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Jurisdição constitucional estadual:

notas para compreender sua problemática no âmbito da federação brasileira

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19/08/2015 às 11:11
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7.   Poder Judiciário Estadual e Competências Próprias à Jurisdição Constitucional

Em uma federação há uma divisão de competências horizontais e verticais entre os órgãos que a compõem. Assim entre o legislativo, o executivo e o judiciário, há uma divisão horizontal de missões, de tarefas, de atribuições, de competências no sistema constitucional. Numa federação essa divisão se dá em seus respectivos níveis, no caso da brasileira, dá-se em três níveis verticais: federal, estadual e municipal. É basilar a idéia de federação a repartição de competências, o asseguramento de um círculo de atuação aos órgãos constitucionais integrantes do pacto federativo.

Nossa doutrina constitucional destaca, preponderantemente, as competências legislativas e administrativas[119], sem, no entanto, dar a devida atenção a divisão de competências entre os órgãos judiciários da federação (ao federalismo judicial[120]). Ao nível municipal não é assegurado atribuições judiciais, ou seja, não há que se falar, entre nós, de um poder judiciário municipal[121], como podemos falar de um poder judiciário da união e um poder judiciário dos estados-membros[122].

No Brasil, desde 1891, vige o sistema dual de justiça[123], ou seja, há uma justiça federal e vinte e sete justiças estaduais, cada qual com seu rol de competências jurisdicionais, delineadas, basicamente, nos enunciados constitucionais (arts. 92, 96, I, “a”, III, 102, 105, 108, 109, 111, § 3°, 113, 114, 121, caput, 124, parágrafo único, 125, § 1°, da CR).

Não há outro capítulo em nossa atual Constituição que tenha recebido o maior número de artigos: o Judiciário[124] é preordenado através de 35 dispositivos. Neles a justiça dos estados é pré-ordenada largamente, seguindo tradição inaugurada com a Constituição de 1934[125]. Em dez artigos a atual Constituição refere expressamente a competência própria aos órgãos da justiça nacional: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior Militar, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais de Justiça Militar, Tribunais de Justiça estaduais, juízes federais, eleitorais, trabalhistas, militares, estaduais. Em vários trechos de sua narrativa a Constituição define  a competência de órgãos do poder judiciário, fazendo-o de forma taxativa, é o caso das competências do STF, STJ, TRF’s e juízes federais. Em outras deixa à compleição da lei esta tarefa, hipótese relativa aos demais órgãos judiciários (arts. 111, § 3°, 113, 114, 121, caput, 124, parágrafo único da CR).

Interessa-nos, para os efeitos deste trabalho e respectivo item de abordagem, a competência da Justiça estadual para conhecer questões constitucionais, especialmente aquelas ligadas a proteção da Constituição estadual – especificamente as competências vigentes. Ou melhor, interessa-nos sua competência de cognição judicial em matéria constitucional estadual.

Para tanto precisamos trabalhar conceitos acima expendidos: controle jurisdicional difuso e concentrado; jurisdição constitucional das liberdades e jurisdição como garantia da constituição. Ainda precisaremos tratar da interessante conexão entre jurisdição ordinária e jurisdição constitucional. Também impede sejam descritos os dispositivos constitucionais (e legais) centrais que se ocupam da matéria com reflexo no plano estadual. Para bem tratarmos alguns desses assuntos, tomaremos como exemplo normas da ordem jurídica do Estado de Santa Catarina.

Aos órgãos judiciários estaduais se impõe o dever-poder de tutelar a Constituição estadual, por força da rega do artigo 23, inciso I, da Constituição da República, que atribui competência comum a União, Estados-Membros e Municípios para tutelar a Constituição e as leis da República; do princípio do artigo 25, que especifica que o Estado-Membro deverá organizar-se e reger-se pelas Constituições que adotar; das regras do artigo 125, §§ 1° e 2°, insertas na SeçãoVIII  “Dos Tribunais e Juízes dos Estados”, que atribuem competência normante aos entes federados estaduais para organizarem suas justiças estatuindo competência aos Tribunais de Justiças por meio da Constituição estadual e instituindo representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual.

Dois princípios constitucionais estruturantes sobrepairam esta competência de cognição constitucional e de proteção da Constituição Estadual pelos órgãos judiciários estaduais: o princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio do Federalismo (ambos com assento no artigo 1°, da CR).

Além desses fundamentos na ordem jurídico-positiva, existem outros que decorrem de nossa tradição constitucional e da tradição própria ao federalismo, que não podem ser sonegados nos processos de compreensão e concretização[126] das normas que operaram a jurisdição constitucional estadual no Brasil: desde a estatuição da República Federativa os órgãos judiciários estaduais tiveram a possibilidade de tutelar a Constituição estadual em face de leis estaduais ou municipais que lhe fossem contrárias, e é ínsito as federações esse controle em prol das Constituições estaduais[127].

Em nosso sistema, os Tribunais de Justiça operam, com exclusividade, o controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição estadual. Nele conhecem ações diretas  genéricas de inconstitucionalidade (art. 125, § 2°), ações interventivas nos municípios (35, IV), ou outras ações que os estados estatuírem, como exemplifica a processualística constitucional federal (102, § 1°, 103, § 4°).

Os Juízes estaduais, órgãos de judicação monocrática, nas varas de comarca onde servirem ou nos juizados especiais que atuarem, seja em processos cíveis ou criminais, contenciosos ou de jurisdição voluntária, da petição inicial à prolação da sentença, poderão, por iniciativa própria ou atendendo argüição das partes, terceiros interessados ou Ministério Público, poderão exercer, como prejudicial de mérito, o controle difuso de constitucionalidade em tutela da constituição estadual (ou mesmo da constituição municipal, quando se tenha em foco lei municipal contrastante com a Lei Orgânica Municipal).

Da mesma forma, os órgãos judiciários colegiados integrantes do Tribunal de Justiça (Câmaras, Câmaras Reunidas, Pleno, Turmas, etc), para realizarem higidamente o controle difuso em prol da lei fundamental estadual, deverão respeitar as regras processuais dos artigos 480 a 482, do Código de Processo Civil, com as alterações dadas pelas Leis 9.756/98 e 9.868/99. Mais: deverão respeitar o artigo 97, da Constituição Federal, seja o parâmetro a Constituição estadual diante de leis estaduais ou municipais, ou a Lei Orgânica municipal diante de lei infra-orgânica municipal contrastante (segundo entendemos, neste último caso). Essas normas definem a cisão do julgamento de constitucionalidade entre o órgão fracionário do Tribunal e seu órgão pleno ou especial. A decisão sobre a inconstitucionalidade de ato normativo, em Tribunal, só poderá ser tomada pelo maioria absoluta dos membros integrantes do pleno ou do órgão especial. É a regra do full bench.[128]

Ainda sobre controle difuso e órgão judiciários colegiados, é preciso dizer que aos juizados especiais civis e criminais operáveis no plano estadual, por força da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995[129], quando apreciarem recursos cíveis ou criminais através de suas turmas de juízes de primeiro grau (compostas de três magistrados), conforme artigos 41, § 1° e 82, caput, para conhecerem argüições incidentais de inconstitucionalidade, não precisam obedecer ao quorum do artigo 97, nem a processualística dos artigos 480 a 482 do CPC, pelo simples fato de não constituírem Tribunal[130]. O controle de constitucionalidade difuso nos juizados especiais estaduais tende a ser raro, pois o artigo 3°, § 2°, da Lei 9.099, excluiu da competência dos juizados cíveis as causas de natureza fiscal e de interesse da fazenda pública, causas onde, na maioria das vezes, surgem aduções de inconstitucionalidade in concreto.

A jurisdição constitucional como garantia da Constituição estadual é aquela operada pelo controle concentrado de constitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça. O processo constitucional que veicula essa jurisdição deve ser regulado pelo próprio estado-membro, através de seus órgãos com competência normante constituinte, reformadora, ordinária e regimental (como vimos no item 5.1). Mais: as próprias ações, os instrumentos processuais devem ser definidos pela ação normante estadual.

A jurisdição constitucional da liberdade no plano estadual, ou seja, aquela operada pelo mandado de segurança, habeas data, habeas corpus, mandado de injunção perante os órgãos judiciários estaduais, tem seu processo definidos por leis federais (ou melhor, nacionais[131]). Essas ações constitucionais típicas encontram-se positivadas no texto constitucional central, o constituinte originário as elegeu. A Constituição da República apenas defere aos Estados-Membros, por meio da Constituição estadual e de lei estadual de organização judiciária, a definição das competências do Tribunal de Justiça e dos órgãos de jurisdição monocrática estaduais, e, assim, no exercício dessa faculdade normante, os Estados-Membros apenas decidem quais de seus órgãos conhecerão as matérias veiculadas por meio das ações insertas na jurisdição constitucional das liberdades.

Vejamos, a título de ilustração, o que definiu a ordem jurídica catarinense quanto ao ora tratado:

a) o artigo 83, inciso XI, letras “c” e “d”, da Constituição do Estado de Santa Catarina, respectivamente, diz que “compete privativamente ao Tribunal de Justiça”, “processar e julgar, originariamente”, “os mandados de segurança e de injunção e os ‘habeas-data’contra atos e omissões do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia, do próprio Tribunal ou de algum de seus órgãos, dos Secretários de Estado, do Presidente do Tribunal de Contas, do Procurador-Geral de Justiça e dos juízes de primeiro grau”, “os ‘habeas-corpus’ quando o coator ou paciente for autoridade diretamente sujeita a sua jurisdição”. O referido diploma, em seu artigo 4°, caput) e inciso V, prescreve que “O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais (...) previstos na Constituição Federal (...)” e “o Poder Judiciário assegurará preferência no julgamento do ‘habeas-corpus’, do mandado de segurança e de injunção, do ‘habeas-data’ (...).”

b) A Lei estadual n° 5.624, de 09 de novembro de 1979, que institui o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, estabelece, nos seus artigos 93, III e 99, letra “e”, que “compete ao juiz de direito no crime processar e julgar ‘habeas corpus”, e que “compete-lhe como juiz dos feitos da fazenda (...) processar e julgar (...) os mandados de segurança contra (...) ato de autoridade estadual ou municipal, ou como tais consideradas, ressalvados os casos de competência originária do Tribunal.” Mesmo após a entra em vigor da Constituição estadual (05.10.89), até hoje a Lei n° 5.624/79 carece de atualizações que fixem a competência para os órgãos judiciários monocráticos de primeiro grau conhecerem mandado de injunção e “habeas-data”.

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c) o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que entrou em vigor em 01 de julho de 1982, e sofreu alterações pelos Atos Regimentais n° 01, de 14 de outubro de 1982 ao n° 59, de 18 de junho de 2003, tratou dos procedimentos tribunalícios do (i) mandado de segurança, nos seus artigos 176 a 177, e (ii) do habeas corpus, artigos 174 a 175.

c) (i) no artigo 29, I, letra “c”, estabeleceu que compete a uma das Câmaras Civis processar e julgar mandado de segurança impetrado contra juiz de primeiro grau, quando a matéria for civil; no 30, I, letra “h”, estabelece que compete a uma das Câmaras Criminais processar e julgar mandado de segurança impetrado contra juiz criminal e auditor da justiça militar; o Ato Regimental n° 41, de 09 de agosto de 2000, em seu artigo 3°, com a alteração conferida pelo Ato Regimental n° 50, de 26 de fevereiro de 2002, estabeleceu a competência das Câmaras de Direito Público (que absorveram as competências das Câmaras Cíveis no que toca a mandado de segurança) “... para o julgamento dos recursos ou ações originárias de Direito Público em geral, em que figurem como partes, ativa ou passivamente, o Estado, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo Poder Público ou autoridades do Estado e de Municípios, bem como os feitos relacionados com atos que tenham origem em delegação de função pública, cobrança de tributos, preços públicos, tarifas e contribuições compulsórias do Poder Público e, ainda, questões de natureza processual relacionadas com as aludidas causas (...)”, assim, resta claro que quanto a competência para mandado de segurança, em matéria não-criminal, será de uma entre as três Câmaras de Direito Público existentes, instituídas pelo Ato Regimental n° 57, de 04 de dezembro de 2002, artigo 1°, inciso III; além dessas normativas regimentais, o Ato Regimental n° 39, de 22 de novembro de 1999, artigo 2°, II, estabeleceu que compete a Câmara de Férias processar mandados de segurança, incumbido o relator provisório de julgar o pedido de liminar (note-se que a decisão de mérito do mandamus não será proferida pela Câmara de Férias, que atuará, através do relator, apenas para efeito de apreciação do pedido liminar).

c) (ii) o Regimento Interno em seu artigo 28, inciso III, institui competência das Câmaras Criminais reunidas para darem habeas corpus de ofício, nos feitos submetidos a apreciação desse órgão fracionário; o 29, I, letra “h”, estabeleceu que quando a prisão for civil, caberá a Câmara Civil conhecer de habeas corpus; no 30, I, letra “a”, estabeleceu que compete a uma das Câmaras Criminais conhecer de habeas corpus quando o coator ou paciente for deputado estadual, secretário de estado, juiz de primeiro grau, auditor da justiça militar e seus substituto, e membros do Ministério Público; além desses dispositivos regimentais, o Ato Regimental n° 39, de 22 de novembro de 1999, no seu artigo 2°, I, estabeleceu que compete a Câmara de Férias processar e julgar habeas corpus e recursos de decisões denegatórias de habeas corpus.

Cumpre dizer que os direitos subjetivos postulados no âmbito da jurisdição constitucional das liberdades pode ter assento em leis estaduais ou municipais, assim como na Constituição estadual ou em Lei Orgânica Municipal. Assim, embora o processo seja posto por lei nacional, para seus desenvolvimentos a competência é fixada por normas estaduais, e os direitos tuteláveis, nesses instrumentos, podem ter assento na ordem objetiva estadual ou municipal, o que caberia falar, nestes termos, de jurisdição constitucional estadual das liberdades.

Outra questão relevante neste item diz respeito as conexões de sentido entre jurisdição constitucional estadual e jurisdição ordinária estadual.

A primeira conexão a referir, toca ao fato da matéria própria a cada uma destas jurisdições. A constitucional, nas palavras de Oliveira Baracho, é “...  compreendida como a parte da administração da justiça que tem como objeto específico matéria jurídico-constitucional de um determinado Estado.”[132] Ela “... é tomada (...) no sentido de atividade jurisdicional que tem por objetivo verificar a concordância das normas de hierarquia inferior, leis e atos administrativos, com a Constituição, desde que violaram as formas impostas pelo texto constitucional ou estão em contradição com o preceito da Constituição, pelo que os órgãos competentes devem declarar sua inconstitucionalidade e conseqüente inaplicabilidade.”[133]

Por sua vez, a jurisdição ordinária não julga normas inferiores em face de normas superiores, aplica a lei aos casos concretos, subsumindo as normas legais inferiores ao casos fáticos submetidos à jurisdição civil, penal, eleitoral, trabalhista, militar. Nessas hipóteses, a princípio, o terreno de cognição seria entre fato e norma, de mera subsunção entre hipótese legal e situação fática específica. Por exemplo, verificar-se-ia, se diante do artigo 121 do Código Penal, a acusação de homicídio encontra fundo suficiente para levar a condenação daquele que fora acusado de assassínio, tendo em conta todas as circunstâncias fáticas que envolveram o caso, diante das normas materiais e processuais regentes da espécie.

Assim, haveria, em princípio, na jurisdição constitucional, o juízo de valor, de sindicância de compatibilidade, entre duas normas de diferente hierarquia, uma a constitucional, outra a infra-constitucional ou ordinária, haveria uma questão antes de direito, de aferição de validade, de fiscalização sobre o processo de produção da norma inferior tendo em conta uma norma ou várias normas superiores, cujo resultado, caso houvesse contraste com a superior pela inferior, levaria ao invalidamento da última – teríamos uma discussão no plano da validade das normas; por sua vez, na jurisdição ordinária, o contraste ou a subsunção axiológica, seria entre norma e fato, um mero juízo de compatibilidade entre conduta prescrita na norma e comportamento concreto (dare, facere, non facere) efetivamente realizado no plano dos fatos, extraindo-se daí a conseqüência que a norma legal pré-determinasse: sanção penal, contratual, nulidade ou anulabilidade, condenação reparatória, multa pecuniária, etc.[134]

Esse separação serva apenas para fins didáticos, pois no plano da práxis jurídica, da aplicação efetiva dos direitos aos casos submetidas à jurisdição, ela apenas distingue os casos onde não se cogita de questões de controle de constitucionalidade por ação ou omissão, na via concentrada ou difusa. A separação entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária torna-se tênue, e de pouco efeito, se compreendermos que a Constituição e o Direito Constitucional não são relevantes apenas para o controle de constitucionalidade, mas também para a tutela de todo e qualquer direito que se funde diretamente na Constituição ou que para sua aplicação se faça necessário o olhar hermenêutico por sobre os princípios e regras constitucionais que traçam conexões de sentido com as normas ordinárias que, em primeiro plano, fundarão a causa de pedir ou a motivação da sentença que houver de solver uma lide ordinária.[135]

Ou seja, os aspectos constitucionais da jurisdição não são apenas aqueles voltados para juízos de validade das normas inferiores em face das superiores normas fundamentais, mas também os atentos ao papel hermenêutico que as normas constitucionais desempenham diante de todo e qualquer caso submetido à jurisdição. Deste modo: mesmo que o juiz tenha em primeira mão apenas normas legais a aplicar, ele sempre ou quase sempre terá regras, princípios e valores constitucionais a considerar no ato de aplicação do direito aos casos que lhe são submetidos. A Constituição acabará concretizada direta ou indiretamente no ato-sentença. Deste modo, em nosso sistema, os juízes ordinários também são juízes constitucionais, exercem jurisdição constitucional, mesmo a pretexto de apenas exercerem suas jurisdições ordinárias.

Em verdade, em nosso sistema todos os órgãos judiciários exercem jurisdição constitucional, ou melhor, estão competenciados e autorizados para exercê-la[136]. Ou ainda: todos os órgãos do poder judiciário exercem, cumulativamente, a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária. Essa distinção tem maior valor nos sistemas em que apenas um único órgão exerce jurisdição constitucional, como no histórico modelo austríaco.

Poderíamos dizer, com Castro Nunes, para sublinhar nota distintiva entre a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária, que a primeira  se governaria por exigências e método que lhe são próprios[137], havendo naquela maior liberdade de interpretação em face da abertura e densidade das normas constitucionais, comparadas às normas ordinárias[138]. Ambas tem natureza jurídica, sendo que a polêmica sobre a natureza política da jurisdição constitucional já se encontra superada.[139]

No plano do Estado-Membro essa distinção ganha maior significado. A jurisdição constitucional estadual, ou seja, a jurisdição em matéria constitucional exercida pelos órgãos judiciários estaduais (juízes de direito, juizados especiais, tribunal de justiça), não se ocupam somente da Constituição Federal, como já vimos. A Constituição estadual e as Leis Orgânicas dos municípios situados no território estadual são objeto da guarda da jurisdição constitucional estadual. Desta forma, o objeto da jurisdição constitucional estadual alcança três níveis de leis fundamentais: a federal, a estadual e as municipais respectivas.

Por outro lado, a jurisdição ordinária estadual lida com um número imenso de leis e atos normativos ordinários municipais, estaduais e nacionais para aplicação aos casos que lhe são submetidos, devendo compatibilizar suas aplicações com os níveis de leis fundamentais aludidos. Além de atos normativos, também atos concretos, como sentenças e atos administrativos, são objeto de cognição no âmbito da jurisdição ordinária.

O universo de leis fundamentais e ordinárias, de atos normativos e atos concretos que deve ser tomado em conta pelos magistrados estaduais no exercício de suas jurisdições constitucional e ordinária coloca instigantes problemas para o Direito Constitucional, para o Direito Público da federação brasileira, especialmente por que o convívio entre os poderes constituídos, estadual ou municipal, bem como as demandas que envolvem a proteção de direitos fundamentais no plano do Estado-Membro, desafiam, cada vez mais, a cultura publicística brasileira, e exigem dos operadores jurídicos em geral não só sensibilidade humana e política, mas, ao lado dessa, aprofundamento teórico e dogmático nas grandes questões que envolvem federação, constituição, jurisdição constitucional e direitos fundamentais.

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Sobre o autor
Ruy Samuel Espíndola

Advogado publicista e sócio-gerente integrante da Espíndola e Valgas Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC, com militância nos Tribunais Superiores. Professor de Direito Constitucional desde 1994, sendo docente de pós-graduação lato sensu na Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atual Membro Consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB/Federal e Membro da Comissão de Direito Constitucional da Seccional da OAB de SC. Membro efetivo da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, do Instituto Catarinense de Direito Administrativo e do Octagenário Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Acadêmico vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas na cadeira de número 14, que tem como patrono o Advogado criminalista Acácio Bernardes. Autor da obra Conceito de Princípios Constitucionais (RT, 2 ed., 2002) e de inúmeros artigos em Direito Constitucional publicados em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras. Conferencista nacional e internacional sobre temas jurídico-públicos. [email protected], www.espindolaevalgas.com.br, www.facebook.com/ruysamuel. 55 48 3224-6739.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Jurisdição constitucional estadual:: notas para compreender sua problemática no âmbito da federação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4431, 19 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41918. Acesso em: 26 abr. 2024.

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