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Preconceito racial contra o negro à luz da Lei nº 7.716/89 - crimes resultantes de preconceito de raça e cor

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01/09/2014 às 13:40
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4- CONCLUSÃO:

Ao analisar as leis antirracismo do ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se que, do ponto de vista técnico-jurídico, elas são eficazes, ou seja, são capazes de produzir o efeito desejado; mas a problemática em questão encontra-se na herança cultural que a sociedade brasileira carrega, ou seja, a de que, para exterminar e solucionar a problemática das práticas discriminatórias baseadas em preconceito racial, faz-se necessária uma ressignificação cultural, de modo que cada cidadão entenda que a cor da pele ou o grupo étnico no qual o outro está inserido não deve ser fonte de privilégios ou de prejuízos no acesso aos bens jurídicos e sociais. Parece-nos que se deve ter em mente que a esfera do Direito Penal, por si só, não é capaz de promover total transformação de práticas sociais tão arraigadas, nem poderia ser elevada a panaceia para as ações discriminatórias no Brasil, muito menos com relação a preconceitos secularmente reproduzidos. Não tem a norma penal a função de melhorar o ser humano, mas apenas a de impedir que uns agridam o direito dos outros, sempre tendo em vista seu caráter de ultima ratio.

Para estabelecer uma sociedade justa, todos os cidadãos devem desfrutar da liberdade pessoal, de bem-estar básico, de igualdade racial e étnica e de fruir da oportunidade a uma vida digna. John Kenneth Galbraith (1996, p. 22) discorre sobre a ideologia aceitável de uma sociedade justa: “Na sociedade justa, uma regra domina essas questões sociais: As decisões devem ser tomadas com base nos méritos sociais e econômicos do caso específico. Esta não é a era da doutrina, é a era do julgamento prático.”

Dessa forma, não basta que as leis sejam dinâmicas e atendam aos anseios de cada grupo racial, mas são necessárias políticas públicas e ações sociais que promovam reflexão e conscientização de que a cor da pele e as diferenças étnicas não diferenciam em nada a espécie humana; e de que somos, com efeito, todos iguais, somos seres pertencentes a uma mesma família humana. Parece-nos pertinente afirmar que a prática cidadã decorrente dos princípios democráticos preconiza que qualquer indivíduo comprometido com a ética pública deveria exterminar o discurso sustentador do preconceito racial e aceitar como reprováveis as atitudes discriminatórias.

Porém, como vimos até aqui, é sabido que grande parte dos cidadãos brasileiros ainda se vale de tais atitudes preconceituosas e que ainda estamos provavelmente muito longe de ter um país livre de discriminações, conforme projeta a Constituição.

Faz-se importante ressaltar que parece haver uma distância muito grande entre o discurso jurídico-constitucional de proteção a diversidade étnico-cultural e a prática social da inclusão do negro na sociedade de forma justa. Depreende-se daí que, para se começar, de fato, a respeitar a dignidade do povo negro, tem-se que assegurar concretamente, para além da tutela penal, mas por meio de sólidas e específicas políticas públicas, os direitos básicos, notadamente os sociais e os econômicos.

Ademais, para diminuir a ignorância sobre o assunto, apresenta-se como sugestão a inclusão das leis penais antidiscriminação nos currículos das faculdades de Direito, que, atualmente, não são ensinadas nos bancos acadêmicos. Sugere-se também a inclusão de tais leis nos editais, para que sejam objeto de arguição nos exames de OAB e nos concursos públicos de ingresso às várias carreiras jurídicas, na quais em que seja relevante o Direito Penal e a Sociologia Jurídica, ao menos.

Não existe justificativa plausível para o fato de, em um Estado Democrático de Direito, haver ainda o preconceito e a discriminação pela cor da pele. No sistema democrático, ouve-se muito a preconização do governo da maioria; porém, a preocupação mais relevante deveria ser a de que tal pensamento não se torne, na prática vigente, real apenas para uma certa camada social historicamente privilegiada, e sim para todos, conforme tão almejado e ressaltado na Carta Magna de nosso país e nos direitos fundamentais do homem.

Observa-se que há uma tendência, nos dias atuais, de acabar com a discriminação racial, criminalizando condutas racistas, de modo a assegurar o direito e a liberdade de cada grupo étnico exteriorizar sua cultura, sem receio de sofrer desrespeito por outros grupos raciais, mesmo que estejam em condição minoritária. A igualdade racial tem sido, especialmente, a partir da década de 60, a razão de árduas caminhadas. Por isso, buscam-se, oportunamente, proposições e saídas para a questão, que é de grande importância para a promoção de qualidade vida para as minorias do povo brasileiro, sobretudo o negro.

Por isso, os negros querem ver sua história e sua cultura reconhecidas e contempladas pelas políticas públicas, para que estas abram espaço para sua raça que sofre marginalização,para que seja, ao contrário, reconhecida com dignidade. Pois um mundo cada vez mais multipolar e multicultural sugere um maior número de atores que assumem um papel efetivo na aplicação e na conscientização dos direitos dos diversos grupos raciais, entre esses os da raça negra.

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Vale ressaltar, que a inclusão social do negro, se faz necessária para ampliar os espaços de atuação deste na sociedade, não apenas como expositor de sua cultura, mas também como atuante culturalmente, de modo que ele possa, efetivamente, exercer sua cidadania com dignidade.

Desse modo, não devemos desistir de tentar conquistar a igualdade entre os grupos existentes em nosso multiétnico país, não podemos abandonar esta luta que, com dificuldades, já se vem estruturando há séculos. Impõe-se o dever de respeitar o que dispõe o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Art. 2º - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (Declaração Universal dos Direitos Humanos)

Portanto, devemos almejar a dignidade de nossos irmãos negros, para que eles tenham um lugar de respeito na sociedade e para que sua cultura ocupe o espaço a que tem direito entre os demais grupos sociais, de forma cada vez mais expressiva e valorizada, com liberdade e, sobretudo, com igualdade.


BIBLIOGRAFIA

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CHIAVETTO, Júlio José. O negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1980.

CONRAD, Robert. Os Últimos anos de escravatura no Brasil, 1850 a 1888. Tradução de Fernando de castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo: Comentários ao Código Penal e ao Código de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS - Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

GALBRAITH, John Kenneth – Sociedade Justa: Uma perspectiva humana: Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus, 1996.

GOMES, Cristina – Escravidão no Brasil – disponível no site: www..infoescola.com/historia/escravidão no Brasil, acessado em 28/08/2012.

O Conceito Sociológico de Cultura - disponível pelo endereço eletrônico: http://WWW.esas.pt/dtf/sociologia/conceito_cultura.html. Acesso em: 31ago. 2012.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionista. Brasília: Vozes, 1977.

ROSE, Arnald M. Raça e Ciência. São Paulo: Perspectiva, 1972.

SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Input: Maria Luíza Tucci Carneiro.

SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira - quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

WALLACE, Bruce. Biologia Social II: Genética, Evolução, Raça, Biologia das radiações. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1979.

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Sobre o autor
Lair Ayres

Advogado Previdenciário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AYRES, Lair. Preconceito racial contra o negro à luz da Lei nº 7.716/89 - crimes resultantes de preconceito de raça e cor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4079, 1 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29420. Acesso em: 23 abr. 2024.

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