Considerações sobre a Lei da Anistia

01/10/2014 às 22:21

Toda vez que ouço falar na possibilidade de se negar vigência a lei da anistia, principalmente quando se tem por objetivo punir os militares da época, enquadrando-os nos crimes de homicídios, torturas e desaparecimentos, me vem um arrepio na pele ...

Toda vez que ouço falar na possibilidade de se negar vigência a lei da anistia, principalmente quando se tem por objetivo punir os militares da época, enquadrando-os nos crimes de homicídios, torturas e desaparecimentos, me vem um arrepio na pele, uma estranheza aguda, uma náusea estonteante.

Porque foi um período cruel, como todos nós sabemos, mas que só conheci pelos livros de história. Não vivi na pele, não tive a experiência, portanto sou imparcial nesse aspecto.

Me causa espécie todo esse engajamento com o objetivo de fazer retroagir, (o que é vedado pela Constituição de 1988), a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Imprescritibilidade que só é possível pensar a partir da própria Constituição Cidadã.

Como fica a segurança jurídica? Porque se tal intento se torna factível, a segurança jurídica, ficção criada para tentar estabelecer uma completude no ordenamento jurídico, se desintegra, vira pó.

A Lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979, foi promulgada pelo presidente Figueiredo em 28 de agosto de 1979, após uma ampla mobilização social, ainda durante a ditadura militar. Todos os setores da sociedade buscaram engajamento no sentido de ver a lei da anistia em vigor, muitos para poderem regressar ao país, outros para afastarem possíveis condenações, outros ainda com o objetivo de reconstruir uma democracia perdida. O fato é que o consenso se estabeleceu e um documento legislativo foi elaborado.

É possível agora, fundamentado em uma nova ordem Constitucional, ou seja, posterior aos fatos, fazer retroagir um comando normativo, para abarcar os crimes cometidos por militares à época da ditadura? Não seria dar um tiro na própria cabeça?

Durante minha graduação ficou claro pra mim, até porque tive excelentes professores, que a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu, e que a cada nova Constituição um novo país, uma nova ordem social em detrimento da que ficou para trás. Nesse sentido, não vejo como possível esse retorno ao passado para tentar modificar os fatos. Crédito para a segurança jurídica nacional. Essa possibilidade me faz lembrar daquele filme, “de volta para o futuro”; talvez se existisse uma máquina do tempo em que, uma vez retornando ao passado, pudéssemos modificar o presente, tal como se ele nunca tivesse existido...

Poderemos sim tomar decisões responsáveis no presente, para quem sabe, ter um futuro melhor. E o passado fica tão somente como experiência para que não cometamos os mesmos erros.

É evidente que crimes foram cometidos durante a ditadura militar. Tanto por parte dos militares quanto por parte da sociedade que se organizou com o objetivo de derrubar o governo ditatorial. Esse é o caminho natural das insatisfações. Quando há repressão o sintoma comparece e o corpo social entra em colapso.

Não obstante fico me questionando se, juridicamente, diante das escolhas legislativas que vão sendo feitas durante a história, seria possível cometer uma ofensa monstruosa ao direito brasileiro atual, onde o princípio constitucional da irretroatividade da Lei Penal vigente se chocaria com a imprescritibilidade tardia dos crimes contra a humanidade. Parece aquele momento em que você puxa o lençol para cobrir a cabeça e os pés ficam de fora.

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Sobre o autor
Leonardo Lima da Silva

É bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes. Advogado desde 2014. É um crítico social e escreve quando é causado por acontecimentos sociais ou pessoais, externos ou internos, sempre tentando fazer uma interlocução entre Psicanálise e Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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