De início, antes de qualquer coisa, importante salientar que não se estará aqui a amesquinhar o interesse público que cerca as eleições e, por consequência, o regramento jurídico eleitoral, muito pelo contrário.
É indiscutível que, numa democracia de direito, o processo eleitoral carrega inquestionável magnitude como instrumento direto do próprio regime popular, aonde o regramento legal posto, bem como os instrumentos processuais disponíveis, vêm a tutelar os preceitos envoltos à festa democrática.
Não se nega, na mesma assentada, que toda e qualquer eleição deve se afigurar como legítima, algo que somente será possível em sendo resguardada a isonomia entre os contendedores, a higidez das normas correspondentes, a normalidade do escrutínio, o equilíbrio na influência do poderio econômico e político, assim como a liberdade de voto do eleitor, para que assim, e só, se afigure o processo eleitoral como verdadeiramente democrático.
E é essa justamente a razão de ser do regramento jurídico-eleitoral positivado no ordenamento jurídico pátrio, como requer, inclusive, o parágrafo 9° do artigo 14 da Constituição Federal[1], que remete tal disciplina ao legislador complementar e, “por tabela”, nas demais hipóteses que não versem acerca de inelegibilidades, ao legislador ordinário, trazendo, pois, no entender do subscritor, a matriz constitucional envolta à disciplina.
Fica, por oportuno, essa essencial averbação.
Contudo, paramos por aqui.
A Constituição da República Federativa do Brasil consagra em seu texto (CF, art. 5°, LIV) a máxima suprema de todo e qualquer procedimento, seja ele judicial ou administrativo, qual seja o devido processo legal.
A garantia fundamental do devido processo consubstancia-se em uma das mais amplas e relevantes do sistema constitucional brasileiro, considerando a correspondente aplicação tanto nos aspectos processuais, quanto nos aspectos materiais. No entanto, é no cenário do processo que a garantia do processo devido assume uma abrangência ímpar, como postulado que carrega uma gama considerável de direitos e garantias positivadas. Nessa feita, pressupõe-se a existência de um efetivo devido processo legal só e somente se restarem asseguradas, dentre outras garantias, a ampla defesa, o contraditório, o juiz natural, a fundamentação das decisões judiciais e, ainda, o direito que todo e qualquer cidadão possui no sentido de não ser processado, julgado e muito menos condenado com lastro em provas ilícitas.
Prova ilícita, por sua vez, é prova imprestável e, como tal, não encontra lugar no processo (gênero).
“A cláusula constitucional do due process of law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica” (AP 307 DF. Voto do Ministro Celso de Mello. Relator (a) Ilmar Galvão. Julgamento em 13/12/1994. Tribunal Pleno. DJ 13-10-1995 PP-34247 EMENT VOL-01804-11 PP-02104 RTJ VOL-00162-01 PP-00003).
Pois bem.
É bem verdade, entretanto, e isto não se desconhece, que a máxima da inadmissibilidade das provas ilícitas não se reveste de caráter absoluto, afinal, a princípio, nenhum direito fundamental o seria.
Ocorre que, dentre os recorrentes argumentos manejados de modo a dar guarida a eventuais elementos probatórios maculados por ilicitude no âmbito das contendas judiciais eleitorais, vem sendo sustentada, em não raras oportunidades, a prevalência de um aparente interesse público que viria a se sobrepor à ilicitude probatória, de modo a travestir de admissibilidade, em assim sendo, certos elementos de convicção glosados pelo vício da ilicitude, ainda que em detrimento de direitos fundamentais.
Eis aí uma “porta aberta” ao subjetivismo (mais uma, aliás).
Sobre essa realidade, temerária que é, apresentamos, humilde e respeitosamente, o presente contraponto.
Com o devido e merecido respeito, o equívoco dessa visão que, ainda nos dias de hoje, não obstante a complexidade das relações sociais, parece operar na reducionista dicotomia público x privado, é claro, afigurando-se tal argumento como um verdadeiro paradoxo em si mesmo.
Como bem adverte GRINOVER[2], da ideia individualista das garantias constitucionais - processuais, na ótica exclusiva de direitos subjetivos das partes, passou-se, em épocas mais recentes, ao enfoque das garantias do devido processo legal como sendo qualidade do próprio processo, objetivamente considerado, e fator legitimante do exercício da prestação jurisdicional.
A relevância que cerca o Direito Eleitoral, como instrumento salutar da democracia, é indevassável. Daí dizer, porém, que uma prova ilícita, ou qualquer outra transgressão a ordem constitucional (inclusive ataques ao rito processual, que pensamos ser garantia, dada a ótica punitivista que cerca o Direito Eleitoral), poderia no processo ser admitida, em prol de um (pretenso) “interesse público”, representa um grave e paradoxal retrocesso, incompatível com o estágio de evolução das instituições democráticas de direito.
O “interesse público” (de quem?), enquanto argumento jurídico a desbaratinar direitos e garantias individuais, está umbilicalmente vinculado a sistemas políticos autoritários, manifestando-se como uma cláusula geral que serviu de mote às maiores atrocidades ao longo da história (nem tão distante), algo que merece acurada atenção.
Em que pese a gravidade que isso representa, é de consignar a imensa gama de decisões judiciais que ainda laboram no maniqueísta discurso público x privado, tudo para justificar a restrição de direitos fundamentais, a partir da prevalência de um vago interesse público.
O discurso que recai na espécie é o seguinte:
“Ainda que eventual prova venha a ser obtida por meios ilícitos, deveria ela ser admitida e valorada, tudo a partir de um juízo de proporcionalidade, considerando a prevalência do interesse público que recai sobre o Direito Eleitoral, no sentido de tutelar a lisura das eleições e os interesses envolvidos”.
Nesse sentido, a título de ilustração, foi o entendimento manifestado nos autos do rumoroso Recurso Eleitoral n°. 13653-50, originário do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, no qual a Corte acabou por assentar o seguinte:
“[...] mesmo que prova tivesse sido obtida por meio pouco recomendável, de qualquer sorte deve ser imperiosamente valorada por conta da natureza dos interesses defendidos, com a aplicação do princípio da proporcionalidade, invocado para salvaguardar valores maiores, in casu, a supremacia do interesse público. Trilhando nesse entendimento, gizo o fato de que nos sistemas jurídicos em geral, os valores por eles protegidos encontram-se escalonados conforme o grau de importância atribuído pela sociedade. Assim, a materialização dos valores e direitos que se mostram mais importantes, em casos específicos, pode-se dar através da aceitabilidade processual de provas colhidas, mesmo que logradas mediante meios não previstos em lei. Nessa esteira de intelecção, a incidência da Teoria da proporcionalidade amaina a vedação ao uso da prova obtida por meio impróprio para admiti-la excepcionalmente em casos de extrema gravidade, dando abrigo, destarte, a outros valores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso. Nesse passo, a proibição da prova adquirida por meio distinto daquele corriqueiramente admitido, não se afigura absoluta, podendo ceder quando em conflito com outro direito fundamental, de maior peso, isso em decorrência da isenção ao respeito que se deve a outras garantias de igual ou superior relevância, como ocorre na vertente, pois aqui os bens jurídicos tutelados, quais sejam, o Estado Democrático de Direito, a soberania popular, a lisura e transparência das eleições suplantam – e muito – o bem jurídico hipoteticamente violado: a privacidade da empresa pertencente ao acionado. Daí é que, imperiosa é a aceitabilidade da cópia das notas de abastecimento juntadas aos autos e da perícia dela decorrente, porque fora obtido por meio moralmente legítimo, sendo, pois, lícita, seja porque, ainda que considerada ilícita, deve ser analisada em virtude do princípio da ponderação de interesse (proporcionalidade). [...]”.
Certo?
Errado, e muito (!), renovando-se as vênias a quem milita tese contrária.
O Direito não deve ser realizado a qualquer preço, afinal, importa recordar que, aqui, o meio ainda continua justificando o fim, ao passo que dar guarida, no processo, a elementos probatórios obtidos por meios ilícitos, por intermédio de argumentos discricionários e indeterminados como o que aqui se contrapõe, não encontra lastro no regime democrático de direito.
A manipulação que se promove, a partir do momento em que se eleva um vago e subjetivo interesse público, com fins de admitir uma prova, ainda que manifestamente ilícita, é algo gravíssimo e diretamente atentatório a ordem constitucional.
Reforça-se, todavia, que, em não raros casos, construções intelectuais que ainda laboram no reducionista critério interesse público x interesse privado vêm sendo erguidas, tudo com vistas a, a partir de um “juízo de proporcionalidade” ou “ponderação”, dar “ares de legalidade” a vilipêndios de direitos fundamentais, em prol de um indeterminado, subjetivo e, como tal, manipulável, “bem maior”.
A própria teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade não se presta a isso (!), sendo mister reforçar a crítica a discricionariedade envolta à aplicação desta, ainda mais quando a temática vem a envolver controvérsias que recaem sobre as provas ilícitas.
Nunca é bastante reportarmo-nos à lição de AURY LOPES JR.[3], para quem é um imenso perigo (grave retrocesso) lançar mão desse conceito jurídico indeterminado e, portanto, manipulável, para impor restrição de direitos fundamentais.
LÊNIO STRECK[4], por oportuno, apresenta robusto e pertinente combate a (des) criteriosa ponderação que assola os Tribunais brasileiros, onde, para o autor, na maior parte das vezes, os defensores da ponderação não levam em conta a relevante circunstância de que é impossível fazer uma ponderação que resolva diretamente o caso. Para o festejado jurista, no Brasil, os tribunais, no uso descriterioso da teoria alexyana, transformaram a regra da ponderação em um princípio. Com efeito, se na formatação proposta por Alexy, à ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada ao caso por subsunção -, os tribunais brasileiros utilizam esse conceito como se fosse um enunciado performático, uma espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos[5].
A aplicação dessa teoria alemã é de todo modo incabível se constatado que a prova em apreço, no processo, se encontra no rol das ilegais (RANGEL[6]).
A partir do momento em que o "critério prudente do juiz", com exclusividade, puder servir de base a uma "visão ampliada de admissão de provas", assentada na ordem objetiva de valores, como meio de resguardar interesses maiores, em detrimento dos direitos individuais, porque a busca da verdade material é o fim ideal a ser realizado pelo Estado-juiz, por meio da prestação jurisdicional, acaba-se o Estado de Direito e sepultam oito séculos de evolução civilizada do princípio do due process of Law (LUIZ FLÁVIO GOMES[7]).
De mais a mais, direitos fundamentais - como o de não ser processado, julgado, tampouco condenado com lastro em provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5°, inc. LVI) – não podem ceder frente à “prevalência” de um aparente “interesse público”, argumento que, em si, representa não só uma manipulação dialética, mas um inarredável paradoxo, porquanto, na dimensão de direitos fundamentais, os interesses em jogo, por óbvio, carregam manifesto interesse público e, nesta assentada, não como argumento discricionário e abstrato, mas sim como consectário hábil à manutenção do próprio sistema democrático, considerando que, à democracia de direito, é indispensável sejam tutelados os mandamentos estatuídos na Lei Ápice.
Não é demasiado lembrar que, quando da promulgação da Carta de 1988, cuja aplicação, como bem frisa o Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, requer do intérprete a plena concretude, o legislador constituinte fez uma escolha muito clara, optando por bem resguardar os direitos fundamentais do indivíduo em detrimento do direito de acusar.
A tese de que as provas obtidas por meios ilícitos devem ser acolhidas para salvaguardar interesse público e o Estado Democrático de Direito é uma contradição em termos. A prova ilícita é consequentemente imoral, atentatória ao Estado Democrático de Direito brasileiro, o qual estabelece, por meio de sua Constituição, que ‘são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’[8].
CUELLAR SERRANO[9] é oportuna ao sustentar que, nisso, se abre uma brecha no princípio da legalidade e se assinala ao princípio da proporcionalidade uma função pervertida que, longe de favorecer os direitos fundamentais do cidadão, retira do princípio sua finalidade de limite das restrições, permitindo-se, com isso, ao Estado, encobrir, com argumentos pseudo- jurídicos, atuações arbitrárias.
Em matéria eleitoral, ademais, vale frisar que todos os interesses em xeque, incluindo-se aí os dos acusados, superam em abismo a órbita do privado, restando inseridos, de igual sorte, no cenário dos direitos fundamentais, no público, portanto, se assim desejarem, não se afigurando, pois, como pertinentes, discursos discricionários como estes.
Interesse público, manipulado como “argumento jurídico”, não legitima decisionismos tomados a partir de ponderação (sic), de modo a levar a cabo, por meio de fundamentos metajurídicos, a admissão, no processo (e aí se inclui o eleitoral), de provas ilícitas.
Quando a Constituição Federal versa sobre o desprezo à prova ilícita, o faz a partir de uma razoabilidade; o faz a partir de um intuito muito caro que se vive num Estado Democrático de Direito, que é o instituto da segurança jurídica[10].
Busca-se por vezes, no entanto, sob as vestes de um interesse na lisura das eleições, ou na legitimidade do escrutínio, passar-se por cima de direitos fundamentais no âmbito processual, quando, na verdade, e a bem da verdade, a partir de uma visão punitivista, se está a ir, e aí sim, atrás de elementos possíveis à eventual condenação, e isso a todo e qualquer custo, sepultando-se, dessa maneira, séculos de luta pela afirmação da condição do ser humano como sujeito de direitos, justamente contra a verticalização imposta na relação entre Estado x Sujeito, característica do Medievo.
Não se nega, registre-se a nova ressalva, a necessidade de uma eleição nos moldes democratas. Ocorre que, para isso, tanto o Estado, quanto a sociedade em geral, têm mecanismos diversos à disposição, bastando atentarmos para a vasta legislação de regência hábil a tanto (Constituição Federal, Lei Complementar n°. 64/90, Lei n°. 9.504/97, Código Eleitoral, etc.).
Ora, a legislação eleitoral vigente, posta da forma que está, com todos os mecanismos hábeis à perquirição de eventual ilícito eleitoral, assim não se fez com vistas à disciplina das eleições e à tutela da lisura do processo eleitoral? Obviamente sim, afinal é essa a respectiva razão de ser, assim como de todos os mecanismos hábeis à perquirição de eventual ilegalidade eleitoral, seja de natureza “cível” ou criminal! A legislação que rege o processo eleitoral, por si, já carrega, por desiderato precípuo, a própria tutela das eleições brasileiras, não se afigurando como cabível a manipulação dialética que estamos a confrontar.
Não cansamos de sustentar que, para que toda e qualquer punição se afigure como legítima, deve-se respeitar os direitos e garantias do acusado, não havendo a necessidade de extirparmos, do processo, com lastro em argumentos subjetivistas, os mandamentos constitucionais vigentes, de modo a levar a efeito pretendidas condenações – e nem se deve.
Não se está, no cenário do que aqui se discute, diante da dicotômica divisão entre interesse público e privado (Princípio da Supremacia do Interesse Público), típica do Direito Administrativo. Aqui, na questão das provas ilícitas, deparamo-nos com garantia individual, cláusula pétrea da Constituição da República[11]. Por isso, a vedação ao aproveitamento das provas ilícitas é uma questão de garantismo, que não se limita ao âmbito penal, mas serve como espectro de validade aos demais procedimentos judiciais e/ou administrativos (ALVES[12]).
A ordem constitucional vigente, quando da promulgação da Carta de 1988, fez uma escolha muito clara, qual seja a de tutelar os direitos fundamentais do cidadão em detrimento do direito de acusar, vale repetir, tanto que no centro do sistema democrático de direito brasileiro erige-se a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, inc. III) [13]. E na temática que envolve as provas ilícitas, o próprio Constituinte fez a escolha quando da promulgação da Carta-Mãe, ao assentar a correspondente inadmissibilidade, manifestando-se tal cláusula constitucional como uma das projeções mais expressivas do devido processo legal, na medida em que o acusado carrega o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos por meios ilegais.
Conquanto o direito processual eleitoral careça de regramento próprio a disciplinar a matéria, é evidente que a regra de exclusão constitucional também lhe abriga. A máxima, pois, se reveste de caráter absoluto? Cremos que não. Ocorre que impor a quebra da ordem constitucional, com lastro em argumentos vagos e meramente retóricos, como a tutela de um (aparente) interesse público (na lisura das eleições) é, como dito, um paradoxal retrocesso.
Aqueles que ainda situam a discussão no campo público versus privado, além de ignorarem a inaplicabilidade de tais categorias quando estamos diante de direitos fundamentais, possuem uma visão autoritária do direito e equivocada do que seja sociedade (e das respectivas categorias de interesse público, coletivo, etc.) (AURY LOPES JR.[14]).
Na esteira do que defende o mesmo AURY LOPES JR.,
a sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência, e não mais como um ente superior, de que dependem os homens que o integram. Inadmissível uma concepção antropomórfica, na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco, no qual os homens são meras células, que lhe devem cega obediência. Nossa atual Constituição e, antes dela, a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior[15].
Como bem frisado por ALVES[16], não se pode, em nome do (aparente) interesse público, relegar a um plano meramente retórico as garantias individuais tão duramente conquistadas.
No cenário envolto, impõe-se destacar que o processo judicial eleitoral abarca espírito sancionador muito claro[17], de tal forma que a condução dos litígios deve ser pautada pelo sistema mais adequado ao máximo resguardo das garantias dos acusados, e isso no plano prático, material, não somente teórico ou meramente dialético, devendo, pois, na órbita do processo, serem salvaguardados todos os direitos (fundamentais) dos indivíduos, tais e quais a ampla defesa, o contraditório, a fundamentação das decisões judiciais e, ainda, a inadmissibilidade das provas ilícitas, dentre outros.
O combatido pensamento (sobreposição do interesse público) representa, em si, uma antinomia cristalina. Definitivamente, considerando o figurino constitucional, e até mesmo o atual estágio de evolução das democracias de direito, não se pode relegar ao plano meramente formal, em prol de um “bem maior”, os direitos fundamentais insculpidos na Carta Federal, devendo-se fazer valer, no processo, todas as garantias destinadas aos acusados (em geral), de modo a potencializar-se, no plano prático, material, o devido e democrático processo legal.
Interesse público a legitimar vilipêndios a direitos fundamentais (acolhimento de provas ilícitas, por exemplo) é forja dialética, fruto de evidente sincretismo. E isso se reforça pelo simples fato de que, no lugar do termo “interesse público”, para os fins pretendidos, poder-se-ia alocar qualquer vocábulo que a conclusão seria a mesma. Assim, por exemplo, se viéssemos a substituir o termo “interesse público” pelo vocábulo “entendimento” (do julgador), nada mudaria[18]. Enfim, a manipulação dialética se apresenta com clareza solar.
Em Direito, repita-se, o meio continua justificando o fim, e não este àquele. Quando a Constituição Federal impõe o desprezo à prova ilícita, o faz à luz de mandamentos muito caros ao Estado Democrático de Direito, e não é o indeterminado “interesse público” que irá legitimar truculências jurídicas travestidas de “legalidade”.
A lisura das eleições ou a legitimidade dos processos eleitorais são misteres para o regime democrático. Ocorre que, para tanto, a Constituição Federal e o extenso arcabouço normativo infraconstitucional já estão postos, assim estando com todos os mecanismos hábeis à persecução “cível” ou criminal eleitoral, cujos litígios devem, de forma indispensável, serem conduzidos à luz da ordem, para que, em havendo possível punição, esteja ela legitimada pelo respeito às regras do jogo, incluindo-se, aí, a vedação ao aproveitamento das provas ilícitas.