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A “desjudicialização” do acesso à justiça

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12/02/2015 às 07:27
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2. A errada compreensão do acesso à justiça como acesso ao judiciário

Nossos estudos, até o momento, mostram que a crescente falta de efetividade do processo e, consequentemente, da própria jurisdição como atividade estatal, se afigura como uma das maiores preocupações da sociedade moderna e da comunidade jurídica, sobretudo dos processualistas.

Parece-nos claro que a garantia de acesso formal e da garantia do exercício do direito de ação, por si só, não é o bastante para assegurar aos jurisdicionados a concretização dos direitos abstratamente assegurados em nosso ordenamento jurídico.

Não se discute a importância das reformas até então experimentadas pelo sistema processual civil, no entanto temos que nos permitir realizar um juízo crítico do foco principal dos esforços até então expendidos, para concluir se acepção adotada como implementadoras do acesso à justiça não significou simplesmente o mero acesso ao judiciário ou aos órgãos jurisdicionais.

A sociedade brasileira, já tivemos oportunidade de discutir no capítulo anterior, é demasiadamente demandista. As pessoas são predeterminadas submeterem as situações de conflito ao Poder Judiciário, como se a imposição da decisão em substituição às partes representasse o acerto e a pacificação social.

Essa compreensão que relega a solução de conflitos exclusivamente à jurisdição estatal é uma prática tão comezinha em nossa cultura que parece ser lógica adotada pelo legislador pátrio: a confusão entre Acesso à Justiça como acesso ao Poder Judiciário.

 É o que pode concluir da análise das reformas até então implementadas pelo legislador pátrio. Não se discute as necessidades das reformas e as tentativas de celeridade do processo, entretanto na busca da concretização do acesso à justiça, no mais das vezes, “o que os nossos parlamentares e demais gestores do interesse público fizeram foi escancarar as portas do combalido sistema judiciário brasileiro para uma perigosa e induzida judicialização de conflitos até então não manifestos”. [14]

Oportuna é a crítica feita por Daniel Francisco Nagao MENEZES:

“As reformas do processo civil, iniciadas em 1994, por sua vez, limitam-se a dois tipos de mudança. A primeira é referente aos casos de antecipação de tutela, no qual, o judiciário reconhece de plano o direito do cidadão e, antecipa os efeitos do pedido. Tal reforma do CPC é correta e bem vinda, pois, diretamente reconhece a morosidade do Judiciário e, tenta amenizar tal demora em alguns casos.

A segunda linha das reformas, a qual é mantida no Novo Código de Processo Civil, é o direcionamento dos recursos para a aplicação de súmulas e decisões superiores.

O sistema recursal brasileiro passa a ser moldado para reforma das decisões inferiores para se conformarem as decisões superiores. Observa-se aqui as alterações de Súmulas Vinculantes e Súmulas Impeditivas, que nada mais são do que o engessamento do sistema via recurso. A partir do novo código, existindo decisão superior e, anterior, os recursos caberão somente no caso de contrariedade à decisão superior, acabando com toda a liberdade de decisão dos juízes inferiores.” [15]

O foco principal do legislador sempre se situou no campo demandista e jurisdicional, reflexo claro da confusão cultural de acesso à justiça como acesso ao judiciário.  Poucas foram as intervenções que dessem liberdade às pessoas na busca alternativa e efetiva da solução de conflitos.

“Entretanto, por ainda serem conflitos latentes, é muito provável que poderiam ter recebido solução melhor, por vias mais rápidas e efetivas, como, por exemplo, a mediação ou a conciliação.

Sendo assim, parece que, para aquela parcela da população mais sujeita a manipulações políticas, a prometida democratização do acesso à justiça não passou de um engodo, pois, ao invés da pronta solução do seu conflito, o que obteve foi tão somente o número de registro de um processo em que jaz autuada a sua súplica de amparo jurisdicional, sendo muito provável, entretanto, que as folhas de tais autos venham a se amarelar de velhas antes de sobrevir alguma decisão ou medida judicial que resulte em benefício prático para o jurisdicionado.

Uma coisa é as autoridades do Estado veicularem sua propaganda de democratização do acesso à justiça, e outra coisa bem diversa é aprovarem medidas que efetivamente conduzam a isso. Em face da afirmada impregnação histórico-cultural do monopólio estatal da jurisdição, parece ser incomum ao legislador brasileiro a compreensão de que é possível distribuir justiça por meio de outras formas alternativas de solução e prevenção de conflitos.” 16]

Parece-nos claro que a expressão acesso à justiça, tão debatida nos meios jurídicos e por nossos parlamentares, traz em seu bojo um significado maior do que o de simples acesso aos órgãos do Poder Judiciário, conquanto se afigure claro, pela realidade por nos vivenciada, que o acesso ao Judiciário não é garantia de pacificação social, seja pelo custo, tempo e esforços dispendidos, de modo que a opção ao Judiciário deveria se restrita aos casos de maior envergadura, em que os meios alternativos e pacificadores prévios não tiverem surtido efeitos.


 3. A evolução do acesso à Justiça e o papel das serventias extrajudiciais.

Traçadas as premissas da problemática do acesso à justiça, bem como da errada compreensão do instituto como concretização de acesso ao Judiciário, cabe-nos estudar e fomentar as discussões acerca das alterações legislativas que quebraram essas barreiras.

Focaremos nossos estudos nas alterações legislativas que privilegiaram o acesso à justiça através das serventias extrajudiciais, estruturas já existentes, e qualificadas para o cumprimento de tal mister.

Adequado às dimensões do presente trabalho trataremos de 3 (três) iniciativas; duas delas já sedimentadas e uma em fase inicial.

As inovações até então implementadas denotam que, por ser composta de um corpo de pessoas qualificadas e técnicas da área jurídica, a prestação do serviço não abre mão dos princípios norteadores da atividade jurisdicionais, tais como a provocação (princípio da rogação ou inércia), independência, igualdade no tratamento às partes, qualificação técnica da questão submetida à apreciação, e, consequentemente, da segurança jurídica. Tudo isso amparada pela fé pública dos notários e registradores e da capacidade para a solução de alguns problemas, antes relegados exclusivamente à via judicial. [17]

 Urge constatar que esses novos instrumentos não visam superar ou modificar a estrutura do constitucional do processo civil, conquanto seja indiscutível o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Entretanto, tais iniciativas, devido à eficiência, celeridade e economia, tem se apresentado como alternativa viável se segura de acesso à justiça.

 3.1 A facilitação do reconhecimento da paternidade

Qualquer profissional da área jurídica ou pessoal que tenha tido acesso ao meio judicial contencioso apontaria com facilidade que as demandas de “família” representam, juntamente com as demandas em que a Fazenda Pública figure como parte, grande parte do acervo processual que abarrota os escaninhos e mesas dos escreventes da Justiça Comum.         

Tanto o é que no início da década de 1990 o Poder Legislativo foi compelido a movimentar-se e apontar alternativas que acarretassem no desafogamento dos casos que envolviam a questão da paternidade, potencializada na época pela popularização do exame de DNA.

A inovação veio com a promulgação da Lei nº 8560/1992, que concretizou a facilitação do reconhecimento de paternidade, dito anteriormente como procedimento demasiadamente formal e que conduzia os interessados inexoravelmente a bater às portas do Poder Judiciário. [18]

O referido diploma legal foi pautado pela simplicidade, de modo que passou a admitir como válida a declaração de reconhecimento de paternidade através de documentos públicos ou particulares, propiciando assim a isenção de custos para aqueles que tencionavam reconhecerem seus filhos.

Indo além, de forma louvável, a Lei nº 8560/1992, estabeleceu um procedimento célere, oficioso e conciliatório de verificação de paternidade, permitindo que no ato de registro de nascimento, a mãe declare ao Oficial de Registro Civil o suposto pai do registrando, fornecendo o nome e dados que possibilitem a inauguração de procedimento formal, em sede administrativa, agindo de modo prévio e inibidor de futuros litígios. [19]

Passo seguinte o Oficial de Registro procede a intimação do suposto pai, com as cautelas que as questões de família merecem, para que compareça em Cartório no prazo de 15 (quinze) dias e manifeste-se sobre a paternidade que lhe foi atribuída. Caso a paternidade seja reconhecida o próprio Oficial toma-lhe a termo, tendo por encerrado o procedimento sem maiores celeumas e custas às partes.

Nos casos em que seja negativa esta tentativa, seja pelo não comparecimento do suposto pai ou pelo não reconhecimento da paternidade, tal fato é tomado a termo e remetido ao Juízo de Família para que, após a devida distribuição, transmude-se em judicial.

Essas simples medidas por si só representaram uma grande mudança de comportamento das partes, além do inestimável significado para as crianças que foram reconhecidas.

Sobretudo essa nova mentalidade fomentou instituições, fundações e projetos que visassem a facilitação e a concretização do direito de ter a paternidade reconhecida. Podemos citar o projeto “Paternidade Responsável”, bem como os projetos com mesmo ideal, que materializou o comando legal de facilitação do reconhecimento. Os dados apontam para o ano de 2007, 31.758 solicitações de procedimentos e indicação de supostos pais nos Cartórios Paulistas.[20]

A comprovação da efetividade do reconhecimento de paternidade na via administrativa é incontestável, tanto que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o projeto “Pai Presente” através da publicação do Provimento nº 12/2010, que estabeleceu medidas a serem adotadas pelos juízes e tribunais para reduzirem o número de pessoas sem paternidade reconhecida.

Assinada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, a regulamentação visa garantir o cumprimento da Lei 8.560/92, que  determina ao  registrador civil que encaminhe ao Poder Judiciário  informações sobre registros de nascimento nos quais não conste o nome do pai. A medida permite que o juiz chame a mãe e lhe faculte declarar quem é o suposto pai. Este, por sua vez, é notificado a se manifestar perante o juiz se assume ou não a paternidade. Em caso de dúvida ou negativa por parte do pai, o magistrado toma as providências necessárias para que seja realizado o exame de DNA ou iniciada ação judicial de investigação de paternidade.[21]

O Conselho Nacional de Justiça encampou o ideal facilitador previsto na Lei 8.560/92 e introduziu, na via administrativa, a possibilidade de o Juiz intimar o suposto pai para que este se manifeste sobre a paternidade, abrindo uma possibilidade conciliatória do reconhecimento, e na negativa a adoções dos procedimentos judiciais cabíveis.

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 Imperioso citar o elemento motivador do referido Provimento, que dá certeza da efetividade da atuação extrajudicial em apoio ao Sistema Judiciário, é o reconhecimento dos resultados obtidos pela Associação dos Registradores Naturais e que inspirou a uniformização de ação.

3.2 A Lei 11.441/2007: a possibilidade de realização de inventários, separações e divórcios na via extrajudicial.

 No mesmo contexto das demandas que envolviam reconhecimento de paternidade, os inventários, as separações e os pedidos de divórcio sempre formaram um grande volume de ações que abarrotava e abarrota o Poder Judiciário.

O grande volume de ações dessa natureza relegava à vala comum situações em que inexistia resistência entre as partes, impondo a todos os jurisdicionados um procedimento demasiadamente burocrático e moroso, implicando, em situações esdrúxulas, de inventariamentos sucessivos em razão do falecimento de alguns dos sucessores, formando-se, por vezes, uma intrincada rede de sucessores e de “sucessores do sucessores”, tornando-se os processos infinitos e incompreensíveis.

Nas palavras do emintente e preclaro mestre Ruy Barbosa, como já tivemos a oportunidade de dizer, o que se tinha na verdade era a “injustiça institucionalizada”, decorrente de sua tardia prestação.

A evolução veio a lume com a edição da Lei 11.441/2007, que previu a possibilidade de realização de inventários, partilhas, separações consensuais e divórcio consensuais na via administrativa.

Essa iniciativa representou, sem sombras de dúvidas, prestou um grande serviço à sociedade brasileira, à comunidade jurídica, bem como representou a acentuação do foco das atividades jurisdicionais nas demandas de maior envergadura, ou seja, onde a atuação do Estado-Juiz se fazia imperiosa.[22]

É bem verdade que a iniciativa legislativa, por si só, não esvaziou o Poder Judiciário, tampouco mudou a mentalidade demandista e de que o acesso ao Judiciário era a única via existe à disposição da sociedade.

Experiências de “desjudiciliação de demandas” podem ser verificadas em vários países; são parâmetros que não podemos desconsiderar. CASSETARI, estudioso dos temas de família, afirma que no Japão 90% (noventa por cento) dos divórcios consensuais são realizados na via extrajudicial.[23]

A celeridade e a confiabilidade do sistema Notarial e Registral dão sustentação a essa iniciativa, além do cuidado do legislador e exigir que as partes sejam assistidas por advogado de sua confiança.

Ao dissertar sobre o procedimento de inventário de partilha o Professor Daniel Amorin Assumpção NEVES, observa com precisão:

“Alterando a tradição do direito pátrio, a Lei 11.441/2007 passou a permitir a realização de inventário e partilha extrajudicialmente, desde que todos os sucessores sejam capazes, não exista testamento e que todos estejam de acordo coma divisão de bens (art. 982 do CPC). A Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (arts. 11 a 32) disciplina essa forma de inventário e partilha extrajudicial. Registre-se que o procedimento de inventário e partilha realizado pela via administrativa – escritura pública – não é obrigatório, de maneira que, mesmo presentes todos os requisitos, será cabível a ação judicial se essa for a vontade dos sucessores, sendo que essa conclusão consagrada no art. 2º da Resolução do Conselho Nacional de Justiça”. [24]

Como se vê pela observação do Professor Daniel Amorin Assumpção NEVES o referido dispositivo legal rompeu com a tradição centralizadora de relegar todas as questões ao Poder Judiciário. É bem verdade que a inovação foi, num primeiro momento, vista com desconfiança, tendo paulatinamente alcançado o reconhecimento da sociedade.

Nesse contexto, a uniformização do tema pela edição da Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça serviu de sustentação para superação de desconfiança e esclarecer os procedimentos que deveriam ser adotados pelas Corregedorias Gerais Estaduais. A Resolução foi além, na medida em que esclareceu as duvidas dos procedimentos a serem adotados e a preservação do preceito constitucional de “inafastabilidade da jurisdição”.

No tocante ao inventário e partilha a nova redação dada ao artigo 982 do Código de Processo Civil dispõe que:    

Art. 982.  Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.

Parágrafo único.  O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.” (NR)

Veja que o referido artigo exige, para a adoção da via administrativa, que os interessados sejam pessoas capazes e que haja consenso na divisão dos bens, haveres e dívidas deixadas pelo autor da herança.

Não era de se esperar outra solução do Estado, diante de pessoas capazes e concordes, de dar maior celeridade, preservando a segurança jurídica, dos procedimentos legais de divisão de bens decorrentes da sucessão.

Aos optantes pelo novel e pratico procedimento cabe o dever de comprovar a quitação dos tributos no ato da lavratura da escritura pública, estar ou estarem assistidos por advogado, bem como preencherem os demais requisitos previstos em lei. 

A separação consensual e o divórcio seguem a mesma sistemática, conforme se pode observar do artigo 1.124-A do Código de Processo Civil: - consensualíssimo, facultatividade, assistência por advogado, além de, nesse caso, ser reservado aos casais que não tenham filhos menores ou incapazes, como forma de preservar os direitos destes. Senão vejamos: 

“Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 1o  A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

§ 2o  O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§ 3o  A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”

CASSETARI observa em sua obra que o mister primeiro do Legislador pátrio não foi o de desafogar o Poder Judiciário, e sim o de facilitar a visa cotidiana da população brasileira, isso por meio da simplificação do procedimento e do acesso aos meios de resolução dessas situações. [25] É certo, indiscutivelmente, que a medida representou, além da celeridade e diminuição de custos aos interessados, o desafogamento e a menor procura ao Poder Judiciário.

Podemos afirmar ainda que significou e significa a cada dia uma mudança de postura da sociedade brasileira, que é posta a, diante da resolução de um problema, a optar e considerar a viabilidade e eficácia dos meios conciliatórios de litígios. É, portanto, sobretudo um instrumento de eficácia social!

 3.3 Iniciativas de incentivo à conciliação e a mediação de conflitos pelos Cartórios de Notas e de Registros do Estado de São Paulo.

A resolução de conflitos por meio da conciliação sempre existiu, ainda que não seja a forma mais usual na sociedade demandista em que vivemos. Já na idade antiga há relatos de experiências da busca da mediação e da conciliação para a solução dos conflitos, na Roma antiga, por exemplo, já havia a previsão do procedimento in iure (na presença do juiz) e o in iudicio (na presença do mediador ou árbitro). É de se ressaltar que no ordenamento ático e, posteriormente, no ordenamento romano republicano, a mediação não era reconhecida como instituto de direito, mas sim, como regra de mera cortesia. [26]

José Luís Bolsan MORAES, citado por Marcio dos Santos VIANNA, explica que a conciliação:

 “se apresenta como uma tentativa de chegar voluntariamente a um acordo neutro, no qual pode atuar um terceiro que intervém entre as partes de forma oficiosa e desestruturada, para dirigir a discussão sem ter um papel ativo. Já a mediação se apresenta como um procedimento em que não há adversários, onde um terceiro neutro ajuda as partes a se encontrarem para chegar a um resultado mutuamente aceitável, a partir de um esforço estruturado que vise a facilitar a comunicação entre os envolvidos”. [27]

O espírito que deve inspirar as técnicas e iniciativas de mediação e da conciliação é a mudança de atitude perante a sociedade, que vise a pacificação, o contato e a composição das partes, evitando-se conflitos e a animosidade entre as pessoas.

 Essa é a premissa estabelecida como missão de trabalho pelo Conselho Nacional de Justiça, visível nas inúmeras campanhas veiculadas e com a valiosa contribuição da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, das Defensorias Públicas, do Ministério Público e com os esforços conjuntos de servidores de todos esses órgãos e da sociedade civil.

Destacamos:

O objetivo das campanhas desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça em parceria com os tribunais participantes do movimento pela conciliação é disseminar em todo o país a cultura da paz e do diálogo, desestimular condutas que tendem a gerar conflitos e proporcionar às partes uma experiência exitosa de conciliação.[28]           

Parece-nos claro que esse é o espírito que inspirou a Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo a editar o Provimento CGJ n 17/2013, que autoriza e implementa a medicação e conciliação extrajudicial no Estado de São Paulo.

Na exposição de motivos da referida Resolução o eminente e estudioso Desembargador Corregedor José Renato Nalini, reconhece os resultados expressivos alcançados pelos meios alternativos de solução de conflitos, como instrumento de pacificação social e de prevenção de litígios, bem como redutor da excessiva judicialização dos conflitos de interesses presentes na realidade brasileira.

A referida Resolução permite aos notários e registradores a realizarem mediação e conciliação, nas unidades em que forem titulares, valendo-se das estruturas já existentes, exclusivamente para os casos em que envolvam exclusivamente direitos patrimoniais disponíveis (artigo 3º da Resolução nº 17 da CGJ/SP).

O mediador – que pode ser o titular da serventia ou preposto expressamente autorizado – está adstrito e vinculado a uma série de princípios expressamente previstos na Resolução nº 17 da CGJ/SP:

Art. 4º.

§ 1º O mediador e o conciliador observarão os seguintes princípios:

I. Confidencialidade – dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese;

II. Decisão informada – dever de manter o usuário plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido;

III. Competência – dever de possuir qualificação que o habilite à atuação, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada;

IV. Imparcialidade – dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente;

V. Independência e autonomia – dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível;

VI. Respeito à ordem pública e às leis vigentes – dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes;

VII.  Empoderamento – dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição;

VIII. Validação – dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como serem humanos merecedores de atenção e respeito.

O interessado em participar da mediação, ou seja, as partes envolvidas no procedimento conciliatório pode tanto ser pessoa natural capaz ou pessoa jurídica. A pessoa natural poderá ser fazer representar por procurador constituído e aa pessoas jurídicas poderão se representadas por meio de prepostos com poderes para transigir, sendo desnecessária a existência de vínculo empregatício entre eles (artigo 5º nº 17 da CGJ/SP).

O requerimento de mediação ou conciliação pode ser firmado por qualquer interessado, admitindo-se a formulação conjunta, devendo ser dirigido a qualquer notário ou registrador, independente da especialidade da serventia.

O requerimento deve permitir com clareza a identificação dos interessados, bem como de dados suficientes para a intimação e comunicações, tais como: endereço, número de telefone, e-mail etc. A responsabilidade pelas informações são de inteira responsabilidade do requerente.

A critério do notário ou registrador podem ser solicitadas informações complementares que repute necessária para o cumprimento de seu mister ou pedir esclarecimentos, o que deverá ser feito preferencialmente por meio eletrônico no prazo de 10 dias.

A narrativa dos fatos levados à mediação ou conciliação devem ser objetiva e sucinta, devendo constar eventuais propostas de acordo, caso já constem do requerimento inicial.

O procedimento a ser adotado pelo notário ou registrador está definido nos artigos 7º e seguintes da Resolução CGJ/SP nº 17/2013, que prevê a designação imediata de data para a realização de sessão reservada para mediação e conciliação.

O interessado apresentante do requerimento sai, neste ato, intimado da sessão designada, ainda que o pedido tenha sido formulado através de pessoa interposta. A outra parte, salvo nos casos de formulação de requerimento conjunto, deverá ser intimada por qulauqer meio idôneo – carta com aviso de recebimento, meio eletrônico ou por meio de Oficial de Registro de Títulos de documentos. O custo da intimação é apenas o despendido com o ato, não podendo haver acréscimos e, sendo por meio eletrônico, não haverá cobrança pela intimação (artigo 8º, § 1º da Resolução CGJ/SP nº 17/2013).

A data da realização da mediação ou conciliação pode resultar do consenso de disponibilidade das partes, devendo o notário ou registrador diligenciar para encontrar uma data comum e possível para os interessados.

A desistência do requerimento de mediação pode ser solicita, por escrito ou oralmente, pode ser formulada a qualquer tempo e sem a necessidade de anuência da parte contrária. A desistência implica no arquivamento do pedido.

A desistência pode ser presumida sempre que o requerente deixar de se manifestar no prazo de 30 (trinta) dias ou em outro estabelecido pelo notário ou registrador. (artigo 10, §2º da Resolução CGJ/SP nº 17/2013).

O não comparecimento de qualquer das partes implicará no arquivamento do requerimento. Mas, imbuído no objetivo de obter o acordo, o notário ou registrador poderá designar nova data para a sessão, podendo inclusive entrar em contato com as partes para definir uma data comum.

Sendo frutífera a sessão de acordo, será lavrado um termo de mediação e conciliação com o fornecimento de uma via nominal do traslado do termo para cada um dos interessados (requerentes e requeridos). O termo original, por sua vez, passará a compor um livro especial aberto para tal fim.

Importante salientar que, por não se tratar de atuação jurisdicional, o referido termo obtido não terá força executiva, conforme preceitua o artigo 13, §2º da Resolução CGJ/SP nº 17/2013.

Interessante e equitativa é a fórmula definida para cobrança das custas e emolumentos, pelos notários e registradores, para a atuação no procedimento de mediação e conciliação nos casos em que a sessão restar infrutífera. Dispõe o artigo 14 da Resolução 17/2013.

Art. 14 Não obtido o acordo ou em caso de desistência do requerimento, o procedimento será arquivado pelo notário ou registrador, que registrará essa circunstância no livro de Conciliação e Mediação.

§1º Em caso de arquivamento sem acordo, o notário ou registrador restituirá ao requerente o valor recebido a título depósito prévio, observadas as seguintes escalas:

I. 90% do total recebido, se o arquivamento ou seu pedido ocorrer antes da sessão de mediação ou conciliação;

II. 50%, quando infrutífera a sessão de mediação ou conciliação; e

III. 40%, quando a sessão de mediação ou conciliação, depois de iniciada, teve de ser continuada em outra data.

§ 2º Os valores pagos para suportar as despesas de intimação não serão restituídos em qualquer hipótese, salvo quando o requerente desistir do procedimento antes de a Serventia realizar o gasto respectivo.

Como toda medida inovadora a Resolução CGJ/SP nº 17/2013 deve, num primeiro momento, causar reações e estranheza. Mas, sem sombras de dúvidas, é um importante instrumento colocado à disposição da sociedade paulista para a resolução amigável de conflitos, amparado pela qualificação técnica de profissional habilitado – notário, registrador ou escreventes habilitados – e diante de uma estrutura que observe com fidelidade aos princípios da confidencialidade, da imparcialidade, da autonomia e independência na atuação e, sobretudo, da segurança jurídica na prática do ato conciliatório.

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Sobre o autor
Alexsandro Trindade

Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001), possui especialização em Direito Constitucional Aplicado (2013) e em Direito Registral e Notarial (2013). Atuou como Advogado, Assessor Jurídico no Poder Legislativo Municipal e Analista Judiciário da Justiça Eleitoral. Atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sede da Comarca de Ibiúna/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Alexsandro. A “desjudicialização” do acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4243, 12 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30997. Acesso em: 17 nov. 2024.

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