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A base antidemocrática do princípio da verdade real no direito processual penal

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04/10/2015 às 15:40
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O poder soberano do magistrado na produção de provas de oficio, em face do principio da verdade real, demonstra o autoritarismo subjetivista, sendo insustentável perante uma sociedade democrática de direito.

Sumário: 1. Introdução; 2. Principio da verdade real como base autoritária procedimental; 3. Sistema acusatório e inquisitório; 4. Verdade real e a teoria instrumentalista; 5. Verdade real e a teoria neo-institucionalista; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.


1. Introdução:

Para aqueles que acreditam na existência de unia teoria geral do processo, o direito processual penal pode ser visto como um ramo da teoria geral, dotado de princípios e características próprias, as quais o qualificam corno urna disciplina responsável pela estrutura procedimental penal, diferenciando-o do ramo do direito processual civil que se destaca por apresentar uma estruturação complexa e própria das controvérsias extrapenais. Liebman ensina que o direito processual civil é o ramo do direito que regula a realização do processo civil, esclarecendo que o direito processual, em qualquer ramo, englobando também o direito processual penal, regula uma atividade que se localiza no ponto de encontro de problemas importantes e básicos da sociedade e do Estado. (Liebman, 2005, p. 58)

O direito processual penal apresenta princípios próprios tendentes a identifica-lo no ramo da teoria geral do processo. O princípio da verdade real é um ponto crucial que merece importante crítica em face de sua inadequação à constitucional idade processual, já que fere a democracia constitucional referente à instituição constitucionalizada do processo, lesando a principiologia adotada de processo corno direito-garantia das partes, na qual se busca o provimento através da base discursiva procedimental das partes em completa isonomia.

0  processo não pode ser mais visto como urn instrumento para o exercício da jurisdição, já que o processo, como instituição constitucionalizada, é método de garantia, exercício e execução de direitos fundamentais. Deve ser buscado o juízo democrático, rompendo-se com a concepção privada de processo e repudiando os escopos metajuridicos. O juiz não é construtor do direito, mas concretizador do ato provimental de encerramento decisório do discurso estrutural do procedimento processualizado pelo devido processo democratic° em suas incidências de garantias implantadas constitucionalmente e procedimentalmente. (Leal, 2000, P. 64)

Portanto, busca-se aqui traçar as consequências antidemocráticas do principio da verdade real para o direito processual penal, demonstrando o choque com o paradigma democrático adotado pela nossa Constituição Federal.


2. Princípio da verdade real como base autoritária procedimental

O principio da verdade real é destacado pelos processualistas instrumentalistas como uma base procedimental penal, servindo como ponto característico e típico do direito processual penal.

A princípio, o conceito de verdade deve ser destacado, e que nem sempre coincide com a certeza. A verdade é sempre relativa, até se concluir pela impossibilidade de se retirar dos autos o retrato exato da realidade do crime. A verdade é a consonância existente entre a ideologia e a realidade. Já a certeza é a crença de tal consonância, sendo possível que esta crença não corresponda à verdade objetiva. Conclui-se, portanto, que verdade e certeza nem sempre andam juntas.

Assim, a verdade real pode ser conceituada como aquela verdade que mais se aproxima da realidade, sendo aquela que reflete de forma perfeita o ocorrido no piano real. Falar em verdade real enseja provocação do espírito do magistrado de um sentimento de busca, de inconformidade com o que restou apresentado pelas partes. Em tal prisma, deve o juiz sair em busca da verdade material, a qual mais se aproxima do que realmente ocorreu. (Nucci, 2006, p. 95)

O princípio da verdade real significa, portanto, o poder que o juiz possui de buscar provas, tanto quanto as partes, não se conformando com o que lhe é apresentado. Daí, por força do referido princípio, existe no Processo penal brasileiro a norma insculpida no artigo 156 do Código de Processo Penal que dispõe que "o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, determinar, de oficio, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante ".

Por outro lado, o princípio da verdade formal é contrário ao da verdade real, no sentido de que o magistrado não está obrigado a buscar provas. Tal princípio norteia o direito processual civil, em que se privilegia simplesmente a manifestação e liberdade das partes na produção probatória, sendo o juiz um mero destinatário das provas. Entretanto, em que pese tal princípio, é de se notar que não existe no ordenamento processual civil a proibição do magistrado diligenciar de oficio a busca de provas, havendo, assim, a ocorrência também do princípio da verdade real.

Assim, as diligências determinadas de oficio pelo magistrado em busca da verdade real, o que se faz mais presente no direito processual penal, refletem seus poderes perante as partes, fazendo prevalecer o autoritarismo no procedimento, o qual não poderá ser mantido na estrutura procedimental adotada pela sociedade democrática. O processo democrático sendo um reflexo da Constituição Federal, possui uma base democrático-jurídico-principiológica, em que o arbítrio do julgador seria uma medida imponderável da liberdade das partes. (Leal, 2000, p. 98)

Seguindo a teoria neo-institucionalista, que considera o processo como uma instituição constitucionalizada, não há espaço para o livre arbítrio do magistrado, porque colocaria em risco os princípios institutivos processuais da ampla defesa, isonomia e contraditório, os quais partem do pressuposto da liberdade das partes que constroem o provimento jurisdicional com base na teoria do discurso, colocando o julgador vinculado à participação das partes.


3. Sistema acusatório e inquisitório

Resta importante esclarecer sobre os vários sistemas do processo penal, para que seja corretamente entendida a base antidemocrática do princípio da verdade real no direito processual penal, que justifica a regressão ao sistema inquisitorial.

O sistema inquisitivo pode ser caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que também exerce a função de acusador. A confissão em tal sistema é considerada a rainha das provas, não havendo debates orais, ocorrendo a predominância de procedimentos escritos. Nao existe contraditório e nem igualdade de partes. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se na mesma pessoa, que é o juiz. O feito é iniciado de ofício pelo juiz, e é sigiloso, e a defesa é apenas decorativa.

Quanto à produção probatória no sistema inquisitorial, esclarece Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (2001, p. 24):

"A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos — de todos os fatos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na acusação, dado o seu domínio único e onipotente do processo em qualquer de suas fases".

Já no sistema acusatório, existe a clara distinção entre o órgão acusador e julgador, com liberdade de acusação e de defesa, prevalecendo a isonomia das partes. Aqui vigora a publicidade do procedimento, com a presença do contraditório e a livre produção probatória. O processo não pode ser iniciado sem a iniciativa das partes.

Existe também o sistema misto, no qual se destaca pela união dos dois anteriores, ocorrendo verdadeira divisão do processo em duas grandes partes: a instrução preliminar, com elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com prevalência do sistema acusatório. No primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto no segundo existe a oralidade, publicidade, contraditório, concentração dos atos, intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas. (Nucci, 2006. p. 104)

A partir de tais considerações, pode-se dizer que o sistema processual brasileiro é o misto, já que existe o inquérito policial como fase administrativa inquisitória não processual, e o processual propriamente dito que é o jurisdicional acusatório, que se inicia com o recebimento da denúncia ou queixa.

Entretanto, em face de nosso sistema processual democrático, com base constitucional, o princípio da verdade real justifica a regressão ao sistema inquisitorial, não havendo como falar em sistema misto, já que o procedimento é ditado pelo julgador que possui poder de produção de provas de ofício, lesando a liberdade das partes na busca do provimento final. O descontrole proporcionado pela principiologia da verdade real acarreta o comprometimento das garantias processuais constitucionais, notadamente quanto aos princípios institutivos do processo, quais sejam, contraditório, ampla defesa e isonornia.

É de se considerar explicações de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (2001, p 70):

"A influência neoliberal no sistema processual penal já se materializou através do Movimento de Lei e Ordem. Tanto o direito penal quanto o processual penal devem ser cada vez mais reforçados, intolerantes, pois a rigidez total na aplicação das sanções penais é o instrumento perfeito para transpor para o mundo jurídico a exclusão que se opera no mundo social, econômico e político. Essa é a ideia que o pensamento neoliberal tenta imprimir. É por tal motivo que não podemos quedar resignados à uma reforma no sistema processual penal que não esteja ligada à proposta democrática traçada pela Constituição Federal de 1988. Caso assim não ocorra, é de se pensar no fortalecimento da prevalência do sistema inquisitório em nosso sistema".

A busca de elementos probatórios sem a manifestação da parte interessada enseja uma concepção de que o juiz estaria sendo parcial no curso da lide, significando a quebra ao princípio do contraditório e isonomia processual, não havendo a garantia das partes frente ao devido processo legal, em que o prolator da decisão limita-se ao reconhecimento ou não da argumentação discursiva e igualitária de uma das partes no processo.

A verdade real seria simplesmente um retrato da imposição autoritária do magistrado, o que esmagaria o verdadeiro objetivo do processo, no sentido de construção democrática do provimento jurisdicional.


4. Verdade real e a teoria instrumentalista

A teoria instrumentalista de processo, que representa uma evolução da teoria de processo como relação jurídica elaborada por Bülow em 1868, considera processo um mero instrumento para o exercício da atividade jurisdicional, contendo o binômio poder-sujeição, o qual significa a subordinação das partes ao poder do magistrado no processo, através da magnitude e clarividência do julgador que profere decisões com base em seu subjetivismo.

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A concepção de Bülow restou aprimorada por Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei e Liebman.

Chiovenda sustenta que o processo surge como um instrumento da justiça nas mãos do próprio Estado, com a finalidade de certificar de qual é a vontade da lei e executá-la. Portanto, conceitua o processo como sendo o complexo de atos coordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei por parte dos órgãos da jurisdição ordinária. Dentro da concepção de Chiovenda, há o resultado da atuação da vontade da lei, considerando que o juiz examina a existência da norma de forma abstrata, e para o alcance de tal resultado, o Estado, através de seus órgãos jurisdicionais, substitui a atuação das partes pela atuação construída pelo Estado, o qual se faz através do processo. O entendimento do processualista italiano registra a soberana manifestação da vontade concreta da lei, em detrimento da atividade das partes no processo, demonstrando a visão instrumentalista prevalente na estrutura processual, limitando-se o magistrado a dizer o direito no caso concreto, sem ater-se ao caráter discursivo procedimental. (Chiovenda, 1965, p. 39)

Carnelutti entende que o interesse processual é apenas um meio, em face do qual se constrói a finalidade publica processual. O processualista distingue a função jurisdicional da função processual, dizendo que esta é gênero, e aquela espécie, levando a conclusão de que existem casos em que o conflito de interesses já está composto por uma norma material, e aqueles em que o conflito não está previsto por uma norma material, e sim por uma norma instrumental, que atribui ao juiz o poder de compô-lo por meio de um mandato concreto. (Carnelutti, 2000, p. 223)Finalmente, conforme Liebman, o processo é a atividade com a qual em concreto se desenvolve a função jurisdicional. Jurisdição seria para ele como uma atividade do Poder Judiciário destinada a atuar a vontade concreta da lei nos casos e formas legais, surgindo, assim, a decisão jurídica que é alcançada somente quando o magistrado decide a lide, configurando-se em toda a plenitude o ato jurisdicional de caráter declaratório. O processualista então conceitua o provimento como sendo as declarações de pensamento do juiz, as quais refletem o exercício do poder jurisdicional, considerando que a emissão dos provimentos do magistrado demonstra o poder de que é investido. Portanto, percebe-se que Liebman entende que o provimento é uma atividade exclusiva do juiz que manifesta a sua decisão com base no seu convencimento íntimo subjetivo. (Liebman, 1952, p. 28)

Tais entendimentos, que são contrários à teoria neo-institucionalista, justificam o princípio da verdade real, através do qual o magistrado impõe seu poder frente às partes, proferindo decisões dotadas de subjetivismo, desprovidas de participação democrática. A busca incessante de provas lesa a igualdade de participação das partes, com prejuízo ao contraditório e ampla defesa, porque o magistrado colhe provas de ofício e as toma dentro da estrutura processual, com a devida valoração previamente estabelecida.

Segundo os instrumentalistas, o processo penal tem o objetivo de tornar efetiva a aplicabilidade das normas de direito material, impondo a sanção penal e, por via de consequência, estabelecendo-se, juntamente corri a aplicação da pena, a justiça penal. Para tal objetivo ser alcançado, resta necessária a imposição do ordenamento jurídico penal, através de normas incriminadoras e não incriminadoras, inserindo-se o exame cuidadoso do fato tido como ilícito, fazendo-se através da busca da verdade. Contudo, a apuração de tal verdade somente seria possível mediante atribuição da inquisitividade à atuação dos agentes estatais da persecução criminal e ao poder de direção conferido aos órgãos jurisdicionais na instrução criminal, o que seria completamente contrário à tese processual adotada em nosso Estado Democrático de Direito.

Portanto, é de se notar que o sistema inquisitorial tem também suas raízes no instrumentalismo, já que sua base reside no impulso oficial do processo penal. Havendo respeito à iniciativa da propositura da ação penal, o desenvolvimento dos demais atos processuais recairia nas mãos do julgador. Dessa forma, o processo penal é um veículo de execução de políticas estatais, e o juiz seria o responsável pelo controle e condução da investigação, fixando o objeto da inquirição e a substância das alegações.

O  sistema inquisitorial justifica a impossibilidade de ocorrência da imparcialidade do julgador, e o envolvimento do magistrado na apuração fática proporcionaria juízos de valor prematuros que não seriam superados, acarretando uma contaminação da própria equidistância necessária e indispensável, a qual é uma condição vital para um julgamento.

A essencialidade da imparcialidade do julgador no provimento democrático é defendida por Rosemiro Pereira Leal (2000, P. 109):

"A imparcialidade exigida pela lei não é uma qualidade inata ou imanente ao juiz, como pessoa física, ante os interesses alheios, mas um dever que o ordenamento jurídico estatal Ihe impõe como pressuposto legal de validade dos atos jurisdicionais, obrigando-o a desligar-se das causas quando não reúne, em face de circunstâncias objetivamente aferíveis, isenção para assegurar as partes o direito fundamental da isonomia que é principio institutivo do processo".

O principio da verdade real, posto como norteador do processo penal, além das criticas já apresentadas em face da teoria procedimentalista baseada na instituição constitucionalizada do processo, na verdade não existe. A verdade no processo nunca poderia ser real ou material, podendo ser somente formal. O processo penal, portanto, não se refere a verdade material, apesar desta ser a almejada, obtendo-se somente a verdade formal, porque o que realmente importa em sede de processo é a verdade que se encontra dentro dos autos, podendo ou não ser reflexo da realidade, dependendo do grau de dedicação e participação das partes para que fosse levado ao julgador todo o fato capaz de pôr fim a demanda.

Sob tal prisma, é imprescindível a ocorrência da supressão da natureza inquisional do processo penal, em que o juiz invade a esfera de atividade das partes protegida constitucionalmente, agindo de ofício no sentido de se buscar a falsa verdade real dita como predominante no direito processual penal, impedindo que o processo seja a própria luz da Constituição Federal como direito-garantia das partes, sob o manto do devido processo constitucional que segue a principiologia democrática.

A iniciativa instrutória do juiz, significando urn certo poder de apuração fática, não poderá ser exercida de forma a sufocar qualquer atuação das partes, sob pena de afronta aos princípios constitucionais processuais. A tramitação processual penal é realizada em conjunto e em completa cooperação corn as partes processuais, as quais devem seguir a estrutura procedimental com base no poder argumentativo perante o julgador que deve, assim, agir somente na medida de tais argumentações, construindo o provimento final como resultado da aplicação da teoria do discurso das partes.

Seguindo a atuação instrutória do magistrado no processo, a apuração dos fatos concretiza-se por intermédio da iniciativa das partes, que busca e recolhe elementos úteis para o melhor acertamento dos fatos, considerando a base afirmativa inicial proporcionada pela acusação. Aqui não há como falar em tarefa investigativa do julgador, e sim de prática instrutória, denominando-se a iniciativa do juiz como instrutória, não podendo haver consideração do princípio da verdade real como uma forma de poder incondicionado do magistrado de investigar fatos, em detrimento de toda a estrutura procedimental construída nos moldes da Constituição Federal Democrática. Há apenas a instrução democraticamente considerada no processo, levando em conta a participação das partes, impugnando-se o autoritarismo provocado pela concepção investigatória inquisitiva.

A liberdade probatória do juiz, portanto, deve ficar condicionada à participação das partes em completa isonomia, não podendo o poder instrutório se sobrepor à garantia das partes no processo. Tal liberdade seria então relativizada, restrita às regras democráticas constitucionais.O processo penal se desenvolve em torno de uma conduta descrita pelo órgão acusador e por ele definido juridicamente. A narrativa dos fatos é responsável pelas diretrizes dos atos processuais concernentes à atividade probatória. A necessidade de acertamento dos fatos, cuja decorrência implica em reconhecimento de uma iniciativa instrutória, tem como objeto uma conduta punível, de cuja decomposição em vários requisitos direciona a atuação da instrução penal, tanto das partes como do juiz. Assim é que deve ser direcionada a tramitação processual penal, seguindo-se a participação das partes, qualificada pela ampla e isonômica oportunidade de manifestação.

A verdade real instrumental se manifesta através do subjetivismo processual, que se caracteriza pelo caráter subjetivo do juízo que, na falta de referências fáticas determinadas com exatidão, apela para valorações, diagnósticos ou suspeitas subjetivas, e não para provas de fato. Tal subjetivação enseja um caráter inquisitivo processual, dirigindo o feito não na demonstração de fatos objetivos, mas no exame da interioridade da pessoa julgada.

O juízo penal torna-se juízo sem verdade, o qual não é motivado por juízos de fato, ou seja, por inserções verificáveis ou refutáveis, mas por juízos de valor. O juízo penal também não é baseado em procedimentos cognitivos, e sim em decisões potestativas, não sendo realizado mediante regras de jogo como o ônus probatório e o direito de defesa, os quais garantem a verdade processual, mas é subordinado a sabedoria dos juízes e a verdade substancial que eles possuem.

O juízo penal potestativo tem certa natureza autoritária, não sendo compatível com uma sociedade democrática de direito. Tal natureza é formada pela ausência de predeterminação normativa dos fatos que devem ser provados, remetendo o juízo à autoridade do juiz em vez de uma verificação empírica dos pressupostos de fato apresentados. (Ferrajoli, 2002, p. 37)

O reconhecimento de uma iniciativa instrutória do magistrado, desde que seja caracterizada a outorga de funções de julgar e acusar a diferentes órgãos, não se mostra incompatível com o sistema acusatório, estando em consonância com um Estado Democrático de Direito, na medida em que se exige uma iniciativa instrutória deflagrada pelo juiz devidamente acompanhada pelas partes, longe, contudo, da caracterização de um sistema inquisitório, o qual representa uma regressão ao autoritarismo.

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Sobre o autor
Nelmo Versiani

Mestre em Direito pela UFSC; Tetra Especialista em Direito pela PUCMG/Damásio Floripa/UGF-Rio; Oficial de Justiça Avaliador do TJSC; Professor de Direito Processual; Pesquisador Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERSIANI, Nelmo. A base antidemocrática do princípio da verdade real no direito processual penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4477, 4 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36528. Acesso em: 22 dez. 2024.

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