INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 37, XXI: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
É importante que se lembre que as licitações são procedimentos prévios às contratações do Poder Público e que têm como finalidades a seleção da proposta mais vantajosa ao Erário, a garantia da isonomia e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável
Ademais, cumpre citar o conceito de contrato administrativo de Celso Antônio Bandeira de Melo (2010, p. 627):
“É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força da lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições do interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”.
Com o intuito de dinamizar os procedimentos licitatórios e as contratações necessárias para a realização da Copa das Confederações Fifa 2013, da Copa do Mundo Fifa 2014 (restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de contratações de obras de infraestrutura e de serviços para aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km das cidades sedes dos mundiais) e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, em 2011, foi aprovada a Lei nº 12.462 que disciplina o Regime Diferenciado de Contratações.
Além desses objetos passíveis do Regime Diferenciado de Contratações, recentemente, mais dois foram incluídos, quais sejam: as contratações para as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e para as licitações e contratos de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino (incluídos, respectivamente, pelas Leis 12.688/12 e 12.745/12).
Por último, houve mais uma expansão dos objetos passíveis à submissão ao RDC, com a inclusão dos contratos celebrados para a execução de obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde(SUS) – alteração inserida pela Lei 12.745/12.
É necessário salientar que o RDC foi concebido como um modelo basicamente provisório e diferenciado, com o fito de conferir maior agilidade às contratações de bens e serviços e de diminuir os procedimentos fraudulentos, uma vez que a Lei nº 8.666/93 já conta com mais de 20 anos de existência e não acompanhou com a mesma velocidade as mudanças ocorridas nesse período, ensejando distorções entre seus dispositivos legais e o mundo fático.
OBJETIVOS e diretrizes
O Regime Diferenciado de Contratações é uma nova modalidade licitatória, tendo regramentos próprios para seus procedimentos licitatórios e contratuais. Segundo o art. 1º, § 2º da Lei 12.462/11:
“A opção pelo RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no afastamento das normas contidas na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos expressamente previstos nesta Lei”.
São objetivos do RDC, conforme previsão do art. 1º, § 1º, da Lei 12.462/11:
“I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público;
III - incentivar a inovação tecnológica; e
IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.”
Constata-se que o RDC tem como objetivos precípuos dar maior eficiência e competitividade às contratações feitas pela máquina pública, além de promover o tratamento isonômico aos licitantes e a escolha da proposta mais vantajosa para o Poder Público, não se esquecendo de prestigiar a inovação tecnológica. Vale ressaltar que os princípios da isonomia e da proposta mais vantajosa encontram-se elencados em todos os procedimentos licitatórios nacionais.
Outro objetivo a ser alcançado foi tornar mais céleres e simplificadas as contratações, principalmente no que tange aos eventos esportivos, visto que a edição do RDC ocorreu em um contexto em que era assaz necessária a agilização dos mecanismos licitatórios e contratuais para a realização de prementes obras, como estádios, projetos de mobilidade urbana, reforma e privatização de aeroportos em tempo exíguo.
Após mencionar os objetivos, o Legislador trouxe, no art. 4º da Lei 12.462/11, as diretrizes básicas que devem ser utilizadas para atingi-los.
A primeira diretriz diz respeito à padronização do objeto da contração no que concerne às especificações técnicas e de desempenho e, quando for o caso, às condições de manutenção, assistência técnica e de garantia oferecidas. Assim, a padronização é uma forma de tornar a competição mais transparente, uma vez que os licitantes já conhecerão o objeto fruto do contrato.
Há também a padronização dos instrumentos convocatórios e das minutas dos contratos, previamente aprovados pelo órgão jurídico competente. Observa-se que a padronização em questão é só no que se refere às disposições gerais das licitações.
Outra diretriz trazida pelo Legislador foi a busca da maior vantagem para a Administração Pública, levando-se em conta custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância.
São ainda diretrizes, conforme o art. 4º, incisos IV, V e VI da norma legal em referência:
“IV – Condições de aquisição, de seguros e pagamento compatíveis com as do setor privado (...).
V – Utilização, sempre que possível, nas planilhas de custos constantes das propostas oferecidas pelos licitantes, de mão de obra, materiais, tecnologias e matérias-primas existentes no local da execução, conservação e operação do bem, serviço ou obra (...).
VI – Parcelamento do objeto, visando à ampla participação de licitantes, sem perda de economia de escala”.
Dessa maneira, a Administração Pública, ao optar pelo RDC para realização de procedimentos licitatórios, deve se pautar pelo respeito aos princípios e às diretrizes propugnadas pelo regime, em consonância com a Administração Pública Dialógica.
CRÍTICAS AO REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES
A Lei nº 12.462/11 que instituiu o RDC é oriunda da Medida Provisória nº 527/11, no entanto esta não tratava sobre o Regime Diferenciado, mas sim da alteração da Lei nº 10.683/03 que modificou a organização da Presidência da República e dos Ministérios, criou a Secretaria de Aviação Civil, alterou a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), criou cargos de Ministro de Estado e cargos em comissão, além de dispor sobre a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários e criando cargos de Controlador de Tráfego Aéreo.
No caso em apreço, foram inseridos na Lei dispositivos que versavam sobre o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, gerando um vício formal, uma vez que tais dispositivos não constavam no texto original da Medida Provisória nº 527/11 e, dessa maneira, de acordo com a ADIN Nº 4665, tal inserção violou o princípio do devido processo legal, conforme os arts. 59 e 62 da CRFB. Ademais, houve ofensa também ao princípio da separação dos poderes, nos moldes do art. 2º da Lei Maior.
Outras críticas que se fazem são referentes aos vícios materiais apontados na ausência de parâmetros mínimos para identificar obras, serviços e compras que devam seguir o RDC, no regime de contratação integral, no procedimento de pré-qualificação permanente e na dispensa das exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental.
Em relação ao primeiro vício material citado, a ausência de individualização das obras, dos serviços e das compras que serão regulados pelo RDC enseja uma grande margem de discricionariedade para o agente público, ou seja, o administrador adotará o RDC a seu arbítrio, pois falta critério objetivo na escolha.
No caso do regime de contratação integral, há a transferência da elaboração e do desenvolvimento do projeto básico e executivo para o vencedor da licitação, dessa maneira, há uma violação ao princípio da isonomia entre os licitantes, já que o ajuste foi elaborado sem que o objeto tenha sido previamente estipulado.
No que concerne ao procedimento de pré-qualificação permanente, ocorre uma possível violação ao princípio do caráter competitivo da licitação uma vez que a pré-qualificação se dá antes da licitação, ensejando a ocorrência de licitações somente aos candidatos pré-qualificados.
Por fim, com a dispensa das exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental, fere-se o entendimento constitucionalmente consagrado de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever do Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se que o RDC possui mecanismos modernos que não constavam na Lei nº 8.666/93. No entanto, como já foi mencionado alhures sofreu diversas críticas quanto ao seus vícios de constitucionalidade tanto formais quanto materiais.
Em que pesem tais questionamentos, certo é que o Legislador, ao instituir o RDC, objetivava tornar mais eficiente e rápido o processo licitatório, visto que o País havia firmado compromissos perante a Comunidade Internacional de organizar a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e dispunha de pouco tempo para a realização de todas as obras e aperfeiçoamentos dos serviços necessários para o sucesso dos eventos.
Dessa forma, resta claro que era necessária a implementação de um procedimento licitatório mais célere. No caso em apreço, é preciso que haja uma modulação dos efeitos dos dispositivos, ensejando reformas e vedações nos seus termos que estão eivados de inconstitucionalidades, com o objetivo de preservar os contratos já firmados, evitando prejuízos ao erário e assegurando a segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
ALEXANDRINO, Marcelo e VICENTE, Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 21. ed. São Paulo: Método, 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Método, 2013.