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Servidores públicos e o excesso de gastos na administração pública

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Este estudo analisa a aplicabilidade do acordo e da convenção coletiva como alternativas à hipótese de corte de pessoal em casos de excesso de gastos na Administração Pública. Os paradigmas adotados são posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais superiores.

Sumário: Introdução. 1.Sistema legal brasileiro de resolução de conflitos no âmbito do Poder Público. 1.1 O Direito Coletivo do Trabalho como norte para a resolução de conflitos no âmbito do poder público. 1.2. Sindicatos no setor público – representação dos servidores públicos perante o Estado. 1.3 Negociação coletiva. 2.O problema da aplicação do acordo e da negociação coletiva ao sistema brasileiro de resolução de conflitos entre Estado e servidores públicos. 3.Negociação Coletiva no Direito Comparado. Conclusão


Introdução

O tema do presente estudo se refere à aplicabilidade da negociação coletiva aos servidores públicos, tendo em vista o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que se refere à relação jurídica entre servidores públicos e Estado.

O objetivo é estudar estes institutos como alternativa à previsão legal de corte de pessoal em caso de excesso de gastos na Administração Pública.

Para tanto, é necessário entender que uma das preocupações da constituinte de 1988 era reduzir o déficit público e promover formas responsáveis de estabilização financeira e monetária, levando em consideração que o Brasil, por muitos anos, sofreu com enorme instabilidade decorrente da inflação descontrolada e de gestões irresponsáveis.

Por este motivo, previu a Constituição de 1988, no Capítulo II, normas relativas às finanças públicas e orçamento, a exemplo das disposições dos artigos 163, inciso I e 165, incisos I, II e III[1].

Com o mesmo objetivo supra citado, formulou o legislativo a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que, de acordo com Kiyoshi Harada (2010)[2], é “ uma lei ânua, de efeito concreto, estimando as receitas e fixando as despesas, necessárias à execução da política governamental”.

O orçamento, portanto, direciona os gastos do governo de acordo com os seus objetivos políticos para um ano, cumprindo o papel de definir em que setores será gasto o dinheiro público, a fim de evitar a discricionariedade do governante.

O seu objetivo é, pois, organizar as contas públicas, de forma a otimizar a utilização dos recursos financeiros disponíveis, de acordo com as situações conjunturais em que se encontrar o País.

A fim de conferir mais objetividade na destinação dos gastos públicos, aprovou-se, também, a Lei Complementar 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esta lei limitou, em seu artigo 19, a percentagem dos recursos públicos da União, Estados e Municípios que podem ser gastos com a despesa com o pagamento de pessoal.

Paralelamente a esta previsão legal, a Constituição Federal/1988, no artigo 169 prevê diversas medidas de austeridade a serem adotadas caso os entes da Administração ultrapassem as despesas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre estas medidas estáa possibilidade de corte de pessoal, incluindo até mesmo a dispensa de servidores públicos efetivos, conforme o artigo 169, §4º, da Constituição da República.

Esta medida, bastante austera, poderia trazer consequências sociais graves, eis que a máquina pública emprega milhares de pessoas em todos os estados e municípios da federação.

Uma medida mais razoável para conter as despesas e evitar a dispensa dos servidores seria a redução salarial durante o período de crise. Entretanto, é consagrado constitucionalmente o princípio da irredutibilidade salarial (art. 7º, inciso VI), cuja única exceção é em caso de serem firmados acordos e convenções coletivas.

Neste ponto é que se encontra o problema a ser enfrentado neste artigo: o Supremo Tribunal Federal decidiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade 554 / MT – Mato Grosso, de relatoria do Ministro Eros Grau, que o direito à celebração de acordos e convenções coletivas é reservado à iniciativa privada, não alcançando servidores e empregados públicos.


Sistema legal brasileiro de resolução de conflitos no âmbito do Poder Público

O Direito Coletivo do Trabalho como norte para a resolução de conflitos no âmbito do poder público

O Direito do Trabalho é, usualmente, dividido entre Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho. A diferença entre estes segmentos é o tratamento dado aos seres que fazem parte da relação de trabalho, pois que no direito individual do trabalho constata-se um abismo econômico e social entre eles. De outro lado, no Direito Coletivo do Trabalho o mesmo não ocorre, havendo equivalência, ao menos teórica, entre seres coletivos obreiros e seres coletivos empresariais.

Esta diferença entre os ramos do Direito do Trabalho ocorre em razão da hipossuficiência que existe entre trabalhador empregador, no Direito Individual do Trabalho, e que inexiste entre seres coletivos obreiros seres coletivos empresariais, no Direito Coletivo do Trabalho.

Conforme Maurício Coutinho Delgado[3], esta equivalência resulta de dois aspectos fundamentais, quais sejam, a natureza das partes da relação jurídica (seres coletivos) e os processos característicos aos seres coletivos trabalhistas, que é resultado de ambos contarem com instrumentos eficazes de atuação, pressão e negociação. Conforme o renomado autor:

“Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidades de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho”.

O presente estudo enquadra-se dentro do ramo especializado do Direito Coletivo do Trabalho porque é regulado pelas regras e princípios inerentes à relação entre os seres coletivos trabalhistas, que têm por norte a equivalência dos contratantes coletivos, já explicitada acima.

Sindicatos no setor público – representação dos servidores públicos perante o Estado

A tradição jurídica brasileira não considerava possível, outrora, a existência de sindicatos representativos dos servidores públicos. Por este motivo, antes da Constituição de 1988, os servidores organizavam-se em associações não sindicais, e a eles não era garantida a liberdade associativa e sindical.

Com a Constituição de 1988, esta sistemática mudou, sendo assegurado ao servidor público civil o direito à livre associação sindical, conforme reza o artigo 37, inciso VI, da Carta Magna. Apenas aos servidores militares permanece negado o direito à sindicalização, conforme o artigo 142, incisos VI e VII, do referido diploma legal.

Negociação coletiva

A negociação coletiva é espécie de métodos de solução de conflitos. A doutrina divide estes métodos em três grupos: a autotutela, a heterocomposição e a autocomposição.

A negociação coletiva enquadra-se no método de auto composição, no qual as próprias partes envolvidas assumem o processo resolutivo a fim de chegar a consenso.

Este método, conforme aponta Maurício Godinho Delgado[4], possui o papel de gerar normas jurídicas necessárias para a pacificação de conflitos de natureza sociocoletivas. Essas normas jurídicas são consumadas na celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho, institutos jurídicos positivados na ordem trabalhista brasileira.

Instituto anteriormente utilizado basicamente no âmbito privado, não estatal, a negociação coletiva foi consagrada como método de resolução de conflitos válido também para o setor público na Convenção nº 154 de 1981 da OIT, que trata sobre o

Incentivo à Negociação Coletiva e que ampliou a sua aplicação, estendendo-atambém ao setor público.

Justifica-se a negociação coletiva por um dos caráteres teleológicos, finalísticos, do Direito Coletivo do Trabalho, qual seja, a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho, essencial para a melhoria das condições de trabalho em si. Isto porque a negociação coletiva fortalece e promove o diálogo social, promovendo a eficácia, o desempenho e a equidade na Administração Pública[5], dando suporte à igualdade material entre as partes obreira e empresarial da relação jurídica de trabalho e, desta forma, consumando o princípio da equivalência dos contratantes coletivos.


O problema da aplicação do acordo e da negociação coletiva ao sistema brasileiro de resolução de conflitos entre Estado e servidores públicos

Muito embora a nova ordem constitucional tenha garantido aos servidores públicos o direito à sindicalização, a eles não tem sido facultada a negociação coletiva trabalhista. Esta negativa não se dá por imposição legal, mas por interpretação jurisprudencial encabeçada pelo Supremo Tribunal Federal. Conforme se lê:

“ADI 554-6 MATO GROSSO.

RELATOR: MIN. EROS GRAU

REQUERENTE: GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO

REQUERIDOS: GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO E ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDAE. ARTIGO 57 DA LEI COMPLEMENTAR N. 4 DO ESTADO DO MATO GROSSO. SERVIDORES PÚBLICOS. ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, §1º, II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. ARTIGO 69, “CAPUT” E §§, DA LEI COMPLEMENTAR N. 4. FIXAÇÃO DE DATA PARA O PAGAMENTO DE VENCIMENTOS. CORREÇÃO MONETÁRIA EM CASO DEATRASO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. A celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho constitui direito reservado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada. A negociação coletiva demanda a existência de partes detentoras de ampla autonomia negocial, o que não se realiza no plano da relação estatutária.

2. A Administração Pública é vinculada pelo princípio da legalidade. A atribuição de vantagens aos servidores somente pode ser concedida a partir de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o artigo 61, §1º, inciso II, alíneas “a’ e “c”, da Constituição do Brasil, desde que supervenientemente aprovado pelo Poder Legislativo. Precedentes.

3. A fixação de data para o pagamento dos vencimentos dos servidores estaduais e a previsão de correção monetária em caso de atraso não constituem aumento de remuneração ou concessão de vantagem.

Pedido julgado parcialmente procedente para declarar inconstitucional a expressão “em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser celebrados”, contida na parte final do artigo 57, da Lei Complementar n. 4, de 15 de outubro e 1990, do Estado do Mato Grosso”. (grifos acrescentados)

No caso apontado, o artigo da lei mato-grossense (Lei Complementar nº 4 do estado de Mato Grosso) que foi julgado inconstitucional dispunha:

“Art. 57.  Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias, permanentes ou temporárias, previstas nas Constituições Federal e Estadual, em acordos coletivos ou em convenções de trabalho que venham a ser celebrados”. 

Note-se que, no julgamento apontado, as motivações para a decretação da inconstitucionalidade foram, basicamente, duas: 1- a celebração de acordos ou convenções coletivas é reservada à iniciativa privada; 2- o respeito ao princípio da legalidade se impõe, eis que, para aumento de despesas no âmbito da Administração Pública, é necessária a aprovação de projeto de lei de iniciativa do Poder Legislativo.

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Sobre estas questões, trata bem Maurício Coutinho Delgado[6], in verbis:

“A Constituição, porém, não fez menção expressa à negociação coletiva trabalhista no tocante às entidades estatais de Direito Público. Além disso, omitiu-se quanto à extensão aos servidores ocupantes de cargo público dos direitos arrolados no art. 7º que mais enfaticamente se reportavam à negociação coletiva, tais como, incisos VI, XIV e XXVI (extensão feita pelo §3º do art. 39 da Carta Magna). De par com tudo, o Capítulo II do Título VI da Constituição, tratando das “Finanças Públicas” (arts. 163 a 169, CF/88), vincula qualquer aumento de despesas nos entes de Direito Público à prévia autorização legal, especialmente quanto a elevações de despesas com pessoal ativo e inativo (art. 169, CF/88).

Nesse quadro constitucional, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, desde o início da década de 1990, firmou-se no sentido da impossibilidade jurídica da negociação coletiva (ou do dissídio coletivo) no contexto das entidades estatais de Direito Público, mesmo que estas admitam seus servidores pela Consolidação das Leis do Trabalho. (...)

Cabe, entretanto, indicar certa modificação jurisprudencial ocorrida neste campo nos últimos anos, oriunda especialmente da Seção de Dissídios Coletivos do TST.

No cenário propiciado pela leitura democratizante da Carta Magna, em contexto novo de ratificação da Convenção n. 151 da OIT (...) aquela Seção Especializada passou a atenuar os rigores da interpretação dominante, até mesmo a inserida no texto da OJ 5 da própria SDC. Nesta atenuação, tem admitido o processo judicial de dissídio coletivo (e, indiretamente, a negociação coletiva) a respeito de cláusulas meramente sociais, ou seja, a respeito de cláusulas que não tenham impacto econômico na entidade pública”.

Parece claro que a posição do Tribunal Superior do Trabalho, muito mais do que as decisões inflexíveis do Supremo Tribunal Federal, tem acompanhado o objetivo do legislador, o qual aderiu à Convenção n. 151 da OIT.

A questão que se impõe, atualmente, não diz mais respeito à possibilidade de ocorrer a negociação coletiva no âmbito do setor público. Parece claro que, a partir da admissão pelo Tribunal Superior do Trabalho, da aplicação do processo judicial de dissídio coletivo para os servidores públicos, a negociação coletiva é permitida neste setor. Esta interpretação está em consonância com o artigo 7º, inciso VI cumulado com o artigo 39, inciso II, da Constituição Federal. Parece claro, por outro lado, que isto só tem sido admitido com relação a cláusulas sociais. Neste sentido, a seguinte decisão do Tribunal Superior do Trabalho:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. FUNDAÇÃO PÚBLICA. REAJUSTES SALARIAIS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS. AUMENTO DE DESPESAS COM PESSOAL. INAPLICABILIDADE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA PERMITIDA APENAS EM TORNO DAS CHAMADAS -CLÁSULAS SOCIAIS-, SEM CONTEÚDO ECONÔMICO .

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 169 da CF suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. FUNDAÇÃO PÚBLICA. REAJUSTES SALARIAIS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS. AUMENTO DE DESPESAS COM PESSOAL. INAPLICABILIDADE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA PERMITIDA APENAS EM TORNO DAS CHAMADAS CLÁSULAS SOCIAIS - SEM CONTEÚDO ECONÔMICO. Emerge do disposto no § 3º do art. 39 c/c com o art. 7º, XXVI, da CF que não se reconhece, regra geral, à Administração Pública a possibilidade de firmar convenção ou acordo coletivo de trabalho sobre verbas de cunho essencialmente econômico-financeiro, resguardada a negociação coletiva na área pública à seara eminentemente social (cláusulas sociais). Ainda por imposição da Constituição Federal, compete à lei, em sentido estrito, a fixação de limites do gasto com pessoal, sendo imprescindível a sua previsão em lei orçamentária (art. 169) e sua iniciativa pelo Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a, CF). Desse modo, o ente público encontra-se proibido de firmar convenção coletiva sobre vantagens remuneratórias, já que não possui autonomia para dispor sobre despesas, salvo se expressamente autorizado por lei e respeitados os limites nela previstos. Recurso de revista provido”. (RR 1130001820075020077 113000-18.2007.5.02.0077; Relator: Maurício Godinho Delgado; Julgamento em 07/08/2012)

Note-se que o conceito de cláusulas sociais é dado de forma negativa: é cláusula social toda aquela em que não haja discussão de fundo (conteúdo) econômico.

Certo é que a vedação de aumento de despesas por meio da negociação coletiva é medida justa para evitar o caos jurídico, social e estatal, de acordo com a concepção política atualmente adotada pelo legislativo brasileiro. Entretanto, nenhuma manifestação doutrinária ou jurisprudencial existe para dizer se, para redução de despesas, nos casos previstos pela Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a negociação seria, também, aplicável.

Note-se que o estabelecimento de acordo ou convenção coletiva para redução de despesas também não encontra vedação no artigo 61, §1º, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, eis que ele somente trata de hipóteses de aumento de despesa.

Ante a hipótese expressa do inciso VI do artigo 7º da Constituição, não há dúvidas que existe esta possibilidade, uma vez que inexiste vedação legal para ela. Além disso, tal possibilidade é condizente com o melhor interesse público e seria, portanto, uma alternativa às condições drásticas impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Certo é que esta redução salarial ocorreria provisoriamente, em razão de situação de excepcional interesse público. Isto porque é consagrado no Direito pátrio o princípio da irredutibilidade salarial. Neste sentido, o Tribunal Superior do Trabalho:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR. DIFERENÇAS SALARIAIS. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. NORMA COLETIVA. Privilegia-se na Constituição Federal a instituição de condições de trabalho mediante negociações coletivas. Diante disso, a Justiça do Trabalho tem primado por incentivá-las e garantir-lhes o cumprimento, desde que devidamente formalizadas. Sendo, pois, um instrumento do qual as partes podem se valer para regulamentar as relações de trabalho, a norma inserida em convenção ou acordo coletivo de trabalho deve prevalecer, com respaldo na Constituição Federal. Nesse particular, a Corte regional, soberana na análise do conjunto fático-probatório, registrou a existência de norma coletiva que, excepcionalmente, permite a redução da remuneração mensal ou da carga horária do professor tão somente nas hipóteses previstas na mesma norma, quais sejam, por acordo das partes ou por redução do número de turmas por queda ou ausência de matrículas, e ainda assim essa possibilidade depende da homologação do sindicato profissional ou das entidades competentes para homologar rescisões. Assim, concluiu que a norma coletiva foi violada, sendo devidas as diferenças salariais pleiteadas, tendo em vista que esse requisito normativo não foi observado. Logo, para que esta Corte superior conclua de forma diversa, seria necessário o reexame dos fatos e da prova, inviável, em face do preconizado na Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento”. (PROCESSO Nº TST-AIRR-266-23.2010.5.03.0003; Rel. Kátia Magalhães Arruda; Julgamento em 01/06/2011)

Em que pese a autoridade da Lei Complementar 101/2000, a qual parece prever medida que necessariamente deverá ser tomada pelo ente público cujas despesas estão excedentes, nas hipóteses legais, a aplicação do acordo e convenção coletiva poderá ocorrer se, fundamentadamente a autoridade pública demonstrar que ela melhor atende aos interesses do Estado.

Esta medida não feriria o princípio da legalidade, eis que autorizada pela Constituição Federal.

O princípio da legalidade é a diretriz que deve informar todos os atos da Administração Pública. Ele dispõe que todas as atividades administrativas devem ser praticadas no estrito cumprimento da lei. Estabelecendo paralelo com o Direito Privado, pode-se dizer que enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que não está vedado por lei, a Administração Pública somente pode atuar nos seus limites estritos.

Sobre o princípio da legalidade trata bem José dos Santos Carvalho Filho[7]:

“Não custa lembrar, por último, que na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela autoridade legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei”.

O que ocorreria, neste caso, seria a utilização, pelo agente público, da discricionariedade que lhe é concedida no exercício de suas atribuições para escolher entre a hipótese legal prevista na Lei Complementar 101 (Lei de Responsabilidade Fiscal) ou entre a possibilidade de negociação prevista na Constituição Federal, nos artigos 7º, inciso VI cumulado com o artigo 39, inciso II.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Nayana Guimarães S.. Servidores públicos e o excesso de gastos na administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4347, 27 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33196. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Este artigo é fruto do projeto de pesquisa “Servidores Públicos e o excesso de gastos na Administração Pública”, integrante do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal de Ouro Preto (PIP-UFOP). O trabalho de pesquisa foi desenvolvido durante os meses de julho de 2012 e julho de 2013 sob orientação e co-orientação, respectivamente, dos docentes Fabiano César Rebuzzi Guzzo e Fernando Guilhon de Castro.

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