A adoção conjunta por casais homoparentais como meio de efetivação dos direitos da criança e adolescente

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06/10/2015 às 12:28
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2. Adoção, União Homoafetiva e uma nova concepção de família

Falar sobre adoção é falar sobre família, nestes termos é necessário que antes de iniciar qualquer discussão acerca da possibilidade ou impossibilidade de adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo, deve-se falar um pouco sobre as novas concepções de família em nosso ordenamento jurídico e principalmente na nossa sociedade.

Ora se sabe que nos últimos anos tornou-se acirrada a discursão acerca da legalização dos relacionamentos homoafetivos, seja por meio da união estável, seja por meio do casamento. Percebe-se, pois, que tal “legalização”, assim como em vários outros temas polêmicos em nosso ordenamento, não se deu por meio legislativo e sim foi por meio de uma decisão do STF (ADI 4277 E ADPF 132). Assim como vários outros temas de importância igualmente relevante e igualmente polêmicos, discute-se tenazmente o tema em projetos de lei, que vagueiam entre as casas legislativas sem nenhuma definição, restando ao poder judiciário decidir acerca do caso com base em interpretações às legislações vigentes.

A partir da decisão mencionada, que de certa forma pôs fim aos debates sobre a possibilidade de tal união, iniciou-se uma nova visão, agora amparada pelos dizeres dos guardiões de nossa Constituição. Definiu o Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação adequada a ser dada ao art. 226, §3º da CRFB/8810, garantindo assim a possibilidade de ser reconhecida a união estável para casais formados por pessoas do mesmo sexo. Ressalta-se que além das benesses de um reconhecimento junto a sociedade, retirando os relacionamentos homoafetivos da “marginalidade”, obteve-se com essa decisão a garantia efetiva dos direitos fundamentais dos casais formados por uma relação de homoafetividade.

Com o reconhecimento da união homoafetiva garante-se a estes casais direitos como os sucessórios, previstos e regulados pelo art. 1.790, da lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), direitos previdenciários, previstos nos art. 11 da lei 3.807, de 26 de agosto de 1960, dentre outros direitos assegurados ao companheiro.

A partir desta decisão, tornou-se reconhecida uma forma de família, amparada, não mais marginal, em conformidade com os ensinamentos de Maria Berenice Dias, que já aludia um novo molde de família não correspondente àquela visão arraigada de pai e mãe, unidos pelos laços indissolúveis do casamento, e seus filhos:

É necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que tem origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. (DIAS, 2010, p. 43)

Subtrai-se desse ideário que a família atual não esta limitada a proposituras legais e sim a uma identidade de afetividade e dedicação mutua, não podendo o direito limitar à família de outrora o direito a continuidade.

O reconhecimento da união homoafetiva demonstra a consciência sobre a existência de uma nova concepção de família, fundada não mais simplesmente em interesses patrimoniais, que visão garantira a perpetuidade de bens na mesma família, por meio da proteção da prole. Tal reconhecimento demonstra que a base fundamental da família é a ajuda mútua e a busca pelo desenvolvimento continuo dos seus integrantes, possibilitando se “construir juntos” um patrimônio, afastando a possibilidade de ser cerceado o direito sucessório dos companheiros.

Logo, percebe-se que a necessidade de se ter uma definição acerca de o que venha a ser família para o nosso ordenamento é de grande importância para a definição de diretrizes a serem seguidas em um processo de adoção, uma vez que, conforme se vê a adoção não visa apenas alocar a criança ou o adolescente em uma nova residência, sobre a tutela de uma “família” nos moldes de outrora, o escopo da adoção é garantir a efetivação dos direitos fundamentais do adotado, dando a ele uma família nos moldes coevos, além de visar à proteção integral da criança e do adolescente, sendo aparado por seus princípios norteadores, tais como o principio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da proteção integral, que passarão a comento, nos tópicos que se seguem.


3. Princípios aplicaveis à adoção

3.1 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

De acordo com o trecho extraídos do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária observa-se que

De acordo com o ECA, a colocação em família substituta, concebida nas formas de guarda, tutela e adoção, é uma medida de proteção que visa garantir o direito fundamental das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. É preciso mudar o paradigma tradicional segundo o qual a adoção tem a finalidade precípua de dar filhos a quem não os tem, estando, portanto, centrada no interesse dos adultos. (CONANDA, 2006 Pag. 73)

Esse pequeno trecho demonstra que com o advento do ECA e sua política pautada pelo melhor interesse da criança e do adolescente, eliminou o paradigma de crianças e adolescentes com objeto de direito, elevando-os a um patamar de sujeitos de direito, dando a eles a garantia de efetivação dos direitos fundamentais garantidos a todos .

Tem-se, pois, a partir dai o nascimento do principio do melhor interesse da criança e do adolescente, onde toda e qualquer política que os envolver devem priorizar o que de melhor for para eles.

Acerca do tema proposto, é interessante vislumbrar que o fim da adoção não é mais garantir o direito a paternidade ou a maternidade do adulto impossibilitado de efetiva-la por meios biológicos. O princípio do melhor interesse vem garantir que o fim da adoção seja a efetivação do direito do adotado em ter uma convivência familiar e social condizente com o que preconiza a Constituição da republica em se artigo 227.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CRFB/88)

Verifica-se que o artigo em comento, garante a criança e ao adolescente todos os direitos fundamentais de forma prioritária e integral, dando à família, ao Estado e à sociedade o dever de provê-los.

Ressalta-se que a lacuna na lei, ou a falta de previsão legal não são o bastante para obstar a observância de tais princípios, assim como vemos brilhantemente decidido pelo STJ em Recurso Especial interposto pelo Ministério Publico do Estado do Rio Grande do Sul, na tentativa de afastar a possibilidade de adoção por casais homoafetivos.

“Nesse particular, é bem de ver que a lacuna não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos das crianças e adolescentes – direitos estes que, por sua vez, são assegurados expressamente em lei. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor.” (STJ, 2013)

“A atitude da requerente, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. A adoção, quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, como no caso dos autos, é um gesto de humanidade, e LRM foi além, adotando duas crianças e delas cuidando” (STJ, 2013)

Verifica-se como anteriormente mencionado a importância de tal principio à efetivação dos direitos do infante, uma vez que observando o “melhor interesse” do menor, garantidos estará os seus direitos fundamentais constitucionalmente postos.

3.2 Princípio da proteção integral.

A doutrina da proteção integral é extraída de nossa Constituição em seu artigo 227 em que prevê ser dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, e com prioridade, todos os meios necessários á obtenção de uma vida pautada pelos valores e direitos constitucionais fundamentais, tais como a vida, a saúde, a alimentação, o lazer, a educação e profissionalização, a cultura, o respeito, a liberdade e principalmente a convivência familiar e comunitária, livre de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Verifica-se que tal Doutrina veio em substituição a antiga doutrina da situação irregular que vigorava anteriormente a promulgação da constituição cidadã de 1988. Neste plano leciona Mauricio Gonçalves Saliba:

Os princípios gerais da nova concepção de proteção integral compreendem que não são as crianças ou adolescentes que estão em situação irregular, e sim as condições de vida a que estão submetidos. A criança e o adolescente são considerados pessoas em desenvolvimentos. Essa condição peculiar coloca aos agentes envolvidos na operacionalização das medidas a eles destinadas a missão de proteger e de garantir o conjunto de direitos e educar, oportunizando a inserção do adolescente na vida social. Sua condição de sujeito de direito implica necessidade de participação nas decisões de qualquer medida a seu respeito. A responsabilidade pelo desenvolvimento integral da criança e do adolescente é da sociedade e do Estado. (SALIBA, 2006, pg. 27)

Tal doutrina busca garantir, como se deduz do próprio nome , a proteção integral da criança e do adolescente, através da garantia de todos os direitos relacionados na carta constituinte, tais como o direito a vida, a saúde, a educação, a moradia, a convivência familiar, dentre tantos outros como já mencionado anteriormente.

Dessa doutrina extrai-se o principio da proteção integral11, que paira sobre toda e qualquer relação jurídica que vise garantir os direitos acima elencados. Vê-se que tal princípio vem reconhecer a criança e o adolescente, não mais como objeto de direito e sim como sujeito de direito e especialmente como sujeito em desenvolvimento, carente de maior proteção. Conforme o disposto na Constituição de 1988, no artigo acima mencionado, o princípio da proteção integral é o princípio que visa garantir a criança e ao adolescente o seu pleno desenvolvimento, por meio do atendimento de suas necessidades. Essa proteção não se restringe a ideologias e conceitos vagos, é algo mais profundo e efetivo e está presente em varias políticas publicas como a de atendimento prioritário em centros de saúde, garantia de vagas a crianças e adolescente em idade escolar, dentre outras.

Como visto no tópico anterior, atualmente tem-se uma nova visão de família, não se entrincheira mais nos moldes de outrora. Logo vemos que a busca pela proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, esbarra na definição de família, uma vez que, um dos direitos a eles garantido e a convivência familiar, seja qual for a sua formatação, e a busca pelas garantias e a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente esbarra muitas vezes na necessidade de colocação em família substituta.

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Ressalta-se a importância desse principio para o tema em comento, qual seja, a adoção conjunta por casais homoafetivos, uma vez que, conforme preceituado em nossa carta maior e como parte integrante da conceituação de tal principio, é direito inarredável da criança e do adolescente a convivência familiar e comunitária. Ora, como mencionado no capitulo 01 (Adoção homoafetiva, uma nova concepção de família) desse trabalho, tem-se hoje um conceito mais profundo de família, que não se restringe somente a família biológica, logo, o estudo das possibilidades de adoção por casais homoafetivos visa também uma busca mais profunda pela garantia do cumprimento de alguns elementos do principio da proteção integral e dos requisitos da Constituição da República, quais sejam a convivência familiar, saúde, educação, não discriminação etc.


4. Adoção homoafetiva sobre a ótica legislativa.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como já mencionado anteriormente, põem a salvo todos os direitos da criança e do adolescente em seu artigo 237, quando define que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CRFB/88)

Extrai-se, pois, que conforme mencionado no tópico principio da proteção integral, precipuamente cabe a família, sendo ela, como preceitua o artigo 226. Da CRFB/88, base da sociedade, garantir a efetivação de tais direitos.

Vê-se que, de acordo com nossos estudos, que o termo família suporta diversas variações, não adentrando nossa carta maior em maiores conceituações.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, essa visão garantista dos direitos da criança e do adolescente toma maior vulto, e através dele, regulamenta-se, conjuntamente com o código civil, a adoção.

No ano de 2010, porém, passa o instituto da adoção a ser regulado exclusivamente pelo ECA (Estatuto da criança e do adolescente), com o entrada em vigor da lei 12.010/2010, que traz em seu artigo 1º, § 2º a seguinte determinação:

Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal.

Extrai-se do texto legal em comento, em seu artigo 2º, realizando substancial alteração ao ECA, define as regras fundamentais à adoção conjunta, conforme descreve-se:

Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

Assim sendo, vemos que a o principal requisito para a efetivação de adoção conjunta é que os adotantes estejam, no mínimo, em união estável.

Esse requisito era visto como empecilho à adoção por casais homoafetivos, por não ser reconhecida tal união, haja vista a literalidade do texto constitucional contido no § 3º do artigo 226. Esse posicionamento não mais prospera, tendo em vista a inédita decisão proferida pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade e Arguição de Preceitos Fundamentais (ADI 4277 E ADPF 132), ambas de relatoria do Ministro Ayres Brito, em que se reconhece a união estável por casais homoafetivos frente aos princípios constitucionais.

Assim sendo, vê-se que não há em nosso ordenamento jurídico nenhum impedimento à adoção por casais homoafetivos, devéns ser considerado, ao rigor da lei a proteção integral de todos os direitos da criança e do adolescente, sem qualquer preconceito ou discriminação.

Devemos nos ater agora ao posicionamento dos tribunais, haja vista, eventuais negativas a essa modalidade de adoção.

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Sobre o autor
Denis Dias

Dr. Denis Dias é advogado com ampla experiência em ações Cíveis, em especial ações de família, consumidor e Previdenciária. Formado em Direito pela Faculdade Estácio de Belo Horizonte em abril de 2014, atua desde então na defesa das causas dos menos favorecidos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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