Sumário:1. Notas introdutórias: o Judiciário no Estado Constitucional Social e Democrático de Direito 2. Inserção política do poder judicial e seu relacionamento com os demais poderes 3. Neoconstitucionalismo e atuação judicial na tutela dos direitos fundamentais 4. Carência de legitimação democrática e substancialismo: críticas ao incremento da dimensão política da função judicial 5. O Judiciário enquanto poder de garantia e o sistema de checks and balances 6. Conclusões: Poder Judiciário e manutenção do processo democrático 7. Referências
1. Notas introdutórias: o Judiciário no Estado Constitucional Social e Democrático de Direito
O fortalecimento do Poder Judiciário, fenômeno típico do século XX, é hoje um dos temas mais palpitantes do Direito Constitucional e da Ciência Política. Tal importância pode ser atribuída ao próprio Estado Social e sua perspectiva de intervenção nas relações sociais, instrumentalizada a partir dos procedimentos jurídicos. Neste modelo institucional, o Direito prepondera sobre as demais formas de controle social, fazendo do Judiciário, tradicionalmente uma instância monopolizadora da interpretação jurídica, o foco das expectativas políticas e sociais (VIANNA et alii, 1999, p. 20).
Há quem se refira, como Perez Luño, à idéia de “direito judicial”, caracterizado pelo protagonismo dos magistrados na elaboração do Direito, que resulta da necessidade de adaptar o sistema jurídico às exigências das transformações sociais, ainda que em prejuízo do princípio liberal da segurança jurídica (PEREZ LUÑO, 1996, p. 14).
Na verdade, o Judiciário passou a “regular o circuito da negociação política”, ao controlar a constitucionalidade dos atos de governo e até privados. Passou Responsabiliza-se, ainda, pela manutenção do “caráter democrático das regulações sociais” (CAMPILONGO, 1994, p. 49). Os magistrados, no julgamento das questões constitucionais, acabariam por decidir, indiretamente, sobre os próprios fundamentos da organização social (LOPES, 1997, p. 138).
O papel protagônico do Direito e do Judiciário inaugurado pelo Estado de Bem-Estar tende a permanecer como uma exigência da sociedade, diante dos inúmeros conflitos oriundos da evolução tecnológica, como a regulação da atividade empresarial, os direitos dos consumidores e a garantia de preservação do meio-ambiente (CAPPELLETTI, 1993, p. 133)
O presente artigo insere-se neste contexto, ao trazer um panorama do incremento da função judicial, e perquire sobre sua legitimidade. Serão, portanto, expostos os argumentos mais relevantes acerca da repercussão desta nova abordagem do poder judicial no sistema político, no que concerne à sua compatibilização com os ideais democráticos, e ainda, quanto às responsabilidades de seus membros. Deve-se consignar que tal discussão respalda-se em aspectos teóricos, mas com vistas às conseqüências concretas das questões aqui referenciadas, com breve atenção ao sistema jurídico-político brasileiro.
2. Inserção política do poder judicial e seu relacionamento com os demais poderes
A inclinação ao agigantamento das funções jurisdicionais tem permitido ao Poder Judiciário tomar decisões que tradicionalmente são da alçada dos outros poderes, a partir do controle das atividades destes.
As expectativas populares em torno dos conteúdos normativos são canalizadas ao Judiciário, na tentativa de que este poder assegure sua efetivação. A Teoria da Constituição, neste contexto, encarrega-se da discussão da interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, que encerram, hoje, as discussões em torno da dimensão política do direito (BERCOVICI, 2003, p. 109 e 112).
Pode-se afirmar, assim, que o denominado Estado Constitucional Democrático e Social alterou a relação entre Política e Direito e, por conseguinte, entre legislação e jurisdição. Torna-se difícil separar o que é questão afeita ao Direito, e submetida aos seus conteúdos, ou política, demandando discussão na arena pública.
Como já ponderava Schneider, em 1982, não se pode afastar a jurisdição constitucional de suas instâncias políticas, uma vez que ela é uma justiça política, a partir do momento em que se depara com um objeto político, o direito constitucional, seus membros são geralmente escolhidos por critérios políticos e suas sentenças têm efeitos sobre a política (SCHNEIDER, 1982, p. 39).
O quadro político brasileiro, por sua vez, não destoa da tendência mundial. A Constituição de 1988, em proporção mais avançada do que outros sistemas democráticos, destinou ao Supremo Tribunal Federal e aos juízes ordinários o controle e a mediação nos embates entre as instâncias políticas. Isto porque a Constituição Brasileira, além de definir o Supremo Tribunal Federal como órgão de cúpula do Poder Judiciário, também o encarrega do controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos. Diante deste fato, conclui-se que o Judiciário ocupa posição privilegiada frente aos demais poderes, acentuada por deter a prerrogativa de, em última instância, dar a palavra final sobre seus próprios atos (DANTAS, 2003, p. 259).
Assim, a partir do momento em que o Judiciário passou a ter poder sobre o Legislativo e o Executivo, sendo-lhe permitido anular os seus atos sob o irrefutável argumento de defender a Constituição, os fundamentos do relacionamento e da coordenação entre os órgãos do Estado foram alterados.
Segundo Karl Lowenstein (1976, p. 309):
“(...) quando os tribunais proclamam e exercem seu direito de controle, deixam de ser meros órgãos encarregados de executar a decisão política e se convertem por direito próprio num detentor de poder semelhante, quando não superior, aos outros detentores do poder instituídos”.
São defendidas, neste contexto, novas hipóteses de controle da atividade do Poder Executivo, além de, na interpretação da legislação, corrigir possíveis equívocos no exercício da função legislativa, no confronto da legislação ordinária com os parâmetros constitucionais (SCHNEIDER, 1982, p. 46).
3. Neoconstitucionalismo e atuação judicial na tutela dos direitos fundamentais
O novo constitucionalismo tem entre seus pontos mais relevantes a legitimação da atuação do Poder Judiciário, a partir do parâmetro constitucional. Isto porque, enquanto os outros poderes são justificados pelos processos eleitorais, o Judiciário extrairia sua legitimidade da realização dos fins prescritos nas constituições.
Definidas, nos textos constitucionais, regras que acordam uma autocensura estratégica das deliberações majoritárias para evitar divisões irreconciliáveis, são protegidos geralmente os direitos fundamentais e os mecanismos institucionais que possam ser condição para a garantia destes direitos, tais como a separação de poderes.
No Brasil, afirma-se que a atuação judicial, em maior grau, estaria respaldada no art. 3° da Constituição Federal de 1988[1], que seria uma espécie de norma de direito material programática em relação à jurisdição e ao direito processual. Esta é a posição de Jônatas Moreira de Paula, que defende que o mencionado dispositivo encerra os paradigmas essenciais para a interpretação e concretização da Constituição. Se uma questão submetida ao poder judicial refere-se àqueles fins, não há que se falar em neutralidade na sua atuação, sendo possível, portanto, discutir o mérito da atuação dos demais órgãos. (PAULA, 2002, p. 57-61)
Os valores e preceitos previstos na Constituição constituíriam, desta forma, vetores para as decisões judiciais, trazendo a necessidade de que o Judiciário atribua a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. (MIRANDA, p. 283-284)
O recurso às instituições jurídicas, neste contexto, mostrou-se uma conseqüência quase que natural da adoção do Estado Constitucional Democrático e Social. Os movimentos sociais, respaldados pela doutrina constitucional comprometida com as finalidades constitucionais, vêem no Direito uma ponte de acesso às prestações típicas de um Estado Social. (FARIA, 1991, p. 53-96)
Assim, o papel ativo do Poder Judiciário na tutela dos parâmetros constitucionais, assegurando a eficácia dos direitos prestacionais, é defendido por expressivos constitucionalistas. No Brasil, destaca-se Andreas Krell (2002, p. 15), ao afirmar que a noção de cidadania “reivindicatória” compatibiliza-se com uma instituição judicial apta a cumprir sua função constitucional.
Neste sentido, o juiz não poderia limitar-se a declarar um direito material. Se necessário for, deve constituir o direito objetivo, protetivo de direito subjetivo, que se torna eficaz em virtude da possibilidade de ser cometida uma sanção jurídica. Considera-se, deste modo, o processo como instrumento de efetivação da ordem jurídica, pois é através dele “que se confere eficácia forçada a direitos materiais espontaneamente ineficazes”. (PAULA, 2002, p. 51; 112).
Ademais, partindo-se do consenso acerca da crise dos sistemas de representação democrática tradicionais, o Direito constitui-se num dos meios de fiscalização popular da atividade estatal, através dos seus procedimentos. Como pondera Faro de Castro (2002, p. 10), deve-se considerar a possibilidade de que decisões tomadas por autoridades do Executivo causem injustiças extremas, ainda que respeitem uma determinada interpretação de textos legais infraconstitucionais relevantes. Inegável, portanto, que este poder acabaria por dar a última palavra sobre os fundamentos da atuação do governo.
Verifica-se, a partir destes parâmetros, os impactos das decisões judiciais sobre os mais diversos temas. Os reflexos do controle judicial das políticas de governo e dos atos da vida econômica em geral, por exemplo, são bastante questionados pela doutrina. E o mesmo ocorre quando uma questão política relevante, sobre a qual ainda não há consenso, é submetida ao Poder Judiciário, para avaliação de seus pressupostos.
Tremps (1985, p. 272-273) atenta para a hipótese de que um tribunal, diante da posição superior da constituição, estenda sua atuação de modo a prejudicar os demais operadores jurídicos, especialmente o legislador e os tribunais ordinários. Assim, o jurídico acabaria por sufocar as próprias estruturas do sistema político.
4. Carência de legitimação democrática e substancialismo: críticas ao incremento da dimensão política da função judicial
As repercussões em torno da viabilidade da alargada influência do Judiciário geralmente gravitam em torno do problema de sua legitimação democrática, da Separação de Poderes e, por fim, da sua responsabilidade perante a sociedade. Isto porque o Judiciário não tem respaldo popular para, no julgamento das atividades dos outros poderes, interpretar e escolher os valores inegociáveis. (CAPPELLETTI, 1996, p. 45)
A “centralização da ‘consciência’ social na Justiça”, em prejuízo das formas tradicionais de representatividade democrática, é objeto das críticas de autores como Ingeborg Maus. A autora questiona a introdução de conteúdos morais na atividade jurisprudencial, pois, além de legitimar a atividade dos juízes, presta-se a liberar a justiça de qualquer vínculo que assegure sua efetiva sintonia com a vontade popular. É o que ocorre quando os membros da instituição passam a tratar seus próprios pontos de vista morais como regras jurídicas, podendo transformar em matéria juridicamente relevante qualquer tema, mesmo os que eram deixados, em acordo com a concepção liberal, à “problematização social imanente”. Assim, tende-se ao desaparecimento dos “espaços jurídicos autônomos”, ampliando-se a esfera do decidível por critérios jurídicos, aos quais o formalismo jurídico constituía-se uma barreira. (MAUS, 2000, p. 128-129; 135;154)
A determinação de uma esfera indiscutível de valores a justificar a atuação das cortes constitucionais é discutida mesmo se referida aos problemas que afetam a própria instituição da representação. Para Vidal Gil, implica numa considerável limitação aos princípios do relativismo, tolerância e autonomia sobre os quais se assenta o regime democrático, convertendo-se numa séria ameaça para sua legitimidade (VIDAL GIL, 1994, p. 240). Ademais, a viabilidade das democracias nas sociedades plurais dependeria de uma certa restrição da liberdade dos grupos minoritários, especialmente nas questões que não estejam diretamente relacionadas com o núcleo fundamental de direitos. (GARZÓN VALDÉZ, 2000, p. 20)
Alguns autores questionam essa exigência de politização da magistratura. Por ser guardião ético dos princípios jurídicos, a neutralização política do Judiciário asseguraria a prudência. Como expõe Tercio Ferraz, com a responsabilização da instituição pelas finalidades do Estado, a atividade jurisdicional passa a ser “regida por relações de meio e fim”, o que chega a afetar, de alguma forma, o conteúdo “moral” do direito.
O Judiciário não estaria apto a dividir, com os demais poderes, a carga política do sucesso dos programas normativos impostos, diante próprias características da sua atuação, uma vez que suas “decisões são programadas, mas não programantes”, e só pode agir quando provocado. (FERRAZ JUNIOR, 2000, p. 354-358)
Ademais, por não ser um poder majoritário, seu controle dos demais poderes contrariaria a própria noção de democracia. Isto porque escolhas importantes, como as que implicam no alocamento dos recursos públicos, teriam sua decisão final concentrada no poder não sujeito ao procedimento eleitoral. Assim, os juízes devem restringir-se à avaliação da compatibilidade das leis com a Constituição, numa visão negativa das funções judiciais quadros do Estado Democrático. Não poderiam emitir normas substitutivas das declaradas inconstitucionais, ainda que provisoriamente, ou ditar ao legislador as normas que deve promulgar para substituí-las. Sua atuação é limitada pela “reserva do legislador”. O mesmo ocorre com as omissões inconstitucionais, que devem ser verificadas, mas não supridas. O juiz constitucional deve ter consciência, por conseguinte, de que “é um contralegislador, não um legislador”. (MOREIRA, 1993, p. 196-198)
5. O Judiciário enquanto poder de garantia e o sistema de checks and balances
Como se vê, a legitimidade da atuação do Judiciário enquanto realizador das exigências baseadas no texto constitucional não é vista de maneira unânime. Critica-se ainda a atividade judicial quando extrapola os limites do direito, inserindo-se nas discussões antes relegadas à solução privada, interferindo no âmago das relações sociais. As maiores dificuldades no relacionamento com os demais poderes, porém, resultam das decisões de grande alcance político, como as pertinentes ao controle de constitucionalidade. (LLORENTE, 1988, p. 46-50)
Verifica-se, assim, a premência de estabelecer critérios que diferenciem a função judicial das demais atividades estatais, de modo que a atuação política fique, em maior grau, destinada ao Legislativo e Executivo.
Outrossim, a interpretação do Direito não é privativa do Judiciário. Executivo e Legislativo, no âmbito estatal, também concretizam a Constituição. O Executivo, inclusive, determina o conteúdo da legislação ordinária. Já os cidadãos, mediante o processo de deliberação pública e nas suas atividades privadas, também participam do processo público de compartilhamento do objeto constitucional.
No sentido da manutenção da supremacia do sistema político, deve-se salientar que os mecanismos de escolha dos membros das cortes constitucionais, geralmente recrutados pelo Executivo, trazem a possibilidade de que a composição do tribunal representasse a corrente política e ideológica preponderante num dado momento. A Corte seria, assim, um “componente da aliança política dominante no país”. Referido argumento, também proposto por Cappelletti, desta vez inspirado na obra de Robert Dahl, pode ser objeto de severos questionamentos, ao vincular o problema da legitimidade judicial ao Executivo, poder que conduziria, naturalmente, o processo político. (CAPPELLETTI, 1993, p. 94-97)
Por fim, destaque-se que o Judiciário tem precisamente a função de controlar os demais poderes hipertrofiados. Como poder de garantia, a partir do tradicional sistema de checks and balances, assegura a própria continuidade do processo democrático. Assim, sua legitimidade estaria assentada na capacidade de garantir as condições de efetivação dos procedimentos substancialmente democráticos.
Ademais, os defensores da legitimidade do Judiciário direcionam suas energias à crítica do modelo de representação política tradicional. Tendo em vista que, em muitos casos, as decisões políticas do governo não espelham a opinião dos cidadãos, ou que, a despeito da maioria, constituem-se em violações aos direitos fundamentais, não seria possível opor a legitimidade da atuação destes poderes ao Judiciário recorrendo-se ao viés democrático.
A responsabilidade dos juízes pode ser verificada em função dos muitos vínculos que os conectam com seu tempo e a sociedade da qual fazem parte. Tais vínculos, obviamente, podem se acentuar diante da forma de nomeação dos juízes, que depende de cada ordenamento jurídico. O procedimento judicial seria, por natureza, altamente participativo, pois baseado em casos reais e exercido nos limites estabelecidos pelas partes interessadas. Isto sem falar nos controles exercidos pela opinião pública. Pode-se afirmar, assim, uma responsabilidade judicial não política ou legal, mas social. (CAPPELLETTI, 1996, p. 38-39)
6. Conclusões: o desafio da independência do Poder Judiciário como requisito para a manutenção do processo democrático
Em que pese toda esta discussão, deve-se ponderar que a postura comum às Cortes Constitucionais e aos tribunais em geral é a de evitar tais confrontos. Os tribunais, ao redor do mundo, reconhecendo as dificuldades e limitações da sua atividade, como a possibilidade de que os Governos e Parlamentos simplesmente descumpram suas decisões, optam por uma postura mais tímida no exercício da sua função, também conhecida pela doutrina norte-americana do “self restraint” judicial. (WOODHOUSE, 1996, p. 423)
De modo a manter sua independência, as Cortes assumem uma posição “estratégica”, no sentido de acomodar os entraves externos e, paralelamente, perseguir seus próprios entendimentos da Constituição. (WHITTINGTON, 2003, p. 446-447)
É uma espécie de autolimitação dos tribunais constitucionais, balizada pela observância ao princípio da Separação de Poderes, com vistas à garantia da “racionalidade” das decisões. Hans-Peter Schneider mostra que esta prática geralmente ocorre sob os argumentos da liberdade de configuração do legislador e da dicricionariedade do governante, sempre com o objetivo de não questionar os pactos políticos firmados (SCHNEIDER, 1982, p. 58-61). O próprio tribunal, portanto, acabaria por respeitar a competência dos demais poderes, resguardando o núcleo essencial das suas atividades.
Infere-se, portanto, a afirmação de uma real independência do Judiciário é um problema político complexo, que decorre da própria inserção da função jurisdicional no campo das discussões políticas, sobretudo porque as instituições sociais e políticas freqüentemente tornam a vida mais difícil para quem possui o poder político. (WHITTINGTON, 2003, p. 446)
As repercussões da função judicial na atuação dos outros poderes, que podem chegar ao ápice da invalidação de políticas públicas capitais para a continuidade de determinado projeto político, ou ter sérias conseqüências na execução dos orçamentos públicos cada dia mais limitados na sua capacidade de investimento, certamente trazem aos “prejudicados” o interesse em limitar a independência judicial.
Não são despropositados os muitos instrumentos de garantia do exercício da função judicial, que geralmente gozam de status constitucional. A Constituição de 1988, por exemplo, dotou o Judiciário de amplas garantias, tais como a vitaliciedade e a inamovibilidade dos seus membros e a irredutibilidade de seus subsídios, como decorre do seu art. 95. Saliente-se que, juntamente com as garantias são impostas algumas limitações aos magistrados, todas com vistas a assegurar, também, a independência dos membros da instituição.
A independência do Poder Judiciário, que se reveste dos mais variados aspectos, é requisito indispensável do Estado Democrático de Direito. Trata-se de assegurar, assim, a liberdade para que os juízes sejam comparativamente livres das preocupações pelas preferências políticas ou entendimentos constitucionais dos demais atores políticos.
Esta necessidade de independência do Judiciário é diretamente proporcional às inúmeras expectativas em torno da sua atuação. Neste sentido, a manutenção do processo democrático depende de um Judiciário livre de imposições, pois a garantia dos direitos fundamentais e dos mecanismos institucionais de controle do poder político, horizontais e verticais, pressupõe uma instância decisória afastada das inconstâncias do processo político majoritário, a salvaguardar os direitos das minorias excluídas dos processos decisórios.
Talvez por isso, da análise da experiência constitucional brasileira, seja plausível concluir que a independência do Poder Judiciário sofreu abalos justamente nos momentos de suspensão da ordem democrática. (SADEK, 1995, p. 14)
Portanto, a questão da legitimidade democrática do Poder Judiciário deve ser analisada sob a ótica da funcionalidade da instituição para a democracia, permitindo a preservação dos procedimentos. O caráter aberto de uma constituição traz ao Judiciário a obrigação de determinar e defender as regras da competição política, mas não de dirigir os debates. A necessidade de que a jurisdição assegure a liberdade e participação no processo político torna-se vetor da interpretação constitucional. (ZAGREBELSY, 1999, p. 53-54)
Porém, a construção do conteúdo constitucional pela comunidade histórica, no sentido de efetivamente participar da interpretação das normas jurídicas, também exige a utilização dos instrumentos processuais e procedimentais para a garantia da aplicabilidade dos direitos fundamentais.
Deste modo, pode-se afirmar que o problema da compatibilização dos ideais democráticos com um tribunal constitucional não está em fórmulas abstratas, mas na análise das peculiaridades de cada sistema político e jurídico e do comportamento de seus atores.