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Favorecer exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável é hediondo, mas o comprar para fins de exploração sexual, não (!?):

a Lei 12.978/2014 e a inclusão do art. 218-B do CP no rol dos crimes hediondos

03/09/2014 às 10:36
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A inserção do art. 218-B do CP na disciplina dos delitos hediondos veio com mais de 25 anos de atraso. Desde 1988, a Constituição Federal impôs ao legislador infraconstitucional que elaborasse lei para, de maneira austera, punir violações sexuais contra menores.

SUMÁRIO: 1. Linhas iniciais; 2. Primeiro, a seção de perfumaria...; 3. Notas sobre a inclusão do art. 218-B do CP no rol dos crimes hediondos; 4. Violência sexual contra menores e a ausência de uniformidade do tratamento jurídico-penal; 5. Tutela penal da dignidade sexual da criança e adolescente: mandado constitucional de criminalização; 6. Mas, então, por quê? Sugestões de lege ferenda.


1. Linhas iniciais

Publicada no Diário Oficial da União em 22.05.2014 e em vigor imediatamente, a Lei 12.978 promoveu duas alterações, uma no Código Penal e a outra na Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). A primeira, meramente cosmética; a segunda, não. A questão primordial que abordarei na sequência se centrará em inclusões que, por coerência, deveriam ter sido efetuadas na Lei 8.072/90 na mesma ocasião.


2. Primeiro, a seção de perfumaria...

A modificação no CP é desprovida de repercussão prática no mundo jurídico. Houve simples mudança da denominação do seu art. 218-B, que agora possui o nomen juris “favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável”.

Nada mudou com relação às elementares desse delito. A novidade no CP ficou por conta da inclusão da expressão “de criança ou adolescente” na rubrica marginal do dispositivo. Apesar disso, os menores de 18 anos já eram tutelados por esse tipo penal, incluído no CP na reforma de 2009. Confira-se:

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2º Incorre nas mesmas penas:

I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e funcionamento do estabelecimento.


3. Notas sobre a inclusão do art. 218-B do CP no rol dos crimes hediondos

Reflexos práticos e de grande monta houve com a modificação da Lei 8.072/90, na qual se incluiu o inciso VIII no art. 1.º, constituindo crime hediondo a prática das condutas descritas no caput e §§ 1.º e 2.º do art. 218-B do CP. Assim, quem cometer esse ilícito se sujeitará a regras mais rigorosas do que as estabelecidas aos crimes comuns, entre elas a progressão de regime após o cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5, se reincidente (art. 2.º, § 2.º, da Lei 8.072/90). Nos crimes não hediondos, o tempo mínimo exigido para que o preso venha a progredir de regime é de 1/6 da pena, nos termos do art. 112 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

As modificações de natureza material penal decorrentes da Lei 12.978/2014 somente atingirão aqueles que, no dia 22.05.2014 ou em data posterior, tiverem cometido o delito do art. 218-B do CP, pois parcela dos seus efeitos penais tornou-se mais grave, não podendo alcançar fatos pretéritos, em obediência ao princípio da irretroatividade da lei penal in pejus (art. 5.º, XL, CF). Muitos já se ocuparam, com maior amplitude, das repercussões mencionadas neste e no parágrafo anterior. Como antecipei, meu objeto de análise é outro. Não é sobre o que mudou, mas sobre o que, de maneira equivalente, deveria ter mudado.


4. Violência sexual contra menores e a ausência de uniformidade do tratamento jurídico-penal

A doutrina afirma que o Brasil adota o critério legal para a caracterização de determinado delito como hediondo. Desse modo, em primeira análise, crime hediondo é aquele que o legislador disser que o é, mas para isso, aparentemente, o critério é nenhum. Se o legislador achar que deve, insere este ou aquele crime no elenco do art. 1.º da Lei 8.072/90, sem maiores esforços argumentativos para coerentemente justificar o aumento da lista.

A prostituição e exploração sexual de menores e vulneráveis causam horror e asco. O legislador já deveria ter acrescentado o crime do art. 218-B do CP no catálogo da Lei 8.072/90 há bastante tempo. Uma oportunidade perdida ocorreu quando da reformulação pontual do Código Penal por força da Lei 12.015/2009, referente aos crimes contra a dignidade sexual, por meio da qual também se alterou a Lei 8.072/90. Talvez não o tenha feito porque não estávamos prestes a sediar a Copa do Mundo nem a receber, no período em que esse evento acontece, visitantes nacionais ou estrangeiros em cidades “nada turísticas” como Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e as demais sedes brasileiras do campeonato mundial de futebol da FIFA de 2014. Difícil entender…

A alteração legislativa é positiva. Porém, é bom sempre lembrar, o direito penal e processual penal não são a cura para os males universais, nem é com punição exacerbada que se reduzirá a criminalidade. Por outro lado, soa ilógico não estar entre os crimes hediondos o fato de o sujeito promover ou facilitar o deslocamento de alguém, menor de 18 anos, dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Trata-se do crime de tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual cuja pena prevista, no cenário apresentado, é de 2 a 6 anos de reclusão, com aumento da metade da pena, porque a vítima possui idade inferior a 18 anos (art. 231-A, caput e § 2.º, I, CP).

Por igual, para nossos legisladores não é hedionda a conduta de alguém que, por exemplo, compra criança ou adolescente para que sirva de objeto de exploração sexual, seja em contexto de tráfico interno (art. 231-A, §§ 1.º e 2.º, I, CP) ou internacional de pessoas (art. 231, §§ 1.º e 2.º, I, CP, sancionado de 3 a 8 anos de reclusão, majorada a pena da metade, por ter sido cometido contra menor de 18 anos). Dizem os dispositivos:

Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1.º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2.º A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3.º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1.º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2.º A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3.º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

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No § 1.º do art. 231 do CP, também deveria ter sido previsto o verbo “vender”. Perceba-se que o art. 231-A, § 1.º, do CP, acertadamente, incrimina tanto a conduta “vender” como “comprar” a pessoa traficada. Outro ponto a se destacar é que ambos os tipos penais, no inciso II do § 2.º, majoram as reprimendas quando a vítima for vulnerável, isto é, na dicção normativa, alguém que, “por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato”. Sem dúvida alguma, os arts. 218-B, 231 e 231-A do Código Penal têm em mira a tutela da dignidade sexual dos vulneráveis, das crianças e dos adolescentes, embora os dois últimos tipos penais são se dediquem exclusivamente a isso.


5. Tutela penal da dignidade sexual da criança e adolescente: mandado constitucional de criminalização

A inserção do art. 218-B do CP na disciplina dos delitos hediondos veio com mais de 25 anos de atraso. Desde 1988, a Constituição Federal impôs ao legislador infraconstitucional que elaborasse lei para, de maneira austera, punir violações sexuais contra menores. Está no art. 227, § 4.º, CF: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

O Brasil assumiu idêntico compromisso perante a comunidade internacional. A título exemplificativo, é o que se verifica da leitura do art. 34 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente[1] (Decreto 99.710/90), ao dispor que “os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual (...)”, e do seu Protocolo Facultativo referente à venda de menores, à prostituição infantil e à pornografia infantil (Decreto 5.007/2004). Veja-se, ainda, o art. 7.º da Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores (Decreto 2.740/98), segundo o qual “os Estados Partes comprometem-se a adotar, em conformidade com seu direito interno, medidas eficazes para prevenir e sancionar severamente a ocorrência de tráfico internacional de menores definido nesta Convenção”, tema pertinente ao art. 231 do CP.

Esse débito legislativo tem sido pago a conta-gotas. Parte dele foi quitado com as Leis 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 12.015/2009, 12.650/2012 (início da prescrição nos crimes sexuais contra menores[2]). Contudo, nesse particular, persiste a omissão dos nossos congressistas ao não criarem meios legais direcionados à harmoniosa e adequada observância do art. 227, § 4.º, da Carta de 1988, que estabelece como obrigação constitucional a rigorosa tutela penal da dignidade sexual da criança e adolescente. Ao não se desincumbirem desse múnus, ferem o princípio da proporcionalidade na dimensão da proibição da proteção deficiente (ou insuficiente).

Cuida-se de imperativo de tutela, verdadeiro mandado de criminalização por meio do qual os direitos fundamentais expressam não apenas uma vedação do excesso, mas também proíbem o Poder Público de não proteger tais direitos ou de lançar mão de mecanismos insatisfatórios para salvaguardá-los, conforme reconhece o Supremo Tribunal Federal (2.ª Turma, HC 104.410/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 06.03.2012).


6. Mas, então, por quê? Sugestões de lege ferenda

Por que os crimes dos arts. 231 e 231-A do Código Penal, quando praticados contra crianças, adolescentes ou vulneráveis, não estão relacionados no art. 1.º da Lei 8.072/90? No que diferem em essência ou são menos abjetos do que o delito do art. 218-B do CP? Pode-se perguntar o mesmo envolvendo tantas outras infrações penais.

Na linha da alteração promovida pela Lei 12.978/2014 e por congruência, igualmente deveriam caracterizar crime hediondo as situações do: a) art. 231, caput e § 1.º, sempre que em combinação com o inciso I ou II do § 2.º do mesmo artigo do CP; e b) art. 231-A, caput e § 1.º, se presente a causa de aumento do inciso I ou II do § 2.º desse artigo do CP. Ao que parece, o “critério” utilizado pelo legislador para dizer o que é crime hediondo não é muito legal.


Notas

[1]    Embora oficialmente denominada Convenção sobre os Direitos da Criança, sem aludir em seu título a “adolescente”, o art. 1.º desse diploma considera criança “todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. Tal conceito abrange, em nosso ordenamento, a criança e o adolescente, nos termos do art. 2.º da Lei 8.069/90.

[2]    Sobre o assunto, consulte-se ANDREATO, Danilo; ARAS, Vladimir. Termo inicial da prescrição nos crimes sexuais contra crianças e adolescentes: o art. 111, V, do CP (Lei 12.650/2012). Revista Internacional Direito e Cidadania, edição n. 13, jun./set. 2012, p. 201-205. Disponível em: http://reid.org.br/arquivos/00000315-18-danilo_reid-13.pdf.

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Sobre o autor
Danilo Andreato

Professor adjunto das Faculdades Santa Cruz (graduação e especialização). Mestre em Direito (PUC/PR). Especialista em Direito Criminal (UniCuritiba). Titulado em Formação Especializada em Direitos Humanos (Universidade Pablo de Olavide – Sevilha, Espanha). Assessor jurídico da Procuradoria da República no Paraná (Ministério Público Federal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDREATO, Danilo. Favorecer exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável é hediondo, mas o comprar para fins de exploração sexual, não (!?):: a Lei 12.978/2014 e a inclusão do art. 218-B do CP no rol dos crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4081, 3 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31586. Acesso em: 16 nov. 2024.

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