Resumo:Inicialmente, cabe mencionar que o presente artigo tem o objetivo de abordar sobre alguns aspectos da impenhorabilidade do bem de família regulado pela Lei nº8.009/90, o denominado de bem de família legal, ou involuntário.
Apontando para a questão da possibilidade de desmembramento de terreno considerado como bem de família, para fins de efetivação de penhora sobre a parte remanescente.
PALAVRAS-CHAVE: Impenhorabilidade do Bem de Família; desmembramento de terreno; penhora.
Introdução
Ora, sabe-se que a lei 8.009/90 foi criada com o intuito de proteger o bem de família, resguardando a dignidade familiar, e amparando o imóvel onde esteja construída a moradia, bastando para isso que o imóvel sirva de residência para a família do devedor.
Existe essa proteção prevista por parte do Estado, sendo que a tutela da moradia familiar tem como fundamento principal, razões de ordem sociológica e moral, embasadas no princípio da dignidade da pessoa humana.
São objetos tutelados pela Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família: o único imóvel residencial, urbano ou rural, destinado à moradia permanente da entidade familiar (artigo 1º); a construção, as plantações, as benfeitorias, os equipamentos, inclusive os de uso profissional, os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados; a sede de moradia do imóvel rural com os respectivos bens móveis e a área limitada como pequena propriedade rural (artigo 4º, § 2º)[1].
Porém, neste contexto, questiona-se se é possível a penhora do bem de família, quando o imóvel pode ser desmembrado, ou seja, resguardando a parte do imóvel que destina-se a residência efetivamente da família, podendo-se efetuar o desmembramento do terreno e efetivar a penhora sobre tal parte, bem como se existem requisitos para isso.
Do tamanho e valor do imóvel
É importante ressaltar que a Lei não faz nenhuma menção a respeito do valor do imóvel residencial, nem mesmo não se leva em consideração o tamanho do terreno, para fim de verificar a possibilidade de se fazer o desmembramento ou a penhora do bem.
Há entendimentos precedentes, inclusive um da 5ª Turma Suplementar do TRF da 1ª Região, em que foi negada apelação ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que pedia o desmembramento de um lote de 1.750 m² de uma contribuinte em dívida com a autarquia[2].
Neste caso, a devedora comprovou que o terreno era seu único bem, que possui uma residência composta de diversos cômodos. O INSS alegava a possibilidade de desmembramento do terreno, dado seu tamanho, pois a Lei 8.009/1990 protege a dignidade e funcionalidade do imóvel, não a suntuosidade e ostentação[3].
Porém, o juiz relator do processo, Grigório Carlos dos Santos, demonstrou que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que a concessão do benefício da impenhorabilidade do bem de família, instituído pela Lei 8.009/1990, depende, de forma imprescindível, da comprovação de que o referido bem seja o único imóvel do casal ou da entidade familiar e de que seus membros nele residam. De acordo com o juiz, tais requisitos efetivamente foram atendidos pela devedora, tanto que em relação a isso a parte exequente sequer manifestou insurgência[4].
Acrescentou ainda, o juiz, que presentes tais circunstâncias, deve ser reconhecida a impenhorabilidade, conforme o disposto no artigo 1º da Lei 8.009/1990, não importando que seja um imóvel valorizado ou de alto padrão, conforme já se manifestou também o TRF da 4ª Região.
Desta forma, verifica-se que o simples fato de o imóvel ser de alto padrão, com um valor elevado, ou o fato de que o imóvel possui uma significativa extensão, não são pressupostos para a admissibilidade da penhora do bem.
Da possibilidade de desmembramento do imóvel
Entretanto, existem decisões que atestam a possibilidade do fracionamento do imóvel, para fins de penhora, considerado como bem de família apenas o lote no qual encontra-se a residência familiar, desde que possível a viabilidade da separação física, e que esta não acarrete na descaracterização da área residencial.
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o imóvel pode ser penhorado se for produto de desmembramento de unidades autônomas, não se enquadrando na hipótese prevista no art. 1º da Lei 8.009/90.
Desta forma, a questão ventilada se resolve facilmente com o desmembramento do imóvel em unidades autônomas, sendo que a área a ser protegida da penhora é apenas o lote onde se localiza a casa da família, para que possa haver a penhora do restante, bem como, a satisfação do débito.
Nesse sentido, há diversos precedentes do STJ, conforme segue:
Civil e processo civil. Recurso especial. Bem de família. Impenhorabilidade. Andar inferior da residência ocupado por estabelecimento comercial e garagem.Desmembramento. Possibilidade. Súmula 7/STJ. Embargos declaratórios. Objetivo de prequestionamento. Caráter protelatório. Ausência. Súmula 98/STJ. Multa. Afastamento.
- A jurisprudência desta Corte admite o desmembramento do imóvel protegido pela Lei 8.009/90, desde que tal providência não acarrete a descaracterização daquele e que não haja prejuízo para a área residencial.
- Na presente hipótese, demonstrou-se que o andar inferior do imóvel é ocupado por estabelecimento comercial e por garagem, enquanto a moradia dos recorrentes fica restrita ao andar superior.
- Os recorrentes não demonstraram que o desmembramento seria inviável ou implicaria em alteração na substância do imóvel. Súmula 7/STJ.
- É pacífica a jurisprudência do STJ de que os embargos declaratórios opostos com intuito de prequestionar temas de futuro recurso especial não têm caráter protelatório. Súmula 98 do STJ.
Afastamento da multa. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 968.907/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 01/04/2009).
RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL – [...] É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Precedentes.
[...] Acerca do meritum causae registra-se que não se olvida da orientação desta Corte Superior no sentido de que é possível a penhora de parte ideal do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Com essa orientação: REsp 326.171/GO, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 22/10/2001; REsp 139.010/SP, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 21/2/2002, este último assim ementado: “EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. LEI N. 8.009/90. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL. QUATRO IMÓVEIS CONTÍGUOS. MATRÍCULAS DIFERENTES. POSSIBILIDADE DO DESMEMBRAMENTO.
Pelas peculiaridades da espécie, preservada a parte principal da residência em terreno com área superior a 2.200 m2, com piscina, churrasqueira, gramados, não viola a Lei 8.009/90 a decisão que permite a divisão da propriedade e a penhora sobre as áreas sobejantes. Recurso especial não conhecido.” (REsp 1178469/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 10/12/2010).
Desta forma, conclui-se que, sendo possível a divisão física do lote, sem que haja comprometimento do imóvel residencial do devedor, é perfeitamente plausível haver o desmembramento para fins de efetivação de penhora.
Claro que se deve levar em consideração, que existem determinados municípios e/ou regiões onde há determinação do Incra, com estipulação de Frações Mínimas de Parcelamento, ou seja, corresponde a área mínima em que se permite o desmembramento de determinado imóvel, para que este não fique prejudicado, devido à atividade/exploração que é exercida nele.
Obviamente, devem ser observadas as peculiaridades de cada caso concreto, preservando-se deste modo o equilíbrio no ordenamento jurídico, evitando a má-fé por parte do devedor e o prejuízo por parte do credor.
Referências das fontes citadas:
1 BRASIL. LEI Nº 8.009, DE 29 DE MARÇO DE 1990. Disponível aqui. Acesso em: 29 de outubro de 2013.
2 REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. ÚNICO BEM: Tamanho do imóvel é irrelevante em penhora. Disponível aqui. Acesso em: 29 de outubro de 2013.
3 Ibidem. Revista Consultor Jurídico.
4 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 3ª REGIÃO. Consulta à jurisprudência. Disponível aqui. Acesso: 29 de outubro de 2013.