Direito fundamental do apenado: emissão de cálculo de pena anual

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Aborda a relevância da emissão de cálculo de pena anual, instrumento de ressocialização, sob pena de responsabilização do Estado, bem como os instrumentos para compelir a sua realização e outras especificidades sobre estes.

Resumo:O presente artigo aborda a relevância da emissão de cálculo de pena anual, instrumento de ressocialização, sob pena de responsabilização do Estado, bem como os instrumentos para compelir a sua realização e outras especificidades sobre estes.

Ao final, conclama-se para uma revisão da ótica de que se tem do sistema penitenciário, passando por uma análise axiológica da sociedade atual.

Palavras chaves: instrumentos, sociedade, princípios, execução penal, atestado.

Abstract:This article discusses the relevance of the annual emission penalty calculation, rehabilitation instrument, under State responsibility and the tools to compel their achievement and other specifics on these.

Finally, calls to a review of optics which has the penitentiary system , through an axiological analysis of the current society.

Key words: instruments , society, principles, criminal enforcement , attestation.


1. Introdução

Como já dito alhures[i], o cálculo de pena é forma mais equilibrada e democrática de acompanhamento da execução, pois todos os atores, inclusive, o principal protagonista, o apenado, podem ter pleno conhecimento dos limites e extensão da execução penal, para fins de eventuais manifestações. Destarte, sem tal documento, a execução da pena fica bastante prejudicada, o que afronta a dignidade da pessoa humana, princípio magno, reitor das relações jurídicas, já que, não há direito, sem sujeito.

Em verdade, ao sentenciado que está cumprindo a sanção penal imposta, seja qual for o regime, somente lhe interessa a plena restituição do direito de ir e vir, que ocorrerá na oportunidade do cumprimento integral da pena, ou ao menos saber, quando esta se finalizará.

Nessa ótica, o cálculo de pena tem grande efeito psicológico sobre os apenados que se sentem devidamente tutelados pelo aparelho estatal, em meio a um sistema prisional caótico, que lhes pune duplamente por um mesmo fato ou atos, em um odioso e inconstitucional bis in idem.

Nesse viés, o direito de ter o montante de pena atualizado, tem caráter constitucional, plasmado no direito de petição e de obter certidões, uma vez que, cabe ao Poder Público fornecer aos administrados ou jurisdicionados, quando solicitado, pelo próprio interessado, ou por quem lhe faça as vezes, informações, documentos ou dados atinentes ao requerente, salvo interesse público devidamente fundamentado, pois é interesse público do Estado garantir ao apenado a perfeita individualização da pena.

Prescreve o art. 41, XVI, da LEP[ii], in verbis:

(...) Art. 41 - Constituem direitos do preso:

(…)

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente (...)

Desse modo, é direito do apenado ter incorporado ao seu cálculo de pena toda remição efetivada, como mais lídimo consectário do princípio da transparência e devido processo legal, sob pena de responsabilidade da autoridade judicial competente.

Ademais, a feitura/atualização do cálculo de pena transparece ao apenado que os órgãos de execução estão cumprindo com empenho suas funções, nas medidas de suas possibilidades, retirando-lhe a sensação de total abandono dos órgãos institucionais, que, na maioria das vezes, não lhe concedem estruturas penitenciárias dignas para que possa cumprir a pena, tampouco lhe proveem o arcabouço assistencial a que a Lei previu. 

Frise-se que não se está aqui defendendo requerimento desarrazoado de elaboração de cálculo de pena, toda vez que houver dia remido. De fato, seria plausível, ao menos, a elaboração de 2(dois) cálculos anuais, um no início e outro ao final do ano, que atenderia perfeitamente aos anseios da comunidade carcerária e aos fins da execução penal.


2. Requisitos necessários ao cálculo de pena

O atestado de pena deve ser objetivo, claro, de fácil intelecção, de modo a permitir a identificação dos marcos temporais, para obtenção das benesses atinentes à execução de pena.

Não é por outro motivo, que a confecção do cálculo de pena deve constar desse a soma total da pena; a pena cumprida; pena a cumprir; data provável término da pena; data provável do livramento; data da fuga e recaptura, se ocorridas, bem como o tempo de interrupção de cumprimento da pena, com especificação dos marcos temporais; caso verificados; data de regressão cautelar ou definitiva, caso ocorridas; data base para análise de benefícios; os dias remidos, para fins de remição, caso existentes, oficiando-se, para tanto, a unidade prisional para fornecê-los, bem como seja viabilizada a inclusão do apenado em programas laborais/educacionais, caso não esteja incluído; a detração, com a consequente liquidação da pena, com a perfeita indicação dos marcos temporais; data provável da progressão, assim como, os regimes inicial, atual, futuro de cumprimento da pena, de forma a viabilizar eventuais requerimentos que puderem ser feitos, tudo em obséquio aos princípios da individualização da pena, dignidade da pessoa humana e razoável duração do feito.

A elaboração da tabela de cálculo, deve levar em conta, em item apartado, a saída temporária, nos termos dos arts. 122 a 125 da Lei 7.210, observando, tal normativo, quanto aos requisitos para concessão. Ainda em relação aos dias remidos, na hipótese de saldo, este deve ser consignado no cálculo de pena, em quadro apartado.   

Nessa ótica, os atos procedimentais e diligências não podem ser prolongados no tempo, em manifesto prejuízo ao jurisdicionado, que nada contribuiu para esta delonga, sob pena de vulnerar o princípio da dignidade da pessoa humana.

2.1 Decorrências nefastas da ausência de cálculo de pena atualizado

A situação é que a inexistência de cálculo de pena anual é flagrante ilegalidade, manifesto abuso de poder e, portanto, pode ser combatida, mediante mandado de segurança. Na execução penal, o conceito de liberdade ambulatorial deve ser compreendida, sob a ótica do princípio da progressividade, que numa concepção mais dilatada abrange não apenas a progressão de regime, mas também, a concessão de outros benefícios (saída temporária e livramento condicional, dentre outros). Logo, furtar o apenado desses benefícios, ilegitimamente, em razão da ausência de cálculo de pena, pode, também, ser fustigado pelo mandado de segurança. Deve-se adotar, assim, um pensamento mais liberal, em relação aos instrumentos a serem utilizados para se solicitar a elaboração de cálculo de pena.

Dessa letargia em elaborar o cálculo de pena, que repercute na demora em conferir a progressão de regime ou outros benefícios em tempo, surge, muitas vezes, a problemática da progressão per saltum. A ausência de cálculo de pena atualizado impede a análise de benefícios auferíveis pelo apenado. Essa demora em fazê-lo, por reiteradas vezes, resulta na denegação ou postergação de benefícios.

A progressão per saltum, consiste no trespasse de regimes sem que o apenado tenha cumprido o requisito legal temporal, em cada regime, ou seja, o apenado iria do regime mais gravoso ao menos, sem passar pelo intermediário, situação inadmitida pelo STJ, inclusive, esposando mediante súmula[ii].

Já a progressão retroativa, defendida aqui, nada mais é do que a observância do direito adquirido de o apenado de ir a regime mais brando, ainda que a destempo, por inércia do Estado, já que preencheu os requisitos legais, quais sejam, lapso temporal e requisito subjetivo, em período anterior. Não foi progredido ao regime semiaberto, aquele que estava custodiado no regime fechado, em razão da inércia do Estado, em proferir decisão progredindo-o, ao regime intermediário, e, posteriormente, ao regime mais brando, qual seja, a aberto, mesmo possuindo o apenado todos os requisitos para tanto.

A despeito da distinção, ora esposada, o STJ continua impassível ao fato de o apenado ter cumprido lapso temporal necessário, no regime fechado, para progredir ao regime aberto, e, mesmo assim, não lhe ser concedido o direito de ir legitimamente ao regime menos gravoso, por exclusiva responsabilidade da demora da engrenagem estatal, em manifesta afronta aos princípios da tempestividade, dignidade da pessoa humana e efetividade da tutela jurisdicional

Grande injustiça é penalizar duplamente o apenado que é obrigado a cumprir novo lapso temporal, para ser alçado ao regime mais brando, quando já o cumpriu o requisito temporal para ser nele alocado, o que viola o princípio da progressividade, que confere ao reeducando o direito de paulatinamente ir ao regime menos gravoso, com legitima forma de reintegração social, após cumpridos os requisitos objetivos legais.

Inadmissível é privilegiar o formal, em detrimento do material. A realidade fática há de se impor. Não pode o apenado, em regime fechado, tendo já cumprido tempo suficiente para ir ao aberto, ser compelido a permanecer no regime intermediário, semiaberto, pela inércia do Estado em ter proferida a decisão de progressão de regime a tempo.

O ressocializando não foi progredido ao semiaberto, em tempo, por culpa do Estado, não tendo seu comportamento (falta grave, má comportamento) em nada influído, pois se houvesse influência o caminho natural seria o indeferimento. Todavia, dizer que este não pode ir ao aberto, pois não houve decisão anterior que o conferiu o regime semiaberto seria algo inconcebível, sobretudo, quando cumpriu o tempo necessário para já estar no aberto.

Repise-se que, ao meu ver, esse pensamento da aludida Corte de Justiça se deve ao fato de não se distinguir a progressão per saltum e a progressão retroativa, institutos totalmente diversos, que pelo que sói parecer são considerados semelhantes pelo STJ. Vale ainda pontuar que essa corrente sedimentada no STJ não se reveste de razoabilidade, pois, em muitos casos, o apenado implementará os requisitos do livramento condicional, antes da progressão de regime ao aberto, o que revela a insensatez da tese defendida pelo STJ, já que o livramento condicional é mais benéfico do que a alocação do apenado no regime aberto, externando-se a incongruência de o apenado estar no regime semiaberto, quando deveria já estar no regime aberto, e já fazer jus à concessão do livramento condicional. Nesse sentido, já se manifestou Dr. Rodolfo de Oliveira Amorim[iii]


3. Implicações extrapenais da violação do princípio da celeridade da tutela jurisdicional

Outra questão, inclusive de substrato constitucional, é a possibilidade de indenização, em razão de o apenado ter ficado preso por mais tempo, muitas vezes, por falta de cálculo, ou pela sua obsolescência, fruto da inércia do Estado de efetivar direitos legítimos e consolidados, isto é, adquiridos.

Em sentido afirmativo, há expressa disposição constitucional no art. 5º, dispositivo dos direitos e garantias fundamentais, que respalda a postulação de reparação indenizatória, por ter o apenado permanecido preso, além do tempo devido.

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Por esta razão, é que o descaso estatal e o abandono pode sair muito mais caro que a concessão de direitos legítimos e consolidados, em especial, a progressão de regime àqueles que já cumpriram o requisito objetivo e subjetivo, já que a manutenção do sentenciado no regime mais gravoso decorre exclusivamente da leniência estatal de dar tempestivamente a quem de direito, o que é seu, sendo verdadeira expressão da justiça distributiva.

Diante da lamentável realidade do sistema carcerário brasileiro (celas superlotadas e imundas, sem ventilação ou luminosidade suficientes, prática sistemática de extrema violência, como os atos praticados no complexo de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, ou mesmo, da recente situação de falta de alimentos, a exemplo, do ocorrido no estado do Piauí) cabe pontuar que a ausência de cálculo de pena infringe a integridade física e moral dos presos, e acarreta (por ineficiência do Estado), a permanência indevida do condenado em regime mais rigoroso, violação aos princípios atinentes ao processo de execução penal (progressividade, da legalidade, da reeducação do condenado e da humanização da pena), traz punições mais severas e afeta os resultados quanto à recuperação do reeducando e diminuição do índice de reincidência.


4. Amplitude subjetiva e objetiva dos meios judiciais de solicitação de cálculo de pena

Em razão desta situação, o atestado de pena a cumprir é um instrumento de ressocialização, esta escopo magno da execução penal, razão pela qual cabe ao Estado atuar com celeridade e a tempestividade, imperativos axiológicos que se espraiam em todo o ordenamento jurídico, de forma a evitar a eternização de situações jurídicas, devendo ser observados na execução penal ramo, em que os jurisdicionados se encontram em estado de vulnerabilidade.

Outrossim, é importante saber qual instrumento judicial que deve ser manejado para se obter a elaboração de cálculo.

O cálculo de pena deve ser elaborado, de ofício, anualmente, sob pena de responsabilidade da autoridade judicial. Todavia, nas hipóteses em que este não for elaborado no prazo legal, inaugura-se a dúvida sobre a medida judicial adequada para se elaborar o cálculo de pena.

Na esfera normativa da execução penal, tem-se alguns instrumentos de provocação jurisdicional. São eles: simples petição, agravo de execução e excesso ou desvio. Vejamos o disposto na Lei de Execução penal:

“(...) Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

(....)

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito  (...)”.

Cabe pontuar que inexiste petição tarifada na execução penal, podendo o apenado valer-se de diversos instrumentos para ter seu benefício apreciado. Diga-se, de passagem, que o juiz, até mesmo de ofício, pode decidir em favor do apenado. Na verdade, o reeducando, por simples requerimento manuscrito, pode se dirigir ao magistrado, ou a qualquer autoridade da execução penal. Inexiste monopólio do jus postulandi, como forma de assegurar o pleno acesso do apenado à Justiça. A simplicidade reina na Execução Penal, inexiste o culto à formalidade excessiva, ou melhor, esta não deve ser buscada.

Afirmo ainda, que a legitimidade para se postular o cálculo de pena é ampla, não se restringindo ao apenado, defensor, mas a qualquer órgão de execução penal, terceiro interessado (familiares), por se tratar de matéria de ordem pública e interesse da execução penal.

Como se vê, tem-se a simples petição, que pode ser encaminhada diretamente ao magistrado. Existe, também, o incidente de excesso ou desvio, nos termos do art. 185 e 186 da LEP, que tem cabimento, quando algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

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Sobre o autor
Bruno Joviniano de Santana Silva

Defensor Público. Ex Advogado da Petrobrás. Ex Analista Judiciário do TJDFT. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp.

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