Da inaplicabilidade da lei de crimes contra o sistema financeiro às operadoras de plano de saúde

18/08/2015 às 12:24
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O presente Artigo trata da inaplicabilidade da Lei nº 7.492/86 às operadoras de plano de saúde, em razão dos princípios da anterioridade e taxatividade da norma penal, não havendo espaço para a analogia in malam partem.

Nos termos do artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, bem como previsto no artigo 1º do Código Penal, “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Trata-se do princípio da anterioridade e taxatividade da norma penal. Além de sua expressa previsão em lei em sentido estrito, deve o tipo penal descrever tudo aquilo que é necessário para sua devida incidência. Ou seja, o bem jurídico tutelado, a ação nuclear, seu sujeito ativo e passivo, além de suas elementares e circunstâncias. Somente assim, descrito o necessário, é que estará assegurado o postulado da segurança jurídica.

No que toca Instituição Financeira por equiparação, a definição se encontra no artigo 1º, parágrafo único, da Lei de Colarinho Branco:

“Art. 1º

(...)Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros.”

Pelo exposto no artigo acima transcrito, a pessoa jurídica que administra seguros é equiparada a instituição financeira.

Cumpre então ao intérprete preencher o conteúdo semântico das palavras da norma em comento.

Destarte, nessa atividade interpretativa, na seara criminal, diante da vedação de analogia in malam partem e interpretação extensiva, deve haver o controle do subjetivismo do intérprete, de modo que a interpretação do tipo penal é limitada pela própria norma incriminatória e pelo ordenamento jurídico, sendo que a eleição do seu sentido deve guardar correspondência com a finalidade subjacente de seu conteúdo (isto é, seu bem jurídico tutelado).

Então, pela interpretação sistemática do tipo penal dos artigos 1º e 25 da Lei nº 7.429/86, a prática dos crimes contra o sistema financeiro somente se concretiza sob a administração, gestão, gerência de instituição financeira, justamente porque o bem jurídico tutelado pela norma penal em comento é a higidez do sistema financeiro (estado ideal de coisas discriminado no artigo 192 da Constituição Federal).

E por instituição financeira, a teor da expressão do artigo 17 da Lei nº 4.595/64, entende-se que:

“Art 17 . As pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.”

Ademais, pelo olhar sistemático do ordenamento, somente será instituição financeira por equiparação as entidades discriminadas no artigo 1º, §1º, da Lei Complementar nº 105/2001, rol que não insere as operadoras de plano de saúde:

“Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1 o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;II – distribuidoras de valores mobiliários;III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;V – sociedades de crédito imobiliário;VI – administradoras de cartões de crédito;VII – sociedades de arrendamento mercantil;VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;IX – cooperativas de crédito;X – associações de poupança e empréstimo;XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;XII – entidades de liquidação e compensação;XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional.”

Portanto, segundo a disposição do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, somente se estende às pessoas jurídicas a administração dos seguros. Isso porque a Lei de Colarinho Branco, se utiliza de norma penal em branco, cujo conteúdo semântico é preenchido por outra norma.

No que toca o contrato de seguro, é disciplinado pelo artigo 757 do Código Civil, onde diz que:

“Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

O contrato de seguro trata-se de uma obrigação de fazer, onde a seguradora se obriga a pagar premio ao segurado contratante, contra riscos predeterminados

Nos termos do artigo 777 do Código Civil, tal natureza jurídica, se estende aos contratos de seguro regidos por leis próprias.No caso em tela, o seguro saúde é disciplinado pela Lei 10.185/2001, e é comercializado exclusivamente por sociedade operadora especializada na venda de seguro saúde, nos termos de seu artigo inaugural. 

Por outra vertente, ao se olhar sobre a natureza jurídica do plano de saúde, disciplinada pela Lei nº 9.656/98, fica bem dito no seu artigo 1º, inciso I, que:

 “Prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde”, induzindo a dizer que trata-se de contrato de prestação de serviços.

Tanto é que, na administração de plano de saúde, há maior liberdade de atuação, mormente porque o inciso II, do artigo 1º, da Lei supraindica: 

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“Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão”.

Data vênia, o fato de que a Lei nº 9.656/98 indica respectivamente que (a) as operadoras de plano de saúde vendam produto, serviço e contrato de prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde (art. 1º, incisos I e II), (b) que as operadoras de plano privado de assistência à saúde estão sujeitas ao regime de liquidação extrajudicial (art. 23, §1º), (c) que as operadoras de plano privado de assistência à saúde poderão celebrar contratos de resseguro junto às empresas devidamente autorizadas a operar em tal atividade (art. 35-M), não autoriza a prática de interpretação extensiva das disposições do parágrafo único, do art. 1º, da Lei 7.492, de modo a transmudar o seu alcance em relação às empresas que comercializem contratos de seguro, para inserir na semântica legal as pessoas jurídicas que administrem plano de saúde.                            

Sobre a vedação de interpretação extensiva no âmbito de interpretação da norma penal é o magistério de CELSO DELMANTO[1]:

“(...) a interpretação dos taxativos termos da lei penal há que ser exata, embasando-se em critérios técnicos e preciosos. Taxatividade e exatidão essas que, tratando-se de restrições a direitos individuais, são incompatíveis com a parêmia minus dixit quam voluit, ou seja, de que as palavras empregadas (ou melhor, mal empregadas) pelo legislador dizem menos do que a sempre abstrata e indefinida “vontade da norma” ou de qual teria sido a subjetiva “vontade do legislador”. A interpretação com efeitos extensivos afigura-se, desse modo, totalmente inconciliável com um Estado Democrático de Direito, já que a ampliação do significado literal dos termos empregados no tipo penal implica, não termos dúvida, imprecisão e falta de segurança jurídica, o que nos faz lembrar as palavras de Miguel Reale (Filosofia do Direito, São Paulo, Saraiva, 1956, p. 521): “a incerteza e arbítrio são incompatíveis com a vida jurídica”. 

Ainda neste mesmo sentido precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE TORTURA. POLICIAL MILITAR REFORMADO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. EFEITO EXTRA-PENAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 92, INCISO I, ALÍNEA B, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA NA ESFERA ADMINISTRATIVA, NOS TERMOS LEGALMENTE PREVISTOS. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. O efeito da condenação relativo à perda de cargo público, previsto no art. 92, inciso I, alínea b, do Código Penal, não se aplica ao servidor público inativo, uma vez que ele não ocupa cargo e nem exerce função pública.2. O rol do art. 92 do Código Penal é taxativo, não sendo possível a ampliação ou flexibilização da norma, em evidente prejuízo do réu, restando vedada qualquer interpretação extensiva ou analógica dos efeitos da condenação nele previstos.3. Configurando a aposentadoria ato jurídico perfeito, com preenchimento dos requisitos legais, é descabida sua desconstituição, desde logo, como efeito extrapenal específico da sentença condenatória; não se excluindo, todavia, a possibilidade de cassação da aposentadoria nas vias administrativas, em procedimento próprio, conforme estabelecido em lei.4. Recurso especial desprovido.”(REsp 1317487/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 22/08/2014)“HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. EXCESSO DE EXAÇÃO. VALORES COBRADOS ILEGALMENTE EQUIPARADOS A TAXA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.PRINCÍPIO DA ESTREITA LEGALIDADE. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie.Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial, no afã de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.2. A questão cinge-se em reconhecer a possibilidade, ou não, de o delito de excesso de exação ser praticado quando há cobrança de valores ilegais da sociedade para realização de procedimentos médicos custeados pelo SUS e pelo CISA.3. O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal incrimina a conduta de funcionário público que exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.4. Nos termos da definição conferida pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, "tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se posse exprimir, que não constitua sanção de ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa." 5. No caso, é incontroverso que os valores exigidos pelos pacientes não possuem previsão legal, característica que afasta, indubitavelmente, a natureza tributária da cobrança.6. Na medida em que os valores cobrados não se inserem no conceito de tributo, é defeso considerar que sua cobrança, ainda que eventualmente indevida, tenha o condão de configurar o delito de excesso de exação, sob pena de violação ao princípio da legalidade consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal.7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para absolver os pacientes pelo delito de excesso de exação.”(HC 259.971/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe 16/04/2013)“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONCUSSÃO. MÉDICO CREDENCIADO AO SUS. EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO.IMPOSSIBILIDADE. ATO PRATICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.9.983/2000. IRRETROATIVIDADE. ENUNCIADO 83/STJ. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA REDAÇÃO ANTERIOR. INADMISSIBILIDADE.1. Pacificou-se nesta Corte o entendimento de que a Lei n.9.983/2000 não pode retroceder para equiparar a funcionário público médico credenciado ao SUS, sendo atípica a conduta praticada antes de sua vigência. Enunciado n. 83/STJ.2. O Supremo Tribunal Federal consignou que não se pode equiparar cidadãos com base em interpretação extensiva da redação original do § 1º do art. 327 do Código Penal, pois o caráter excepcional das ficções legais exige a sua interpretação restritiva”.3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1101423/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 14/11/2012)

Por todo exposto, e pelo inciso I, do parágrafo único, do artigo 1º da Lei 7.492/86, onde é referido que apenas as sociedades comerciais especializadas na comercialização de seguro saúde são instituições financeiras, não incidem nos crimes contra o sistema financeiro nacional as operadoras de plano de saúde.


Nota

[1] Codigo Penal Comentado, CELSO DELMANTO, 7º Ed. 2007, pag. 15

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Sobre o autor
Helio Maldonado

Bacharel em Direito.<br>Especialista em Direito Público, Direito Eleitoral e Fazenda Pública em Juízo.<br>Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais. Advogado<br>Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/ES.<br>Autor de livro, artigos jurídicos e professor palestrante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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