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Comentários à Súmula 503 do Superior Tribunal de Justiça

22/11/2014 às 14:15
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Qual seria o prazo para o credor de quantia certa, comprovada por documento hábil (cheque prescrito), requerer o mandado de pagamento para satisfazer seu crédito?

A referida súmula trata do prazo para ajuizamento de Ação Monitória, pautada em cheque, sem força executiva, em face de seu emitente. Sobre a referida ação José Rogério Cruz e Tucci[1] ensina que a Ação Monitória veicula uma pretensão de satisfação de crédito, de cobrança, portanto:

A ação monitória consiste no meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa móvel determinada, cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação do seu crédito.

Pois bem, partindo-se desse conceito, qual seria o prazo para o credor de quantia certa, comprovada por documento hábil (cheque prescrito), requerer o mandado de pagamento para satisfazer seu crédito?

Insta salientar que a controvérsia era grande, em razão da diversidade jurisprudencial, aliado as várias interpretações doutrinárias, assim como a quantidade de leis que supostamente versavam sobre o assunto.

Nesse sentido, a primeira interpretação possível era a de que o prazo prescricional da ação monitória seria de dois anos, contados após os seis meses da expiração do prazo de apresentação do cheque, que varia entre trinta dias, quando a emissão for no local de pagamento, ou sessenta dias, quando emitido em outro local ao do pagamento, nos termos do art. 61, da Lei nº 7.357/85. Portanto, a Ação Monitória prescreveria em 2 anos, 6 meses e 30 ou 60 dias (a depender do local da emissão).

Outrossim, uma segunda interpretação possível era a de que a prescrição da Ação Monitória ocorresse em três anos, com fulcro no artigo 260, § 3º, IV, do Código Civil, que estabelece tal prazo para o exercício da “pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa”.

Com base no mesmo artigo, porém em inciso diverso (260, § 3º, VII), a terceira interpretação possível seria no sentido de que a prescrição da Ação Monitória fosse também de três anos, a contar do vencimento do título, pois prescreveria “a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial”.

Por outro lado, uma quarta possível interpretação seria a de que a Ação Monitória prescreveria em cinco anos – tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça – haja vista que, nos termos do art. 206, § 5º, do Código Civil, estabelece-se que “a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular” prescreve em referido prazo.

Por fim, a última interpretação possível era a de que o prazo prescricional da Ação Monitória era de dez anos, nos termos do artigo 205, do Código Civil, haja vista não haver prazo próprio.

Pois bem, narrada as cinco possíveis interpretações e suas fundamentações jurídicas, impera esclarecer o porquê da adoção pelo Superior Tribunal de Justiça da quarta tese e a exclusão das demais.

Entretanto, antes disso, há que se reforçar que, no caso da súmula recém aprovada, há uma peculiaridade, qual seja, o prazo prescricional refere-se a ação ajuizada em face do “emitente de cheque”, caso contrário, se for ajuizada em face de avalista ou endossatário, decorrido o prazo para a propositura da ação cambial, tendo em vista que o aval[2] e o endosso[3] perdem seus efeitos com a prescrição da ação cambial, deve ser provado o locupletamento destes.

Ainda, a súmula tem em vista o procedimento estabelecido nos artigos 1.102 – A, B e C, do Código de Processo Civil, especificamente na parte referente a “pagamento de soma em dinheiro”, “com base em prova escrita sem eficácia de título executivo”, isto é, cheque prescrito.

Por isso, a súmula específica que seu cabimento é tão somente nos casos de “cheque sem força executiva”, caso contrário, trata-se de Ação Executiva, não Ação Monitória[4], pois faltaria interesse processual, na modalidade adequação, ao demandante em tentar ajuizar Ação Monitória de cheque hábil a execução.

A Ação de Execução é pautada em título executivo extrajudicial (artigo 585, incisos, do Código de Processo Civil), no caso em tela, em cheque (inciso I), sendo que o prazo prescricional da Execução é de seis meses, após a apresentação, que deve se dar entre 30 dias se emitido e pago no mesmo município, ou 60 dias se emitido em um município, com pagamento em outro.

Todavia, escoado o prazo para a execução do cheque, o mesmo deixa de ser titulo executivo extrajudicial, extinguindo-se as obrigações acessórias, a priori, possibilitando o ajuizamento de Ação de Locupletamento, com base no artigo 61 da Lei do Cheque, com prazo prescricional de dois anos, sem a necessidade da descrição do negócio jurídico subjacente.

Contudo, nada impede que em sede de Embargos à Monitória haja a discussão sobre os motivos que deram ensejo a emissão do cheque. Tal hipótese faz cair por terra a primeira hipótese de interpretação, pois o prazo de dois anos, após o prazo executivo, refere-se a Ação de Locupletamento, não a Ação Monitória.

Ainda, que decorrido o prazo para a Ação de Locupletamento, resta a possibilidade do ajuizamento da Ação de Cobrança fundada na relação causal, em que o cheque será somente um instrumento de prova, dependendo a prescrição do negócio juridico subjacente, de acordo com o artigo 62, Lei nº 7.357/85.

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Ademais, a segunda interpretação também não é aplicável ao caso da súmula, isto porque, o prazo de 3 (três) anos, pautado no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, refere-se a ações fundadas em "ressarcimento de enriquecimento sem causa", descritas nos artigos 884 a 885 do mesmo Diploma.

De seu turno, inaplicável também a prescrição com base no artigo 206, § 3º, VIII, do Código Civil, vez que o procedimento é previsto para os casos de "pretensão para haver o pagamento de título de crédito", "ressalvadas as disposições de lei especial", nesse ponto, comporta esclarecer que está-se diante da ressalva, ou seja, de lei especial, qual seja, Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque).

Nesse mesmo sentido, são os ensinamentos da doutrina[5]:

Por outro lado, o art. 206, VIII, estabelece o prazo prescricional de três anos da pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial. Assim, a mencionada norma não se aplica ao cheque.

Por fim, também não é cabível a prescrição de dez anos, estabelecida no art. artigo 205, do Código Civil, vez que, conforme ensina o Professor Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme[6], “a prescrição irá acontecer no prazo de 10 anos se a lei não discriminar”, ocorre que, no caso da súmula, há enquadramento legal no art. 206, § 5º, do Código Civil.

Pois bem, ao elaborar a súmula, os ministros do STJ entenderam que o termo inicial seria “a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula”, para tanto, levaram em consideração a tese da actio nata, isto é, o termo inicial é contado da data em que se torna possível o ajuizamento da ação, portanto, o prazo prescricional da Ação Monitória começa a fluir no dia seguinte ao vencimento do título[7].  

Acresce-se que o cheque passa a ser prova documental escrita, não mais título executivo, após sua prescrição cambiária, nos termos do art. 1.102-A, do CPC, mais um motivo para ser considerada a data de emissão estampada na cártula.

De mais a mais, cabe esclarecer o porquê do prazo prescricional adotado na súmula 503, do STJ, pois bem, referido prazo foi extraído do art. 206, § 5º, do Código Civil, que estabelece a prescrição quinquenal para “a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”.

Deste modo, cheque prescrito é um documento representante de uma dívida líquida constante em um instrumento particular.

Considerando a natureza cambiária do cheque e os princípios da autonomia, abstração e cartularidade que cercam os títulos de crédito, é preciso reconhecer que, na origem, ainda que posteriormente prescrito pelo decurso do tempo, é documento emitido com o propósito de representar a própria dívida, conserva um tanto da relevância da natureza de origem, desprovido, entretanto da força executiva, não havendo como recusar-lhe, nessa medida, a qualidade de "instrumento particular".

Demais disso, ainda na origem e ante eventualidade de prescrição ulterior, o cheque é instrumento representativo de obrigação líquida, assim entendida aquela que é certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto[8].

Nesse aspecto, Humberto Theodoro Júnior[9] explica as distinções entre documento e instrumento, conceitua este último da seguinte forma:

(...) Documento é gênero a que pertencem todos os registros materiais de fatos jurídicos. Instrumento é, apenas, aquela espécie de documento adrede preparado pelas partes, no momento mesmo em que o ato jurídico é praticado, com a finalidade específica de produzir prova futura do acontecimento.

(...)

Em outros termos, o instrumento corresponde à forma com que in concreto a vontade negocial se manifestou. Representa o aspecto exterior do próprio negócio, devendo lembrar-se que qualquer atitude que tenha o propósito de exteriorizar a vontade do agente para alcançar determinado efeito jurídico deve obter alguma forma perceptível exteriormente ao declarante.

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento no sentido de que o “prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula”.


Notas

[1] Ação Monitória 3ª Ed.: Revista Dos Tribunais, São Paulo, 2001, P. 64

[2] REsp 457556 / SP, 3ª Turma STJ, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 11/11/2002.

[3] REsp 146441 / DF, 3ª Turma STJ, Min. Rel. Eduardo Ribeiro, j. 21/02/2000.

[4] REsp 1097242 / RS, 4ª Turma do STJ, Min. Rel. Marco Buzzi, j. 20/08/2013.

[5] ROSA JR, Luiz Emygdio Franco. Títulos de Crédito. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 663.

[6] GUILHERME. Luiz Fernando do Vale de Almeida. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Rideel, 2013. p. 138.

[7] REsp 1367362/DF, 3ª Turma do STJ, Min. Rel Sidnei Beneti, j. 16.04.2013.

[8] Recurso Especial nº 1.339.874, 3ª Turma do STJ, Min. Rel. Sidnei Beneti, j. 09 de outubro de 2012.

[9] Comentários ao Novo  Código Civil, Vol III, Tomo II,: Forense, Rio de Janeiro, 2008 pp. 474/475

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Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESSAN, Gabriel Barreira. Comentários à Súmula 503 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4161, 22 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30828. Acesso em: 2 nov. 2024.

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