Direito fundamental do apenado: emissão de cálculo de pena anual

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5. Agravo de petição e inércia judicial

Há, também, o agravo de petição, modalidade recursal que pressupõe uma decisão contrária ao interesse do apenado. Nesse caso, tem-se uma questão, qual seja, se não houver decisão negando a elaboração de cálculo de pena, ainda assim, caberia tal modalidade recursal?

Noutro falar, a simples inércia em elaborar o cálculo pode ensejar a interposição deste recurso, isto é, a ausência de decisão do juízo, em relação à matéria, mesmo após provocado por simples petição, ou por incidente de excesso e desvio pode ensejar o aviamento do agravo de petição?

Creio que seja possível equiparar a inércia judicial, à atuação positiva de denegação, apta a ser guerreada por agravo de petição. Na verdade, trancar as portas processuais para uma situação de flagrante ilegalidade seria vilipendiar os princípios da individualização da pena, progressividade de regime e dignidade da pessoa humana. O formalismo deve se render à razoabilidade e a primazia da realidade que externa um cenário caótico nas unidades prisionais do país.

Há, também na práxis forense, os ofícios dos demais órgãos de execução, bem como dos Diretores de Unidades Prisionais que podem solicitar a elaboração ou atualização de cálculo de pena.

Outrossim, constata-se a utilização do habeas corpus e mandado de segurança.

Caberá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.


6. Peculiaridades do cabimento do mandado de segurança

Há decisões que não aceitam o mandado de segurança como via de impugnação para fins de elaboração/atualização do cálculo de pena, pois o atestado de pena a cumprir vincula-se estritamente ao direito de locomoção do apenado sendo, pois, o caso de habeas corpus, que finalisticamente se atrela a razão de ser do cálculo de pena, qual seja, possibilitar a verificação de projeções de benefícios e o término desta, quando então, o apenado estará livre de restrição penal. 

Segundo esse pensamento, o mandado de segurança tem caráter subsidiário, em face do habeas corpus, em se tratando de liberdade ambulatorial não podendo ser, nesses casos, sucedâneo do HC.

Em que pese tal corrente doutrinária, mais uma vez, a formalidade mostrou toda sua exuberância e suplantou a razoabilidade. O que se prega aqui não é atecnia, ou incentivo ao erro grosseiro. Busca-se a efetivação de direitos fundamentais postergados e olvidados. Indo ao cerne da questão, será que em todo caso de pedido de elaboração de cálculo de pena estará em jogo o direito de locomoção?

Suponhamos que um apenado primário que cumpre pena de 20 anos, por delito hediondo, cometido após 2007, a progressão será, após o cumprimento de 2/5 do total da condenação, e só está preso por 5 anos. Será que o direito ambulatorial está em jogo? Óbvio que não.

A situação é que a ausência de cálculo de pena anual é flagrante ilegalidade, manifesto abuso de poder e, portanto, pode ser combatida, mediante mandado de segurança. Na execução penal, o conceito de liberdade ambulatorial deve ser compreendida, sob a ótica do princípio da progressividade, que numa concepção mais dilatada abrange não apenas a progressão de regime, mas também, a concessão de outros benefícios (saída temporária e livramento condicional, dentre outros). Logo, furtar o apenado desses benefícios, ilegitimamente, em razão da ausência de cálculo de pena, deve, também, ser fustigado pelo mandado de segurança. Deve-se adotar, assim, um pensamento mais liberal.

Aduzo ainda, que este pensamento restritivo não se sustenta, pois corriqueiramente, na seara penal, o mandado de segurança é manejado para questionar supostos atos ilegais e abusivos, tal como ocorre da decisão que não recebe a denúncia, caso seja esta esteja calcado em fundamentos absurdos, exalando, portanto, ilegalidade; da decisão que admite ou não assistente de acusação, caso se vislumbre manifesta ilegalidade, ou falta de razoabilidade nos seus fundamentos, embora o CPP afaste a possibilidade de recurso, mas não expressamente, impeça o uso do mandado de segurança, que não é recurso; da decisão que decreta a suspensão do processo por prejudicialidade externa obrigatória, caso se constate ilegalidade ou falta de razoabilidade na decisão.


7. Prazo para impetração

Outra matéria palpitante, diz respeito ao prazo para impetração do mandado de segurança, ação mandamental constitucional, que não se confunde com modalidade recursal.

Suponhamos um caso, em que o apenado tenha sido condenado a 20 anos de reclusão, cumprindo pena, há aproximadamente 6 anos, sem nunca ter recebido atestado de pena a cumprir. Nesse caso, caberia a interposição de mandado de segurança? Qual seria o termo a quo, para fins de verificação do lapso decadencial do writ? Respondo.

O direito posto em jogo é fundamental afastando-se, assim, os influxos de prazos prescricionais, decadenciais ou extintivos sendo, pois, a medida pleiteada instrumento adequado para se guerrear situações abusivas e ilegais que se protraem e se renovam no tempo.

A perpetuação da omissão apontada, isto é, a inércia autoriza o manuseamento desta via.

Havendo a repetição cotidiana da omissão apontada, o prazo para a impetração do writ se renova a cada dia. Além do mais, em se tratando de direitos fundamentais, não há que se falar em prescrição/decadência, pois o direito à individualização de pena é insuscetível a renúncia e extinção, sobretudo quando quem pratica de cerceamento de direito são terceiros, pior o próprio Estado. Pensamento contrário, consiste em aceitar que o Estado, pela sua inércia, fulmine interesse alheio.

Outras decisões, a despeito de rechaçarem a utilização do mandado de segurança, em razão do princípio da fungibilidade, terminam por conhecê-lo, como habeas corpus e apreciam o pedido, como se este houvesse sido interposto, ou até mesmo, não conhecem o mandado de segurança, mas concedem o pedido, de ofício, técnica bastante salutar, pois não perpetua a situação de irregularidade, a despeito da dúvida recursal objetiva, ou até mesmo erro grosseiro. Na seara penal, prima-se muito mais pelo direito material e situação em jogo, do que pelo purismo metodológico, ou formalismo exacerbado.       

É oportuno colacionar julgado  do TJ-MA, que determinou a elaboração de cálculo de pena, por reconhecer inércia em elaboração do cálculo de pena e determinou sua elaboração, sem o qual era inviável o gozo de benefícios, in verbis:

“(...) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. EXECUÇÃO DA PENA. PEDIDO DE CONFECÇÃO DE CÁLCULO DE PENA. INÉRCIA DO JUÍZO. IMPOSSIBILIDADE DE GOZO DOS BENEFÍCIOS.

- Desde o dia 17 de agosto do ano próximo passado foi protocolado junto ao Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Imperatriz (pedido de cálculo da pena, sem que houvesse qualquer manifestação sobre o requerido.

- Ausência de justificativa para inércia do Juízo.

- Ordem concedida, para determinar que a autoridade coatora realize o cálculo da pena da paciente (...)[iv]”.

Sem dúvidas, antes de se recorrer a instancia ad quem, deve-se esgotar todos os meios na instancia a quo para se obter a elaboração de cálculo de pena, forte instrumento de reinserção social, inclusive audiência pessoal com o magistrado solicitando a elaboração/atualização de cálculo de pena.     


8. Conclusão

Por fim, deve-se ter a ótica de que no Brasil não há pena perpétua ou capital, o que implica dizer que em menor tempo, ou maior, o preso estará de volta à sociedade. Todavia, esta sociedade não o preparou para cumprir pena nas condições da maioria de nossas Unidades Penais. Além disso, os gestores não são eficazes em mudar o panorama destas Unidades.

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Assim, muitos sem a devida ressocialização voltam à sociedade, de forma piorada, pela falta atuação positiva do Poder Público, que não propiciou a devida ressocialização. Essa inércia prévia, que viabilizou a sua entrada no sistema prisional e a posteriori que permite que alguns saiam piores do que entraram, termina por gerar mais problemas e convulsionam ainda mais a sociedade complexa e caótica em que vivemos.

Não busco aqui solução, palavra retórica (mais educação, saúde, base familiar e empregos) retumbante, simplista e oca. Busco um repensar de nossos conceitos, princípios e valores, ou melhor, da sociedade em que vivemos, por ser o homem um ser gregário por natureza. A atuação de seu semelhante repercute diretamente ou indiretamente na esfera jurídica alheia, o que corresponde à alteridade.

A coletividade deve repensar onde colima chegar com os valores que vem sendo impostos nas relações interpessoais. O foco estaria no material, ou no ser. Não que aquele não seja importante, mas este, não pode ser esquecido. Digo logo, que não partilho de qualquer ideologia extremada ou purista, ou “ista”, mas com certeza, do olhar humanista. Sendo a resposta o ser, esta sociedade deve agir para externar a importância do homem, que nasce bom ou mal, mas que pode no decorrer de sua vida ser dissuadido do mal, com medidas positivas não só do Estado, mas também da família, base de formação deste. Eis um grande problema, a desagregação dos laços familiares que tem gerado uma sociedade bastante conturbada.

O homem é o grande protagonista planetário, sem o qual quase tudo que conhecemos não estaria como está. A beleza do universo está na mistura das coisas que forma o plural, que é a sociedade. Mas, todas essas visões devem passar por um crivo da lógica do razoável da humanização, ou seja, deve-se buscar um meio-termo para se alcançar o que no Direito se convencionou chamar de dignidade da pessoa humana, diretriz central da vida em sociedade.


Notas

[i]SILVA, Bruno Joviniano de Santana Silva. Atestado de pena cumprir anual: direito constitucional de obtenção de certidões. Jus Brasil, Salvador, 01 jun. 2015. Disponível em: <http://brunojssilva.jusbrasil.com.br/artigos/193872107/atestado-de-pena-cumprir-anual-direito-constitucional-de-obtencao-de-certidoes>. Acesso em: 2 jun. 2015.

[ii]O texto da Súmula 491 do STJ diz: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional.Disponívelem:http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106654

[iii]AMORIM. RODOLFO DE OLIVEIRA.  AMORIM. Progressão de regime retroativa x direito adquirido Distinção e a progressão de regime per saltum. Salvador, 04 jun 2015. Disponível em:http://brunojssilva.jusbrasil.com.br/artigos/195029660/progressao-de-regime-retroativa-x-direito-adquirido-distincao-e-a-progressao-de-regime-per-saltum. Acesso em: 05 jun 15.

[iv] Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Acórdão HABEAS CORPUS 008834/2013.  IMPERATRIZ. RELATOR: Desembargador Raimundo Nonato Magalhães Melo. 30 de abril de 2013. Disponível em: http://jurisconsult.tjma.jus.br/eNoFwdsNgCAMXDDAXVhAqoEQHMA5sLgB5o23d8776X1VJV1ZCQ4gEh4jCZ1h6a5VCqs7HrHkvcyjO0Jm_5ZiC6emM4fu2oWRg,,Acesso em: 02.06.15.

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Sobre o autor
Bruno Joviniano de Santana Silva

Defensor Público. Ex Advogado da Petrobrás. Ex Analista Judiciário do TJDFT. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp.

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