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O dever de sigilo do advogado e a nova lei de lavagem de dinheiro

03/12/2014 às 15:22
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O advogado que exerce as funções típicas e privativas de advocacia expressas no art. 1º da Lei nº 8.906/1994 está exonerado das obrigações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro. No entanto, aquele que atua em outra área e presta consultoria distinta da jurídica, tem os deveres impostos pela Lei nº 9.613/98, no artigo 9º, XIV.

O crime em discussão, de lavagem de dinheiro, exige a interação entre 3 (três) subsistemas: o de prevenção, composto pelos denominados ¨sujeitos obrigados¨ e pelos órgãos de inteligência financeira, especialmente o Conselho de Atividades Financeiras (COAF); o de repressão ou persecução, integrado pelo Ministério Público e pela Polícia; e o de recuperação de ativos, onde se acentua a participação do Ministério Público e de órgãos do Poder Executivo, em que exemplifico o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).

Sem o trabalho conjunto desses órgãos, sem a coordenação entre os intermediários econômicos e financeiros e o Estado, não se pode fazer funcionar nem a prevenção nem a repressão à lavagem de dinheiro, diante dos prejuízos que esse crime traz à economia e ao sistema financeiro.

É o que se lê da redação dada ao artigo 9º da Lei, onde se vê um maior leque de pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pelas informações no que concerne as obrigações identificadas nos artigos 10 e 11, que tenham em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não :

I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Da leitura do parágrafo único, sujeitam-se às mesmas obrigações:

I –as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;

III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;

IV -as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;

V -as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);

VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;

IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;

X - as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;

X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades;

XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

XIII - as juntas comerciais e os registros públicos; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)

XV -pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

Como pena, às pessoas referidas no artigo 9º da lei, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas serão aplicadas, de forma cumulativa ou não, pelas autoridades competentes sanções como advertência, multa pecuniária, inabilitação temporária pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas indicadas (artigo 12, III), a cassação ou suspensão da autorização para o exercício da atividade, operação ou funcionamento. Salta aos olhos o valor da multa de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) inserida no artigo 12, II, ¨c¨, da lei, na hipótese de dolo ou culpa. De toda forma, é caso de lembrar que o direito ao contraditório, deve ser respeitado e que as sanções sejam aplicadas na devida proporcionalidade, a cada caso. De toda sorte, uma multa de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) pode inviabilizar uma empresa, asfixiando-a para suas atividades, o que pode tornar a sanção fora dos limites do necessário e dos quadrantes meio e fim, que devem limitar a proporcionalidade das intervenções do Estado na iniciativa privada. Proíbe-se o excesso.

A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no artigo 9º da Lei agirem por dolo ou culpa, seja ao deixar de sanar as irregularidades objeto de advertência, no prazo estabelecido, seja ao não cumprirem o disposto nos incisos I a IV do artigo 10 da Lei, seja ao deixarem de atender, no prazo estabelecido, a requisição formulada nos termos do artigo 10, inciso V (atender as requisições formuladas pelo COAF na periodicidade e formas por ele estabelecidas), descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o artigo 11 da Lei, uma vez que as transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos e prazos e condições fixados pela autoridade monetária, o Banco Central do Brasil.

A pena de advertência, a menos grave das sanções, será aplicada às pessoas referidas no artigo 9º, por irregularidade no descumprimento das instruções referidas nos incisos I e II do artigo 10, ou seja: identificação dos clientes e manutenção de cadastro atualizado; registro de todas as transações em moeda nacional e estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de créditos, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar o limite fixado pela autoridade competente.

Por sua vez, a inabilitação temporária será aplicada quando verificados fatos graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes da Lei ou quando ocorrer reincidência específica, pelo prazo de até 10 (dez) anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas referidas no artigo 9º.

Reforça-se a importância do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei, sem prejuízo da competência de instituições como o Banco Central (autoridade bancária), da Receita Federal do Brasil, em assuntos tributários, que conservará os dados fiscais dos contribuintes pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao da declaração da renda respectiva ou ao do pagamento do tributo, levando em conta o conceito de decadência tributária.

Mais razoável o texto da lei, pois o projeto, no artigo 17–E, determinava que a Receita Federal conservasse os dados fiscais de todos os contribuintes brasileiros pelo prazo mínimo de 20 (vinte) anos, bem além dos prazos delineados no Código Tributário Nacional, Lei materialmente complementar, contados a partir do início do exercício seguinte ao da apresentação da declaração de renda ¨ou do pagamento do tributo¨.

O artigo 16 da Lei determina a composição do órgão por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, designados pelo Ministro da Fazenda, abrangendo agentes públicos do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobilários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal, de órgão de inteligência do Poder Executivo do Departamento de Polícia Federal, do Ministério das Relações Exteriores e da Controladoria-Geral da União, atendendo à indicação dos respectivos Ministros de Estado.

Caberá ainda ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate á ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.

Para isso o COAF poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas e ainda comunicar às autoridades competentes tais fatos visando a instauração de procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos em lei. Não se trata de quebra de sigilo bancário, mas de formação de banco de dados de pessoas envolvidas em operações suspeitas, matéria que exige aplicação de discricionariedade administrativa, onde, na hipótese de oportunidade e conveniência, a Administração, sem fugir dos limites legais e na devida proporcionalidade, agirá a bem do interesse da sociedade. Na palavra da Ministra Ellen Gracie, como consta de voto no RE 389808, julgado em 24 de novembro de 2010, necessário fazer distinção entre quebra de sigilo e transferência de sigilo, que passa dos bancos ao Conselho. O dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem ainda protegidos agora pelo sigilo a ser mantido pelo COAF.

O Presidente do Conselho será nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro de Estado da Fazenda.

Das decisões colegiadas proferidas pelo COAF relativas à aplicação de penas administrativas caberá recurso ao Ministro de Estado da Fazenda (artigo 16, § 2º). De suas decisões poderá caber mandado de segurança a ser ajuizado perante o Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, b, da Constituição Federal), sempre diante de direito liquido e certo e ilegalidade que vier a ser cometida.

Vem a pergunta: Seria inconstitucional a Lei de Lavagem de Dinheiro, na parte que determina a profissionais da advocacia enviar informações ao COAFI sobre valores que envolvem operações de clientes, face a defesa que façam de seus interesses ou ainda serviços de consultoria jurídica?

O sigilo da esfera da intimidade é direito constitucionalmente garantido (artigo 5º, X, da CF), consistindo, na lição de Ada Pellegrini Grinover[1], o “direito ao segredo ou à reserva, integrante da categoria dos direitos à personalidade”.

Diverso é o segredo profissional que é o silêncio legalmente obrigatório sobre fatos ou circunstâncias sabidos em razão da profissão e cuja revelação pode acarretar desconceito ou qualquer outro dano moral, como disse Aureliano Coutinho.[2]

É sabido que classes profissionais, como a dos advogados, podem apresentar suscitações de inconstitucionalidade da lei, na medida em que haveria afronta do dever de segredo de suas relações com o cliente, que deve pautar sua conduta profissional, pois esse sigilo seria inviolável.

Esse dever de sigilo não é absoluto.

Sabemos que a advocacia no Brasil é uma garantia constitucional, a teor do artigo 133 da Constituição, onde se prevê a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça. Para assegurar tal dispositivo, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante, entre os direitos do advogado, a inviolabilidade profissional, visando, sobretudo, o sigilo dos dados dos clientes.

A inviolabilidade abrange a imunidade profissional, a proteção ao sigilo profissional e a proteção aos meios de trabalho.

O sigilo profissional é um dever deontológico do profissional do direito que está relacionado com a ética da profissão, abrangendo a obrigação de se manter segredo sobre tudo que o profissional venha a tomar conhecimento. Isso porque a relação do advogado com seu cliente se pauta na confiança.

A par disso, a Constituição deve ser vista dentro de uma unidade.

Penso que essa disposição constitucional deve ser objeto de aplicação do principio da concordância prática com relação aos princípios da garantia da propriedade, do consumidor e outros, como a garantia da ordem econômica, que são objeto jurídico da presente lei em discussão. A par disso, o interesse público está acima de certos segredos que devem ser revelados, principalmente quando acobertam atividades ilícitas.

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De toda sorte, os bens jurídicos, constitucionalmente protegidos, devem ser coordenados com vistas à resolução dos problemas concretos. Isso é o que persegue o princípio da concordância prática que se soma a demais princípios como o da unidade (vez que as normas constitucionais podem ser interpretadas em conjunto, para evitar contradições com outras normas da própria Constituição); do critério da correção funcional, quando a Constituição regula as funções estatais, bem como os agentes do Estado, o intérprete não deverá exceder as prescrições voltadas para esse sentido, a fim de evitar agressões a letra; a força normativa da Constituição, pela qual a norma maior, para manter-se atualizada, deve ser interpretada no sentido de tornar sempre atual os seus preceptivos, os quais devem acompanhar as condições reais dominantes numa determinada situação.

Estando o intérprete perante 2 (dois) direitos fundamentais, não restringíveis constitucionalmente por lei, em conflito, deve-se utilizar do método da concordância prática. O principio da concordância prática, divulgado por HESSE[3], na visão da harmonização, determina que na colisão entre bens, que deve ser solucionada diante do caso concreto, torna-se imprescindível, dentro da unidade da Constituição, dentro da ótica da otimização, a aplicação do critério de proporcionalidade, de balanceamento.

O princípio da concordância prática consiste numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarreta a negação de nenhum.[4]

Não se está negando a garantia que tem o advogado do sigilo de suas informações. Estabelece-se, ao contrário, um dever de transferência desse sigilo do profissional do direito para a entidade pública responsável por sua recepção em nome da supremacia do interesse público.

Mas esse interesse público seria visto de forma absoluta?

Nessa linha de pensamento, trago a lição de BINENBOJM[5] quando diz que as prerrogativas da Administração vistas como desequiparações entre o Poder Público e os particulares, não podem ser justificadas à luz de uma regra de prevalência apriorística e absoluta dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais.

Afigura-se como legítimo entender que as hipóteses de tratamento diferenciado conferido pelo Poder Público em relação aos particulares devem obedecer aos rígidos critérios estabelecidos pela lógica do princípio constitucional da igualdade.

Para que um privilégio estabelecido em favor da Administração Pública seja constitucionalmente legítimo, será necessário que:

  • a) a discriminação criada em desfavor dos particulares seja apta a viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins que lhe foram conferidos pela Constituição e pela Lei;

  • b) a extensão da discriminação criada em desfavor dos particulares deve observar o limite do estritamente necessário e exigível para viabilizar o compromisso que a Constituição e a Lei dão ao Estado para o caso;

  • c) o grau de medida de sacrifício imposto à isonomia deve ser compensado pela importância da utilidade gerada em termos de beneficio para a sociedade.

Ou seja: se a medida traz, apesar dos sacrifícios a certa classe de particulares, um benefício para toda a sociedade, deve se ela aceita.

No direito econômico, as decisões administrativas devem procurar compatibilizar o direito do que exerce uma atividade profissional e os interesses difusos da sociedade na preservação do seu direito a propriedade e aos direitos do consumidor.

A medida, pois, adotada na nova Lei de Lavagem do dinheiro é um meio adequado para a promoção de um fim, a proteção do mercado, numa devida ponderação. Não se está, de forma alguma, tolhendo a prática de uma garantia constitucional, que é o exercício da advocacia; não se está quebrando um sigilo que deve haver entre o profissional e o cliente. Estamos diante de uma transferência de informações sigilosas, que deve ser feita na realização de fins constitucionalmente protegidos, em nome de toda a sociedade, observado o principio da igualdade.

Nesse caminho a Lei em discussão não é inconstitucional nessa parte.

O que se proíbe é a revelação ilegal que tenha móvel numa ação dolosa do profissional[6]. Nessa linha, trago à colação o entendimento de HUNGRIA[7], de que a regra é a possibilidade de requisição, pois o sigilo profissional não é absoluto. Isso porque há interesses jurídicos que superam o dever de sigilo, assim como o interesse público deve estar acima de certos segredos, que podem ser revelados.

Mas essa informação não poderá inibir o direito de defesa, afetando ao contraditório. Daí porque necessário analisar que espécie será de intervenção do advogado.

Isso porque a nova redação do artigo 9º, parágrafo único, inciso XIV, e alíneas, da Lei nº 9.613, deixa clara a incidência das obrigações de compliance somente a algumas atividades relativas à advocacia de operações, que se caracterizam “como aqueles que colaboram materialmente para consolidar operações financeiras, comerciais, tributárias ou similares, sem que essa atividade tenha relação direta com um litígio ou um processo”.

Nesse raciocínio, a lei antilavagem não alcança a advocacia vinculada à administração da justiça, porque, do contrário, se estaria atingindo o núcleo essencial dos princípios contraditório e da ampla defesa, garantias fundamentais.

Entende-se que o sigilo profissional seja assegurado ao advogado no âmbito do processo administrativo, das atividades de consulta preventivas de litígio e da arbitragem, sempre com vistas à preservação de tais princípios, como assegurou o Ministério Público em parecer nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.84, que foi ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais.

Na matéria, há a Recomendação 23 do GAFI cuja nota interpretativa esclarece os parâmetros dessa obrigação: a de que os advogados e outros consultores jurídicos independentes, como contadores, notários e outros profissionais liberais não estarão sujeitos ao dever de reportar operações sujeitas se a informação for obtida em circunstâncias nas quais eles estejam obrigados a manter sigilo profissional.

Mas o GAFI deixou a critério de cada País determinar quando uma questão estará abrigada pelo sigilo profissional. É certo que normalmente tal ocorre quando esses profissionais forem procurados pelos clientes para o exame de sua situação jurídica, ou quando estiverem a defender ou representar o cliente num processo judicial, administrativo, de arbitragem ou de mediação.

É certo que a doutrina, do que se lê de Gustavo Henrique Badaró e Piepaolo Cruz Bottini[8] apresenta uma classificação das atividades de advocacia em quatro grupos: a) advogados togados, que são aqueles que representam clientes em contencioso judicial ou extrajudicial; b) advogados de consultoria jurídica para litígios, que prestam consultoria ou proferem pareceres voltados especificamente a litígios judiciais atuais ou futuros; c) advogados de consultoria ou assessoria jurídica estrita, que analisam a situação jurídica do cliente ou da operação por ele pretendida, limitando-se à análise ou aconselhamento jurídico, sem relação direta com o litígio; d) profissionais de consultoria ou operação extrajurídica caracterizados como aqueles que assessoram ou colaboram materialmente para operações financeiras, comerciais, tributárias ou similares, sem que tal se limite à análise jurídica (advogado mandatário para atividades extraprocessuais, gestor de fundos, analista financeiro, contador).

Nessa linha de argumentação, Raúl Cervini e Gabriel Adriasola[9] entendem que o advogado togado não está obrigado a comunicar atos suspeitos de lavagem de dinheiro. Nesse entendimento se traz a conclusão de que a representação de alguém em juízo é a concretização de um direito de defesa, e só pode ser praticada uma vez presente a mais absoluta relação de confiança e transferência entre advogados e cliente.

Discute-se o caso da consultoria ou assessoria jurídica voltada para a análise da situação jurídica do cliente em processo judicial ou administrativo atual ou futuro. Ora, há o entendimento de que essa atividade também tem relação íntima com o direito à defesa. Trata-se de oferecimento de informações para desenvolvimento de estratégia processual ou ainda para a delimitação do contexto jurídico no qual se desenvolva uma certa operação. O oferecimento de tais informações iria inibir a defesa.

No terceiro caso, quando o advogado que presta aconselhamento jurídico a cliente para estruturações fiscais, dá aconselhamento jurídico a cliente para estruturações fiscais, operações societárias, gestão de fundos e outros similares, sem que exista um litígio em curso. Será caso de dever de comunicar atos suspeitos praticados pelo cliente uma vez que não se está diante de um direito de defesa.

Falam ainda Badaró e Bottini[10] numa distinção entre consultoria voltada para um litígio específico e a consultoria estrita (sem vinculação a um processo). No caso, em relação à última incidiria a obrigação de comunicar atos suspeitos de lavagem, uma vez que tal assessoria pode estar entre aquelas previstas nas alíneas do inciso XIV do artigo 9º da nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Aquele que presta assessoria jurídica em operações de compra e venda de imóveis (artigo 9º, XIV, a, da Lei nº 9.613/98), indicando o uso de uma offshore como melhor forma para reduzir a incidência de tributos em caso de sucessão, ou aquele que sugere a criação de fundos em determinado pais dada a inexistência de leis de cooperação internacional na seara fiscal, deveria comunicar às autoridades públicas caso venha a identificar que tal operação será usada para ocultação de bens de origem ilícita. Para eles, estudando o artigo 1º do Estatuto da Advocacia, que estabelece as atribuições sobre as quais incide aquele texto legal, dentre elas as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, devem ser respeitadas a confidencialidade de todas as comunicações e consultas feitas entre os advogados e seus clientes no âmbito de relações profissionais. Nessa interpretação “o advogado não poderia ser um policial encoberto sob o manto da relação profissional”. Por fim, a ideia que é trazida por aqueles autores, é de que aquele que presta consultoria jurídica de qualquer espécie parece exonerado do dever de comunicar previsto na Lei de Lavagem de Dinheiro.

Mas se o advogado vai além daquelas tarefas previstas em lei especifica, ou seja, o causídico age como administrador de bens, mandatário para representação não processual, como gestor de negócios, ou presta consultoria em questão não jurídica incidem os deveres previstos nos artigos 10 e 11 da Lei nº 9.613/98, uma vez que essas atividades extrapolam o âmbito daquelas atividades previstas no Estatuto da Advocacia.

Em síntese: o advogado que exerce as funções típicas e privativas de advocacia expressas no art.1º da Lei nº 8.906/1994 (postulação judicial, consultoria e direção jurídicas) está exonerado das obrigações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro. No entanto, aquele que atua em outra área e presta consultoria distinta da jurídica, tem os deveres impostos pela Lei nº 9.613/98, no artigo 9º, XIV.

Mas o advogado deve ser abster de contribuir com os atos ilícitos de lavagem de dinheiro. Bem orientado pela doutrina que o advogado, prestando consultoria jurídica, indicar ao cliente a criação de uma offshore para aquisição de um imóvel, ou apontando país mais propício para envio de ativos para minimizar a incidência de tributos, ao tomar ciência de que o cliente usará sua orientação para ocultar capitais ilícitos, deve abster-se da orientação, sob pena de ser responsabilizado como cúmplice, bem como ser punido, de forma disciplinar, pela OAB por “prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de atos contrários à lei ou destinados a fraudá-la”.

Se o advogado tiver ciência de que sua atividade será usada para meios ilícitos, deve abster-se de colaborar com o cliente sob as penas das sanções da lei. Mas se o advogado suspeita do cliente ou da operação, agindo em casos que se afiguram como dolo eventual? A questão merece reflexão caso a caso, de sorte a evitar conclusões precipitadas. Mas há quem exija dolo direto na conduta para essas situações, como Cervini e Adriasola.[11]

Se o advogado somente toma ciência, a posteriori, do uso ilícito pelo cliente de sua orientação jurídica não incidirá em responsabilidade.


Notas

[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e processo penal, RT, 2ª edição, pág. 69 e 77.

[2] Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, volume III.

[3] HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional, 1983, pág. 49, e ainda Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20ª edição, alemã, de Luís Afonso Heck, Porto Alegre, S. Fabris, 1998, pág. 66.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 107.

[5] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo, São Paulo, Renovar, 2ª edição, pág. 114.

[6] RT, 515:316.

[7] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Forense, 1945, volume VI, n. 184, pág. 246.

[8] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro, São Paulo, RT, 2ª edição, pág. 138;

[9] CEERVINI, RAÚL; ADRIASOLA, Gabriel. Responsabilidade penal dos profissionais jurídicos, São Paulo, RT.

[10] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro, São Paulo, RT, 2ª edição, pág. 141.

[11] CEERVINI, RAÚL; ADRIASOLA, Gabriel. Responsabilidade penal dos profissionais jurídicos, São Paulo, RT, 2013.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O dever de sigilo do advogado e a nova lei de lavagem de dinheiro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4172, 3 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33834. Acesso em: 17 nov. 2024.

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