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Preconceito racial contra o negro à luz da Lei nº 7.716/89 - crimes resultantes de preconceito de raça e cor

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01/09/2014 às 13:40
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3- A BUSCA PELA IGUALDADE NA LEI Nº 7.716/89

Este capítulo abordará a tentativa de promoção de igualdade entre os indivíduos por meio da Lei nº 7.716/89, que objetiva a erradicação do preconceito racial contra a pessoa negra e outros grupos. Tais disposições vêm expressas no artigo 1º dessa lei e visam a garantir a tutela do direito à igualdade, previsto constitucionalmente como inviolável no artigo 5º, caput, da CR/88. Serão aqui sucintamente analisados os artigos da Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, de cor, de etnia, de religião ou de procedência nacional, e que foi modificada pela Lei nº 9.459, de 1997, que altera os artigos 1º e 20º da Lei nº 7.716/89 sobre crimes de racismo: 

Art. 1º - Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pode-se considerar que esse dispositivo da lei é imperativo ao estipular que o preconceito racial é intolerável e, portanto punível de forma rígida.

Art. 2º - (vetado)

Art. 3º - Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

O artigo 3º da lei supramencionada refere-se ao ingresso, no serviço público, de pessoas nas condições do artigo 1º, ao dizer que será apenado com reclusão, ou seja, com pena de prisão, aquele que não cumprir suas disposições. Basta que o agente obstrua ou dificulte o acesso ao cargo, consumando-se, portanto o delito.

É evidente que, se o indivíduo se sentir ofendido, deve estar habilitado para executar o trabalho; portanto, para que o fato se configure como conduta criminosa é necessário que o ofendido se enquadre na forma da lei.

Art. 4º - Negar ou obstar emprego em empresa privada

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Esse artigo dispõe sobre a negativa do ingresso ou da admissão em emprego relativo à iniciativa privada. Não está prevista a situação na qual alguém, por preconceito, não possibilita a um candidato participar de seleção de emprego. Porém, aquele que sofrer tratamento injusto ou diferenciado e sentir-se prejudicado com a intenção de ser dispensado por preconceito ou discriminação racial, poderá ajuizar uma ação, recorrendo ao mencionado artigo 4º.

Por outro lado, esse delito é de difícil comprovação, tornando-se comum o fato de empregadores utilizarem como argumento motivos dos mais variados.

Dando seguimento à análise da Lei nº 7.716/89, cabe observar:

Art. 5º - Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador:

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Verifica-se a preocupação do legislador ao elevar a essa categoria de crime o fato de, por preconceito, impedir-se o acesso de pessoas a estabelecimentos comerciais, negando-se, inclusive, a servi-los, atendê-los e recebê-los.

Para aplicar tal dispositivo, basta a constatação de que o agente não só recuse ou impeça o acesso de pessoa a estabelecimento comercial, mas também o fato de que essa pessoa não tenha sido servida ou atendida.

Veja-se ainda o que dispõe o art. 6º da Lei nº 7.716/89:

Art. 6º - Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau:

Pena - reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único - Se o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito) anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

O crime tipificado no dispositivo em exame ocorre quando qualquer pessoa se coloca na posição de interferir na inscrição ou no ingresso de aluno, quando existe a negação, recusa ou impedimento de inscrição ou ingresso do aluno. O legislador visou a garantir um dos bens de todo ser humano, a educação, sem distinção em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A causa especial de aumento de pena é aplicada quando a vítima é menor de dezoito anos de idade, protegendo-se, assim, a criança ou o adolescente.

Art 7º - Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar:

Pena - reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

 Esse artigo também caracteriza conduta discriminatória e preconceituosa, atitudes que tenham com finalidade impedir o acesso ou negar pousada a alguém.

Art 8º - Impedir acesso ou recusar atendimento em restaurante, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público:

Pena- reclusão de 1 (um) a 3 ( três) anos.

Ainda em relação a estabelecimentos comerciais, o legislador atentou ao impedimento e à recusa de atendimento em restaurantes e similares. Assim dispõe o artigo 8º da Lei nº 7.716/89:

A caracterização desse crime depende do local, que deve ser público, e não restrito a associados. (Assim comenta Christiano Jorge Santos, 2010 p. 111): “Faz-se necessário que o local seja aberto ao público, não havendo o crime em questão impedir o acesso de não sócio a bar e restaurante situados no interior de um clube social de ingresso restrito.”

Cabe observar ainda o art. 9º da lei em análise:

Art 9º - Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimento esportivo, casas de diversão ou clubes sociais abertos ao público:

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Quanto a esse artigo, pode-se comentar que, mesmo não tendo sido citado o local a que ele se refere, esse local também necessita ser público para que se caracterize o crime. Christiano Jorge Santos (2010, p. 112) afirma: “Embora não haja repetição da expressão ‘abertos ao público’, aqui também se exige, para a caracterização do delito, que o acesso ao local não seja restrito a associados.”

Portanto, configurar-se-á crime o fato de algum desses estabelecimentos se negar a receber, em suas dependências, um indivíduo como associado convidado, por preconceito a raça, cor, religião ou procedência nacional.

Caracteriza-se o delito de racismo descrito acima quando o acesso a lugar público foi impedido ou recusado, mesmo havendo a devida habilitação, seja por meio de convite, de cortesia ou de ingresso adquirido.

Assim dispõe o art. 10 da Lei nº 7.716/89:

Art. 10 - Impedir acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias,     termas ou casas de massagem ou estabelecimentos com as mesmas finalidades:

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

O mesmo entendimento se refere a atendimento em salão de beleza e em locais similares e afins, atendendo-se à garantia de igualdade de tratamento nesses lugares.

O art. 11 da Lei em exame diz:

Art. 11 - Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escadas de acesso aos mesmos:

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Observa-se que, de igual forma, caracteriza crime o tratamento desigual o impedimento de acesso a prédios públicos e residenciais em função da discriminação. Esse é um crime muito frequente e comum em nosso país, pois qualquer pessoa pode praticá-lo. É, porém, registrado.

Veja-se também o art. 12 da Lei nº 7.716/89:

Art 12 - Impedir o acesso ou uso de transportes públicos como avião, navios, barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte conhecido:

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

O tratamento diferenciado em razão de discriminação também é repudiado nos meios de transporte. Pode-se considerar tal tratamento quando se fala em impedir o acesso, atrapalhando-se o ingresso em qualquer meio de transporte, e em impedir o início e o prosseguimento da viagem de quem já está dentro desse meio de transporte.

O art. 13 dessa mesma lei diz:

Art. 13 - Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das forças Armadas.

Pena - reclusão de 2 ( dois) a 4 (quatro) anos.

 O acesso às Forças Armadas é aberto para todos e independe de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Nesse sentido, foi positivado o artigo 13 da Lei  nº 7.716/89, que se refere a impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas mediante condutas que dificultem, atrapalhem ou, de fato, impeçam alguém de praticar suas funções civis e militares nas Forças Armadas.

No art. 14 , tem-se a seguinte disposição:

Art. 14 - Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma o casamento ou convivência familiar e social:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

O mencionado artigo trata da situação de preconceito no seio familiar ou na sociedade, delito que, geralmente, é praticado pelos pais da vítima; mas qualquer pessoa pode cometê-lo.

Assim explica Christiano Jorge Santos: “Embora normalmente os pais acabem tendo influência para cometer o delito quanto a seus filhos, qualquer pessoa pode praticá-lo” (SANTOS,  2012, p.118).

Vale ressaltar que o dispositivo em questão não especifica se o casamento mencionado seria civil ou religioso, mas é pacificado o entendimento de que seja civil e o religioso com efeitos de casamento civil. Christiano Jorge Santos esclarece:

Destarte, embora a lei não tenha especificado trata-se do casamento civil ou religioso, em tendo a expressão significado técnico-jurídico há muito enraizado, dúvida não há que, no caso, refere-se somente ao previsto no direito positivo. O casamento religioso realizado com efeitos civis também se vê aqui abarcado por ser também reconhecido com tal. Cometem o delito, por exemplo, os pais que não dão autorização para o casamento de filha menor, desde que, obviamente, movidos por preconceito ou discriminação previsto no art.1º da Lei Antidiscriminação. (SANTOS, 2010,  p.119)

Com relação à convivência familiar de que trata o artigo em análise, será considerada as relações de união estável, ou a convivência de namoro, noivado ou amizade. Já a convivência social é qualquer relacionamento próximo, fora da relação familiar.

Art 15 - (vetado)

Art 16 - Constitui efeito da condenação a perda de cargo ou função pública, para servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a 3 (três) meses.

Dispõe esse artigo que os funcionários públicos, se condenados, poderão ser destituídos de seus cargos, e os estabelecimento particulares poderão ter suas atividades suspensas no prazo não superior a 3 (três) meses.

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Art 17 - (vetado)

Mas, para tanto, o juiz deve determinar a condenação na própria sentença, como disposto no artigo 18 da Lei nº 7.716/89:

Art 18 - Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados em sentença.

Art 19 - (vetado)

E finalmente:

Art 20 - Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional

Pena - reclusão de 1 (um) a 3 ( três) anos e multa.

 Esse artigo verbaliza a prática generalizada do preconceito, considerando ainda o induzimento ou a incitação desta prática tão condenável em nossa sociedade. É notório que esse dispositivo foi elaborado para focar todos os tipos de preconceito e discriminação que não foram tipificados nos outros artigos citados, ampliando assim a eficácia da Lei Antidiscriminação.

O artigo 20 da Lei nº 7.616/89 é um tipo penal aberto, pois estabelece a oportunidade de o operador do direito analisar determinadas condutas que não foram expressas pelos artigos anteriores. Christiano Jorge Santos (2010, p. 121) reforça tal entendimento: “Atualmente, a grande maioria das condutas de preconceito e discriminação da lei em estudo acabam enquadradas nesse artigo, revelando bem ter agido o legislador ao aperfeiçoar o tipo penal.”

Portanto, a prática desse delito é caracterizada por qualquer ato que sinalize preconceito ou discriminação penalmente punível, ou seja, por meio de gestos, sinais, expressões, palavras faladas ou escritas ou atos físicos, e não apenas contra um indivíduo, e sim ao grupo ao qual ele pertence.

Com relação ao induzimento, este é entendido como o ato de influenciar a mentalidade de outra pessoa, transmitindo a esta um conceito que ela ainda não conhecia. Christiano Jorge Santos expõe, em sua obra, o seguinte entendimento: “induzir é fazer penetrar na mente de alguém ideia ainda não refletida, é incutir, mover, levar.” (SANTOS, 2010 p.121)

Já a instigação é entendida como um incentivo a uma imagem que já existia. (SANTOS, 2010, p. 121) assim esclarece: “incutir na mente alheia que lá já existia. É o ato de acoroçoar, de estimular.

Vale ressaltar que, para a configuração de um dos núcleos do tipo em questão, há necessidade de que o agente tenha vontade consciente dirigida no sentido de estimular a discriminação ou o preconceito racial; exige o dolo direto ou mesmo o eventual.

Veja-se também o que dispõe o artigo 20, § 1º, da Lei nº 7.716/89:

Art. 20 - [...]

§ 1º - Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Pode-se ressaltar que as formas que possibilitem a divulgação do nazismo são também condutas condenáveis pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme dispõe o § 1º do art. 20 da Lei nº 7.716/89. O objetivo do legislador foi promover justa repressão a manifestações nazistas, em defesa da sociedade democrática.

É oportuno comentar também o § 2º do artigo 20:

Art 20 - [...]

 § 2º - Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Já nesse parágrafo o legislador se preocupou com a propagação de ideias preconceituosas, estabelecendo a majoração da pena do delito simples quando for cometido através dos meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza. Preserva-se, assim, o entendimento de que qualquer ato preconceituoso divulgado pelas formas já citadas, acarreta um dano maior.

Sobre esta análise, assim comenta Christiano Jorge Santos, (2010, p. 127): “Decorre a hipótese de presunção de que, por tais meios, o dano social seria maior em face do presumível aumento de número de pessoas que teriam conhecimento das condutas preconceituosas ou discriminatórias.”

Prosseguindo na análise, veja-se o § 3º do artigo 20 da Lei nº 7.716/89:

Art.20 - [...]

 § 3º - No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivos;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

O § 3º do artigo 20 em exame verbaliza que o juiz tem a faculdade de ordenar o recolhimento de material e a proibição de transmissão por rádio e televisão, até mesmo anterior ao inquérito policial.

Já no § 4º desse mesmo artigo, deverá ser requerida a destruição do material de cunho preconceituoso apreendido. Assim expressa esse dispositivo:

 Art. 20 - [...]

  § 4º - Na hipótese do § 2º, constitui efeito de condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Nos dias atuais, existem grandes controvérsias sobre a tipificação da conduta de um indivíduo que, normalmente de forma verbal, externa comentários ofensivos, utilizando-se de palavras relativas à raça, cor, etnia, credo ou procedência nacional.

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Sobre o autor
Lair Ayres

Advogado Previdenciário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AYRES, Lair. Preconceito racial contra o negro à luz da Lei nº 7.716/89 - crimes resultantes de preconceito de raça e cor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4079, 1 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29420. Acesso em: 29 mar. 2024.

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