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A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre

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2 MEDIDA DE SEGURANÇA

Neste capítulo, serão abordados os principais aspectos da Medida de Segurança: onde se abordará seu conceito, origem e evolução histórica, os requisitos, espécies, aplicação, seu modo de execução, extinção, bem como sua implicação na efetividade dos princípios fundamentais previstos no texto constitucional e na legislação penal.

2.1 Conceito de Medida de Segurança

O conceito de Medida de Segurança não está previsto expressamente no Código Penal Brasileiro, mas de acordo com os conceitos dispostos na doutrina, nota-se que reside uma divergência entre autores, eis que alguns defendem a tese de considerá-la como uma pena e outros a definem como uma forma de tratamento imposta aos inimputáveis e semi- imputáveis quando cometem tipos criminais.

Convém, assim, expor alguns conceitos formulados por autores sobre o tema.

Nos ensinamentos de Nucci (2011 apud Souza, 2011, p. 19) a medida de segurança é conceituada como:

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.

Para Adeildo Nunes (2009, p. 163):

A medida de segurança, diferentemente de como muitos pensam , é especificamente a imposição ao doente mental, por sentença transitada em julgado, de um tratamento psiquiátrico, seja na forma ambulatorial, seja na de internamento. Assim, a medida de segurança não é uma sanção penal, que tem em seu conteúdo uma repressão, mas tão somente uma medida eficaz de tratar o doente que praticou um fato descrito como crime, mas que não gozava das faculdades mentais quando realizou a conduta.

De acordo com Noronha (1987 apud Feitosa, 2011, p. 03):

Como a pena, é a medida de segurança sanção penal. Bem sabemos que esta concepção não é pacífica, mas ontologicamente, para nós, elas não apresentam distinção. São outras diferenças que as caracterizam, e de natureza quantitativa antes que de qualidade. Na pena prevalece o cunho repressivo, ao passo que na medida de segurança predomina o fim preventivo; porém, como já se fez sentir, a prevenção também não é estranha à pena.

Afirma Luiz Régis Prado (2010, p. 632):

As medidas de segurança são conseqüências jurídicas do delito, de caráter penal orientada por razões de prevenção especial. Consubstanciam-se na reação do ordenamento jurídico diante da periculosidade criminal revelada pelo delinquente após a prática de um delito. O objetivo primeiro da medida de segurança imposta é impedir que a pessoa sobre a qual atue volte a delinqüir a fim de que possa levar uma vida sem conflitos com a sociedade.

Nas lições de Hans Wezel (2003, p. 358):

[...] As medidas de segurança são uma proteção da comunidade frente a fatos penais futuros de pessoas perigosas (§42, a-n). A regulamentação introduzida pela lei de 24 de novembro de 1933, e que provém materialmente do projeto de 1930, segue o sistema dualista da separação de penas e medidas de segurança, com uma exceção limitada nos § 20, a, e 51, inciso 2 (vejam págs. 255 e 249). Este sistema foi desenvolvido em 1893 por Carl Stooss. Obtém-se a proteção da comunidade impedindo uma atividade delituosa futura de pessoas perigosas (medidas de segurança no sentido mais estrito), ou reeducando o autor para uma vida ordenada (medida de correção). As medidas de segurança, no sentido mais estrito, pertencem: a internação em um estabelecimento de cura e assistência; o internamento de segurança e a proibição de exercer uma profissão.

Então, adere-se à posição de que a medida de segurança deve ser encarada como uma sanção penal imposta pelo Estado àqueles indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis, isto é, aos indivíduos que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, eram, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapazes de entenderem o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, nos termos do artigo 26, 96 e 97 do referido Código Penal.

No entanto, não se pode olvidar o caráter preventivo dessa sanção, tendo em vista que se trata de indivíduo que possui doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que praticou um ilícito penal e que, dependendo do seu grau de periculosidade poderá reincidir, razão pela qual deve haver a custódia do agente.

Assim, o instituto penal da Medida de Segurança é um instrumento que tem por fim defender a sociedade por meio da cessação da periculosidade de agentes tidos como incapazes de compreender o caráter ilícito dos atos cometidos através da custódia dos mesmos, de modo que eles não voltem a delinquir.                           

O renomado autor Ribeiro (1998 apud Borelli, 2011, p. 57) entende que a medida de segurança tem como fim a remoção da periculosidade do indivíduo que representa risco, tanto com a remoção dele do meio social, por meio do tratamento dado ao mesmo.

Frisa-se que a periculosidade do agente é elemento essencial para a aplicação da medida, pois esta prevenirá que o autor do ato criminoso volte a causar danos à sociedade, tendo em vista que, enquanto for verificada a periculosidade, o mesmo permanecerá em regime de medida de segurança.

Convém ressaltar, que a referida medida tem como método a retirada daquele que praticou o ato ilícito do convívio social, como o fim de resguardar a sociedade de outros crimes semelhantes que possam ser praticados pelo incapaz, que como já dito, não tem o necessário discernimento. Essa é a razão pela qual a medida de segurança não é tida como uma pena, mas uma medida substitutiva, em que deve ser realizado um tratamento adequado àqueles incapazes de entender o caráter ilícito do ato cometido, ou seja, os inimputáveis (indivíduos incapazes de discernir o caráter delituoso do fato e de direcionar seu comportamento de acordo com essa compreensão) e os semi-imputáveis (indivíduos que possuem a compreensão do caráter ilícito do fato, mas não tem o poder de dominar seus impulsos).

Nessa seara, a medida de segurança é uma espécie de sanção aplicada somente aos incapazes mencionados anteriormente, pois estes têm a sua capacidade volitiva, perceptiva e intelectiva comprometidas por uma enfermidade mental.

Sendo assim, é imperioso o entendimento de que a medida de segurança não pode ser considerada senão como uma espécie de sanção penal, ou seja, uma punição aplicada pelo Estado, em virtude da execução de um fato tipificado como crime, no qual, apesar de existir a excludente de culpabilidade decorrente da inimputabilidade do agente, é configurada uma punição, visto que agente é privado de sua liberdade, ao ser mantido em um hospital de custódia e tratamento ou similar.

Contudo, é importante observar que a aplicação da medida é baseada no que futuramente o agente possa vir a causar, mesmo que incerto seus atos, o objetivo primordial é proteger a sociedade de alguma conduta delituosa que possa vir a ser praticada por ele, enquanto não for detectada a cessação de periculosidade, diferentemente da pena, em si, fundamentada em fatos já ocorridos e passíveis de considerações e subsunção ao tipo penal.

Por fim, o conceito de medida de segurança sofre variações dependendo da corrente a ser adotada, isto é, se a mesma é considerada uma forma de tratamento ou uma espécie do gênero sanção penal.

No entanto, é notável seu caráter retributivo-preventivo, pois ao aplicar a medida de segurança o Estado realiza o seu papel corretivo, ao aplicar a punição ao indivíduo incapaz que praticou algum dos tipos penais, de modo a ser configurada uma retribuição pelo ato cometido por ele e, ainda, desempenha uma ação de natureza preventiva, como já citada anteriormente, haja vista que almeja proteger a sociedade de uma pessoa que apresenta um grau de periculosidade, através da privação desta do convívio social.

2.2 Breve Histórico

Trata o presente tópico, de forma sucinta, do surgimento da medida de segurança, bem como sua evolução no mundo jurídico.

Conforme estudos realizados, a medida de segurança surgiu no Direito Romano. Segundo Ferrari (2011 apud Souza, 2011, p. 58), os romanos visavam retirar do convívio societário os chamados furiosi, doentes mentais. O Autor cita ainda, de início, que os furiosi eram os menores infratores e os ébrios habituais, com posterior acréscimo à lista dos doentes mentais.

Nas lições de Adeildo Nunes, não se pode determinar exatamente quando a medida de segurança passou a ser aplicada ao louco infrator, havendo apenas registro que no Direito Romano as “as medidas precautórias” eram aplicadas a menores e loucos que não podiam ser contidos por seus parentes.

Assim, no Direito Romano, as medidas preventivas eram aplicadas aos menores e aos “loucos”, tidos como inimputáveis. Nesta época, os menores de sete a doze anos eram submetidos “à verberatio”, e os loucos, que não pudessem ser contidos por suas famílias, eram aprisionados.

As medidas mais antigas aplicadas aos doentes mentais visavam recolhê-los em casas de custódias, assim evitando que oferecessem perigo à sociedade e viessem a reincidir em fatos criminosos.

A partir do século XVI, as medidas de correção passaram a ser aplicadas também aos ébrios habituais, vagabundos e mendigos, sendo que a pena de prisão se dava sob a forma de casas de trabalho e correção, o que demonstrava sua similaridade com as medidas preventivas.

Então, a medida de segurança inicialmente era destinada aos menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos, como um método preventivo às ações anti-sociais praticadas por estes sujeitos e para consagrá-la bastava que o destinatário representasse perigo para a sociedade.

Ensina Luiz Regis Prado (2010, p. 629) que:

Foi a Inglaterra o primeiro país a aplicar o tratamento psiquiátrico de criminosos doentes mentais, a partir do Criminal Lunatic Asylum act (1860)- que determinava o recolhimento de pessoas que praticassem algum delito, desde que penalmente irresponsáveis, a um asilo de internados- e do Trial of Lunatic Act (1883). Também foi nesse país que surgiu o primeiro manicômio judiciário, no ano de 1800, quando o rei Jorge II foi vítima de uma tentativa de homicídio praticada por um insano mental que, absolvido, foi internado por tempo indeterminado.

Ainda, de acordo com Luiz Regis Prado, na França, o Código Penal francês de 1810 submetia os insanos à segregação indefinida (art. 271), enquanto aos menores que tivessem agido sem discernimento reservava medidas tutelares de caráter educativo (art. 63). A partir de 1832, os mendigos e os vagabundos liberados da segregação eram colocados em vigilância especial da polícia, medida que inspirou outros códigos tais como o sardo, o toscano, e também o Código Italiano de 1889 (Código Zanardelli), que dispunha sobre medidas de segurança especificamente destinadas aos menores, aos ébrios habituais e reincidentes.

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Cabe destacar, que a Escola Positiva desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento das medidas de segurança, pois realizou um estudo especial acerca do infrator e a vítima e defendeu a individualização das penas.

Todavia, as medidas de segurança adquiriram a devida sistematização com o anteprojeto de Código Penal suíço, elaborado por Carl Stoss, no ano de 1893, que tratava a medida de segurança como conjunto ordenado de providências de natureza preventiva individual, contendo disposições sobre a internação dos reincidentes, no caso de substituição da sanção penal, e a internação facultativa em casa de trabalho e o asilo para ébrios, dentre outras medidas.

Embora o referido instituto penal tivesse sido citado nos Códigos Penais de Portugal (1896), da Noruega (1902) e da Argentina (1921), foi o Código da Itália, em 1930, que consagrou o primeiro sistema completo de medidas de segurança, no qual defendia a unificação das sanções penais que seriam empregadas conforme o critério de periculosidade do sujeito infrator. Ocorre que, esse projeto não vingou e coube a Arturo Rocco a criação de um novo Código Penal, que não pregava a unificação e estabelecia o sistema dualístico. Esse código inspirou a Legislação Penal brasileira de 1940.

No Brasil, no tocante à realidade histórica das medidas de segurança, as Ordenações Filipinas previam que não se poderia atribuir fato ilícito àquele que não poderia agir com dolo ou culpa, pois era considerado louco insensato ou doente.

Nesse sentido, o renomado autor Adeildo Nunes aduz que, no Brasil, até o século XVIII, o louco não era considerado ao nível patológico, mas sim vítima de uma divindade ou “possesso de uma malignidade satânica”, podendo até vagar pelas ruas ou, se possuísse recursos, ser tratado em domicílio ou enviado ao estrangeiro.

O Código Penal do Império (1830) ordenava que os loucos, ou deveriam ser entregues às suas famílias, ou internados nas casas destinadas para tal finalidade, e os menores de quatorze anos, que houvessem agido com discernimento, seriam recolhidos em casas de correção. Estabelecia também que os loucos não seriam julgados como criminosos, exceto se tivessem cometido o fato durante o intervalo de lucidez (art. 10, § 2). Além do mais, aludia em seu artigo 64 que os delinquentes condenados que se encontravam no estado de loucura não seriam punidos enquanto perdurasse esse estado.

Cumpre informar, que o surgimento dos hospitais psiquiátricos brasileiros ocorreu em 1852, com o chamado Hospício D. Pedro II. Durante as quatro primeiras décadas de existência de tais instituições, essas tinham por fim retirar os doentes mentais do convívio social.

O Código Penal de 1890 adotou o mesmo destino que se dava aos loucos, tal como o Código anterior (art. 29), porém não fez qualquer menção aos semi-imputáveis, incluindo-os, geralmente, entre aqueles que se encontravam completamente turbados de discernimento ao tempo do ato criminoso.

O Código Penal brasileiro de 1890 prescrevia em seu art. 29 que:

Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de afeccção mental serão entregues às suas famílias, ou recolhidos a hospitais de alienados, se o seu estado mental assim exigir para segurança do público. (BRASIL, 1890b).

No entanto, as medidas de segurança só adquiriram sistematização, no ano de 1927, através do anteprojeto de Vírgílio de Sá Pereira, onde houve referência à responsabilidade diminuída ou atenuada. Prescrevia para o semi-imputável o cumprimento cumulativo de pena e medida de segurança, o instituto também surgiu com o nome de “medidas de defesa social”.

O Código Penal de 1940 adotava o sistema do duplo binário, no qual a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso, que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução era iniciada após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa, depois de passada em julgado a sentença, conforme incisos I e II do art. 82 do referido Código.

A partir reforma penal de 1984, sistema do duplo binário foi afastado pelo sistema vicariante, ou seja, pelo sistema de substituição, onde se aplica a medida de segurança, como regra, ao inimputável que houver praticado uma conduta típica e ilícita, não sendo, porém, culpável. Assim, o inimputável que praticou um crime deverá ser absolvido, aplicando-lhe a medida de segurança.

No entanto, a reforma penal de 1984 não admite mais medida de segurança para o imputável, apenas para o inimputável ou semi-imputável, reservando àquele, exclusivamente, a pena, conforme dispõem os artigos 96 e seguintes do Código Penal brasileiro atual.

É notável que, ao longo da história, o surgimento da medida de segurança se deu devido à necessidade de se dispensar um tratamento diferenciado àqueles que não tinham o necessário discernimento no momento do crime, decorrente de alguma patologia mental. Desta forma, foi fornecido um tratamento desprovido de qualquer conhecimento científico a essas pessoas, sem quaisquer políticas públicas e legislações especializadas.

Observa-se que no Brasil, inicialmente, havia falta de mecanismos de repressão e de punição ao louco infrator, que era visto como um problema da família e atribuía-se à mesma o dever de controlá-lo. Posteriormente, com a normatização passou-se a responsabilidade para o Estado, de julgar e condenar os inimputáveis infratores, de modo a desconsiderar a doença que portavam, e fornecer o mesmo tratamento de outros criminosos.

No entanto, percebeu-se que o doente mental não poderia sofrer a mesma sanção penal de um agente comum, pois praticou o ilícito penal em função de seu sofrimento mental. Esta conclusão influenciou no desenvolvimento da psiquiatria forense no Brasil e os estudos sobre a doença mental no mundo, momento em que a psiquiatria passou a atuar juntamente com o poder judiciário na análise dos casos para apontar a forma mais eficaz de tratamento.

Infelizmente, ainda há hospitais psiquiátricos que fazem uso de medicamentos e outros métodos de alto poder imobilizador, causando efeitos nocivos na capacidade volitiva, alterando o entendimento desses pacientes.

Atualmente, há uma nova proposta de tratamento, que leva em conta a humanização dos meios aplicados, pois, sendo o paciente submetido à condições inadequadas, apenas se agravará o seu quadro de saúde, o que poderá cominar numa reincidência penal, causando riscos à sociedade.

Então, preza-se por um acompanhamento digno direcionado ao infrator, acometido por uma patologia mental, já que o intuito da medida de segurança é recuperar o agente, através dos procedimentos clínicos apropriados que têm por fim a cessação da periculosidade, para que assim, o indivíduo possa retornar ao convívio familiar e social.

2.3 Requisitos, Espécies e Aplicação

Antes de passar a explicitar os principais tópicos, convém reforçar que o Código Penal brasileiro atual, desde a reforma de 1940, adota o Sistema Vicariante, isto é, não se aplica de forma cumulativa pena e medida de segurança, diferente do Código Penal de 1940 antes da reforma penal de 1984, que seguia o sistema do duplo binário, também chamado de dois trilhos, no qual havia a previsão de cumulação de pena e medida de segurança.

Assim, com a adoção do Sistema Vicariante, o fundamento da pena é a culpabilidade, o passo que a medida de segurança baseia-se na periculosidade, havendo a necessidade que o agente seja internado para evitar que o mesmo incorra em novas práticas criminosas.

No tocante aos pressupostos para aplicação da medida de segurança, há três que se destacam, sejam eles: a prática de fato punível, a periculosidade do agente e a ausência de imputabilidade.

Então, é necessário que o sujeito tenha praticado uma conduta contrária ao ordenamento jurídico e lesiva a bens jurídicos fundamentais, além de outros requisitos para ser aplicada a medida de segurança.

Acerca da periculosidade, alude Fernando Capez (2009, p. 445):

Periculosidade: é a potencialidade para praticar ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental.

Na inimputabilidade, a periculosidade é presumida. Basta o laudo apontar perturbação mental para que a medida seja obrigatoriamente imposta.

Na semi-imputabilidade, precisa ser constatada pelo juiz. Mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deverá ainda ser investigado, no caso concreto, se é caso de pena ou medida de segurança.

No primeiro caso, tem-se periculosidade presumida. No segundo, a periculosidade real.

É importante ressaltar o critério de periculosidade, pois ele é o cerne no que se refere à aplicabilidade da medida de segurança. Então, a periculosidade é entendida como uma forte tendência do agente inimputável de reincidir no crime, em razão da sua perturbação mental, que compromete o entendimento a respeito do ato ilícito praticado.

Deste modo, atuam sobre o indivíduo vários fatores externos e internos, atinentes às características físicas, sociais, morais, culturais, dentre outras relacionadas à personalidade do inimputável, que podem influenciar no nível de periculosidade.

Quanto ao tipo de periculosidade, esta pode ser real e presumida.

A periculosidade real é aquela avaliada pelo próprio magistrado no caso concreto, enquanto que a presumida ocorre quando a legislação penal dispõe sobre a condição de periculosidade do agente. Um exemplo de periculosidade presumida ocorre, no caso do semi-imputável, onde o juiz fica responsável pela análise, valendo-se constantemente de perícia psiquiátrica.

No tocante à ausência de imputabilidade plena, este requisito decorre de um critério bio-psicológico que, em razão do indivíduo estar acometido por enfermidade mental, o mesmo não apresenta condições de entender o caráter ilícito do fato ou não se norteia de acordo com esse entendimento.

Em relação aos tipos de medida de segurança, existem duas espécies, são elas: a medida de segurança detentiva e a medida de segurança ambulatorial.

Sendo assim, o Código Penal Brasileiro dispõe em seu artigo 96 que as medidas de segurança são: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; sujeição a tratamento ambulatorial. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

A medida de segurança detentiva ocorre para os crimes punidos com a reclusão consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, na ausência deste, em estabelecimento adequado. Nesse caso, o paciente deverá de cumprir a medida sob a supervisão e orientação de profissional médico, conforme o disposto na Lei de Execução Penal.

A medida de segurança restritiva é aplicável nos casos de crimes com pena de detenção, e consiste em um tratamento ambulatorial. Nesse caso, o sujeito deve comparecer ao hospital nos dias em que o médico determinar, de modo que, seja aplicada a terapia prescrita.

Nota-se, então, que a espécie a ser imposta ao réu dependerá, exclusivamente, da pena cominada ao crime por ele cometido, e não do grau de sua periculosidade, teoria esta bastante criticada pela doutrina.

Vale destacar que a internação, de acordo com a Lei nº 10.216/2001, somente deverá ser aplicada aos casos em que as demais formas de tratamento a pessoas portadoras de transtornos mentais se apresentarem insuficientes.

Com base, nessa norma de caráter civil e administrativo, depreende-se que o tratamento no plano extra-penal deveria pautar-se pela excepcionalidade da internação, pois a importância de se inserir o conceito de periculosidade como pressuposto é para proporcionar um tratamento diferenciado aos doentes mentais que cometeram ilícitos penais.

2.4 Execução e extinção da Medida de Segurança

Neste tópico será abordado um aspecto muito importante do tema principal, isto é, como ocorre a execução das espécies de medidas de segurança, tendo como fonte de pesquisa a Lei de Execuções Penais, que tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal.

Então, após a sentença que fixou o cumprimento da medida de segurança, há a expedição da guia de internamento ou de tratamento ambulatorial pela autoridade judiciária competente, e esta é encaminhada para a autoridade administrativa encarregada pela execução. Frisa-se que a internação somente será autorizada com a apresentação desta guia, conforme o disposto nos artigos 171, 172 e 173 da Lei de Execuções Penais.

A internação deverá ser realizada em hospital de custódia e tratamento ou, à falta deste, em outro estabelecimento adequado. Além disso, ao iniciar a internação, é obrigatória a realização do exame criminológico, e também recomendável o exame de personalidade para a classificação, com o escopo de possibilitar a individualização do tratamento.

E, de acordo com o artigo 99 do Código Penal, o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a um tratamento adequado.

Quanto ao prazo de cumprimento das medidas de segurança, é indeterminado, enquanto não verificada a cessação da periculosidade do agente. Mas a sentença que decide pela absolvição imprópria do doente mental, obrigatoriamente, deverá estabelecer um prazo mínimo de duração, que poderá ser de um a três anos.

No decorrer da execução da Medida de Segurança, poderá o juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou do interessado, solicitar, fundamentadamente, o exame para verificar a cessação da periculosidade, ainda que não tenha findado o prazo mínimo do cumprimento da medida. Encerrado este prazo, realiza-se o exame de cessação da periculosidade, iniciado de ofício pela autoridade administrativa. A desinternação está condicionada à cessação da periculosidade.

Se verificada a cessação, o juiz determinará, por sentença, a desinternação do custodiado ou a sua liberação condicional, no caso de tratamento ambulatorial. A liberação somente se dará após o trânsito em julgado desta sentença, conforme o art. 179 da LEP.

Se o agente desinternado ou liberado, antes do lapso de um ano, praticar fato que indique a persistência da periculosidade, será revogada a desinternação ou a liberação condicional e restabelecida a situação anterior. Expirado o prazo de um ano sem que o agente volte a apresentar periculosidade, a medida de segurança é considerada extinta.

De acordo com a lei, a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. A perícia médica será realizada ao término do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

No caso, a desinternação, ou a liberação, será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade, é o texto do § 3º. Já o § 4º expõe que, se for necessário para fins curativos, o juiz poderá solicitar a internação do doente que estiver sob tratamento ambulatorial.

Ao terminar o prazo estipulado pelo juiz, o doente será submetido a outro exame, e, uma vez verificada a cessação da periculosidade, será mantido em liberdade vigiada por um ano, para constatação de que não há sinais de possível reincidência.

Pode ocorrer também que durante o cumprimento da pena o sentenciado apresente distúrbios mentais. Somente, nesse caso, o Juiz da execução poderá substituir a pena por internação para o tratamento que se fizer necessário, conforme disposto no artigo 183 da Lei de Execução Penal.

Se isso ocorrer, quando for verificada a recuperação do interno, ele deverá retornar ao presídio e continuar a cumprir pena. Nesse caso, o período de internação é contado como tempo de cumprimento da pena. O tratamento não poderá exceder de forma alguma o tempo de pena que o sentenciado tinha a cumprir. Assim, se a pena terminar sem que o tratamento tenha surtido efeitos, o sentenciado terá que ser colocado em liberdade, porque estará extinta sua punibilidade e o Estado não terá como mantê-lo sob sua custódia.

Portanto, nota-se que a internação hospitalar é a mais grave das medidas de segurança, tendo em vista que o réu é afastado do convívio familiar. No entanto, o tratamento ambulatorial é a modalidade de tratamento preferida pelo legislador ordinário, já que a internação somente será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

2.5 Medidas de Segurança à luz de Alguns Princípios Penais e Constitucionais

Neste tópico, analisa-se a aplicação da medida de segurança frente a alguns princípios penais e constitucionais, de modo a ponderar se os limites mínimos e máximos estão sendo respeitados.

Cabe inicialmente, apresentar o conceito de princípio proposto por Alexy (2008 apud Lenza, 2013, p. 151):

Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.

A seguir serão explicitados os principais princípios penais, mas que também têm um viés constitucional, relacionados à medida de segurança, são eles: princípio da humanidade, da necessidade, da anterioridade penal, da jurisdicionalidade, da personalidade, retroatividade da lei, da igualdade, da proporcionalidade e legalidade.

O princípio da humanidade assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, conforme o disposto no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal brasileira. Aplica-se igualmente ao internado, de acordo com os artigos arts. 40 e 41 da Lei de Execução Penal.

O princípio da necessidade surge como justificação individual e social da medida de segurança, objetivando prevenir novas práticas criminosas, bem como tratar a doença mental do agente.

De acordo com o princípio da anterioridade penal, a medida de segurança só será aplicada se previamente ao ato delituoso já houver uma legislação que condene o ato e o comine a medida de segurança como sanção penal. Assim, a lei somente incidirá sobre atos posteriores, já que, somente após o surgimento da legislação penal é que sujeito poderá ter consciência do que é ilícito, para atuar ou não segundo a norma penal.

O princípio da retroatividade da lei aduz que se aplica a lei vigente ao tempo do fato (tempus regit actum). No entanto, haverá situações em que a lei penal poderá incidir mesmo a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, ou seja, casos em que a lei penal beneficia o acusado, desconsiderando o fato como crime ou conferindo um tratamento menos rígido.

Assim, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 5°, inciso XL, que: “A lei penal não retroagirá, salvo se para beneficiar o réu”. Reforça ,ainda, o artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da jurisdicionalidade decorre da execução das penas e das medidas de segurança, está previsto no art. 194 da Lei de Execução Penal e consiste em uma das exigências do devido processo legal, que tem como fundamento aliado o princípio do juiz natural, segundo o art. 5º, LIV, conjugado com o inciso LIII.

Segundo o princípio da personalidade, a responsabilidade pelo fato típico e ilícito recai sobre quem lhe deu causa, nos termos do artigo 13, do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”

Através do princípio da proporcionalidade impõe-se o dever de moderação, prudência, equidade, vedação do excesso no que concerne à atuação do Estado na tarefa de exercer o jus puniendi. Portanto, a finalidade do referido princípio é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais alcance dimensões desproporcionais e desarrazoadas.

Pelo princípio da igualdade deve-se conferir tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. Este princípio suscitado por Aristóteles é o fundamento no que se refere à isonomia, consoante o artigo 5º, I, da Constituição Federal: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Deste modo, a Lei não pode privilegiar uns em detrimento de outros e sim buscar estabelecer regras de conduta a fim de proporcionar um tratamento igualitário daqueles que vivem em sociedade. Ressalta-se, que aqueles sujeitos submetidos à medida de segurança têm sua igualdade violada em relação aos presos comuns, visto que para os primeiros o prazo de cumprimento da sanção é indeterminado, enquanto que para os últimos já existe um limite máximo determinado por lei.

Depreende-se do princípio da legalidade que o indivíduo deve saber, desde logo, o máximo de tempo possível que poderá ficar submetido a tratamento. Assim, todas as punições passíveis de realização pelo Estado devem estar antecipadamente descritas, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Assevera o artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Contudo, geralmente as medidas de segurança são executadas segundo a legislação, sem qualquer limite máximo, devendo a aferição da periculosidade determinar o período da liberdade.

Por decorrência da natureza das medidas de segurança, caso o inimputável cure-sede sua doença mental antes do advento do prazo máximo, ele deverá ser libertado, tendo em vista não haver mais a enfermidade descrita.

Destacam-se os princípios da dignidade da pessoa humana e da vedação de pena de caráter perpétuo que serão discutidos no capitulo posterior e que estão em confronto com a indeterminação do prazo de cumprimento da medida. O Artigo 5º, II, cita: “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; e o inciso XLVII: “não haverá penas: b) de caráter perpétuo”.

Destarte, se violados esses princípios fundamentais, no que se refere à medida de segurança, cada vez mais se chega à conclusão de que a mesma não está cumprindo seu papel ressocializador.

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Sobre as autoras
Ana Carolina Couto Matheus

Doutoranda em Ciência Jurídica pela UNIVALI - SC. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR-PR. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela UNP-RN. Pós-Graduada em Direito Constitucional (Temas Avançados do Direito Contemporâneo) pela UVB-SP. Graduada em Direito pela Toledo-SP. Advogada. Consultora Jurídica. Professora efetiva do Curso de Direito da UFAC. Lecionou em diversos módulos do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito da UNINORTE – AC e em vários Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Membro do Conselho Consultivo da Revista Nobel Iuris. Autora do livro Direito Ambiental e Cidadania. Autora de diversos capítulos de livro e artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. Conferencista. Orientadora Jurídica. Pesquisadora.

Natasha Cristina Henrique de Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Ana Carolina Couto Matheus ; AGUIAR, Natasha Cristina Henrique. A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4213, 13 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35457. Acesso em: 29 mar. 2024.

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