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Os objetivos do Novo CPC e as alterações trazidas com a terceira onda de reforma e a valorização da jurisprudência

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29/05/2014 às 14:15
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A crise do Judiciário está mais do que evidente e exige respostas céleres e oportunas; não dá mais para esconder ou protelar respostas efetivas.

Resumo: O Código de Processo Civil de 1973 já passou por três importantes ondas reformistas que muito alteraram sua redação original, sendo que a última, promovida no ano de 2006, destinou-se também a atualizar a legislação infraconstitucional com a Reforma do Judiciário efetuada no ano de 2004 e com a crescente valorização da jurisprudência, principalmente com a criação no direito pátrio das súmulas vinculantes. Na atualidade, discute-se muito a aprovação de um novo Código de Processo Civil, mais adequado aos ideais de justiça, efetividade e pacificação social.

Palavras-chave: ondas. reformas. CPC. valorização. jurisprudência.

Sumário: Introdução. 1. Das ondas de reforma do CPC. 2. Da análise das principais alterações com a terceira onda reformista de 2006. Conclusão. Referências.

Introdução

O principal diploma do sistema processual civil brasileiro é o Código de Processo Civil (CPC), ou Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Com mais de 30 (trinta) anos, não é se estranhar que possua muitos dispositivos inadequados ou até em desuso. De fato, muitos doutrinadores e juristas consideram o Código de 1973 “moroso, paternalista, custoso e principalmente preocupado com as tutelas patrimoniais em detrimento das tutelas protetivas dos direitos da personalidade”.[1]  

Nesse compasso, muitas leis posteriores tentaram solucionar as mazelas da prestação jurisdicional, a fim de que o Judiciário fosse visto como uma fonte segura, célere e plenamente acessível à ordem jurídica justa, capaz de oferecer respostas à litigiosidade contida que assolava a sociedade, em especial, as camadas mais pobres. Em termos modernos, pode-se sintetizar esses ideais na busca pela concretização da “função social do processo”, pregada por José Carlos Barbosa Moreira.[2]

O CPC de 1973 já passou por 3 (três) importantes ondas reformistas que muito alteraram sua redação original, sendo que a última, promovida no ano de 2006, destinou-se também a atualizar a legislação infraconstitucional com a Reforma do Judiciário efetuada no ano de 2004 e com a crescente valorização da jurisprudência, principalmente com a criação no direito pátrio das súmulas vinculantes.

Justamente por todos esses motivos, hoje há forte pressão para a edição de um novo Código de Processo Civil, melhor adequado às lições processualistas modernas e aos anseios da população.


1. Das ondas de reforma do CPC

Dessa maneira, as modificações na legislação processual civil podem ser divididas basicamente em 3 (três) ondas reformistas, que vão de 1994 a 2006. Contudo, antes mesmo daquele ano, podem ser apontadas mudanças significativas, como a Lei n.º 8.455, de 24 de agosto de 1992, que conferiu nova feição à prova pericial, a Lei n.º 8.710, de 24 de setembro de 1993, que estendeu a admissibilidade da citação por correio em qualquer caso, e a Lei n.º 8.898, de 29 de junho de 1994, que dispõe sobre a liquidação de sentença.

No que concerne à primeira onda reformista do CPC, estava voltada, entre outros objetivos, a conferir maior credibilidade e efetividade ao processo. Numa sequência de quatro leis, editadas na mesma data (13 de dezembro de 1994), a Lei n.º 8.950 foi responsável por mudanças na sistemática recursal, de modo a atingir os embargos de declaração (que, tecnicamente, não são recursos), embargos infringentes, apelação, agravo, recurso especial e recurso extraordinário. Quanto à Lei n.º 8.951 inovou a ordem jurídica com a criação da consignação em pagamento extrajudicial, a simbolizar a busca de meios alternativos ao Judiciário. Ainda houve a Lei n.º 8.952, que trouxe uma revolucionária contribuição, qual seja, as tutelas antecipada e específica, previstas, respectivamente, nos artigos 273 e 461 do CPC. Por sua vez, a Lei n.º 8.953 contribuiu com alterações no processo de execução.

Para fechar o ciclo, foi editada a Lei n.º 9.079, de 14 de julho de 1995, que introduziu no regime do processo civil a ação monitória.

Entretanto, por serem modificações que, mesmo contributivas ao sistema, mostraram-se insuficientes, deu-se, no final de 2001, a grande segunda onda reformista do CPC. Nesse prisma, vieram a lume as Leis n.ºs 10.352, de 26 de janeiro de 2001, que alterou novamente o sistema de recursos, notadamente o reexame necessário, e a 10.358, de 27 de dezembro de 2001, que consolidou a existência e eficácia das decisões mandamentais. Enfim, nesse ciclo, deu-se importante alteração no processo de execução, através da edição da Lei n.º 10.444, de 07 de abril de 2002.

Esse modelo reformista, assim como a Lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (no terceiro grupo de reformas, conforme adiante se verá), adotaram o sincretismo das tutelas processuais como forma de agilização da resposta judicial, com a junção de 2 (dois) processos e duas tutelas distintas, antes delimitadas na clássica divisão de tutelas: processo de conhecimento e processo de execução.

Por fim, cumpre fazer maiores comentários acerca da terceira onda reformista do CPC, na qual podem ser inseridas leis advindas posteriormente à Reforma do Judiciário, através da Emenda Constitucional n.º 45, de 08 de dezembro de 2004, que alteraram, entre outros temas, o sistema de recursos e o processo de execução, além de conferirem valorização considerável à jurisprudência.

Há, ainda, que se fazer uma importante observação. Como brevemente mencionado nas linhas acima, na atualidade se discute com muita veemência a aprovação de um novo CPC, o qual instaurará a quarta onda renovatória do processo, voltada ao acesso à Justiça e à harmonização dos ideais de efetividade e de celeridade com o dogma do devido processo[3]. Nesse prisma, veja-se o que se extrai do seguinte texto disponível no sítio eletrônico do jus navegandi:

“(...) Aliás, tal contexto, aparentemente contraditório (quarto obstáculo), é que nos faz concluir que a quarta onda renovatória consistirá na era da pacificação/adequação de ideias, princípios, ideais e metas. Não desconhecemos alguns trabalhos que identificam outros perfis dessa nova era, mas ousamos divergir. Por exemplo, a magistrada pernambucana Higyna Bezerra insere a quarta onda renovatória no contexto da “gestão judiciária”, em que a função do juiz assume novas proporções, qual seja, a de gestor, que se preocupa não só em sentenciar e despachar, mas, sobretudo, em entregar uma prestação jurisdicional eficiente e efetiva. A jurista relaciona os fatores acessibilidade, tempo e direito: “O Estado pressionado a reformular suas instituições jurídico-políticas, passou, então, a empreender reformas a fim de atender aos novos direitos e, conseqüentemente, os novos sujeitos de direitos, em suas demandas coletivas e difusas. Dentre suas preocupações mais legítimas encontram-se a prestação jurisdicional estatal e a ampliação do direito ao acesso das garantias processuais e dos mecanismos que tornem eficazes ao indivíduo, e a toda comunidade, a cessação da violação do direito e/ou a sua reparação.”

No entanto, no nosso sentir, esse estudo não deixa de ser um reforço à terceira onda renovatória, sem dela se distanciar substancialmente. Nota-se que o tema central continua sendo a efetividade do provimento jurisdicional, sem relevante inovação.”


2. Da análise das principais alterações com a terceira onda reformista de 2006.

No que diz respeito às mudanças trazidas com a última onda de reformas (terceira reforma), a Lei n.º 11.187, de 19 de outubro 2005, ao modificar a disciplina do recurso de agravo, instituiu que doravante caberá agravo retido contra decisões interlocutórias, de modo que agravo de instrumento virou forma excepcional, nos termos do artigo 522 do CPC.

Ademais, a Lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005, é complexa e traz significativas alterações em vários dispositivos do diploma processual civil, ao estabelecer, dentre outras providências, a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.

No dia 07 de fevereiro de 2006, foram editadas duas leis, sob os n.ºs 11.276, que será estudada a seguir, e 11.277, que incluiu o artigo 285-A, dispositivo muito polêmico ao prever a possibilidade de haver extinção do processo com resolução de mérito e dispensa de citação do Réu em caso da matéria controvertida envolver unicamente questão de direito e no juízo já tiver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos.

Nesse ciclo veio também a Lei n.º 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que traz disposições acerca da competência relativa, meios eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia, carta precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos.

Outrossim, em agosto de 2006, outra lei foi aprovada. Trata-se da Lei n.º 11.341, responsável pela modificação do parágrafo único do artigo 541, que passou a prever a possibilidade de juntada de decisão judicial disponível no meio eletrônico para demonstração do dissídio jurisprudencial (um dos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais).

É de se ressalvar, porém, que é muito provável que outras leis sejam editadas, eis que muitas ainda estão tramitando no Parlamento, em consequência da necessidade de adequar a reforma do texto constitucional à legislação infraconstitucional.

Pois bem. Particularmente sobre a Lei n.º 11.276, trouxe interessantes mudanças no cenário processual civil pátrio. Com efeito, entre as mudanças, podem-se citar as disposições sobre a forma de interposição de recursos, o saneamento de nulidades processuais, o recebimento do recurso de apelação e outras questões de menor impacto no meio forense. Alterou quatro artigos da lei processual civil: 504, 506, 515 e 518.

O artigo 504 passou a ser redigido da seguinte forma: “Dos despachos não cabe recurso”. Com relação à redação original, suprimiu-se a expressão “despachos de mero expediente”, medida esta acertada, pois despachos são atos que não envolvem carga decisória, eis que se trata de simples atos praticados pelo magistrado para dar andamento ao processo.

Quanto ao artigo 506, que se refere ao momento em que começam a correr os prazos para interposição de eventuais recursos, sofreu mudanças no inciso III e parágrafo único. Aquele dispõe que uma das hipóteses para efeito de contagem de prazo recursal é “da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial”, ou seja, do dispositivo, da conclusão da sentença (não das demais partes fundamentais desta, quais sejam, o relatório e os fundamentos de fato e de direito, segundo o artigo 485, do CPC). A redação prévia continha a expressão “súmula do acórdão”, o que, novamente, é uma mudança prudente de nomenclatura, pois se evita, com isso, o emprego de palavras em situações processuais muito distintas. Isto porque, na atualidade, há uma concepção moderna que se dá à palavra súmula, ligada aos julgados representativos da jurisprudência dos Tribunais.

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Por sua vez, quanto ao parágrafo único referido, prevê que “No prazo para a interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no § 2º do art. 525 desta Lei”. A regra é que o recurso seja interposto perante o órgão que prolatou a decisão, em cartório ou na forma prevista na Lei de Organização Judiciária; contudo o agravo de instrumento tem uma peculiaridade do procedimento intimatório: deve ser apresentado diretamente no Tribunal ad quem; nesses termos, a ressalva do artigo 525, § 2º, está ligada ao fato de que o agravo possui interposição e intimação sujeitas a regras diferentes dos demais recursos.

O artigo 515, que trata da apelação, foi inovado com o acréscimo do § 4º, que aceita a tese de supressão de instância, nesses termos: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”. Em prol do princípio da economia processual, busca-se aproveitar a decisão do órgão a quo que comporta sanabilidade, de maneira a evitar a invalidação e o retrocesso do processo a estágios anteriores à sentença. Isso pode se dar de ofício ou ser suscitado pela parte. Superado o defeito, o órgão ad quem apreciará o mérito do recurso. Em contrapartida, se for hipótese de nulidade insanável, o Tribunal deverá pronunciar a nulidade da sentença.

Como exemplos de nulidades sanáveis, citem-se: 1) advogado que substabeleceu o recurso não apresenta procuração, caso em que esta eventual nulidade de representação processual pode ser sanada, nos termos do artigo 13 do CPC; 2) apesar de haver litisconsórcio necessário, a sentença ou o recurso só foram intimados a uma ou algumas das partes; 3) o preparo do recurso foi insuficiente, mas o recorrente não foi intimado para completar seu valor; 4) o recurso subiu sem que o requerido pudesse apresentar contrarrazões, e a apelação é processada antes do juiz decidir sobre os embargos de declaração tempestivamente opostos.[4]

Outra inovação consiste no artigo 518, cujo parágrafo único foi suprimido, sendo substituído por dois parágrafos, que ditam: “§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. § 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso”.

Primeiramente, observe-se que a Lei n.º 11.276 está em vigor desde 09 de maio de 2006 (vacatio legis de 90 (noventa dias), com fulcro no artigo 3º, da lei) e tem aplicação imediata aos processos em cursos. Assim, as mudanças trazidas se aplicam a sentenças proferidas antes ou depois da vigência da lei, ou mesmo se o início do prazo recursal se deu antes ou após o encerramento da vacatio, ou, ainda, ao juízo de retratação previsto no §2 º do artigo 518 ainda que o processo esteja na fase de apresentação das contrarrazões ou que os autos já tenham subido para o tribunal.[5]

No que pertine à inclusão do § 1º do artigo 518, consubstancia mais um argumento de economia processual e favorável à crescente importância das súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. De fato, está intrinsecamente ligado à novidade perpetrada pelo artigo 103-A do texto constitucional (sobre as súmulas vinculantes, sendo 32 (trinta e duas) as editadas até o momento, com a última publicada em 24 de fevereiro de 2011[6]). Isto porque se é possível que um enunciado dessas altas Cortes vincule obrigatoriamente juízes e Tribunais, é válido – e lógico – que a parte não possa recorrer de decisões proferidas em consonância com o assentado nessa jurisprudência sumulada.[7] É mais uma válvula de escape da força vinculante das súmulas que se fecha contra eventuais oportunismos de litigantes de má-fé. Além disso, implica inquestionável economia de recursos e tempo, ao antecipar uma derrota inevitável, de modo a poupar o sistema jurídico de mais um processo desnecessário.

De outra parte, é possível constatar o grande peso atribuído aos precedentes jurisprudenciais, o que demonstra a influência decisiva da jurisprudência, em especial, das Cortes Superiores (STF e STJ), que se exerce em âmbito mais vasto que o reservado à súmula vinculante, eis que não se restringe à matéria constitucional, nem pressupõe deliberações cuidadosas sobre os requisitos do artigo 103-A.

Em verdade, esse juízo de prelibação não é bem uma novidade no Código Processual, visto que o artigo 557 já previa a hipótese do relator, em decisão monocrática, negar seguimento a qualquer recurso formulado em confronto com súmulas ou jurisprudências do respectivo Tribunal, do STF ou do STJ.

Agora, no entanto, o prestígio à jurisprudência sumulada é ampliado com a possibilidade de o juiz de 1º grau poder negar-lhe seguimento caso sua sentença esteja em conformidade com súmulas do STF e do STJ.

Note-se que ainda persiste uma diferença importante nos juízos de 1º e 2º graus, quanto aos artigos 518, § 1º, e 557, respectivamente. Enquanto neste o relator pode não admitir recurso em contrariedade às súmulas do seu próprio Tribunal e jurisprudências dominantes, naquele o juiz só poderá adotar tal providência se houver conformidade com enunciado sumulado do STJ e do STF.

De qualquer forma, o avanço é inquestionável e talvez até o novel texto se mostre mais prudente e razoável, haja vista que uma só pessoa – o juiz – vai proferir 2 (dois) julgamentos: a sentença e o recebimento da apelação. Posteriormente, caso o recurso seja admitido, o relator poderá, então, fazer o “filtro” do artigo 557, hipótese balizada por preceitos sumulados e pela jurisprudência dominante dos Tribunais. Outrossim, enquanto a súmula é um dado de imediata e objetiva percepção, a “jurisprudência dominante” nem sempre pode ser compreendida e identificada com precisão.

Num segundo ponto, Cássio Scarpinella Bueno demonstra preocupações acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo em estudo. O jurista entende ser inegável a situação, de certa forma esdrúxula, de uma lei infraconstitucional – o CPC – que trata de temática que ainda não foi devidamente disciplinada na Constituição (súmula vinculante)[8] ou que está pendente de discussão na Câmara dos Deputados, em outra proposta de Emenda à Constituição, a PEC n.º 358/2005 (súmula impeditiva de recurso), esta objeto de entendimento do STJ.[9]

É curioso frisar que o § 1º supra não exige que sejam tais súmulas o óbice para admissibilidade da apelação; podem ser súmulas comuns, facultativas. Apesar dessa observação, é possível concluir que, com a introdução daquela no sistema constitucional brasileiro (súmula vinculante) e a discussão desta (súmula impeditiva de recurso), a intenção legislativa foi valorizar esses enunciados sumulados. Do contrário, ficariam inócuos, soltos, sem a devida ligação com a legislação infraconstitucional. Logo, ele se aplica aos 2 (dois) tipos de súmulas possíveis: persuasivas e vinculantes.

Após essa breve ponderação, voltando à problemática levantada por Cássio, o autor sugere uma solução assentada na “interpretação conforme a Constituição”, sustentando que a constitucionalidade plena do § 1º somente será alcançada se, antes da fixação das súmulas, houver prévio e exaustivo contraditório com a comunidade jurídica.  Em verdade, essa cautela importante está ligada às matérias que poderão se tornar “paradigmas jurisprudenciais”, assim como aos legitimados para provocar a edição, revisão ou cancelamento dos enunciados.

A segunda análise diz respeito à divergência existente entre os autores sobre a natureza da análise do § 1º do artigo 518. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina[10] consideram que a questão de se saber se a sentença está ou não em consonância com entendimento sumulado é atinente ao julgamento do recurso, isto é, ao juízo de mérito dos recursos cíveis.

Em contrapartida, a maioria dos autores asseguram que se trata de juízo de admissibilidade da apelação. Esta é posição seguida por Cássio Scarpinella Bueno[11], Humberto Theodoro Junior[12] e Rodrigo da Cunha Lima Freire.[13]

Questão pertinente, mormente a partir das considerações desenvolvidas, é a relativa à aplicação da diretriz § 1º do artigo 518 a outros recursos além da apelação. Em geral, predomina o entendimento de que, nada obstante a localização do dispositivo no CPC, a disciplina legal da apelação corresponde a uma verdadeira Teoria Geral dos Recursos, a exemplo do que se dá no artigo 515, que trata da regra do efeito devolutivo, aplicável a todos os recursos cíveis.[14] Dessa maneira, com a interposição de recurso especial ou extraordinário contra acórdão fundado em súmula, perante os Tribunais locais, os Presidentes destes têm competência para negar-lhes trânsito, inclusive sem a oitiva do recorrido. De forma semelhante, embasam essa conclusão as súmulas n.ºs 286, do STF, e 83, do STJ.

Contudo, faz-se a ressalva de que certamente terá aplicação mais reduzida em outros recursos, que, em sua maioria, são interpostos diretamente perante o Tribunal, hipótese em que o Relator poderá se valer das faculdades do artigo 557, caput (juízo de admissibilidade negativo) ou § 1º (juízo de mérito), de forma que será alcançado o mesmo desiderato do dispositivo em referência.[15]

A quarta questão a ser lembrada é que o trancamento da apelação somente deverá ocorrer em caso de total fidelidade entre a sentença e a súmula dos Tribunais de superposição.[16] O intérprete deverá entender corretamente o sentido e alcance do preceito sumulado e sua aplicação na fattispecie, com base na distinção entre o que constitui a ratio decidendi (parte que realmente serve de precedente vinculante) e o que constitui a obter decidendi, nos moldes do sistema da common law. Se a decisão estiver baseada em outros fundamentos, também objeto de impugnação, no mesmo ou em diverso capítulo do fundamento do § 1º, não há como negar trânsito à apelação, ainda que esta seja recebida parcialmente.[17]

Havendo essa igualdade, o juiz deverá recusar seguimento ao recurso, ainda que reste ao apelante a interposição de recurso de agravo de instrumento, prevista no artigo 522 do CPC, que não poderá ser barrado na origem, pois é apresentado diretamente no tribunal (artigo 524). Porém, é possível prever que citado recurso terá mínimas chances de prosperar, eis que o relator deverá se valer do artigo 577. Ou, caso o tribunal dê provimento ao aludido agravo, reformando a decisão do juiz e a parte prejudicada interponha recurso especial, conhecido este, o STJ deve lhe dar provimento, por violação ao § 1º do artigo 518. Do contrário, o intuito desta diretriz restará completamente frustrado.

Entretanto, não é de afastar a possibilidade de o juiz equivocar-se na aplicação da súmula para impedir a apelação, incorrendo em error in iudicando. Neste caso, a parte dispõe de remédio eficiente, que lhe garante acesso ao segundo grau de jurisdição. Assim, poderá interpor agravo de instrumento, que tem grandes chances de ser recebido em 2º grau. Mas, se o Tribunal negar-lhe provimento e a parte interpor recurso especial, o STJ deve dar provimento a este, por violação do § 1º do artigo 518.

Por outro lado, tem-se a ocasião em que o juiz poderá cometer outro erro, ao proferir juízo de admissibilidade positivo, apesar de ser perfeitamente aplicável a regra do § 1º do artigo. Neste caso, poderá retratar-se de sua decisão, com ou sem o oferecimento da resposta do recorrido, ainda que a destempo, e, consequentemente, trancará o seguimento do recurso. Em verdade, essa regra não é inovadora, visto que já constava do primitivo parágrafo único do artigo 518. O que é novo é a limitação do tempo em que a faculdade de reexame fica aberta ao juiz: 5 (cinco) dias posteriores à apresentação da resposta do recorrido. Mas, como é um prazo impróprio, nenhuma consequência processual haverá para o magistrado que se manifeste a posteriori. Ademais, ainda que este juízo deixe escoar o prazo in albis, a parte não ficará prejudicada, porque, sendo a matéria de admissibilidade de recursos de ordem pública, ligada aos pressupostos processuais, é insuscetível de preclusão, a chamada “preclusão pro iudicato” (artigo 267, § 3º, do CPC), de modo que o Tribunal poderá perfeitamente conhecê-la no momento oportuno (e até o juiz poderá se manifestar, mesmo após extrapolado o prazo de cinco dias).

            Têm-se, em resumo, as seguintes situações que podem ser vislumbradas:

I) identidade entre sentença e súmula/ juízo de admissibilidade negativo/agravo de instrumento/ provável não recebimento: o juiz verifica que as situações de fato são realmente análogas e deve proferir sentença de acordo com súmula do STJ ou do STF, súmula esta impeditiva de recurso ou vinculante, respectivamente, ou meramente persuasivas. Irresignada, a parte apela, para pugnar pelo recebimento do recurso no duplo efeito, nos termos dos artigos 515 e 518. O juiz nega seguimento a este, por entender aplicável o § 1º do artigo 518. Fica aberta a possibilidade de interposição de agravo de instrumento ao Tribunal ad quem (artigo 522);

II) ausência de identidade entre sentença e súmula/ juízo de admissibilidade negativo/ error in iudicando/ agravo de instrumento/ provável recebimento: embora não haja perfeita fidelidade do caso concreto sub iudice à súmula do STF ou do STJ, o juiz não admite a apelação, caso este de error in iudicando. A parte prejudicada poderá impugnar referida decisão interlocutória, através da apresentação de agravo de instrumento (artigo 522, do CPC); e

III) ausência de identidade entre sentença e súmula/ juízo de admissibilidade positivo/ apresentação de contrarrazões/ juízo de retratação do juiz de primeiro grau: em face da disparidade entre a situação fática substancial e a hipótese sumulada do STF ou do STJ (como apresentação de argumento novo ou em razão das peculiaridades fáticas do caso ou de nova abordagem da questão jurídica), o juízo de admissibilidade da apelação é positivo. O recorrido terá a oportunidade de impugnar tal erro nas contrarrazões[18] ou, mesmo, o juiz pode reconhecer o erro inicialmente cometido. Assim, revendo sua decisão, poderá reexaminar os pressupostos de admissibilidade da apelação e, só então, aplicar o § 1º do artigo 518. Como visto no último parágrafo, esse momento de revisão não é preclusivo, pois envolve matéria de ordem pública, cognoscível em qualquer grau e momento.

Ainda no caso III, questiona-se se a parte prejudicada pode interpor agravo. Rodrigo da Cunha Lima Freire assevera que o entendimento predominante em sede doutrinária é que não cabe agravo de instrumento, por falta de interesse processual, sob a alegação de que a matéria concernente a juízo de admissibilidade é de ordem pública, além de que o órgão ad quo faz um juízo provisório, que será realizado novamente e definitivamente pelo Tribunal, mesmo que o recorrido não requeira isso em contrarrazões. Todavia, sustenta o doutrinador que, em face dos efeitos nocivos da demora do julgamento da apelação, especialmente se recebida no duplo efeito, o apelado pode provocar uma pronta resposta do Tribunal, insurgindo-se por meio de agravo de instrumento.[19]

Uma questão interessante diz respeito à revisão ou cancelamento da súmula. Se isso ocorrer antes do trânsito em julgado do recurso, o juiz não poderá se retratar para admitir a apelação, pois o § 2º do artigo 518 só permite o reexame em caso de juízo de admissibilidade positivo. Na hipótese de haver recurso pendente, como agravo ou recurso especial, o Tribunal pode considerar referidas mudanças ao decidir, e, assim, aplicar, por analogia, o artigo 462, do CPC. Por outro lado, caso a decisão já tenha transitado em julgado e esteja no biênio da ação rescisória, esta não será cabível, nos termos da súmula n.º 343 do STF, que a veda se fundada em mutação de jurisprudência do próprio STJ ou STF, exceto quando este, ao exercer controle de constitucionalidade concentrado, proferir decisão com eficácia ex tunc. [20]

Uma crítica justificável e inarredável destoa claramente de todas essas hipóteses: o princípio da recorribilidade plena das decisões interlocutórias consiste em sério entrave à concretização do ideal consubstanciado no precitado dispositivo legal e nas súmulas vinculante e impeditiva de recurso, objetivo este que é a redução do enorme e notório número de recursos que atravancam os Tribunais brasileiros.

De fato, se cabe agravo contra a decisão de não recebimento do recurso de apelação, mais e mais recursos serão interpostos e a crise do Judiciário só tende a aumentar[21] (aliás, situação similar é apontada pelos críticos dos enunciados sumulados, com a possibilidade de apresentação de bastantes reclamações perante o STF). E o problema se avulta porque tal recurso é a resposta imediata do jurisdicionado à aplicação concreta do § 1º do artigo 518.

Resta, assim, evidente a necessidade de implantação de novas reformas do sistema processual civil, como meio de barrar a interposição infindável de agravos e “agravinhos”. Na ordem jurídica pátria, a segurança e a efetividade da prestação jurisdicional devem ser vistas com primazia sobre o ideal etéreo de justiça. Afinal, não há como assegurar que a enésima decisão será melhor/mais justa do que a primeira.

Aliás, é de se notar que a tendência do sistema é, cada vez mais, afunilar a interposição de recursos, a fim de reservar aos Tribunais de Superposição as funções próprias de Cortes Constitucionais e não de mais um Tribunal de Apelação.

Nesse sentido, cite-se outro artigo, que, introduzido pela Lei n.º 11.277, segue essa diretriz. O dispositivo 265-A prevê que o juiz de primeiro grau pode julgar liminarmente ações improcedentes se a “matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”. Como se depreende, já no ajuizamento da petição inicial, a ação é extinta com resolução de mérito, sem citação do requerente para oferecer contestação.

Destarte, o dispositivo supra e o § 1º do artigo 518 caminham rumo a um mesmo objetivo, ainda que numa análise perfunctória: a simplificação do sistema processual e a economia de tempo e recursos.

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Sobre a autora
Graziele Mariete Buzanello

Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (2002-2006). Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp (Rede LFG) (2010). Pós Graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB/CEAD) (2014). Procuradora Federal (desde 2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUZANELLO, Graziele Mariete. Os objetivos do Novo CPC e as alterações trazidas com a terceira onda de reforma e a valorização da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3984, 29 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28978. Acesso em: 22 dez. 2024.

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