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Imposto de renda negativo:

como tributar e distribuir renda

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25/08/2015 às 11:33
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O IRN é mais barato e mais eficaz do que as medidas políticas atualmente tidas como elementares à assistência social e à redistribuição de renda.

1.      Estado, Tributo, Indivíduo: uma relação necessária ou impossível?

Outrora afirmou Othon Sidou que “a ideia de Estado [é] inerente à ideia de tributo”[1]. O postulado de Othon demonstra ser verdadeiro, tendo em vista que o Estado é dotado de obrigações desde que instituído pela Carta Magna. O Estado precisa dar efetividade às necessidades públicas. “A necessidade torna-se pública por uma decisão dos órgãos políticos”[2].

Em outras palavras, o Estado é dotado de uma múltipla relação de deveres: [1] deve fornecer bens (ou fornecer meios para que as pessoas os obtenham); [2] “conhecer o montante requerido de receitas e qual o impacto que causará na sociedade”[3]. De tudo isto, pode-se depreender que o Estado precisa justificar as razões de sua existência, além disto, precisa justificar a sua própria ideia. Como, “do Estado não é exigida a demonstração, nas normas tributárias, da relação entre a arrecadação e o dispêndio”[4], resta ao Estado, enquanto Estado Fiscal, consolidar seu modo de sanar as necessidades públicas, de sorte que o “a arrecadação deve possuir motivo”[5]. Compreenda-se:

“O Estado não é apenas, como se pretendeu, até agora, uma potência que manda, uma soberania. É uma estrutura de serviços públicos organizados e controlados pelos governantes”[6].

As relações estatais, portanto, envolvem não apenas o fenômeno tributário, mas antes, elas estão diretamente correlacionadas à atividade financeira do Estado, isto é, “aos fenômenos ligados à obtenção e dispêndio do dinheiro necessário ao funcionamento dos serviços a cargo do Estado, ou de outras pessoas de direito público, assim como os efeitos outros resultantes dessa atividade governamental”[7].

Compreender que o fenômeno das atividades estatais envolve não apenas a receita, mas também a despesa e o modo pelo qual ambas são autorizadas inicia um processo que tem por corolário lógico a compreensão de que a análise da atividade estatal perpassa a análise de seu orçamento. Para que possamos ter em mente o que é o orçamento estatal, vejamos brilhante conceito trazido à baila por meio dos ensinamentos do mestre Aliomar Baleeiro:

“orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”[8].

Esta intersecção entre as partes do orçamento é elementar para a compreensão dos impostos instituídos, dos meios políticos escolhidos para sanar as necessidades públicas e a aplicação adequada dos instrumentos de relação entre os particulares e o Estado. Como é de notório conhecimento a atividade estatal possui consequências que não se limitam ao puro fenômeno econômico-financeiro.

Os efeitos extrafiscais da atividade em suas diretrizes “políticas, morais e sociais”[9] são de salutar relevância. As finanças devem ser compreendidas até mesmo em seu fenômeno psicológico, isto quer dizer é necessário que os processos sociais fundamentem/justifiquem a razão pela qual o Estado tributa. Em conformidade com os ensinamentos de Kanayama, “tributos não são agradáveis ao contribuinte” [10], corrobora para tal entendimento o conceito de tributo, leciona Borba, “a expressão tributo vem do latim tribuere, significando dividir por tribos o ônus da imposição”[11].

Por tais razões que frisamos a necessidade de que o Estado ao instituir tributos, motive as razões de sua existência. Kanayama elenca alguns motivos pelos quais as pessoas aceitam tributos (ou sua majoração). São eles: “(a) sentimento de que haverá bom uso do dinheiro; (b) Afetação ou redução da discricionariedade; (c) accountability”[12]. “Ao justificar a finalidade da instituição ou majoração de tributos, o Estado cumpre com seu dever de transparência e permite o controle do uso dos recursos, expondo que a arrecadação servirá ao fim público”[13].

Esta atividade financeira comumente encontra três caracteres essenciais a sua existência e que se coadunam para que seja possível lograr o fim público. Ilustríssimo Aliomar Baleeiro apresenta:

“a) um processo de repartição do custo do financiamento do Estado, ou de outras pessoas de Direito Público, que se distingue dos métodos da economia privada porque repousa nos princípios da capacidade contributiva e no da máxima conveniência social;

b) a redistribuição da renda nacional que resulta desse processo de repartição dos encargos públicos;

c) o caráter coativo desse processo, graças a institutos políticos e jurídicos, que marcam a ação do Estado, no campo econômico, para obtenção dos recursos necessários a seus fins”[14].

Um processo de tributação e, por tal, o processo de atividade financeira do Estado, é justificável a partir do momento em que tal processo for responsável pela efetivação do princípio da solidariedade social, por meio da contribuição na medida da capacidade contributiva de cada cidadão. Tal processo deve submeter-nos a uma relação de redistribuição de renda e, por esse motivo, é inserido em uma atividade coativa, por meio de institutos jurídicos e políticos.

Não sejamos ingênuos. A caridade é das mais belas características humanas, mas coletivamente, não somos dotados dela a ponto de que tenhamos um sistema social solidário. Para isto basta analisarmos o quão significativa é estatisticamente a quantidade de famílias que se dedicam a tal fim. Lamentavelmente, o único meio de manter um mínimo existencial para todos os cidadãos é por meio de um processo de redistribuição de renda coativo levado a cabo pelo Estado. “As relações da atividade financeira não são livres, como as econômicas, mas pressupõem, como as políticas, a supremacia de alguns grupos e classes sociais sobre a grande massa da coletividade política e, destarte, são eminentemente coativas”[15].


2.      Breves lições sobre o Imposto de Renda

“A origem do moderno imposto sobre a renda está vinculada a iniciativa de W. Pitt, em 1798, como recurso de financiamento das guerras da Inglaterra contra Bonaparte”[16]. Com o ministro Pitt e o imposto desenvolvido para gerar receitas na Inglaterra em um período em que a população precisava empenhar-se na manutenção da paz (em outros termos, de vencer a guerra) tem-se o marco oficial da instituição do imposto sobre a renda. Ainda que os frutos deste imposto instituído tenha sido mínimos. Mínimos porque a sociedade estava acostumada aos impostos indiretos já instituídos, além de que aqueles que eram dotados da capacidade contributiva representavam fatores reais de poder e insurgiram-se contra a implementação. Tal ação provocou a implementação do imposto em percentagens não representativas. “As alíquotas variavam de 1/120 (renda anual de sessenta a sessenta e cinco libras) a 1/10 (renda anual superior a duzentas libras)”[17].

A busca por uma tributação sobre a renda, entretanto, data de época muita anterior. Alguns sustentam que já em Roma e Atenas existia o Imposto sobre a Renda[18] outros, contudo, veem a sua primeira implantação na cidade de Florença durante o século XV com a Décima Scalata.

“No século XV, surgiram, em Florença, os primeiros movimentos para uma efetiva tributação sobre a renda. (...). Instituía-se o que ficou conhecido como Decima Scalata, decima um nome genérico que se dava aos impostos e scalata, gradual, progressivo. A Decima Scalata não teve longa duração, porque atingia os mais abastados, que não aceitavam arcar com maior carga tributária”[19].

Entretanto, com o tempo, o Imposto sobre a Renda tornou-se o meio mais racional e propício para a cobrança, assim como para aferir o quantum de cada um é “justo”. Isto porque com o desenvolvimento do capitalismo e a crescente valoração das mercadorias por meio do dinheiro, não é mais cabível a principal crítica que sustentou o sistema tributário em uma base regressista de cobrança indireta dos impostos.

Conforme afirma Aliomar,

“Esse êxito do imposto de renda se explica pela evolução dos processos de produção e dos tipos de economia. Nos séculos passados, as fortunas e rendas tinham base imobiliária, que passou ao segundo plano, à proporção que o capitalismo se desenvolvia e mudava o quadro social”[20].

Importante ressaltar o fator que fez com que não prosperasse o Imposto de Renda desde a Decima Scalata. Importância salutar em todo processo político e histórico é quem são os senhores do poder, quem determina o destino de toda a sociedade. De tal sorte, que instituir o Imposto de Renda, pelo caráter progressivo que este tipo de imposto facilita a implementar, sofreu resistência de grande relevo. Desde a impossibilidade estatal a dar efetividade ao método de cobrança, até aos que de modo irresoluto anunciavam que a cobrança do imposto de renda cominaria na retirada de capital dos industriais e, por conseguinte, na redução da capacidade produtiva da população.

Em meio a tantos argumentos que, em certa medida, mostraram-se falaciosos e em outra demonstraram ter sido arguidos com razão a certeza é que

“de imposto extraordinário, justificado pela guerra, passou a ser um dos elementos do sistema tributário de cada país, acabando por ser o principal desses elementos nos Estados mais civilizados e economicamente amadurecidos. É hoje tributo universalmente adotado”[21].

A análise do mestre Baleeiro é cirúrgica quanto ao que aconteceu com este imposto em todo o Mundo. E, como não poderia ser diferente, com o que aconteceu na implementação do Imposto de Renda no Brasil.

Pela sua vastidão territorial, pela desorganização dos órgãos políticos-fiscais, pela precária maneira pela qual era possível aferir o acréscimo de renda, bem como por inúmeros outros motivos, os primórdios deste tipo de imposição sobre a sociedade brasileira decorreu da urgência em adquirir rentabilidade aos cofres públicos. Conforme afirma Kanayama, o Estado quando necessita “depreender mais, tem que arrecadar mais (ou emprestar mais cujo resultado, no longo prazo, será, novamente, mais arrecadação)”[22]. O Brasil, quando diante da Guerra do Paraguai e da dificuldade em obter novos empréstimos junto à Inglaterra, recorreu à cobrança do imposto pessoal. “O artigo 10 da Lei nº 1507 de 26 de setembro de 1867, que fixou a despesa e orçou a receita geral do império para os exercícios de 1867-68 e 1868-69, instituiu o imposto pessoal e o artigo 22 dessa lei o imposto sobre vencimentos”[23].

O Imposto de Renda no Brasil foi instituído apenas em 1922. “No art. 3º da lei nº 4.625, de 31-13-1922, por iniciativa de Antônio Carlos, aparece o imposto de Renda”[24]. É importante destacar que no interim entre a Guerra do Paraguai e a promulgação em 1922, tivemos no Brasil o maior defensor - maior pela sua eloquência, pela sua capacidade de interferência política e pela representatividade de sua figura em nossa história – da instituição deste imposto, Rui Barbosa:

“No Brasil, porém, até hoje, a atenção dos governos se tem concentrado quase só na aplicação do imposto indireto, sob sua manifestação mais trivial, mais fácil e de resultados mais imediatos: os direitos de alfândega. E do imposto sobre a renda, por mais que se tenha falado, por mais que se lhe haja proclamado a conveniência e a moralidade, ainda não se curou em tentar a adaptação, que as nossas circunstâncias permitem, e as nossas necessidades reclamam”[25]

Baleeiro adverte ademais que os proventos advindos do Imposto de Renda, embora não fossem representativos pouco tempo após a sua implementação (“mal excedia 3% em 1929”[26]), tornaram-se ao longo da história, do desenvolvimento do aparato estatal e do capitalismo, a principal fonte de receita dos impostos federais no Brasil (“hoje [1973] já se estima em mais de 40% do total dos impostos federais”[27]).

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A análise contemporânea do Imposto de Renda, contudo, ainda deixa a desejar algumas críticas que fundamentam o sistema tributário. Vejamos o que leciona Borba sobre qual seria o padrão idealizado para tal feito:

“o desenho do sistema tributário, baseado na teoria do sacrifício e no critério da renda/ganhos é o único capaz de garantir a realização dos princípios na qual se funda o IRPF: pessoalidade, capacidade econômica, progressividade, universalidade e generalidade”[28].

Dentro dos princípios elencados pela egrégia Bruna Borba três são expressamente previstos constitucionalmente para o Imposto de Renda Pessoa Física. A universalidade “demarca o critério atrelável à base de cálculo do gravame, que deve abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte, independente da denominação da receita ou do rendimento (vide art. 43, §1º, CTN, à luz da LC n. 104/2001)”[29]. A generalidade diz respeito à sujeição passiva e aos contribuintes “indicando a incidência sobre todos os que pratiquem o fato descrito na hipótese de incidência da exação”[30]. E, o princípio da progressividade que prevê a relação diretamente proporcional entre a alíquota do imposto e a incidência em sua base de cálculo, “a progressividade do IR – mesmo que insuficiente, como é sabido – prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo”[31].

De modo que, a progressividade, a universalidade, a generalidade, mas não apenas estes como também a pessoalidade e a capacidade contributiva são pressupostos elementares para que possamos tentar fomentar a justiça social no sistema tributário brasileiro. A verificabilidade em nosso sistema dos déficits pragmáticos destes princípios dá-se por dados elementares, por exemplo, ao analisar as faixas de incidência do Imposto de Renda:

“Vale ressaltar que, até pouco tempo, a legislação previa apenas 2 (duas) alíquotas (15% e 27,5%) do imposto de renda da pessoa física (IRPF). Até 1995, havia também a previsão de uma terceira alíquota (35%). Hoje, têm-se as seguintes alíquotas: alíquota zero, para quem se encontra na faixa de isenção; 7,5% (sete e meio por cento); 15% (quinze por cento); 22,5% (vinte e dois e meio por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento)”[32].

A conclusão essencial deste dado é que “a legislação do imposto de renda da pessoa física precisa se adequar à realidade do Brasil, com maior progressividade das alíquotas e maior número de hipóteses de dedutibilidade, a fim de preservar os direitos mínimos garantidos constitucionalmente”[33]. Necessitamos reverter o quadro de um sistema tributário regressivo, em que a principal incidência é de impostos sobre o consumo. Neste fito demonstra Borba,

“Ocorre que a propensão marginal a consumir é tanto maior quanto menor a renda do individuo, de modo que aqueles que ganham menos gastam, proporcionalmente mais, e consequentemente, pagam mais impostos indiretos. Donde se conclui que a adoção da teoria do sacrifício, se baseada no critério da renda/gastos, atua regressivamente sobre a renda e, portanto, não satisfaz aos princípios da redistribuição de renda e da capacidade contributiva”[34].

Não é outra, entretanto, a realidade social brasileira. Nosso sistema tributário baseia a sua arrecadação nos impostos que possuem como base de cálculo o comércio ou o consumo. “A carga tributária brasileira é extremamente dependente do IPI e do ICMS, impostos sobre produção e circularização de bens e serviços, chegando a corresponder 60%”[35]. Por tudo isto, conclui Siniscalchi, "os pobres no Brasil, ou seja, aqueles que sequer chegam a contribuir com o Imposto de Renda, por estarem em faixa de isenção, pagam mais impostos proporcionais à sua renda”[36].


3.      Comentários à Teoria do Imposto Negativo

A Constituição da República Federativa do Brasil elencou enquanto objetivo fundamental de nossa República: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”[37]. “No campo das ações, a literatura aponta que, embora o crescimento econômico seja condição básica para a redução da pobreza, há também a necessidade da criação de mecanismos capazes de atingir os mais pobres de forma efetiva”[38].

A partir da perspectiva liberal, em seu livro Capitalismo e Liberdade, Milton Friedman propõe a criação do Imposto de Renda Negativo, enquanto meio de instituir o sistema de assistência social. Para Milton Friedman, “o imposto negativo representa, na verdade, uma transferência de recursos, daqueles que pagam imposto de renda, para aqueles que não pagam”[39].

O programa do Imposto Negativo tem como finalidade precípua garantir aquilo que é condicionalmente denominado de mínimo existencial. Garantir que toda a população possa estar incluída no universo analisado pelo sistema econômico-político liberal, isto é, o universo dos consumidores. “O Imposto de Renda Negativo (IRN) é um instrumento de política social que garante aos cidadãos beneficiados um valor mínimo de renda em dinheiro, e por isso é comumente denominado Programa de Garantia da Renda Mínima (PGRM)”[40].

Verificamos, portanto, que a intenção de Milton Friedman ao sugerir a formação deste processo de transferência de renda direta, é que seja elaborado um sistema de vinculação entre o imposto pago e a renda mínima dos cidadãos. Este processo é tecnicamente denominado de afetação (earmarking) da receita arrecada. “Arrecadam-se impostos para produzir determinados bens (termos determinados fins) voltados à satisfação das necessidades públicas”[41]. “A medida parece ser reconhecida pela sua eficácia, embora não seja recomendada aos agentes públicos, pois existe o risco de faltar recursos em áreas prioritárias”[42].

Por tal razão, o Constituinte originário declinou esta possibilidade do legislador infraconstitucional. Motivo também que pelas inúmeras vantagens contidas no programa de Imposto de Renda Negativo, postulamos por uma Emenda Constitucional que acrescente uma nova exceção à regra geral constante do artigo 167, IV da Constituição Federal.

As vantagens do programa de IRN superam o postulado de que “não é satisfatório que sejam os impostos previamente vinculados a uma finalidade, sob pena de excluir qualquer deliberação política que deva ocorrer anualmente, na elaboração da lei orçamentária anual”[43]. Isto se deve ao que leciona o economista norte-americano Paul Samuelson, “será mais barato e mais humano substituir ou suplementar a confusão que chamamos de assistência social com um programa federal que utilize o eficiente mecanismo da estrutura fiscal para contribuir as rendas com aquilo que se precisa”[44].

O IRN, a contrario sensu, tem como meta além de efetivar a redistribuição de renda, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, estimular os inativos e os mais pobres a procurarem por melhore condições de vida. Isto significa dizer que contrariando a opinião dos que insistem em afirmar que programas de redistribuição de renda são meios de estímulo à preguiça e a improdutividade, o IRN tem como meta a estimular os beneficiários “a se esforçarem para trabalhar mais e melhor e, consequentemente, a ganhar mais”[45]. Pressuposto fundamental para isto é que o programa, aqui proposto, toma por base os ensinamentos de Alain Tronnay, “o imposto de renda negativo deve ser progressivo, no sentido de incentivar os inativos a obter trabalho e renda e, aos já empregados, a alcançar trabalho e renda melhor remunerados”[46]. “A fórmula do incentivo é preparada para que os mais pobres não se sintam desestimulados a se esforçar para obter renda adicional”[47].

Por todo o exposto temos a superação de uma das críticas elaboradas por Richard Posner à Teoria do Imposto de Renda Negativo. Elencar tais críticas faz com que possamos refletir sobre as vantagens e as desvantagens do programa. Richard Posner assim as coloca: [I] opções de consumo dos mais pobres que pode não ser pelos bens essenciais – alimentação, saúde, educação, por exemplo; [II] as pessoas que são pobres porque não sabem administrar seu dinheiro, são perdulárias; [III] o benefício poderia desencorajar o indivíduo a trabalhar ou a esforçar-se para ganhar mais[48].

A resposta à terceira crítica já foi dada e este análise já foi superada. Com os pressupostos apresentados, demonstramos que a possibilidade de que a inserção do IRN no universo social provoque o surgimento de pessoas que não querem estudar nem trabalhar, ou seja, que querem o ócio torna-se nula. Quanto às outras críticas, as respostas são sucintas e elementares.

Os benefícios provocados pela assistência social em pecúnia e não em dinheiro são inúmeros. Em um país que a população costuma reclamar das licitações fraudulentas, o simples fato de que não será necessário fazer processo de licitação para adquirir o bem e apenas após dá-lo aos hipossuficientes já é de grande relevo. Mas, além disto, o IRN também é responsável por evitar que a longa manus do Estado infiltre na Economia fazendo compras e modificando o preço que poderia ser praticado, saliente-se esta modificação em regra inflaciona a valoração das mercadorias. Borba alude também a questão do ensinamento que ter a pecúnia provoca aos mais pobres, já que este seria um meio de “induzir o beneficiário a interessar-se por seus próprios gastos”[49].

Não parece adequado que, em virtude da existência de pessoas perdulárias, adentremos pela vertente de que a melhor ação é não instaurar programas de redistribuição de renda. Nosso povo elencou em sua constituição como objetivo fundamental da República a redução das desigualdades. Não nos cabe uma ação omissiva neste tema. Vergonhoso seria negar a milhões de pessoas a garantia do preceito da Dignidade da Pessoa Humana. O argumento subjetivo de que existem pessoas perdulárias poderá ser levado em consideração em momento posterior, isto é, quando da verificabilidade da eficácia do programa em um processo individualizado.

Superadas as críticas de Richard Posner, urge o alerta de que implantar um sistema de Imposto de Renda Negativo faz com que tenhamos que aplicar um sistema de tributação ótima[50]. Isto porque “para que seja garantida a neutralidade da carga tributária, o sistema de alíquotas e a faixa inicial de renda devem ser dimensionados, de modo que a soma dos impostos – positivos e negativos, para o conjunto de contribuintes – seja zero”[51].

Afinal, depois de todo o exposto, percebemos que o programa tem como vantagens:

“[I] permite a concretização dos objetivos constitucionais de desenvolvimento nacional e de erradicação da pobreza;

[II] substitui o conjunto de programas assistenciais, com destinações específicas, atualmente existentes;

[III] atende ao princípio da igualdade material, orientador da imposição tributária, posto que induz a redistribuição de renda; ‘A queda na desigualdade mostra-se mais intensa nos casos em que houve maior queda na intensidade da pobreza, refletindo, também, nos efeitos do custo de focalização’[52]

[IV] obedece ao principio da solidariedade da sujeição tributária, de acordo com a capacidade econômica do indivíduo;

[V] permite a determinação exata do montante do benefício recebido por cada indivíduo;

[VI] explicita o custo do benefício, em termos de unidades monetárias, que é imposto à sociedade;

[VII] torna evidente que os verdadeiros mantenedores do benefício são os contribuintes que efetivamente pagam o imposto;

[VIII] dissocia o benefício recebido pelo cidadão, da “vontade” do governante ocasional, evitando a utilização demagógica da política de redistribuição de renda;

[IX] ao contrário de outros programas de auxílio à pobreza, que de modo indireto desestimulam os esforços para obtenção de alguma renda, que resultam na perda do benefício, o imposto negativo retribui a elevação de renda do cidadão.

[X] não intervém na economia de mercado, visto que o montante transferido se iguala ao montante arrecadado, tornando neutra a indução, do ponto de vista do mercado econômico”[53].

Todas estas vantagens, todos os argumentos já anteriormente apresentados demonstram que o Imposto Negativo é mais barato e mais eficaz do que as medidas políticas atualmente tidas como elementares à assistência social e a redistribuição de renda. “O Estado, ordinariamente, deve despender de acordo com a disponibilidade das receitas, sem impor aos particulares esforços desarrazoados. Tem de manter suas funções de acordo com suas forças financeiras”[54]. O aumento brusco do salário mínimo como tem sido argumentado no cenário político nacional e, de certo modo, tem sido efetivado pelo Governo Federal nos últimos oito anos - desde 2007- aumento do salário mínimo vinculado ao aumento da inflação e do PIB[55], diante do cenário de grave aumento do quadro de desempregados e do processo inflacionário sobre os produtos e serviços tem demonstrado ser ineficaz enquanto procedimento governamental. O IRN é, portanto, crucial para dar eficácia aos preceitos constitucionais e ao desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.

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Sobre o autor
Markson Valdo Monte Rocha

Mestrando em Jurisdição e Processos Constitucionais pela UFPE Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - Curso Fórum. Graduado na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Centro de Ciências Jurídicas - CCJ. Faculdade de Direito do Recife - FDR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Markson Valdo Monte. Imposto de renda negativo:: como tributar e distribuir renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4437, 25 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42074. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho oriundo de estudos orientados pela Professora Bruna Estima Borba, quando da ocasião do PAD (Pesquisa Ação em Direito).

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