5. Verdade real e a Teoria Neo-Institucionalista
A teoria neo-institucionalista do processo é aquela que coloca o processo na pós modemidade, considerando-o como instituição jurídica que, ao lado do Estado, do povo, da cidadania e da soberania popular, possui princípios específicos definidos nas garantias do contraditório, ampla defesa, isonomia e devido processo legal. O conceito de processo como instituição constitucionalizada refere-se ao grau de autonomia jurídica como mérito histórico da cidadania fundamentalizada em princípios e institutos. O Estado e o cidadão estão em nível de igualdade institucional em face da instituição maior que é a jurisdição constitucional pelo processo. (Leal, 2000, p.47)
Destaca ainda Rosemiro Pereira Leal (2000, p. 49):
"A Constituição pressupõe a existência de um processo como garantia da pessoa humana, e a cidadania é uma instituição jungida ao processo. Aqui existem princípios constitucionais do processo que são princípios e institutos do processo constitucionalmente construídos e unificados, assegurando o exercício pleno da cidadania".
Deve-se levar em conta que tal teoria é contrária a todas às concepções anteriores de processo, com exceção à teoria de Couture, que foi um dos primeiros processualistas a dissertar sobre ação, jurisdição e processo sob o enfoque constitucional, desenvolvendo temas como o devido processo legal, sendo de grande importância para a criação do direito constitucional processual.
Seguindo absolutamente a teoria neo-institucionalista, pode-se dizer que a verdade real não pode servir de base ao processo penal, uma vez que a resolução dos conflitos não poderia ficar a mercê de uma jurisdição salvadora, que não refletia provimentos de base normativa democráticas, mas de base de conveniência e equidade afirmadas pelo magistrado, que imporia a decisão pelo seu único subjetivismo. A busca incondicionada de provas, refletindo o amplo poder do juiz na instrução do feito, demonstra a predominância da referida jurisdição salvadora, que não atende a principiologia do processo como direito-garantia, porque se traduz no poder subjetivo do julgador.
E dentro da construção de processo como uma instituição constitucionalizada, nota-se que o juiz não é construtor do direito, devendo apenas concretizar o ato provimental de encerramento do discurso procedimental processualizado pelo devido processo democrático, não havendo, portanto, como falar em atividade probatória de oficio que sobreporia à atividade das partes.
Quanto à importância da igualdade procedimental, assevera Marcos Alexandre Coelho Zilli (2003, p. 128):
"Só há justiça processual - devido processo legal - quando há igualdade no modo como a jurisdição contempla os interesses em conflito. Não menos diferente é o raciocínio no processo penal. De fato, a igualdade é essencial ao direito processual penal. Ela justifica e dá valor ao processo penal e ao seu procedimento. O atendimento à igualdade é requisito para a descoberta da verdade, sem a qual jamais se terá, na sentença, a justiça penal".
O principio da verdade real, tal como é visto hoje, e aplicado dentro da estrutura procedimental, não se mostra sustentável diante da teoria neo-institucionalista do processo, já que representa uma verdadeira regressão ao sistema inquisitório autoritário, incompatível com um Estado Democrático de Direito.
6. Conclusão
O direito processual penal é um ramo do direito processual que, como qualquer outro, deve, obviamente, também seguir a principiologia de processo como direito-garantia das partes, através do contraditório, ampla defesa e isonomia.
O processo penal deve ser, acima de tudo, constitucionalmente democrático, rompendo-se com concepções subjetivas autoritárias do julgador que deve proferir decisões não com base em seu poder autoritário, e sim como reflexo da participação discursiva das partes em perfeita isonomia.
Dessa forma, nota-se que o poder soberano do magistrado na produção de provas de oficio, em face do principio da verdade real, demonstra o autoritarismo subjetivista, sendo insustentável perante uma sociedade democrática de direito, na qual as partes processuais devem agir conforme seus interesses e com ampla liberdade.
O direito processual penal, que busca a reconstrução do fato ilícito com base nos direitos e garantias do contraditório, ampla defesa e isonomia, deve ser um espelho da democracia constitucional, não havendo mais espaço para o instrumentalismo ultrapassado que subordina as partes às vontades do julgador pelo seu livre arbítrio.
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