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A inconstitucionalidade parcial do art. 20 da Lei Maria da Penha

19/09/2018 às 15:00
Leia nesta página:

Analisa-se a constitucionalidade de parte do art. 20 da Lei 11.340/06, especificamente no que condiz à prisão preventiva decretada de ofício pelo magistrado durante a fase inquisitorial.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo examinar a constitucionalidade da prisão preventiva decretada de ofício pelo magistrado, ainda em fase inquisitorial, insculpida no artigo 20 da Lei nº 11.340/2006, analisando com maior ênfase o sistema acusatório e a interpretação e intenção do legislador sob a ótica da política criminal.

Vale transcrever o artigo supracitado com destaque ao trecho ora objeto de estudo do presente artigo, in verbis:

“Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.

Salientamos que a presente pesquisa não possui a pretensão de esgotar o assunto, apresentando, apenas, as divergências doutrinárias que se formaram após o advento da Lei Maria da Pena, bem como a posição à qual nos filiamos diante de sua perfeita compatibilização com a Constituição Federal.


DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DE PARTE DO ART. 20 DA LEI MARIA DA PENHA

Primordialmente, antes de adentrarmos na celeuma referente a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar, importante consignar que a Lei nº 11.340/2006 foi fruto de estudos e questões de política criminal.

Vale frisar que a política criminal, o direito penal e a criminologia constituem ramos autônomos das ciências penais.

Em síntese, a política criminal é a ciência na qual desenvolve necessárias estratégias de combate ao crime através de estudos, ao passo que o Direito Penal, bem como o Direito Processual Penal, consagram instrumentos e normas jurídicas aptas à efetivação das estratégias da política criminal.

Não obstante a autonomia das referidas ciências penais, cabe asseverar que tais institutos devem obediência à Constituição Federal, assim como os demais ramos do ordenamento jurídico, sob pena de vício de inconstitucionalidade.

Como forma de suprimir eventual resquício ditatorial, a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema processual penal acusatório, ao passo que separou as funções de julgamento e acusação a órgãos distintos.

Em síntese, para assegurar a imparcialidade do Poder Judiciário, o sistema acusatório exige o afastamento do magistrado das funções de investigação, cabendo tais funções ao Ministério Público e Polícia Judiciária, bem como o exame quanto à necessidade de custódia cautelar para a proteção da persecução penal.

Ocorre que, ainda que fundamentada sob critérios de política criminal, a Lei Maria da Penha trouxe no bojo de seu artigo 20 a possibilidade de prisão preventiva decretada ex officio pelo magistrado em fase inquisitorial.

Defendendo a validade do referido artigo, o ilustre professor Guilherme de Souza Nucci[1] aduz que por restar certa influência inquisitorial no Código de Processo Penal, nosso sistema acusatório seria híbrido, inquisitivo garantista ou misto, referindo-se à antiga redação do artigo 311 do citado Codex, posição a qual não concordamos.

Nos filiamos ao entendimento diametralmente oposto, no qual entende pela inconstitucionalidade de parte do artigo 20 da Lei Maria da Penha.

Para esta corrente, ainda que o legislador, na melhor das intenções, tenha se valido de política criminal quando da elaboração da Lei Maria da Penha, ainda assim os ditames contidos na lei deverão coadunar-se com a Constituição Federal.

Nesse sentido, vale destacar as sábias palavras de Hassemer, quando aduz que “a defesa de exigências injustificadas ao Direito Penal por parte da Política Criminal começa com uma análise precisa da capacidade do sistema jurídico-penal”[2].

O entendimento equivocado de parte da doutrina e jurisprudência de que o artigo 20 da Lei nº 11.340/06 estaria respaldado com base na redação pretérita do artigo 311 do Código de Processo Penal[3] não encontra mais guarida em razão da novel Lei nº 12.403/11, no qual alterou a redação do artigo 311 do CPP, vedando a decretação da prisão preventiva ex officio pelo juiz no curso da fase inquisitorial.

Vale transcrever a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal após a alteração levada a efeito pela Lei nº 12.403/11, in verbis:

“Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Clarividente que tratou-se de notória confirmação do sistema acusatório contido na Constituição Federal, o que, por conseguinte, inviabilizou a decretação da prisão preventiva ex officio pelo Juiz durante a fase policial nos casos tratados pela Lei nº 11.340/06.


CONCLUSÃO

Em síntese, com a devida vênia àqueles que se posicionam favoravelmente à constitucionalidade do artigo 20 da Lei nº 11.340/06, somos adeptos ao entendimento no qual o referido artigo resta eivado de inconstitucionalidade em razão de manifesta violação ao sistema acusatório aderido pela Constituição Federal.

Considerando os legítimos fundamentos de política criminal para a elaboração da Lei Maria da Penha, vale repetir: os instrumentos de política criminal deverão estar sempre alinhados com o sistema jurídico-penal vigente, o que de fato não é o caso do artigo 20 da Lei nº 11.340/06.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

HASSEMER, Winfried. Desenvolvimentos previsíveis na dogmática do Direito Penal e na Política Criminal. In: Revista Eletrônica de Direitos Humanos e Politica Criminal. Porto Alegre, n. 2, abr/08, p.1-16. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/direito/wp-content/uploads/2010/08/2_1.pdf>. Acessado em 05/08/2014.


Notas

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. Pág. 104-105.

[2] HASSEMER, Winfried. Desenvolvimentos previsíveis na dogmática do Direito Penal e na Política Criminal. In: Revista Eletrônica de Direitos Humanos e Politica Criminal. Porto Alegre, n. 2, abr/08, p.1-16. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/direito/wp-content/uploads/2010/08/2_1.pdf>. Acessado em 05/08/2014.

[3] A redação do artigo 311 do Código de Processo Penal foi dada pela Lei 5.349/67, no qual previa a prisão preventiva decretada pelo juiz de ofício no curso da investigação policial, na visão de parcela da doutrina, não fora recepcionada pela Constituição Federal de 1988, diante de patente violação ao sistema acusatório.

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Sobre o autor
Diego Luiz Victório Pureza

Advogado. Pós-Graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp LFG. Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp - LFG. Pós-graduando em 'Corrupção: controle e repressão a desvios de recursos públicos'. Membro da Comissão 'OAB vai à escola' da 36ª Subseção da OAB/SP. Palestrante e Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PUREZA, Diego Luiz Victório. A inconstitucionalidade parcial do art. 20 da Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5558, 19 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42780. Acesso em: 22 dez. 2024.

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