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O direito da visita íntima na medida de internação

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13/12/2014 às 13:48
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5 conclusão

A criança e o adolescente durante a evolução dos direitos humanos passaram por situações inimagináveis. Na era colonial do Brasil, na época em que a monarquia ainda era detentora do poder estatal, as crianças menos favorecidas eram tratadas com desrespeito, e não como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

Na época, era atribuição do pai, arrimo da família, a educação dos filhos conforme os costumes e a moral, sendo assim, o Estado não se envolvia na formação educacional e cidadã da criança e do adolescente.

A falta de intervenção do poder estatal ou da sociedade no tocante à forma com que algumas crianças e adolescentes eram tratados por seus próprios responsáveis, quando não acatavam suas ordens, acarretava no excesso do uso de violência destes, que utilizavam de castigos físicos que muitas vezes, além de altamente constrangedores, se equiparavam a verdadeiras torturas.

Às crianças cabia contribuir para as atividades do lar e aos adolescentes, que já eram tratados pela sociedade como adultos, cabia ajudar na manutenção do lar, seja no cultivo da terra da família juntamente com o pai ou trabalhando nos centros urbanos em outras atividades. Se não ajudassem como o pai ordenasse, corriam o risco de serem entregues à igreja, para que não dessem mais despesas à família.

As codificações que tratavam das nuances do adolescente em conflito com a lei iniciou no ano de 1830, com a criação do Código do Império. Foi iniciada a separação entre imputáveis e inimputáveis, atribuindo-se ao adolescente maior de 14 anos a imputabilidade. Nessa mesma época foram criadas as casa de detenção, construídas para serem usadas para o cárcere dos adolescentes, onde poderiam permanecer até completar 17 anos de idade.

Em seguida, veio o Código Penal de 1890, seguido pelos Códigos de Menores de 1927 e 1979 que tratavam exclusivamente do adolescente em "situação irregular", ou seja,  aqueles que pelo cometimento de ilicitudes entravam em conflito com a lei.

Fundamentada na defesa dos direitos humanitários, a Constituição de 1988 adotou o princípio da proteção integral, que por intermédio da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente passou a abranger os direitos e deveres assegurados à criança e ao adolescente como um todo e não apenas os referentes aos que se encontravam em conflito com a lei.

Sob a influência de normas internacionais, o ECA trouxe em seu texto legal a adoção das medidas protetivas e socioeducativas que buscavam aplicar uma psicologia sociopedagógica às sanções aplicadas ao caso em concreto.

Todavia, o ECA foi silente na forma com que as medidas socioeducativas deveriam ser executadas, deixando lacunas no tocante à matéria, cabendo aos tribunais buscar e intensificar um entendimento único sobre o assunto.

Com o intuito de unificar o entendimento jurídico do país sobre a execução das medidas socioeducativas o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o CONANDA, em conjunto com outros órgãos e entidades do âmbito jurídico elaborou um documento para que servisse como guia referencial à aplicabilidade das medidas socioeducativas.

Elaborado a Resolução nº 119/2006 do CONANDA, que versava sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), foram elencadas as regras e os princípios norteadores essenciais para a regência das medidas socioeducativas.

Posteriormente, no ano 2012, o SINASE foi legalizado e trouxe em seu conteúdo o direito processual referente à execução das medidas socioeducativas, bem como a atribuição das competências relacionadas à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a implementação de seus respectivos planos de atendimento e a elaboração e manutenção de seus programas.

Considerados como inovações, para atingir a pessoalidade da medida, a Lei do SINASE adotou o Programa Individual de Atendimento (PIA) e o benefício do direito à visita íntima concedida ao adolescente que cumpre medida de internação.

A Lei do SINASE estipula que a visita íntima será concedida apenas ao adolescente que, cumprindo medida de internação, seja casado ou comprovadamente tenha constituído união estável anteriormente à medida.

Neste sentido, ao adolescente que quiser usufruir da visita caberá provar estar apto para o exercício do direito.

Caberá à direção do programa, por intermédio de uma equipe interprofissional, o acompanhamento e orientação do adolescente que esteja exercendo do benefício da visita íntima, para que seja mantido o foco sociopedagógico da visita, que busca fortalecer os laços afetivos com seu cônjuge ou convivente.

Sendo assim, é dever da direção do programa também regulamentar e organizar o procedimento pelo qual se realizará a visita íntima e dentre outras providências, definir o dia, o horário, etc. Bem como a disponibilização de preservativos e equipe de saúde para resguardar a integridade física e psicológica do interno.

Contudo, um ponto chave a ser abordado na elaboração da Lei do SINASE foi deixado de lado. Se o Estado deve proteger o adolescente e assegurar seus direitos em face de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como justificar a legalização daquilo que vai de encontro ao que o ECA assegura?

A adolescência se inicia aos 12 anos completos, então, qualquer adolescente com essa idade, cometendo ato infracional, já poderá cumprir medida de internação, e juntamente com a medida, vem o direito de receber visitas de caráter íntimo.

Em que sociedade seria comum e aceitável ver um adolescente de 12 anos de idade receber visita em um unidade educacional com a finalidade de manter relações sexuais?

Ainda que o mesmo afirme conviver em união estável, é inaceitável a ideia de que um adolescente tenha discernimento suficiente para optar por constituir uma família.

Neste sentido, cabe aos pais, responsáveis legais detentores do poder familiar, o dever de coibir tais possibilidades.

Ora, se a lei penal estipula claramente que manter relações sexuais, ou até menos que isso, cometer ato libidinoso com adolescente menor de 14 anos é crime, como pode outra lei permitir que tal conduta seja feita sem que se caracterize criminal a ação?  É evidente o conflito normativo amontoado sobre o tema.

Não se pode admitir que sob a tutela do poder estatal, um adolescente tenha sua dignidade sexual abalada, pois esta é garantida e protegida constitucionalmente.

A visita íntima na medida de internação não pode ser permitida, em face da afronta direta ao princípio da proteção integral. É dever do Estado e da sociedade buscar as devidas providências para que esse benefício tenha fim.

O primeiro passo já foi dado através do Deputado Federal Roberto de Lucena, que em análise minuciosa da Lei do SINASE, percebeu o quão prejudicial seria deixar as coisas do modo que caminham. Agora, cabe à comunidade entender que seus filhos são vulneráveis à influencia dos que lhes rodeiam, pois ainda estão desenvolvendo sua maturidade. A sociedade deve perceber a prejudicialidade da visita íntima na medida de internação e apoiar a proposta de reforma legal que revoga esse direito, considerado por muitos, muito mais lesivo que benéfico.


referências

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apêndice

MORAIS, Cláudio. O exercício do direito à visita íntima, 2013. Relato verbal proferido em entrevista.

o exercício do direito à visita íntima

Abreu e Lima, 20 de maio de 2013.

Entrevistador: Cláudio Morais.

Entrevistada: Edna Leite, coordenadora geral do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de Abreu e Lima/PE.

1. Neste CASE, como se dá a visita íntima?

R- Não temos estrutura para aplicar essa medida de visita íntima mas já há todo um estudo a nível de FUNASE. Existem critérios estabelecidos. O que é que falta?  A gente ter espaço físico, e aí trazer os critérios para discutir com os adolescentes, para a gente fazer um acordo. Levar para a vara da infância e juventude... a gente tem que ter critérios mais firmes, da vara e da família.

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2. Como seria o local apropriado na estrutura para a visitação íntima?

R- Seria uma suíte... algumas suítes. Porque, mesmo que você não tenha duzentos e tantos adolescentes, vamos dizer que você tenha noventa à cem. Se eu tiver só um espaço? Eu tenho um grande número de adolescentes que tem um companheiro. A gente pensa que não, mas eles vivem na rua com companheiras. A estrutura aqui, está em projeto. A casa, ela esta passando em reforma como um todo. Eu cheguei em Abril, esse espaço aqui, essas três salas aqui, eram só carvão. Isso foi tudo queimado, na rebelião de novembro. A cozinha está sendo reconstruída. Foi feito um novo projeto, para que a alimentação seja preparada aqui. E há um projeto já no papel, para a construção desse espaço. Mas a gente não tem previsão ainda. Pelo menos eu não tenho conhecimento ainda.

3. Algumas unidades em Pernambuco, antes mesmo da legalização do SINASE já autorizavam a visita íntima ao interno?

R - Eu não te indico qual, por questão de ética. Existe em Pernambuco e no meu entendimento, sem estrutura para isso. A gente tem que ter estrutura física para isso, a estrutura técnica de acompanhamento e de compromisso do casal. Tem uma série de situações que é preciso se trabalhar. Por questão da ética, da moralidade... senão o que a gente vai ter aqui dentro é um grande motel. Então termina que vai ficando igual ao que se vê nos presídios.

4. Como se dará a comprovação da união estável do adolescente que requerer a visita íntima?

R- Aqui, a união estável, vai se comprovar pela equipe de referência que acompanha o adolescente no período que ele está aqui. A visita de auxiliares com aten­­dimento à família. Nós temos 7 equipes, a nível profissional. Cada equipe é formada por assistente social, psicólogo e advogado. Nós temos quatro funcionando pela manhã e três à tarde.

5. Os pais precisam autorizar a visita íntima?

R- Do adolescente menor, precisa sim. Adolescente de 15 anos para casar precisa de autorização dos pais... Eu te digo com sinceridade que eu não sei se a nível de lei, esse item é obrigatório. Mas com relação a unidade e a forma que a gente vê é sempre preciso.

6. Quanto à questão da preservação, sabemos que o adolescente que receba visita íntima vai ter que de certa forma, se proteger de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Nesse caso, o estabelecimento vai disponibilizar preservativos?

R- Veja bem, nós temos uma equipe de saúde na casa, e a gente já faz todo o trabalho de saúde. Nós temos médico clínico, psiquiatras... Temos 4 dentistas, temos 2 enfermeiros, temos psicóloga, fono e fisioterapeuta. E temos vacinas no posto. Então, quando a gente tiver visita íntima, a gente vai ter um atendimento todo focado nessa questão. Hoje a gente não distribui preservativos, porque não há necessidade disso, mas na possibilidade da visita íntima, vai haver a distribuição dos preservativos na casa.

7. Qual o objetivo da visita íntima aplicada aos adolescentes?

R- É que eles mantenham... que não quebrem os vínculos de família. Porque você sabe, você é um casal lá fora com filhos ou sem filhos... na hora que você está aqui, você não mantém essa relação conjugal. Isso termina, num afastamento que pode levar, ambos em busca de outro parceiro, principalmente quem tá lá fora, e que pode causar um dano muito maior ao adolescente. Porque sexo é saudável. Não é saudável você ficar três anos aqui dentro sem direito a isso. Porque gera uma série de situações, muitas vezes de constrangimento, para outros adolescentes. Eu acho que é essencial. Agora, muito bem pensando, muito bem planejado e de qualquer maneira vai ser uma experiência. A gente vai precisar ficar olhando bem, ficar avaliando até onde isso, nessa linha, vai ser saudável.

8. Ela ajuda na reeducação do adolescente e sua reintegração à vida comunitária?

R- Sim, ajuda. O vinculo familiar do adolescente com família constituída, vai ser preservado.

9. A visita íntima deve ser mantida ou revogada? Por que?

R- A gente precisa se adequar a realidade da vida de hoje. Não quebrar toda a forma de vida do adolescente lá fora que seja saudável. Se a gente está tão preocupado em manter laços familiares que estão se quebrando lá fora, porque não se preocupar com eles também? Então a gente vai conseguir afirmar esse laço, que de certa forma, une o casal. Agora tem riscos... Esses adolescentes aqui que vão ter direito à vida íntima, poderiam gerar um filho agora, pra criar como lá fora?! Então, são coisas que a gente vai estar discutindo e avaliando, mas eu acho que a gente não pode ter medo de executar. Eu acho que quando o SINASE aponta e alimenta isso, e hoje é lei, é por que houve um grande estudo. Eu não participei desses estudos hoje como participei da constituição do ECA, mas veja, o ECA tem sua validade, e já ta sendo de épocas em épocas atualizado.

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Sobre o autor
Cláudio Morais

Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Uiversitário Maurício de Nassau e Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Prof. Damásio de Jesus.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Cláudio. O direito da visita íntima na medida de internação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4182, 13 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31411. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito promovido pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU) do Grupo Ser Educacional.

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