A nova Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011 – “LDC”), vigente desde maio de 2012, trouxe em seu bojo a possibilidade de aplicação de multa, pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), para as empresas que praticarem o “gun jumping” (expressão em inglês que significa “queimar a largada”).
O “gun jumping” está previsto nos parágrafos 3º, 4º e caput, do artigo 88, da LCD[1], e caracteriza-se pela consumação de uma operação de fusão ou aquisição antes da apreciação e aprovação pelo CADE.
As práticas abrangidas pelo “gun jumping” consistem em: (i) troca de informações concorrencialmente sensíveis; (ii) definição de cláusulas contratuais que impliquem uma integração prematura; e (iii) condução de certas atividades que caracterizem a efetiva consumação de ao menos parte da operação.
Antigamente a praxe era outra, e as empresas envolvidas em operações de fusões e aquisições deviam primeiro concluir o deal para depois submetê-lo à análise do CADE. A mudança de procedimento estabelecida pela LDC gerou muitas dúvidas e levou empresas a cometeram o “gun jumping”, independentemente de má-fé.
O primeiro caso de “gun jumping” analisado pelo órgão regulador, em julho de 2013, foi a aquisição de 40% da Petrobras no bloco BS-4, localizado na bacia de Santos, pela OGX (petrolífera de Eike Batista). Os conselheiros do CADE optaram por manter a operação, posto que o negócio não geraria efeitos anticoncorrenciais, mas aplicaram uma multa de R$ 3 milhões às partes, que se anteciparam à apreciação do órgão para o fechamento do negócio.
Outros casos foram analisados pelo CADE, entre eles as operações da Fiat e Chrysler, assim como a aquisição da Brasfigro pela Goiás Verde, que também acabou autuada em R$ 3 milhões pela prática de “gun jumping”.
Em razão da alta incidência e das dúvidas geradas sobre o que constituiria de fato o ”gun jumping”, o CADE divulgou, em maio de 2015, o “Guia para Análise de Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica”, buscando estabelecer parâmetros para se evitar ou reduzir a sua prática.
Neste passo, o Guia recomenda: (i) a adoção de um protocolo antitruste, ou seja, um procedimento específico estabelecido em âmbito privado, entre as partes, a ser observado por comitês independentes para tratar tais informações; (ii) a formação de clean team e/ou comitê executivo, de forma que a troca de informações ocorra apenas por intermédio do clean team, que deve ser o único ponto de contato entre as empresas; (iii) compromisso de confidencialidade pelos membros do clean team e do comitê executivo; (iv) que os dados concorrencialmente sensíveis recebidos pelo clean team somente sejam divulgados ao comitê executivo de forma agregada e/ou histórica, com periodicidade recomendável de no mínimo 3 (três) meses de sua ocorrência; e (v) monitoramento das discussões mantidas por membros do comitê executivo, com o propósito de tratar do futuro processo de integração entre as empresas envolvidas na operação, de forma a garantir que nenhuma informação concorrencialmente sensível seja objeto das discussões.
Além disso, o CADE esclareceu que o pagamento integral do negócio não pode ser feito antes da sua análise e aprovação, sendo permitido apenas o pagamento de parte do valor, a título de sinal. Em se tratando de pagamento da quantia total, o valor deverá ser depositado em conta que só poderá ser acessada após a decisão do órgão.
A importância do tema é clara e aumenta em função das contingências que tal prática pode gerar: (i) multa pecuniária que deverá ser aplicada em valor não inferior a R$ 60 mil, mas que pode atingir o valor máximo de R$ 60 milhões; (ii) instauração de processo administrativo; e (iii) nulidade dos atos consumados antes de apreciados pelo CADE.
Quanto à multa pecuniária, o Guia aponta os parâmetros utilizados pelo CADE para dosar e aplicar a pena, que deverão ser considerados, além dos requisitos contidos na regra do artigo 45 da LDC[2]: (i) situação da operação; (ii) natureza da decisão do CADE (reprovação, aprovação com restrições e aprovação sem restrições); (iii) existência de sobreposição horizontal ou integração vertical a resultar da operação; (iv) tempo; e (v) porte econômico do infrator.
No que tange à instauração de processo administrativo, o CADE levará em consideração possível conduta que infrinja a lei a partir da integração de estruturas decorrente do ato de concentração, por exemplo: (i) troca de informações sensíveis; (ii) combinação de preços e etc.
Por fim, com relação à nulidade dos atos praticados, dentre outros pontos, o CADE analisará o aspecto temporal da conduta, a proporcionalidade da medida e a possibilidade ou não de convalidação dos atos empresariais praticados.
Notas
[1] Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
§ 3º Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
§ 4º Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo.
[2] art. 45. Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei, levar-se-á em consideração: I - a gravidade da infração; II - a boa-fé do infrator; III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; IV - a consumação ou não da infração; V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; VII - a situação econômica do infrator; e VIII - a reincidência.