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Apontamentos sobre as novas tendências no controle de constitucionalidade no Brasil

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06/05/2016 às 15:11
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Analisa-se a repercussão geral, a súmula vinculante, o art. 52, X, da CF e o trâmite do processo de controle de constitucionalidade com a aplicação do art. 97 da CF, fazendo um apanhado da evolução dos últimos anos.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é analisar alguns aspectos da evolução do controle de constitucionalidade no Brasil na última década.

Entendimentos jurisprudenciais e alterações legislativas ocorridas nos últimos 10 anos apontam para a existência de uma tendência de se introduzir elementos do processo objetivo no controle concreto, aproximando-o do controle abstrato. Daí a o uso do termo “objetivação” do controle concreto em referência ao uso de elementos do processo objetivo em processos nos quais as questões constitucionais são discutidas em um contexto subjetivo, regido por regras processuais comuns. Assim, o que antes eram características próprias do controle abstrato agora também podem ser observadas no controle concreto.

Assim, serão analisadas questões que envolvem repercussão geral, súmula vinculante, o art. 52, X, da CF e o trâmite do processo de controle de constitucionalidade com a aplicação do art. 97 da CF.


1. O ART. 52, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DEPOIS DO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO 4335 E SUA INCOMPATIBILIDADE COM A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO.

O controle de constitucionalidade no Brasil não se limita apenas ao binômio constitucionalidade versus inconstitucionalidade. Em uma posição intermediária, com o intuito de preservar a lei no ordenamento jurídico, foram criadas as técnicas de interpretação conforme à Constituição e de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, expressamente previstas na Lei 9.868/99.

Essas duas técnicas evitam que uma lei seja declarada inconstitucional quando existe a possibilidade de ela ser mantida com a ressalva de que determinada hipótese de incidência ou forma de interpretação da lei não são incompatíveis com a Constituição[1]. Embora a interpretação conforme e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto sejam técnicas muito parecidas especialmente quanto ao resultado prático, o Min. Gilmar Mendes aponta com propriedade a diferencia tênue que as distingue:

Enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente , a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinada hipótese de aplicação (Anwendungsfãlle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto lega.l[2]

Outra diferença apontada por André Ramos Tavares é a de que a interpretação conforme, no controle incidental, não exige que a questão seja submetida ao pleno ou ao órgão especial dos tribunais. Ou seja, nesse ponto, as duas técnicas só se confundiriam no controle concentrado.[3]

O art. 52, X, da Constituição Federal atribui ao Senado o papel de suspender a eficácia de uma lei declarada inconstitucional pelo STF em casos concretos. Essa foi a forma encontrada para dar eficácia erga omnes às decisões proferidas em controle difuso, quando o Supremo declara a inconstitucionalidade de uma lei no julgamento de recursos extraordinários. O Min. Gilmar Mendes resume o instituto da seguinte forma:

Cuida-se de ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal proferida em caso concreto. Não se obriga o Senado Federal a expedir o ato de suspensão, não configurando eventual omissão qualquer infringência a princípio de ordem constitucional. Não pode a alta Casa do Congresso, todavia, restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pela Excelsa Corte.[4]

Trata-se da reprodução de uma criação do constituinte de 1934 que foi mantida até a atualidade. Evidentemente que, em razão da evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, essa atribuição que foi dada ao Senado já se mostra obsoleta[5]. A importância que o controle concentrado veio adquirindo com o passar dos anos é uma das principais causas, sobretudo pela viabilidade prática de se obter uma decisão já com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Inclusive, questiona-se a razão em si desse diferencial quanto à amplitude das decisões de declaração de inconstitucionalidade em controle difuso e em controle abstrato se, de qualquer forma, é o STF quem detém a última palavra em questões constitucionais.

A problemática que se põe também envolve a adequação das técnicas de interpretação conforme à Constituição e de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto com o art. 52, X, da CF/88.

O papel do Senado em ampliar os efeitos de decisões proferidas em controle difuso apenas se apresenta cabível na hipótese de o STF declarar uma lei inconstitucional, pois a resolução é o ato formal que retira a lei do ordenamento jurídico. Se o Supremo não declara a inconstitucionalidade, mas aplica a técnica de interpretação conforme por esta se mostrar a mais adequada à situação, a finalidade desse método é de apontar as formas de interpretação compatíveis com a Constituição e assim preservá-la, ou seja, não é necessária a declaração e nulidade e, por isso, o Senado não está autorizado a atuar. Dessa forma, não existiria a possibilidade de se atribuir efeitos gerais a uma decisão proferida em controle inter partes quando Supremo se limita a fixar a orientação constitucionalmente adequada, o que deixa o tema aberto para várias controvérsias.[6]

Assim, a obsolência do art. 52, X, da CF também se reflete na impossibilidade de se atribuir eficácia erga omnes a uma decisão que aplica a interpretação conforme e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto no caso concreto. Por isso é que se esperava em breve uma tomada de posição do STF para corrigir essa distorção e determinar a existência de efeitos amplos em quaisquer decisões proferidas em controle difuso, dando-se ao Senado apenas a função de dar publicidade, o que finalmente ocorreu com a conclusão do julgamento da Reclamação 4335, mas não com o resultado esperado.

No dia 20 de março de 2014, o plenário do STF concluiu o julgamento da Reclamação 4335. A ação tinha como objeto o questionamento de decisão de primeiro grau que havia negado a condenados por crimes hediondos o direito à progressão de regime, matéria que já havia sido decidida favoravelmente pelo STF no Habeas Corpus 82959, em 2006, quando foi declarado inconstitucional o §1o do art. 2o da Lei 8.072/90.

Por se tratar de uma declaração de inconstitucionalidade em controle incidental, a princípio, o efeito de uma decisão em HC seria apenas inter partes, com possibilidade de se ampliar apenas através do art. 52, X, da CF. Por isso, com o julgamento dessa reclamação, o STF tinha finalmente a chance de se pronunciar sobre a possibilidade de se atribuir efeitos vinculantes intrínsecos a decisões proferidas em controle concreto de constitucionalidade.

Por maioria, os ministros conheceram a reclamação e a julgaram procedente quanto ao mérito, para reconhecer o direito à progressão de regime dos autores. Todavia, prevaleceram os fundamentos do voto-vista do Ministro Teori Zavascki, que acolheu a reclamação especificamente por violação à súmula vinculante 26 do STF. Mesmo que a referida súmula tenha sido editada apenas durante o trâmite da reclamação, trata-se de fato superveniente que deve ser observado por ter natureza processual (art. 462 do CPC). 

Embora o Ministro Teori Zavascki reconheça a força expansiva das decisões do STF quando tomadas em controvérsias de índole individual, ele afirma que isso só se tornou possível a partir dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante. Nesses casos, o papel do Senado (art. 52, X, da CF) se tornou secundário. Assim, a reclamação acabou sendo salva pela SV 26, pois se fosse unicamente por desrespeito à decisão proferida no HC 82959, o resultado teria sido pelo não conhecimento.

Ou seja, o pedido foi acolhido, mas com fundamento diverso do que se esperava. Se prevalecesse o entendimento difundido pelo relator, o Ministro Gilmar Mendes, o art. 52, X, da CF, passaria a ter mera função de publicidade, pois a força vinculante seria uma decorrência natural de um julgamento proferido pelo STF em controle de constitucionalidade, não importa a forma. Essa foi uma oportunidade que o STF teve de sedimentar a teoria da abstrativização do controle difuso, mas a decisão foi mais prática do que teórica. Isso porque o voto do Ministro Teori Zavascki traz a preocupação de se evitar que o STF se transforme em uma “verdadeira corte executiva”, o que ocorreria se fossem admitidas reclamações para todo e qualquer descumprimento de decisão proferida pelo Supremo.

O voto do Ministro Teori Zavascki foi acompanhado pelos Ministros Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Votaram no mesmo sentido, mas com fundamento da ofensa à decisão do HC 82.959, apenas os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau. Pelo não conhecimento, manifestaram-se os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Assim, o placar final foi de 6 a 4.

Trata-se de um julgamento de extrema relevância para a história do controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro. Embora o resultado não tenha sido compatível com a expectativa que se tinha sobre o caso, existirão outras oportunidades para o STF concluir esse longo processo de modernização do controle de constitucionalidade no Brasil.


2. A CONSTITUCIONALIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL E DA SÚMULA VINCULANTE

A Repercussão Geral e a Súmula Vinculante foram criadas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2006, e estão previstas respectivamente nos artigos 102, inciso III, parágrafo 3º e 103-A da Constituição Federal. Como a aplicação de ambos os mecanismos dependia de regulamentação por lei ordinária, em 19 de dezembro de 2006, foi publicada a Lei nº 11.417, que disciplinou o instituto da Súmula Vinculante, e a Lei nº 11.418, que estabeleceu a disciplina normativa sobre a Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários.

Tanto a Súmula Vinculante quanto a Repercussão Geral foram criadas dentro do pacote da reforma do Poder Judiciário, a qual ganhou corpo através da Emenda Constitucional nº 45. Um dos objetivos da reforma era criar instrumentos capazes de conferir mais celeridade ao trâmite processual. Nessa linha, a Súmula Vinculante foi idealizada para solucionar de forma rápida e uniforme questões pacíficas no âmbito do STF, e a Repercussão Geral, para limitar a apreciação dos Recursos Extraordinários apenas a questões de relevância nacional.

De acordo com André Ramos Tavares[7], a discussão acerca da Súmula Vinculante pressupõe a consideração dos dois grandes modelos de sistemas jurídicos: o da Common Law (modelo jurisprudencial) e o da Civil Law (modelo codificado). A diferença inicial entre os dois modelos tem diminuído com o surgimento de mecanismos como a Súmula Vinculante no Brasil, que é oriunda de reiteradas decisões idênticas sobre um mesmo assunto, o que é muito parecido com chamado precedente (stare decisis), característico da Commom Law. Em última análise, a Súmula Vinculante acaba por inserir no modelo codificado, baseado essencialmente na lei, um mecanismo ligado ao caso concreto e que privilegia a decisão judicial.

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Apesar da novidade do instituto, nem a súmula, nem o efeito vinculante são desconhecidos do Direito Brasileiro, como bem destaca André Ramos Tavares[8]. As súmulas sempre foram compreendidas “para sedimentação de orientações adotadas topicamente pelos Tribunais em decisões diversas (jurisprudência compendiada). É, em essência, essa a idéia que será resgata pela Súmula Vinculante na Reforma do Judiciário (EC 45/04)”. Já o efeito vinculante existe no Brasil desde 1993, com a criação da ação declaratória de constitucionalidade. Assim, o papel da Súmula Vinculante é tornar obrigatória a adoção, por parte do Judiciário e da Administração Pública, de entendimento pacífico do STF em matéria constitucional.

A Repercussão Geral acrescenta ao Recurso Extraordinário mais um requisito de admissibilidade. A Lei nº 11.418/2006 reconhece a presença de Repercussão Geral em casos que tratam sobre questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Ademais, de acordo com Alexandre de Moraes, deve-se presumir a existência de Repercussão Geral sempre que o Recurso Extraordinário impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência do STF[9]. Essa exigência tem o claro objetivo de reduzir a quantidade de recursos no STF e, na opinião de Cândido Rangel Dinamarco, as razões também são de ordem política[10].

A Repercussão Geral foi inspirada no instituto norte-americano chamado Petition for Writ of Certiorari. Quando a parte não está satisfeita com a decisão proferida por uma Corte inferior, é previsto recurso à Suprema Corte, a qual só aceitará julgar o pedido se nele estiver contida questão de relevância nacional. A grande maioria dos casos submetidos à Suprema Corte tem o pedido de certiorari negado. Aproximadamente 7.500 recursos são protocolados a cada ano, mas apenas algo entre 80 e 150 são apreciados[11].

Nessa linha, a limitação da análise dos Recursos Extraordinários apenas nas hipóteses em que a matéria transcenda aos limites subjetivos da causa é mais uma tentativa de reafirmar as funções fundamentais do papel de Corte Constitucional do STF, através de uma seleção rigorosa dos casos que merecem a atenção dos Ministros, o que tem o objetivo principal de reduzir o volume de processos.

Embora a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante sejam recentes e ainda não tenham uma bagagem prática, já existem discussões acerca da constitucionalidade desses institutos. De início, apóia-se a constitucionalidade de ambos apenas por estarem previstos na Constituição. No entanto, o argumento é fraco, pois tanto a Súmula Vinculante quanto a Repercussão Geral foram inseridos no ordenamento através de Emenda Constitucional, o que por si só garante a possibilidade de controle de constitucionalidade. Em que pese a pertinência da discussão, não há fundamento para o ataque à Súmula Vinculante ou à Repercussão Geral por alegações de inconstitucionalidade.

Os que são contrários à Súmula Vinculante criticam a impossibilidade de se “condensar a essência das normas em proposições simples[12]” e, principalmente a ameaça à independência do juiz[13]. A respeito da vinculação a entendimentos simplificados e objetivados pelas súmulas, não se pode perder de vista que os comandos escritos são sempre passíveis de interpretação, o que não permite que a Súmula Vinculante escape de uma leitura subjetiva ou diversificada por parte dos juízes[14]. Esse mesmo argumento também serve à crítica em relação à diminuição da livre convicção dos magistrados. Ademais, não se deve cogitar de livre convicção como sinônimo de liberdade arbitrária do juiz, que quer ser livre para discordar de entendimentos já amplamente fixados sobre matérias constitucionais. Nas palavras de André Ramos Tavares, “só uma confusão entre referidos conceitos poderia conduzir ao posicionamento de oposição das súmulas”[15]. Também compartilha da mesma opinião Candido Rangel Dinamarco ao afirmar que não vê qualquer ameaça à liberdade do juiz, pois as súmulas são o acatamento a preceitos normativos postos na ordem jurídica nacional e são emanadas por um órgão expressamente autorizado pela Constituição[16].

Em relação à Repercussão geral, discute-se a restrição do direito a recurso, em razão da criação de mais um critério de admissibilidade dos Recursos Extraordinários. Entretanto, forçoso seria extrair disso alguma inconstitucionalidade. Primeiramente, porque a via recursal continuará existindo e, depois, porque o filtro criado com a exigência da Repercussão Geral atende aos clamores por uma Justiça mais célere (com a redução de processos) e mais eficaz (com a análise apenas de casos de relevância para a coletividade).

 Em linhas gerais, tendo em vista a finalidade de se promover a presteza na oferta do acesso à justiça e a garantia fundamental da duração razoável do processo (art. 5o, LXXVIII, da CF), não há nada mais constitucional do que a criação de instrumentos legais que contribuam para a racionalidade funcional da jurisdição constitucional.

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Sobre a autora
Clarissa Teixeira Paiva

Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal no Estado do Paraná. Atua no contencioso previdenciário. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Clarissa Teixeira. Apontamentos sobre as novas tendências no controle de constitucionalidade no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4692, 6 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34599. Acesso em: 19 mar. 2024.

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