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Princípio da insignificância em relação aos consumidores de substâncias entorpecentes

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24/04/2014 às 09:33
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10. A IMPUTABILIDADE COMO REQUISITO NECESSÁRIO.

É importante ressaltar que a pena alternativa, por óbvio, não deve ser aplicada aos inimputáveis. Tem-se, dentre as excludentes da culpabilidade a inimputabilidade. Desse modo, a imputabilidade é requisito fundamental para aplicação da pena e, por conseguinte, da medida alternativa sugerida.

Por exemplo, menores requerem atenção especial, e devem ser tratados em instituições próprias, como clínicas especializadas para que possam ser reintegrados.

Com relação aos doentes mentais, aos que não possuem desenvolvimento mental completo e aos retardados, devem continuar sendo alvo das medidas de segurança e serem internados em estabelecimentos específicos.


11. Legislação de Tóxicos no Brasil E JURISPRUDÊNCIA CORRELATA

Após um estudo detalhado sobre as substâncias entorpecentes e sobre os problemas sociais, econômicos e orgânicos decorrentes dessa pesada instituição que é o tráfico de drogas, o presente trabalho irá trazer a partir de então a legislação existente no Brasil, jurisprudência sobre o assunto, ideias dos principais penalistas para que se possa construir o embasamento teórico necessário para a fundamentação da ideia apresentada.

O tráfico de entorpecentes esteve regulado no Brasil pela Lei 6368/76 e alterações posteriores. A Constituição Federal também deu a relativa importância ao tema, ao tratar do tráfico de entorpecentes como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Atualmente, a matéria está regulada pela Lei 11343/2006.

Toda essa previsão legal serve para demonstrar a importância conferida ao tema e a preocupação em adotar medidas rígidas para solucioná-lo, já que vem se tornando insustentável nos moldes que adquiriu dentro da sociedade atual.

A Lei 6368/76 dispunha no seu artigo 12: “importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 a 15 anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”. Tal disposição, apesar de genérica, mensura a gravidade do problema, percebida na rigorosa pena atribuída as práticas citadas no dispositivo.

Ainda na referida Lei, mais especificadamente o artigo 1611, “in verbis”:

“Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.”

No que concerne à materialização do delito se comprove, e isto se mantém na legislação atual, é necessário provar que o elemento envolvido no fato se trata de uma substância elencada dentre as previstas como ilícitas. Tais procedimentos são necessários para que se justifique a instauração do Processo criminal, criando os elementos de convicção exigidos pelo Código de Processo Penal.

Com relação ao tema, ainda com base na antiga lei alguns autores já defendiam a punição em caso de pequeno porte por pequenos traficantes e distribuidores. Dessa maneira, posicionava-se Jarlan Barroso12:

“O tráfico de drogas é delito por demais pernicioso, o qual põe em risco uma grande parcela da sociedade, vez que atinge principalmente os jovens, os quais são atraídos ao nefasto e sombrio mundo das drogas pelo ´canto da sereia` dos traficantes. As conseqüências de tal delito são catastróficas, não só para o jovem, mas também e principalmente para a família deste. É sem dúvida um delito de extrema vileza, de enorme repugnância, desmerecedor de qualquer regalia. Importa lembrar que, mesmo o pequeno traficante deve ser rigorosamente punido, vez que este é a ponta de lança do grande traficante, já que é encarregado da distribuição da mercadoria daninha e responsável pelo aliciamento dos jovens desavisados.

Porém, frente aos consumidores, em alguns casos, aplicava-se o princípio da insignificância, ou substituía-se a pena por multa, a qual, apesar de ser uma punição alternativa, não é adequada para a solução efetiva do problema, que é de ressocialização associada à reparação de danos causados, através de uma pena alternativa de serviços à comunidade e tratamento médico, manifestamente mais benéfica do que a conversão da prisão em multa.

Ainda no Superior Tribunal de Justiça13, encontrava-se o seguinte Acórdão, referente ao deferimento do Habeas Corpus – (HC 17956/SP) cujo Relator foi o Ministro Hamilton Carvalhido, julgado pela Sexta Turma, com a seguinte ementa:

“Sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância”.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, corte suprema da justiça nacional, negou Habeas Corpus (HC 82324), ajuizado por indivíduo identificado com as iniciais R.M., para anular condenação da justiça paulista por porte de substâncias entorpecentes, especificamente 60 (sessenta) miligramas de ”crack”.

A decisão foi unânime e acompanhou o relator Moreira Alves. Foram rejeitadas em questão, com base em precedentes existentes no próprio Supremo Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância e a possível atipicidade da conduta, requeridos em função da pouca quantidade de entorpecentes encontrada. O réu fora condenado a 6 (seis) meses de prisão em regime semi-aberto.

Ainda com relação a julgamento do Supremo Tribunal14, referente ao Hábeas Corpus (HC 81735/PR), a Corte Suprema também optou pelo indeferimento deste com a seguinte ementa:

“Posse de substância entorpecente em local sob a Administração Militar. Artigo 290, do CPM. 2. Invocação dos princípios da insignificância e da proporcionalidade. A pequena quantidade de entorpecente apreendida não descaracteriza o crime de posse de substância entorpecente. 3. Não há como trancar a ação penal por falta de justa causa.”

Destarte, é importante perceber, que na situação do militar consumidor de maconha, este foi punido aplicando-se o Código Penal Militar, lei específica, e que faz parte de uma Organização rígida e manifestamente formal, possuidora de leis e punições mais severas do que as destinadas aos cidadãos comuns.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça se alinhou ao Supremo Tribunal Federal, refutando a aplicação do princípio da insignificância ao caso, especialmente diante da nova previsão legal (art. 28 da Lei 11.343/2006):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (ART. 28 DA LEI 11.343/06). PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que o crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) é de perigo presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o princípio da insignificância. DJE DATA:27/05/2013.

A lei 11.343/2006 tratou especificamente do tema, afastando a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao caso, pois faz parte da própria natureza do crime de posse a pequena quantidade de droga:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Assim, o legislador fez questão de distinguir do traficante a pessoa que porta drogas para consumo pessoal e, além da advertência e prestação de serviços à comunidade, deu ao magistrado a oportunidade de aplicar medica educativa de comparecimento a programa ou curso sobre o tema, como forma de conscientização do usuário dos efeitos nocivos causados pela droga.

Com relação à prestação de serviços à comunidade, trouxe disposição interessante, que é o preferencial cumprimento da medida em locais que se ocupem preferencialmente da prevenção do consumo ou recuperação de usuários:

§ 5º  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

Finalmente, trouxe ainda medida essencial, já que a questão envolve basicamente um problema de saúde, que é a disponibilização gratuita de tratamento especializado para a dependência química:

§ 7º  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

O sistema legal permite ao operador que trate a questão de todas as formas, com um caráter de repreensão, na forma de prestação de serviços, com caráter educativo, com o oferecimento de cursos e sem nunca descuidar da questão de saúde pública, podendo ser determinado ao poder público o oferecimento de tratamento especializado gratuito.


12. Conclusões.

Em suma, o presente trabalho procurou colocar sugestões e apresentar as alternativas legais para o enfrentamento do problema das drogas no Brasil.

Procurou-se demonstrar que as medidas a serem aplicadas devem estar de acordo com as ideias de efetividade que tomam o Direito Penal atual. Assim, entendeu-se que a pena alternativa de trabalhos à comunidade, associada ao tratamento médico especializado, é medida que pode se tornar eficaz na prevenção, tratamento e ressocialização do usuário.

Quando se unir trabalho com acompanhamento especializado, far-se-á com que o indivíduo perceba o modo equivocado de viver que possuía. Dessa maneira, em pouco tempo existirão novos combatentes, extremamente experientes, buscando auxiliar no combate ao tráfico de drogas.

É importante ressaltar que tal medida deve ser acompanhada também de medidas preventivas, como informação da população, repressão aos traficantes e aumento e qualificação do aparato policial para que se possa, enfim, dizimar o problema do tráfico de entorpecentes da realidade brasileira.

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Vale ressaltar que o Direito Penal vive uma fase de evolução. É preciso realmente que coexistam dois sistemas de punição; que o primeiro seja justo e reintegrador ao punir os delitos mais graves e o segundo seja eficiente ao tomar medidas adequadas para evitar a proliferação dos delitos de menor potencial ofensivo. Dessa maneira, estar-se-ia cumprindo a função primordial de todo o direito: fazer justiça e garantir a boa convivência e a paz social.


13. BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Sérgio. Crime, Justiça Penal e Desigualdade Jurídica. As mortes que se contam no tribunal do júri” . In: Revista USP. São Paulo, 1994.

BARATTA, A. Direitos humanos: entre a violência estrutural e a violência penal. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Fabris, 1993.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Editora Saraiva.

JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução: André Luís Callegari, Editora Revista dos tribunais,

JESCHECK. Rasgos Fudamentales del monimiento interncional de reforma del Derecho Pena;. 1979

QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal. Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Del Rey Editora.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal Atlas.

ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal; Barcelona, Bosch, 1972.

SAMUELSON, Paul A. Introdução à Análise Econômica. Agir.

SANTANA, Selma Pereira de. A Negligência Grosseira (A relevância dos seus critérios densificadores para o tipo de ilícito e para o tipo de culpa). Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais. Faculdade de Direito de Coimbra. 2001.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. Ed. São Paulo.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Derecho Penal. Ediar. Buenos Aires.

PERÍCIA FEDERAL. DNA da Cocaína. Publicação da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.

Internet:

Observatório Brasileiro de Informações sobre drogas. www.obid.senad.gov.br

Psicosite. www.psicosite.com.br?

Conselho Nacional de Justiça. www.cnj.jus.br.


Notas

1 SAMUELSON, Paul A. Introdução à Análise Econômica. Agir.

2 Psicosite. www.psicosite.com.br

3 QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal. Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Del Rey Editora

4 ADORNO, Sérgio. Crime, Justiça Penal e Desigualdade Jurídica. As mortes que se contam no tribunal do júri” . In: Revista USP. São Paulo, 1994

5 SANTANA, Selma Pereira de. A Negligência Grosseira. Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais. Faculdade de Direito de Coimbra. 2001

6 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Derecho Penal. Ediar. Buenos Aires.

7 BARATTA, A. Direitos humanos: entre a violência estrutural e a violência penal. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Fabris, 1993

8 JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução: André Luís Callegari, Editora Revista dos tribunais.

9 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Editora Saraiva.

10 JESCHECK. Rasgos Fudamentales del monimiento interncional de reforma del Derecho Pena;. 1979.

11 Lei 6368/76, art. 16, Caput.

12 Jarlan Barroso é Promotor de Justiça do Estado do Ceará

13 Acórdão proferido pelo Ministro Hamilton Carvalhido, do Superior Tribunal de Justiça.

14 Julgamento do HC 81735/PR pelo Supremo Tribunal Federal

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Sobre o autor
Ricardo Caldas

Procurador Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Ricardo. Princípio da insignificância em relação aos consumidores de substâncias entorpecentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3949, 24 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27895. Acesso em: 5 mai. 2024.

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