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Da cirurgia de transgenitalização

06/01/2016 às 14:39
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Organismos nacionais e internacionais combatem a discriminação contra os transexuais. Neste embate em que estão em jogo a vontade dos transexuais, da sociedade, dos médicos e dos próprios ditames religiosos, as mudanças nem sempre são encaradas de forma positiva.

Expõe Maria Helena Diniz, a respeito da intervenção cirúrgica no estado intersexual e transexual, o procedimento inicial para tanto, em que o indivíduo que deverá estar acompanhado da autorização para a cirurgia de transmutação de sexo, elencando os elementos a serem observados para a concessão da medida, segundo a qual

O Conselho Federal de Medicina, na hoje revogada Resolução nº 1.482 de 1997- no mesmo sentido o artigo 3º da Resolução nº 1.652 de 2002, permitiu, a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários, desde que observados os seguintes requisitos: a) a existência de desconforto com sexo anatômico natural; b) desejo compulsivo expresso de eliminar a genitália externa, perder os caracteres primários e secundários do próprio sexo e ganhar os do sexo oposto; c) permanência do distúrbio de identidade sexual de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; d) ausência de outros transtornos mentais; d) avaliação de equipe médica composta por cirurgião plástico, geneticista, neuropsiquiatra, endocrinologista, urologista, psicanalista, psicólogo e assistente social, que, depois de dois anos de acompanhamento conjunto e atendimento psicoterápico, deverá dar o diagnóstico de transexualismo de maior de dezoito anos e atestar a ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia, Tal operação deverá ser feita em hospitais universitários ou públicos adequados à pesquisa, desde que preenchidos os critérios acima mencionados e desde que haja consentimento livre e esclarecido do próprio paciente (Res. CNS nº 196 de 1996) e um relatório de psiquiatria, comprovando a necessidade terapêutica e declarando ser caso de transexualismo, e de um psicólogo, acompanhado de testes variados indicativos de equilíbrio emocional e do maior ou menor grau de feminilidade etc. Será necessária a pesquisa dos cromossomos sexuais, de cromatina sexual e de dosagens hormonais.[1]

Esclarece, ainda, a autora sobre as modalidades de transformação sexual, sendo que na operação que converte a genitália masculina na feminina ter-se-á:

a) a extirpação dos testículos ou seu ocultamento no abdômen, aproveitando-se parte da pele do escroto para formar os grandes lábios; b) amputação do pênis, mantendo-se partes mucosas da glande e do prepúcio para a formação do clitóris e dos pequenos lábios com sensibilidade erógena; c) formação de vagina, forrada, em certos casos, com a pele do pênis amputado; d) desenvolvimento das mamas pela administração de silicone ou estrógeno.[2]

Muito embora tenha havido algumas alterações no âmbito das Resoluções do Conselho Federal de Medicina, quais sejam, por exemplo, a ampliação dos locais em que tais cirurgias podem ser realizadas, desde a Resolução nº 1.652 de 2002, admitidas tanto em hospitais públicos quanto privados, o procedimento de avaliação por equipe multidisciplinar que, necessariamente, deverá conceder autorização unânime, está mantida em ambas as esferas.

Ressalte-se que, não obstante a revogação da Resolução nº 1.652 de 2002 pela Resolução 1.955 de 2010, ambas do Conselho de Medicina, poucos aspectos foram alterados quanto aos procedimentos cirúrgicos das intervenções médicas em questão, sendo mantidas suas linhas gerais.[3]


Aspectos jurídicos decorrentes da cirurgia de transgenitalização

A autora Ana Paula Peres traz em sua obra o paradigma dos direitos da personalidade ao arrazoar decisão proferida pelo magistrado Marco Antônio Ibrahim[4], datada de junho de 1989, em que houve o deferimento do pedido de alteração do registro civil referente ao sexo e ao prenome de um transexual masculino submetido à cirurgia plástica, que modificou sua constituição genital masculina para dotá-lo de genitália feminina de aspecto e função sexual próximos ao natural.

Tal decisão teve como pilares os artigos 3º, IV, e 5º, X da Constituição Federal; o artigo 1.110 do Código de Processo Civil; o artigo 5º da Lei nº 6.697 de 1979; o parágrafo único do artigo 55 da Lei 6.015 de 1973 e o artigo 5º da atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 

O teor da decisão é no sentido de que a não alteração do prenome, de pessoa já submetida à cirurgia de transgenitalização, ensejaria sua exposição ao ridículo ou à execração pública pelo simples fato de ter um prenome, o que não se poderia admitir ante ao espírito da lei, consubstanciado no conjunto de legislações, já referidas, utilizadas para ensejar a prolação desta decisão.

Ensina Antônio Chaves que “a competência para cuidar de questão de estado, que envolve mudança de nome e identidade sexual, é da competência das Varas de Família e Sucessões para conhecer e processar o pedido de retificação de registro de nascimento”.[5] Complementando o autor que

tal procedimento é de jurisdição voluntária, previsto nos artigos 1103 a 1111 do Código de Processo civil, com intervenção obrigatória do Ministério Público. Uma vez constatado que o indivíduo exibe síndrome informadora de erro na determinação de seu sexo e que adapta mais a outro sexo, diverso daquele constante de seu assento de nascimento, compete ao juiz deferir o pedido de retificação, isto na hipótese do interessado já ter optado cirurgicamente por outro sexo, diferente daquele consignado em seu assento.[6]

Encontra-se em recentes decisões do Tribunal de Justiça Paulista posicionamento majoritariamente favorável à alteração de prenomes constante em assentos públicos, tanto em casos em que já foi realizada a cirurgia de transgenitalização, quanto em situações em que junta médica especializada comprovou a dissonância entre o a identidade física e mental de determinada pessoa que deseja ver modificado, oficialmente, seu prenome com vistas à conformação das esferas física e psíquica, tornando-as harmônicas.

Nesse sentido, tem-se a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUAL QUE PRESERVA O FENÓTIPO MASCULINO. REQUERENTE QUE NÃO SE SUBMETEU À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, MAS QUE REQUER A MUDANÇA DE SEU NOME EM RAZÃO DE ADOTAR CARACTERÍSTICAS FEMININAS. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO AO SEXO PSICOLÓGICO. LAUDO PERICIAL QUE APONTOU TRANSEXUALISMO. Na hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de seu registro civil para que possa adotar nome do gênero feminino, em razão de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no meio social como mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina buscando atender a outros interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em algumas hipóteses. Os documentos juntados aos autos comprovam a manifestação do transexualismo e de todas as suas características, demonstrando que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje. O autor sempre agiu e se apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu o nome de "Paula do Nascimento". Faz uso de hormônios femininos há mais de vinte e cinco anos e há vinte anos mantém união estável homoafetiva, reconhecida publicamente. Conforme laudo da perícia médico-legal realizada, a desconformidade psíquica entre o sexo biológico e o sexo psicológico decorre de transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido em seu registro civil com base na observação dos órgãos genitais externos, no momento do nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem ocorrer disparidades entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja, aquele que gostaria de ter e que entende como o que realmente deveria possuir. A cirurgia de transgenitalização não é requisito para a retificação de assento ante o seu caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar, visando a conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto, tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe a constar como "Paula do Nascimento". Sentença reformada. Recurso provido.[7]

Importante salientar, entretanto, que motivo de grande controvérsia ainda persiste em razão de que as modificações realizadas no assento de registro civil continuam a ser anotadas à margem do livro de registro de nascimento, gerando embates entre diversos direitos e princípios fundamentais. Nesse sentido, vê-se:

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - Transexual já submetido à cirurgia de transgenitalização - Procedência do pedido - Inconformismo do Ministério Público - Acolhimento - Alterações de nome e de sexo que devem constar à margem do livro de registro de nascimento - Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça - Pretensão recursal que conta com a concordância da apelada - Sentença reformada em parte - Recurso provido.[8]


As problemáticas jurídicas após a cirurgia de transgenitalização

Após a intervenção cirúrgica de mudança sexo num transexual, eis que surge na esfera jurídica, diversas problemáticas, em que o legislador pátrio careceu em solucionar, não cabendo o presente estudo indicar os motivos dessa lacuna legislativa, mas indicar as problemáticas jurídicas que envolvem a alteração do sexo em uma pessoa transexual.

Dentre todas as problemáticas, o presente estudo abordará as mais relevantes, quais sejam, a retificação do registro civil em relação ao prenome e ao sexo, bem como no caso da possibilidade do transexual convalidar núpcias e os seus desdobramentos, e por fim a questão previdenciária.[9]

Com relação à retificação do assento civil em relação ao prenome e ao sexo , segundo Diniz “Se a identidade sexual é parte do direito à identidade pessoal, não teria o transexual direito à adequação do sexo e do prenome?”[10], entendimento com fulcro na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e na Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais (1950). Nesta seara o legislador pátrio não vislumbrou a necessidade de assegurar esse direito à pessoa transexual após a intervenção cirúrgica, segundo Diniz “A  doutrina e a jurisprudência têm negado, em sua maioria, a retificação do registro civil do transexual operado, alegando que o registro público deve ser preciso e regular, consistindo a expressão da verdade”[11], porém existem julgados que permitem a retificação do prenome no registro civil, como acima verificado.

Vencida a barreira da imutabilidade prevista no art. 58 da lei nº 6.015/73 alterada pela lei 9708/98, eis que surge a necessidade de retificação em relação ao sexo, segundo Diniz[12] a jurisprudência brasileira tem entendido que no local reservado ao sexo deverá constar o termo “transexual”, por ser esta a condição física e psíquica da pessoa, de forma a garantir que outrem não seja induzido em erro. Segundo a autora esse entendimento é equivocado, uma vez que feriria o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF/88), por expor a pessoa transexual a uma situação vexatória, sendo vedado qualquer discriminação, tendo em vista que a pessoa transexual não estaria enquadrada em nenhum gênero, seja masculino ou feminino, não fazendo sentido a pessoa transexual se submeter a intervenção cirúrgica para a adequação psíquica a física, assumindo uma nova vida e no documento constar o termo transexual, impedindo assim a sua integração efetiva em sociedade, deixando para trás o seu estado anterior, na qual julgava equivocado, pois nascera em um corpo que não correspondia com a sua identidade psíquica, o que a tornava uma pessoa incompleta e causava diversos transtornos.

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Ademais, o tema foi tratado na IV jornada de Direito Civil, no enunciado n.276 que tratou do art. 13 do Código Civil/2002 e a consequente alteração do prenome e do sexo no registro civil, que cogita a possibilidade do mandado judicial de retificação de assento civil ocorrer da mesma forma como nos casos de adoção, com ressalvas, devendo constar que “a) o mencionado assento foi modificado por sentença judicial em ação de retificação de registro civil, cujo o teor se resguarda em segredo de justiça; b) a certidão com o inteiro teor do mandado poderia para salvaguarda de direitos ser fornecida a critério da autoridade judiciária”.[13]

Com relação sobre a possibilidade do transexual após o procedimento cirúrgico convalidar núpcias, com fulcro nos art. 1.557, I e III, art. 1.559 e art. 1.560, III todos do CC/2002, que versa sobre, respectivamente, o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, anulação do casamento e o prazo decadencial para pleitear em juízo a anulação, questões levantadas que não encontram respaldo legal, jurisprudencial e doutrinário. Assim como em relação aos benefícios previdenciários do transexual após o procedimento cirúrgico, questiona Diniz “a regra da proporcionalidade do tempo de serviço à nova realidade, computando-se o tempo cumprido como homem e o a cumprir como mulher.”[14]


Transexualidade – visão nacional e internacional

A discriminação sempre existente contra os transexuais finalmente passou a ser repudiada por diversos organismos, tanto em âmbito interno quanto internacional. E de outro modo não poderia ser, a evolução da sociedade importa no reconhecimento de que a escolha individual sobre o gênero ao qual mais a pessoa se identifica em nada afeta a dinâmica da sociedade.

Resquícios de uma sociedade brasileira pautada pelos ditames milenares católicos[15]não podem, ou ao menos não deveriam, ter como resultado a sensação de rebaixamento e exclusão social daqueles que não se identificam com a genética a eles imposta – ora, todos sabemos que a consciência transcende a genética a nós imposta.

Por motivos como estes, organismos nacionais e internacionais combatem de forma latente a discriminação contra os transexuais. Neste embate em que estão em jogo a vontade dos transexuais, da sociedade, dos médicos e dos próprios ditames religiosos, as mudanças nem sempre são encaradas de forma positiva.

Dentre as algumas das situações e mudanças trazidas nas últimas décadas com relação a este drama jurídico-existencial, temos a título de exemplo as seguintes:

A Resolução n. 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina, permitiu a cirurgia de transgenitalização, devendo ser observados uma série de requisitos impostos, dentre eles está, inclusive, o acompanhamento por psicólogo e assistente social. Essa resolução, pressupõe que não há crime de lesões corporais, previsto no art. 129 do Código Penal, desde que a cirurgia tenha sido precedida de avaliação por equipe multidisciplinar (com todos os critérios descritos na Resolução).

Já na maioria dos países europeus, a regulamentação da transexualidade se deu por meio de leis novas e específicas. Já nos Estados Unidos, o processo de regulamentação se deu por meio da adaptação das leis já existentes, exceto nos Estados de Illinois, Arizona, Lousiana e Califórnia, que possuem normas específicas.

Em Illinois foi promulgada, em 1961, uma lei que permite ao Estado retificar a determinação do sexo feita no momento do nascimento, a partir da certidão da realização de intervenção cirúrgica no paciente. A legislação deste Estado determina que compete ao médico-cirurgião que realizou o tratamento cirúrgico de redesignação no transexual atestar ao oficial de registros públicos a realização de modificação anatômica do paciente, sendo que este decidirá sobre a possibilidade de realizar a mudança da certidão de nascimento do interessado, de acordo com o novo status sexual adquirido. A Lousiana é o estado americano que possui a legislação mais completa e detalhada sobre a matéria transexual, promulgada em 1968, possuindo previsão legal expressa para a alteração do nome do transexual operado junto ao registro civil.

Além disso, nesses estados americanos, o transexual recebe um documento de identificação no qual é omitido o sexo originário, justamente para que não sofram qualquer tipo de discriminação.

Já os estados de Arkansas, Colorado, Flórida, Havaí, Maryland, Michigan, Minnesota, New York, Ohio e Texas não possuem lei específica, contudo, possuem diversos regulamentos administrativos que disciplinam a matéria.

Em New York, é competente para regular e proceder à alteração de estado da pessoa, em especial dos transexuais redesignados, o órgão do Ministério da Saúde Pública. Após a cirurgia e a consequente mudança no registro, o transexual pode levar vida normal, de acordo com seu sexo psíquico, podendo, inclusive, se casar. Todavia, poderá haver problemas se o transexual não revelar ao cônjuge que sofreu cirurgia de adequação sexual. O matrimônio poderá ser anulado por erro essencial ou fraude ou, ainda, o cônjuge ofendido poderá requerer o divórcio.

Na Europa, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem influenciado decisivamente a regulamentação de normas jurídicas sobre a operação de adequação sexual, bem como a alteração do nome e gênero no registro civil. O art. 8º da citada Convenção, que rege a proteção da vida privada e familiar das pessoas, onde se insere o direito à liberdade do indivíduo, tem servido de fundamento para possibilitar aos transexuais, portadores de diagnóstico que ateste a transexualidade verdadeira, de se submeterem à prática de cirurgia modificadora de sexo. O mencionado art. 8º provocou o alinhamento das legislações e da jurisprudência dos diversos países, no sentido de considerarem legítimas as operações de redesignação sexual e a consequente modificação do prenome e do estado sexual dos transexuais operados.

Na Bélgica, apesar de muitas controvérsias e decisões denegatórias, os tribunais têm se posicionado no sentido de deferir a mudança do registro dos transexuais.

Do mesmo modo, na França, após muita discussão e julgados e doutrinas contrárias, passou-se a admitir a mudança no assento de nascimento do transexual. Nesse sentido, o tribunal de Toulouse, através de sua decisão de 1976, veio definitivamente consagrar, no Direito Francês, a admissibilidade de redesignação de um transexual e a correspondente alteração de seu prenome no registro civil. O citado tribunal adotou, como princípio orientador de sua jurisprudência, para deferimento do direito à alteração da documentação, o seguinte critério: indivíduo que tenha sofrido em seu sexo, seja por fato da natureza, seja por elementos exteriores, transformações tais que não podem mais, sem causar graves perturbações, suportar o estatuto social correspondente ao sexo do registro. Essa decisão veio a influenciar fortemente toda a jurisprudência francesa no sentido de permitir a alteração no registro civil. Atualmente, portanto, a jurisprudência francesa em sua maioria tem se posicionado no sentido de admitir a modificação da documentação de transexuais que se submeteram a procedimento cirúrgico de adequação sexual.

Já na Alemanha, há muitos anos, tem-se admitido a castração voluntária do indivíduo. Nesse país nunca houve resistência muito forte contra as cirurgias de adequação de sexo. A lei “Gesetz uber die freiwillige Kastration und andere Bahandlungsmethoden”, promulgada em 1969, já regulamentava as cirurgias de esterilização voluntária e outros métodos terapêuticos.

A Itália, assim como a Alemanha, foi um dos primeiros países a regulamentar as normas para que transexuais operados pudessem fazer a retificação no registro civil. “A Corte Italiana, em 24 de maio de 1975, reformando decisão do Tribunal de Apelação de Nápoles, declarou que a retificação judicial de atribuição do sexo não se restringe ao caso de hermafroditismo, devendo ser aplicada também no transexualismo, pois o encontro da integridade psicofísica assegura o direito à saúde, que abrange a saúde psíquica.

A Suécia, em 1972, regulamentou a realização das operações de readequação sexual e a retificação do estado sexual e do prenome no assento de nascimento de transexuais. Segundo a legislação sueca, “a cirurgia de redesignação sexual e os tratamentos hormonal e psíquico do paciente são gratuitos a todo cidadão sueco e aos estrangeiros residentes há um certo período de anos no país.

Em Portugal, “o reconhecimento da adequação e retificação do sexo reside no art. 26 da Constituição portuguesa que consagra o direito à identidade pessoal, entendendo que o tratamento e a intervenção cirúrgica que visam modificar o sexo são terapêuticos, resguardando o direito à saúde física e psíquica. A lei holandesa de 24 de abril de 1985 possibilita que o tribunal acate não só a mutação sexual como também a adequação do prenome no registro civil do transexual.

Na África do Sul, há uma lei que confere competência ao Ministro do Interior para ordenar a retificação de atribuição de sexo constante do registro de nascimento, baseado na cirurgia de mutação sexual, adaptando o sexo físico ao psíquico.

Por fim, países do Mercosul recentemente se reuniram para formalizar uma declaração de repúdio à discriminação contra os transexuais, trata-se da declaração Raadh que busca prevenir, garantir e investigar as situações enfrentadas por essas pessoas que sofrem também por não terem uma proteção judicial devida.


[1] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito.8ª edição. Editora Saraiva. p. 322. 2011.

[2] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. op. cit., p. 323.

[3] Resolução CFM nº 1.955 de 2010, publicada no D.O.U. de 3 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-10.

[4] Ana Paula Ariston Barion Peres. Transexualismo O Direito a uma Nova Identidade Sexual. p. 167. Editora Renovar. 2001.

[5] Antônio Chaves. Direito à vida e ao próprio corpo. p.162-3. 2ª edição. 1994. Editora Revista dos Tribunais.

[6] Antônio Chaves. Direito à vida e ao próprio corpo. op. cit. p. 163.

[7] TJ-SP - APL: 00139343120118260037 SP 0013934-31.2011.8.26.0037, Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 23/09/2014, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/09/2014.

[8] TJ-SP - APL: 0003025-02.2008.8.26.0047, Relator: J.L. Mônaco da Silva, Data de Julgamento: 02/04/2014, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/04/2014.

[9] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 327.

[10] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 327.

[11] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 327.

[12] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 331.

[13] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 336.

[14] MARIA HELENA DINIZ.  O Estado Atual do Biodireito. cit., p. 344.

[15] O catolicismo prega que o “ser humano deve reconhecer e aceitar sua condição sexual, logo, ele apenas admite a cirurgia de mudança de sexo em caso de hermafroditismo ou pseudo-hermafroditismo, por crer que problemas sexuais psíquicos devem ser curados por meio de tratamento psicoterapêutico” – Maria Helena Diniz, “o estado atual do biodireito”, 3ª ed., 2006, pg. 287.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIMENES, Gabriela. Da cirurgia de transgenitalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4571, 6 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44332. Acesso em: 19 mar. 2024.

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