunção objetiva de periculosidade de autor de crimes hediondos, e portanto, sua prisão durante o processo, até ser proferida a sentença condenatória em primeiro grau. A partir daí, o Juiz deverá justificar a necessidade de o condenado continuar preso; e
b) em 10 de abril de 2012, no “Habeas Corpus” 111827, no DJ n. 76, do dia 19.04.2012, a 1ª Turma, do STF, por maioria de votos, Relator Min. Fux, negou pedido para recorrer em liberdade do ex-tenente Correia Lima, chefe de uma organização criminosa atuante no Estado do Piauí e condenado a 47 anos e anos, além de possuir outras condenações por crimes graves. O relator avaliou que, no presente “habeas corpus”, trata-se da práticade crime de excepcional gravidade, pois após os sequestros dasvítimas, os corpos foram encontrados com perfurações de arma de fogo eparcialmente incinerados, amarrados e amordaçados. Diz ainda o Ministro Relator: “em razão desse quadro horrendo, eu trouxe a jurisprudência da Casa em casos semelhantes, retratando que a gravidade concreta do delito(revelada pelo modus operandi), a possibilidade de reiteração criminosa (apreciada pela instância com ampla cognição probatória) e ahediondez como se perpetrou esse conjunto de crimes bárbaros (consistente nos sequestros das vítimas, no amordaçamento das mesmas,nos homicídios e no atear fogo em seus corpos com o intuito de dificultar a identificação) além de encontrarem respaldo vasto na jurisprudência da Primeira Turma (HC 103107) ainda também encontra ecoem diversos acórdãos de todos os ministros da Suprema Corte”.
E, agora, bem recentemente, no final de março deste 2014, o STF, no RHC n. 118.407-DF, o Relator Min. Roberto Barrosodeu à sociedade mais uma esperança para manter presos os autores de crimes gravíssimos antes do trânsito em julgado da condenação “verbis”:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. 1. Embora a natureza abstrata do crime não constitua motivo hábil e suficiente para a determinação da segregação cautelar, é certo que a gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias em que ele foi cometido, justifica a custódia preventiva para o resguardo da ordem pública. 2. No caso, além da gravidade concreta dos fatos pelos quais o recorrente foi condenado a 18 anos e 4 meses de reclusão, a prisão preventiva está baseada no risco de reiteração delitiva, tendo em vista (i) a existência de outro processo por crimes semelhantes e (ii) a constatação de que “após a prisão dos acusados, os delitos com modus operandi similar cessaram”. 3. Prolatada a sentença e julgada a apelação, fica superada a alegação de inércia do Poder Público e, consequentemente, prejudicada a arguição de excesso de prazo. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. Informativo STF Brasília, 10 a 14 de março de 2014 - Nº 738.
Tirante os seus exageros, o Ministro Joaquim Barbosa, por ocasião do também recente julgamento do mensalão, do PSDB, réu Eduardo Azeredo, lembrou que todos os cidadãos, inclusive eles, integrantes do STF, sempre reclamam da impunidade no Brasil, mas quando têm na mão a oportunidade para resolvê-la, em processo com provas licitas (e nunca ilícitas) não o fazem, ficando apenas no campo da retórica.
É chegada a hora do pleno do STF, diante de novos Ministros que ali chegaram, rever seu posicionamento, antes por maioria, de exagerado garantismo quanto aos crimes gravíssimos, já que a própria Constituição impõe rigor a esses delitos, como já acima demonstrado.
Não é possível que juridicamente se dê aos crimes gravíssimos o mesmo tratamento de benevolência que se dá aos crimes de inexpressivo potencial ofensivo, quando a Constituição diz o contrário.