3 ANÁLISE TÉCNICO-JURÍDICA DA CONCILIAÇÃO NA EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Um dos maiores entraves na efetiva prestação do direito material no atual sistema processual brasileiro está relacionado com o tempo em que essa prestação se realiza.
Tratando-se da Fazenda Pública como parte executada na relação processual, esse lapso temporal é ainda muito mais elástico, dada a quantidade de prerrogativas processuais inerentes aos entes públicos na condição de parte no processo que vão desde o reexame necessário até prazos em dobro ou em quádruplo, conforme a situação em análise.
Assim, o grande desafio a que se submete o Poder Judiciário hodiernamente é justamente garantir a efetiva prestação jurisdicional de modo a não comprometer a sua eficácia, sobretudo nas situações em que a Fazenda Pública está na condição de executada, portanto submetida à disposição constitucional do art. 100 da Constituição Federal de 1988.
Nesse particular, impõe-se conformar princípios como o do acesso à justiça e o princípio da celeridade e consequente duração razoável do processo, sem olvidar, no entanto, das garantias do contraditório e da ampla defesa.
3.1 Experiências implementadas no âmbito dos Tribunais de Justiça
O Tribunal do Trabalho da 4ª Região, através de atividade denominada Juízo Auxiliar de conciliação, vem implementando ações visando a solução dos conflitos que lhe são apresentados por intermédio de práticas conciliatórias. Implementou, há algum tempo, a possibilidade de conciliação para os processos com recursos, e em análise no Tribunal. Também, ampliou a prática para incluir a execução contra a Fazenda Pública, buscando negociações envolvendo precatórios e, ainda, a possibilidade conciliatória, incluindo a busca de solução à prévia análise de admissibilidade do Recurso de Revista apresentado.
Assim, três frentes conciliatórias são desenvolvidas pelo Regional: conciliação no 2º Grau, contemplando a possibilidade de também conciliar processos de primeiro grau, desde que os requerimentos abranjam uma pluralidade de ações interpostas contra o mesmo polo passivo; conciliação em precatório; e, conciliação prévia à análise do Recurso de Revista.
No âmbito do Tribunal de Justiça da Bahia, o Núcleo de Conciliação de 2º grau foi criado pela Resolução nº 02/2007, do Tribunal Pleno, tendo, entre suas atribuições, a realização de audiências de conciliação nos feitos remanescentes de desembargadores aposentados, naqueles de relatoria de juízes convocados que ascenderam ao Segundo Grau, nos processos que se encontram pendentes de julgamentos há mais de dois anos e, também, nos processos recém-distribuídos aos seus respectivos relatores.
O Núcleo tem como objetivo principal buscar uma solução para os processos que envolvem direitos disponíveis ou de família, antes da apreciação do recurso interposto em tramitação na 2ª instância, levando as partes à mesa de conciliação, oferecendo, portanto, à comunidade, mais uma forma efetiva de solução de conflitos.
Atualmente, no Maranhão, são 5 (cinco) os centros de conciliação em funcionamento no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Maranhão: Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Fórum Des. Sarney Costa); Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Rua do Egito); Centro de Conciliação (Faculdade de Educação Santa Terezinha – CEST); Centro de Conciliação (Faculdade de Imperatriz – FACIMP); Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Balsas.
Foram apresentados durante o “III Encontro Nacional dos Núcleos de Conciliação”, realizado em Brasília, no dia 05 de agosto de 2013, pelo Conselheiro do CNJ Neves Amorim, os números em âmbito nacional que demonstram a importância e a utilização dos meios de resolução de conflitos. Segundo ele, já são 307 (trezentos e sete) os instrutores formados, 56 (cinquenta e seis) Núcleos de Conciliação e 505 (quinhentos e cinco) Centros de Conciliação instalados, e os valores arrecadados nas 7 (sete) edições das Semanas de Conciliação é da ordem de 5,3 (cinco vírgula três) bilhões.
Em São Paulo, visando solucionar litígios por meio de acordo, foi criado em 2004, através do Provimento nº 843/2004 do Conselho Superior da Magistratura, o setor de Conciliação em Segundo Grau de Jurisdição e, em 2011, o Setor foi transformado no Centro Judiciário de Solução de Conflitos em Segunda Instância e Cidadania, em cumprimento às disposições da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.
Vinculada à Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a Central de precatórios, implantada em 2003, é a primeira experiência no país voltada exclusivamente a solução, por meio da conciliação, da dívida de precatórios dos entes públicos do estado mineiro.
Durante a audiência conciliatória, devedores e credores encontram ampla via de discussão até que cheguem, através de um acordo, na melhor solução que garanta direitos e deveres de ambos.
Merece destaque ainda, a experiência do Estado de Mato Grosso, com a sua Central de Conciliação de Precatórios. Em notícia publicada no sítio do CNJ, o Estado mato-grossense é o segundo da Federação a implantar uma Central de Conciliação voltada exclusivamente para a busca de acordos em processos envolvendo precatórios (BRASIL).
A Central de Conciliação de Precatórios promove audiências conciliatórias entre a Fazenda Pública devedora e o cidadão credor, além de fiscalizar a regularidade dos pagamentos acordados e respeitar a ordem cronológica de inscrição, em conformidade com o art. 100 da Constituição Federal de 1988.
Ainda, o objetivo da Central é acelerar o trâmite processual e resguardar os direitos dos cidadãos detentores de precatórios, facilitando o entendimento entre o Poder Público e o credor, de modo a buscar um valor que atenda tanto a quem deve quanto a quem tem o direito de receber.
Outra importante informação veiculada na matéria, é dada pelo juiz responsável pela Central, Onivaldo Budny, ao reconhecer a conciliação como um dos melhores meios para resolver a questão envolvendo precatórios. Segundo o magistrado, existem precatórios com mais de 10 (dez) anos aguardando pagamento, o que representa ausência da efetividade da decisão judicial.
3.2 Elementos instrumentais da conciliação
Considerando, portanto, o atual cenário jurídico brasileiro percebe-se, do ponto de vista institucional, esforço para a expansão de meios adequados de solução de conflitos, sobretudo a conciliação.
As experiências já implantadas e em funcionamento não parecem extrapolar os limites principiológicos que informam a Administração Pública. Como bem lembra Borges (2006), a noção de interesse público não se contrapõe aos interesses individuais dos integrantes da sociedade, defendendo, por fim, a ideia de que a fixação de interesse público, nos casos concretos, depende objetivamente de juízo de ponderação.
A opção, portanto, pela conciliação entre a Fazenda Pública e o particular representa uma alternativa objetiva pela efetivação de direitos fundamentais. Alternativa esta que se irradia por todo o ordenamento jurídico pátrio, na perspectiva de pacificar as relações jurídico-processuais.
Nessa mesma linha, não há violação ao limite da indisponibilidade dos bens públicos, considerando que os acordos realizados especificamente em demandas de precatórios devem respeitar a regra do art. 100 da Constituição Federal de 1988, não existindo, portanto, qualquer violação ao princípio da isonomia entre aqueles que compõem a fila dos precatórios de determinado ente federativo.
Com efeito, ao Poder Público impõe-se a obrigação da busca pelo bem comum e este, por sua vez, reflete a observância dos anseios sociais dos indivíduos enquanto integrantes da sociedade.
Nesse sentido, o STF, em decisão modelar no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 223, em que se contrapunha teses de supremacia do interesse público e da indisponibilidade dos direitos fundamentais, optou claramente em proteger os direitos fundamentais.
Assim, impõe-se ao ente público atenção à evolução das relações jurídicas, cada vez mais dinâmicas, que se operam na realidade social. Exatamente para acompanhar essa efervescência de mudanças é que o Direito precisa adaptar-se, criando novas estruturas e novos mecanismos aptos a responder satisfatoriamente as suas demandas.
Exatamente nesse contexto é que se legitima a reformulação da atuação do Estado por meio de mecanismos atualmente denominados alternativos de resolução de conflitos, e que exigem um novo modo de agir estatal, por através do Poder Judiciário, voltado para a valorização dos interesses fundamentais do cidadão. Assim, não basta tutelar a pretensão individual, mas é necessário que se atenda à finalidade da norma sem provocar lesão ao interesse da coletividade.
A conciliação, como meio de resolução de conflitos entre o Poder Público e o particular, reveste-se de elementos necessários à proteção do bem jurídico estatal, o que a torna mecanismo adequado de pacificação social apto a ser utilizado. Vale ressaltar o que colocou em relevo Moreira Neto (2003, p. 560), reforçando essa nova vertente interpretativa da atuação estatal, com as limitações que precisam ser ponderadas:
A consensualidade, por certo, não estará destinada a substituir as formas tradicionais de ação imperativa do Estado, mas, sem dúvida, já representa uma mudança substancial em suas modalidades de atuação, prestigiando o que hoje, embora com certa impropriedade terminológica, se vem denominando de parceria com a sociedade.
É nesse contexto que a conciliação pode desempenhar um papel relevante na adaptação do Poder Judiciário à diversidade das relações jurídicas, diminuindo a distância entre Poder Público e seus administrados, na busca da efetivação da tutela jurisdicional em tempo razoável de duração das demandas e de forma muito mais eficaz. A essa ideia encaixam-se perfeitamente as palavras do jurista espanhol Tomàs Font y Llovet, na tradução de Moreira Neto (2003, pp. 365-6):
As potestades administrativas que tradicionalmente havia a Administração exercido de modo unilateral, na atualidade podem atuar em consenso por acordo entre a Administração e os interessados. O exercício das potestades administrativas comporta vantagens de ordem substancial e processual. Por um lado, a colaboração e o consenso dos próprios afetados garante em maior medida a consecução do fins públicos afetos à Administração e, portanto, a realização do princípio da eficácia. De outra parte, o acordo supõe também uma maior aceitação da decisão e, em consequência, gera menor conflito. Por derradeiro, o instrumento convencional, em muitos casos, permitirá à Administração servir aos interesses gerais de maneira mais eficaz.
Afastada também a concepção de que estando no polo passivo da demanda, a Fazenda Pública estaria obrigada a defender-se à exaustão, pelas vias do Judiciário em nome do princípio da indisponibilidade do interesse público, muitas vezes em situações claramente esvaziadas do direito defendido em juízo.
Tal comportamento da Fazenda Pública não atende aos interesses do cidadão, que se quer centro subjetivado de direitos, tampouco atende aos interesses do próprio Estado enquanto condutor dos destinos da coletividade.
Na execução de quantia certa por meio de precatórios, a situação parece ainda mais rígida, vez que envolve diretamente valores a serem despendidos pelo erário, exigindo um controle muito mais enérgico e conservador, por parte da Administração Pública.
A relevância de se analisar o posicionamento contrário à celebração de acordos judiciais envolvendo precatórios recai, sobretudo, na indagação se a transação violaria a ordem cronológica estabelecida no art. 100 da Constituição Federal de 1988.
É necessário observar que a ordem cronológica disposta no art. 100 da Constituição Federal de 1988 aplica-se com exclusividade aos débitos já fixados em sentença com trânsito em julgado, sujeitas à expedição de precatórios, por meio do qual surge a obrigação de inscrição e o respectivo pagamento pela Fazenda Pública.
Vale consignar ainda, a necessidade de ampliação, no âmbito do Poder Judiciário, de centros de conciliação especializados na demanda de precatórios, à luz das experiências já oportunamente mencionadas, importando em medida razoável na efetivação, conforme a lição de Mendes (2011), do direito à organização e ao procedimento:
Ademais, a Fazenda Pública, apesar de submeter-se a procedimento diferenciado de execução, não pode ser considerada de forma dissociada da realidade social, rigidamente vinculada a um procedimento executório que viola indiscriminadamente o princípio da celeridade processual, marginalizando o cidadão credor de precatório, sobretudo o alimentar cuja natureza exige maior proteção dos direitos e garantias fundamentais.
A Resolução nº 115/2010, que dispõe sobre a gestão dos precatórios no âmbito do Poder Judiciário, criou o Sistema de Gestão de Precatórios que tem por base banco de dados de caráter nacional, alimentado pelos Tribunais de Justiça.
Finalmente, as reflexões envolvendo a concepção de Fazenda Pública, na visão conceitual de importantes vozes do Direito Administrativo brasileiro, intrinsecamente relacionadas ao princípio da indisponibilidade do interesse público, ao procedimento executório próprio dos entes estatais com suas prerrogativas e limitações e à compreensão dos princípios constitucionais que norteiam a atividade administrativa, constituem importante alicerce na construção de um novo olhar acerca da conciliação como instrumento viável de pacificação dos conflitos exsurgidos do meio social.
4 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo analisar a eficácia do procedimento conciliatório como meio adequado de resolução de conflitos na execução contra a Fazenda Pública.
Seja do ponto de vista político, considerando os interesses subjetivos dos envolvidos, seja do ponto de vista da economia processual, a conciliação é um dos grandes mecanismos a ser fomentado pela moderna processualística no Poder Judiciário brasileiro.
A conciliação, portanto, envolvendo a Fazenda Pública, quer na condição de autora, quer na condição de executada, mostra-se perfeitamente viável, com base nos argumentos elencados ao longo deste estudo, bem como em outros que implicitamente podem ser compreendidos.
As discussões acerca do tema em análise foram organizadas em três momentos: o primeiro capítulo dimensionou Fazenda Pública no contexto do Direito Administrativo, ao mesmo tempo em que apresenta as especificidades do seu procedimento executório à luz da Constituição Federal de 1988 e do Código de Processo Civil vigente.
O segundo capítulo realiza abordagem acerca da celebração de acordo com os entes públicos confrontou essa possibilidade com o princípio da isonomia na sua visão contemporânea de igualdade substancial, concluindo-se pela viabilidade da conciliação como importante mecanismo na busca da celeridade processual e da segurança jurídica.
Por fim, o terceiro capítulo, a fim de proceder a uma análise técnico-jurídica da conciliação envolvendo a Fazenda Pública, procedeu a uma apreciação dos princípios da celeridade, razoável duração do processo e do contraditório e da ampla defesa, à luz do Texto Constitucional e do entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Por todo o exposto, merece atenção a necessidade de urgente sistematização pelos tribunais, do procedimento que envolve precatórios, estabelecendo e cumprindo, de forma transparente, a ordem cronológica de pagamento, alcançando-se, em definitivo, a efetivação do direito do credor.
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