A insatisfação da sociedade com a demasiada carga tributária, dentre outras implicações, tem reflexo direto nos elevados índices de evasão fiscal existentes no Brasil (estima-se que no ano de 2013 foram sonegados 501,9 bilhões de reais[1]). A criatividade para escapar do pagamento de tributos não tem limites, estando dentre as práticas mais comuns a transferência de bens a parentes, com vistas a ocultar patrimônio, quando os devedores tomam conhecimento da cobrança que lhes é, ou vai ser, infligida.
No cenário do direito tributário, decerto que não há mais discussões acerca de alienações posteriores à inscrição em dívida ativa, ante o expresso teor do art. 185 do CTN, com a redação dada pela LC n.º 118/2005. Segundo o STJ, em julgamento de Recurso Especial representativo de controvérsia (REsp n.º 1.141.990-PR), o Enunciado n.º 375 da Súmula daquela Corte não se aplica às execuções fiscais, sede na qual se presume (jure et de jure) fraudulenta a alienação de bens ou rendas a partir da inscrição em dívida ativa.
Afora essa situação já devidamente pacificada, há um sem-número de transações realizadas no orbe privado que ainda ensejam dúvidas. Caso que tem gerado acentuadas indagações, em sede judicial, atine à realização de “doação com reserva de usufruto” por sócios que, na ocasião do negócio, ainda não possuíam dívida inscrita em seu nome.
É dizer, um determinado sócio, ciente de que será responsabilizado por dívidas de pessoa jurídica que integra, cuja cobrança esteja em curso, adianta-se no repasse meramente formal de seu patrimônio para descendentes, tencionando blindar os seus bens. Assim, quando vem a ser corresponsabilizado e incluído no pólo passivo da execução, nenhum bem mais lhe resta.
Em tais casos, como a transferência foi anterior à inscrição, não se poderia, a rigor e sob uma ótica formal, afirmar a existência de fraude à execução fiscal, nos moldes do art. 185 do CTN (AC 201151015115582, Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, TRF2 - Quarta Turma Especializada, E-DJF2R - Data::03/06/2014). Por outro lado, não há dúvida de que houve, nesse contexto, uma manobra fraudulenta digna de reprimenda e responsabilização.
Diante desse quadro, duas dúvidas assomam-se: 1º) esse negócio jurídico é válido? 2.º) qual seria a via processual adequada para o reconhecimento da nulidade desse negócio jurídico?
Aos que propugnam a validade do negócio, ao fundamento de que não há proibição para a doação de bens a descendentes, socorre-lhe o quanto disposto no art. 166, II, do Código Civil, pois, de fato, doar um bem imóvel não é ilícito, per se.
Ocorre que, no contexto alvitrado, não restam dúvidas de que outras razões exsurgem para decretar a nulidade da doação com reserva de usufruto destinada à blindagem de patrimônio do doador. A um, porque estão contaminadas por má-fé e fraude à lei; a dois, porque retratam mera simulação de negócio jurídico, inexistente no plano material.
A respeito da nulidade das transferências nulas de bens imóveis, é importante ter em mente, inicialmente, o disposto no art. 166, III e VI, do Código Civil, in verbis:
“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
[...]
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
[...]
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
[...]”
Nas hipóteses em que o sócio vê aproximar-se a adoção de medidas judiciais contra o seu patrimônio e, antes de ser alcançado, cede seus bens gratuitamente para filhos ou netos, afigura-se evidente que o motivo determinante do negócio jurídico realizado (transferência patrimonial) foi a ocultação ilícita de bens, com vistas a excluí-los de qualquer excussão, em ato de absoluta má-fé.
Ademais, a comunhão dos participantes quanto ao motivo ilícito determinante resulta indisfarçável e presumida, por se tratar de transação realizada no íntimo de relação familiar, em ambiente doméstico. Essa conclusão se reforça mais ainda quando os filhos são menores impúberes, já que a declaração de vontade parte da mesma pessoa (o filho representado pelo genitor).
É importante advertir, como o faz Zeno Veloso, que “Não é crível, nesses casos, que as partes enunciem expressamente o motivo determinante, ilícito, que os levou à conclusão do negócio. As circunstâncias, os indícios, os testemunhos, todos os meios de prova são admitidos para demonstrar que os agentes concluíram o negócio por motivação ilícita” (Invalidade do Negócio Jurídico, 2 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 77).
Assim, a leitura dos fatos há de ser realizada com atenção aos ditames do art. 112 do Código Civil (prevalência da intenção sobre o sentido literal da linguagem), sem falar na indeclinável observância dos preceitos da boa-fé (arts. 113 e 422 do Código Civil) e da função social do contrato (art. 421 do Código Civil).
Além disso, a doação de bens a descendentes, com reserva de usufruto, na iminência de cobrança direcionada ao doador também retrata o objetivo de fraudar lei imperativa (art. 166, VI, do CC).
Neste passo, ensina a doutrina que na fraude à lei há uma infringência oblíqua ou indireta da norma proibitiva (Zeno Veloso), de modo que a violação, nesse caso, é subreptícia (Nestor Duarte). Trata-se de “um itinerário indireto, mediante a degradação do negócio principal a simples instrumento, para conseguir o fim ulterior consistente na frustração da proibição.”(Lima, Alvino. A fraude no direito civil, Saraiva, 1965, p. 293).
Na hipótese retratada, ciente de que viria a ser corresponsável pelo pagamento de débito sob cobrança em face de pessoa jurídica, o sócio que passa seus bens para o nome de descendentes, com o propósito fraudulento de se escoimar de sua responsabilidade patrimonial, está a frustrar totalmente a cobrança legal do crédito.
Na via direta, houve uma transferência de bens aparentemente lícita. Indiretamente, porém, sabe-se que a transferência em comento teve por único fim escapar da responsabilidade legal, frustrando o direito legítimo de seus credores, retratado, dentre outros, nos seguintes dispositivos de lei: arts. 126, 131, 132, 133 e 135 do CTN; arts. 591, 592, do CPC; e arts. 50 e 187 do CC.
Não há dúvida, portanto, de que o enquadramento do caso narrado nas disposições dos incisos III e VI do art. 166 do Código Civil é suficiente para o afastamento dos efeitos dos negócios jurídicos firmados, sob o fundamento da sua nulidade, haja vista o escopo fraudulento de escamotear o seu patrimônio e fugir de suas obrigações legais.
Mas as razões para se declarar a nulidade das transferências ora analisadas não são apenas estas. A doação, com reserva de usufruto, levada a efeito nas condições ora examinadas (objetivo específico de frustrar iminente cobrança judicial de débito em face do doador), revela, igualmente, a prática de simulação, que também implica a nulidade do negócio jurídico.
Aqui, vale registrar o alerta de Ricardo Lobo Torres, para quem “A teoria da simulação do direito civil é a mesma que informa o direito tributário, até mesmo em razão do princípio da unidade do direito. Ainda mais quando se considera que o Código Civil de 2002 adota novas idéias no plano da eticidade, que os aproximam das modificações introduzidas ultimamente no CTN (LC n.º 104/2001 e 105/2001).”. (Planejamento tributário. Elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 124)
Segundo o art. 167, do Código Civil, “É nulo o negócio jurídico simulado [...]”, sendo certo que “Haverá simulação nos negócios jurídicos quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem.” (§1.º, I).
Para Manuel A. Domingues de Andrade, é simulado o negócio em que ocorre “a divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente do acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros” (Teoria geral da relação jurídica. Coimbra, Almedina, 1974, v. II, p. 169)
Ao se analisar a transferência gratuita de bens a descendentes, com reserva de usufruto, apenas para ocultá-los de credores, tem-se iniludível simulação de negócios jurídicos. Os filhos ou netos são beneficiados com a transferência de bens na intenção de blindá-los contra os débitos de seus ascendentes. Nessas circunstâncias, todavia, as alienações não passam de simulacros, pois a titularidade dos bens é mantida, na realidade, com os supostos doadores.
A reserva de usufruto regular manteria com os doadores apenas os poderes (no sentido analítico de Orlando Gomes) de usar e fruir, ao passo que os poderes de dispor e alienar a coisa seriam repassados aos donatários. Em negócios simulados, porém, todos esses poderes continuam de fato nas mãos dos doadores, que utilizam seus descendentes apenas como interpostas pessoas, para frustrar a cobrança de seus débitos.
A deturpação da doação com reserva de usufruto, com vistas promover fraudes, é prática realizada em larga escala. A sua nulidade (com caráter absoluto) não passa despercebida da doutrina, como bem ponderado por Flávio Tartuce:
“A partir de todas essas lições, quanto ao conteúdo, a simulação pode ser assim classificada:
a) Simulação absoluta – situação em que na aparência se tem determinado negócio, mas na essência a parte não deseja negócio algum. Como exemplo, ilustre-se a situação em que um pai doa imóvel para filho, com o devido registro no Cartório de Registro de Imóveis, mas continua usufruindo dele, exercendo os poderes do domínio sobre a coisa. Mesmo o ato sendo praticado com intuito de fraude contra credores, prevalece a simulação, por envolver ordem pública, sendo nulo de pleno direito.” (Manual de Direito Civil, 4 ed., São Paulo: Método, 2014, p. 219)
Diante desses elementos, afigura-se evidente que é simulado o negócio jurídico pelo qual sócio de pessoa jurídica submetida à cobrança fiscal doa seus bens a seus descendentes, mantendo consigo o correspondente usufruto (e domínio), com o nítido escopo de fugir de sua responsabilidade patrimonial.
Nesse cenário, é indubitável que a doação com reserva de usufruto é nula, haja vista a ilicitude dos seus motivos determinantes, o objetivo de fraudar lei imperativa, bem como a simulação detectada em símiles situações.
A par disso, cumpre enfrentar o segundo questionamento erigido, a respeito da via processual adequada para o reconhecimento da nulidade do negócio jurídico. Poderia o juízo da execução fiscal, diante dessa situação, decretar a invalidade da transação e determinar a penhora do bem correspondente?
A resposta é sim. Finque-se, desde logo, a premissa de que se está a acoimar o negócio jurídico estudado de nulo, logo, não se trata de anulabilidade. Sob esse aspecto, já é possível cravar uma conclusão: não há necessidade de se instaurar uma ação autônoma para ver reconhecida a nulidade dos indigitados negócios jurídicos, podendo essa medida ser promovida pelo próprio juízo da execução.
Como é sabido, o Código Civil de 2002, diferentemente do regramento anterior, enquadra a simulação como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico (art. 167), sendo certo que pode ser alegada por qualquer interessado que intervier no processo (art. 168), e até mesmo conhecida de ofício pelo juiz (art. 168, parágrafo único), o que revela a possibilidade de reconhecimento incidental da nulidade absoluta em foco, desde que presentes nos autos os elementos comprobatórios necessários.
A mesma norma vale para a nulidade prevista no art. 166 do vigente Código Civil. Assim como a fraude à execução, que também envolve interesse de ordem pública, a nulidade do negócio jurídico pode ser suscitada por simples requerimento.
Com efeito, se, por opção do legislador, o juiz pode conhecer ex officio a nulidade do negócio jurídico ora abordada, significa que a sua atuação independe de demanda da parte interessada. Se é prescindível o pedido, por óbvio que não há necessidade de ação específica destinada ao reconhecimento da nulidade. Basta, portanto, que a matéria seja levada ao seu conhecimento no bojo de qualquer ação judicial que comporte a discussão.
Não há de se confundir, pois, reconhecimento de fraude contra credores (que exige ação pauliana) com reconhecimento das nulidades previstas nos arts. 166 e 167 do Código Civil, que independem de ação própria (e até mesmo de requerimento do interessado!). A novel disciplina encartada no Código Civil de 2002 divisou com toda clareza as peculiaridades inerentes a cada um desses institutos, diferenciando-os não apenas quanto aos efeitos, mas também quanto aos requisitos e meios de configuração. As aproximações que se fazia, por exemplo, da simulação com a fraude contra credores na jurisprudência, sucumbiram com a revogação do antigo Código Civil de 1916.
Sobre a desnecessidade de ação própria e o pronunciamento de ofício pelo juiz acerca da nulidade, ensina Zeno Veloso:
“A alegação da nulidade não precisa ser apresentada em ação própria, direta, que vise a atacar, especificamente, a nulidade, e isto já sabemos. Até no curso de algum processo, ainda incidentalmente, pode ser feita a argüição, apresentando a situação muita semelhança com o controle da constitucionalidade difuso.” ((Invalidade do Negócio Jurídico, 2 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 159).
A definição legislativa da matéria, endossada pela doutrina, por conseguinte, é inequívoca ao dispensar a propositura de ação autônoma e específica para o reconhecimento das nulidades previstas nos arts. 166 e 167 do Código Civil vigente.
Seguindo em frente, ao se enquadrar os negócios realizados nas hipóteses legais de nulidade, ressai induvidoso que as doações ora comentadas, além de inválidas, são ineficazes perante o credor fiscal. Por óbvio, se não subsistem as transferências patrimoniais nulas, certo é que os verdadeiros titulares dos bens são os devedores (doadores) do ente credor.
Sendo assim, é plenamente possível que os imóveis transacionados sejam objeto de constrição para a satisfação da dívida sob cobrança em execução fiscal movida, agora, também contra o sócio-doador. Em última análise, os bens supostamente transferidos, na realidade, continuam sob a titularidade dos corresponsáveis pelo pagamento do débito fiscal.
Como dito, preconiza o art. 168 do Código Civil que qualquer interessado pode alegar as nulidades ali referidas. Ademais, segundo o parágrafo único daquele dispositivo:
“As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”
Vale dizer, se o juiz tem diante de si demanda cujo enfrentamento perpassa pelo exame da nulidade de negócio jurídico e dos seus efeitos, cabe-lhe analisá-la, afastando no caso concreto, se for o caso e incidentalmente, os efeitos do negócio jurídico nulo, a fim de viabilizar a prestação jurisdicional requestada, que, na hipótese retratada, é a penhora de bens.
Em comentário sobre as nulidades previstas nos arts. 166 e seguintes do Código Civil, Marco Aurélio Grego, transportando o tema para o direito tributário, nos oferece lapidares observações, cujos termos pede-se licença para transcrever:
“Destaco alguns pontos particularmente importantes nestes dois dispositivos, lembrando que o conceito básico é o de que a nulidade fulmina inteiramente o negócio jurídico.
Primeiro: as nulidades podem ser alegadas por qualquer interessado e não apenas pelas partes; vale dizer, podem ser invocadas também pelo Fisco.
Segundo: a nulidade (se provada) deve ser pronunciada pelo juiz que não pode se recusar a decretá-la quando conhecer do negócio ou dos seus efeitos. Aqui parece um problema processual delicado, pois numa reorganização societária, o juiz que vai conhecer do negócio é o estadual e o juiz que vai conhecer dos efeitos do negócio – se forem, p. ex., efeitos tributários no âmbito de Imposto sobre a Renda – será o juiz federal. Tal como redigido o dispositivo, qualquer dos juízes pode e deve pronunciar a nulidade do negócio quando as encontrar provadas e não lhe é permitido supri-la ainda que a requerimento das partes. Ou seja, ainda que as partes digam que houve simulação e querem suprir a nulidade colocando os fatos às claras, isto não é autorizado; o negócio é nulo. O Código determina que o juiz decrete essas nulidades.
Terceiro: o negócio nulo não é suscetível de confirmação, vale dizer, não comporta emenda ou rerratificação.
Quarto: o negócio jurídico nulo não convalesce com o decurso do tempo. Vale dizer, não há prescrição em relação ao negócio nulo. A nulidade pode ser declarada a qualquer tempo. Isto significa que 10 anos depois do fato, se preenchidos os requisitos legais, um juiz ao conhecer um efeito daquele negócio que era nulo (10 anos antes), poderá e deverá declarar sua nulidade.” (Planejamento Tributário. 3 ed., São Paulo: Dialética, 2011. p. 606)
Nesse sentido, releva frisar que, uma vez identificada a nulidade do negócio jurídico, intuitiva é a sua inoponibilidade em face do Fisco. Essa conclusão faz todo sentido. Se o negócio é nulo de pleno direito não pode produzir efeitos perante terceiros, especialmente os credores prejudicados. A ineficácia, por conseguinte, é reflexo da invalidade do negócio jurídico.
A propósito, Maria Helena Diniz leciona que a nulidade é a sanção imposta pela lei que determina a privação de efeitos jurídicos do ato negocial, praticado em desobediência ao que a norma jurídica prescreve (Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 194). Na mesma trilha, Regina Beatriz Tavares da Silva aduz que “Com a declaração da nulidade absoluta do negócio jurídico, este não produzirá qualquer efeito por ofender princípios de ordem pública, por estar inquinado por vícios essenciais.” (Código Civil comentado, 8 ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 238.).
Atos fraudulentos como os ora tratados não são novidade na jurisprudência. Tem-se admitido, em casos símiles, que a nulidade do negócio jurídico é fundamento suficiente para torná-lo inoponível ao credor, assegurando-se a constrição do patrimônio aparentemente transferido, em face da desconsideração (e desfazimento), em sede de cobrança fiscal e trabalhista, dos efeitos da transação escusa entabulada.
Nessa esteira, calha colacionar os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. CABIMENTO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. DOAÇÃO DOS BENS AOS FILHOS MENORES COM USUFRUTO VITALÍCIO.
[...] 2. Resta cristalina a intenção do demandante ao "doar" para seus filhos impúberes os nove imóveis, resguardando apenas o imóvel familiar, que não é passível de penhora, qual seja, a de impedir que a execução fiscal amealhasse meios para garantir a execução em andamento. 3. Tendo sido o demandado fiscalizado e lavrado contra si Auto de Infração de Imposto de Renda Pessoa Física, que culminou na CDA n° 00.1.04.008850-07 e no procedimento executório n° 2005.71.13.00940-6, tinha o apelante ciência da existência do débito tributário, ainda mais tendo interposto recurso administrativo buscando reduzir o valor da multa aplicado. 4. Não pode o apelante referir que a doação dos imóveis, com reserva de usufruto vitalício já havia sido feito a tempos, antes desta medida cautelar, porquanto demonstra a União que os registros de doações efetuadas pelo devedor, a título gratuito, aos seus filhos ocorreram entre 23 e 27 de agosto de 2004, data esta em que ele era sabedor da existência da dívida, do possível ajuizamento de execução fiscal e de que já estava perfectibilizada a inscrição em dívida ativa. 5. É perfeitamente aplicável a indisponibilidade dos bens, conforme pleiteado pela União, posto que caracterizada a má-fé do apelante ao doar os bens aos seus filhos menores de idade, mesmo depois da inscrição do débito em dívida ativa. (TRF4, AC 2006.71.13.003017-5, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 15/04/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DOAÇÃO DE BENS. NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. MANUTENÇÃO DA PENHORA. [...]
A Corte Regional consignou que a transmissão dos imóveis que pertenciam ao sócio da empresa executada às suas filhas, por meio de doação, com reserva de usufruto vitalício em favor do referido sócio, se deu de forma simulada, porquanto o suposto negócio jurídico teve como único propósito fraudar os créditos trabalhistas do reclamante. Decidiu, assim, manter a penhora sobre os referidos bens, por considerar nulo o negócio jurídico simulado, aplicando ao caso os termos dos artigos 167, § 1.º, I, 168, parágrafo único, e 169 do Código Civil. [...]
Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, PROC. TST-AIRR-136100-42.2008.5.04.0002, Rel. Min. Caputo Bastos, 2.ª Turma, 06/09/2011)
Por derradeiro, convém sublinhar que, se os supostos adquirentes dos bens transferidos por meio de negócios jurídicos nulos quiserem refutar a tese erigida pelo credor, defendendo os seus interesses, a ordenação processual lhes garante a via dos embargos de terceiro (art. 1.046 do CPC), o recurso de terceiro prejudicado (art. 499 do CPC), assim como a propositura da ação judicial autônoma que lhes convier. Assim, não há na proposição ora defendida nenhuma lesão à ampla defesa dos beneficiários (não incluídos no polo passivo da execução) das transações nulas aqui anunciadas.
Ao lume do exposto, é possível inferir que o ordenamento jurídico pátrio não tolera a prática de doações, com reserva de usufruto, destinadas unicamente a frustrar a pretensão de credores. Como visto, é nulo o negócio jurídico com motivo determinante ilícito, que visa a fraudar lei imperativa, e simulado, o que permite a constrição do bem doado no próprio feito executivo dirigido em face do sócio-doador, independentemente do ajuizamento de ação autônoma.
Nota
[1] Sonegação no Brasil - Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2013, estudo realizado pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ em março/2014, disponível no site http://www.quantocustaobrasil.com.br/.