INTRODUÇÃO
Com o passar do tempo, temos observado que o Supremo Tribunal Federal tem, de certa forma, olvidado a sua função constitucional de intérprete-mor da Carta Magna para imiscuir-se em situações individualizadas que lhe são postas.
Um exemplo disso é o, ainda, enorme número de Recursos Extraordinários que chegam ao seu conhecimento. Afora isso, tem-se percebido uma preferência à análise destes processos admitidos com Repercussão Geral do que os processos referentes ao controle concentrado de constitucionalidade.
Cite-se o caso da necessidade de depósito de FTGS na conta vinculada de indivíduos que foram contratados irregularmente pelo Poder Público (em razão de burla ao concurso público) e que tiveram os referidos contratos considerados nulos. Nessa situação, procedeu-se ao julgamento do RE-RG nº 596.478, para, somente depois, julgar a ADI nº 3127.
Do mesmo modo, o STF tem se comportando quando se trata de omissão constitucional. O Tribunal da Federação tem imprimido baixíssima efetividade às Ações Direitas de Inconstitucionalidade por Omissão, enquanto que vem, cada vez mais, aumentando a efetividade das ações individuais denominadas Mandados de Injunção.
Observe-se que se trata de uma verdadeira subversão de valores. Segundo a própria Constituição Federal, conforme se verá adiante, é à ADO que se conferem efeitos erga omnes e vinculantes.
Enfim, a evolução jurisprudencial parece estar acontecendo para o Mandado de Injunção – evolução esta que parece superar qualquer previsão feita à época de sua criação – enquanto que o instrumento adequado para ensejar a efetividade que se esperava (ADO) resta escanteado.
Este é o objetivo do presente trabalho: analisando a evolução jurisprudencial e identificando os objetivos de cada um dos institutos, chegar à conclusão de que o STF precisa dar uma passo à frente quanto à abrangência dos efeitos do controle concentrado de constitucionalidade por omissão.
1. DA OMISSÃO NORMATIVA E O EXERCÍCIO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS. DOS INTRUMENTOS EXISTENTES PARA A GARANTIA DE TAIS DIREITOS.
A omissão normativa não é um fenômeno recente. Aliás, parte-se da antiga máxima de que a realidade é muito mais complexa do que a sua previsão; em outras palavras, as situações jurídicas vivenciadas no dia-a-dia são uma infinidade, enquanto que o legislador dificilmente conseguirá prever e normatizar tais circunstâncias antes de elas acontecerem de fato.
Tanto isso é verdade que o Direito, também partindo da proibição do non liquet, criou fórmulas e institutos para auxiliar o magistrado na sua difícil tarefa de julgar. Cite-se o exemplo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu art. 4o: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
Indo mais adiante, deparamo-nos com situação ainda mais grave: a omissão constitucional. Nesse caso, como a Constituição é o norte para a interpretação de todas as demais leis do país, nela devem constar instrumentos que impeçam o desrespeito de seu texto e imprimam efetividade às suas determinações, repelindo a conhecida “síndrome da inefetividade” das normas constitucionais.
Esta situação merece crucial atenção, já que
a problemática é de transcendental importância não apenas para a realização de diferenciadas e legítimas pretensões individuais. Ela é fundamental sobretudo para a concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização do próprio Estado de Direito democrático (...). (MENDES, 2010, p. 1345)
Em verdade, o fenômeno da omissão constitucional (da inércia do legislador infraconstitucional) é recente, surgindo com as Cartas Magnas analíticas, programáticas e diretivas, não possuindo soluções prontas e acabadas.
Inclusive, nas Cartas de Direitos proclamadas no Século XX, não apenas prevaleceu a proteção das liberdades negativas (que limitam o poder do Estado frente aos indivíduos), mas foram muito mais adiante: as referidas Constituições começaram a prever situações relacionadas à imposição ao Poder Público da consecução de determinados fins. Ou seja, certos objetivos foram delineados para que a Administração Pública os alcançassem. Tais programas/direcionamentos são, agora, o norte a ser perseguido.
Aliás, tal persecução deve ser atingida em tempo razoável, sob pena de ocorrer, justamente, a omissão inconstitucional.
Nesse mesmo sentido segue Walter Claudius Rothenburg:
Constituições extensas, de pendor programático, como são as que caracterizam o Direito contemporâneo no contexto da sociedade pós-industrial (ROTHENBURG, 2010, p. 23-25), apresentam o fenômeno da omissão inconstitucional, que desafia tratamento jurídico e não apenas político. As diferentes modalidades dessa omissão e as técnicas de sua superação judicial possuem origem e preocupação em comum, motivo pelo qual se estabelecem conexões que recomendam uma interpretação sistemática dos institutos concernentes.
É o que ocorre com a Constituição brasileira de 1988 e as respostas jurídicas que oferece à omissão inconstitucional. Por conta do figurino específico e complexo de nossa gramática de controle de constitucionalidade, também quanto à inconstitucionalidade por omissão, a fiscalização conjuga-se tanto na forma objetiva (abstrata) e concentrada, quanto na forma subjetiva (concreta) e difusa. Objetivamente, é prevista uma variante da tradicional ação direta de inconstitucionalidade: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (Constituição, art. 103, § 2o; Lei 9.868/1999, com as alterações da lei 12.063/2009). Em concreto, prevê-se o remédio específico do mandado de injunção, que substitui ou completa institutos tradicionais como o mandado de segurança. Entretanto, ambas as modalidades de combate à omissão inconstitucional possuem aspectos assemelhados e sugerem um tratamento jurídico parcialmente comum. (ROTHENBURG, 2010, p. 77)
Pois bem, a nossa Constituição Federal previu para situações abstratas e concentradas, a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO. Já para os casos concretos e difusos, temos o Mandado de Injunção.
Vejamos a literalidade de tais dispositivos, respectivamente, em sua topografia constitucional:
Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Art. 5º, LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Observe-se que, no espectro da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, tais instrumentos possuem utilidade para a efetivação de normas de eficácia limitada. Ou seja, justamente aquelas que dependem de participação ativa do legislador infraconstitucional para possibilitar a sua devida fruição.
Ressalte-se que as normas de eficácia plena, por óbvio, não são passíveis de serem objeto de ação cuja finalidade seja rechaçar a omissão inconstitucional. Elas são aplicáveis de imediato e não dependem de norma infraconstitucional para a fruição do referido direito ou garantia.
Um exemplo interessante disto é justamente a previsão do Mandado de Injunção. Ainda não temos lei que o regulamente, mas entende-se que, nem por isso, o referido mandamus não possa ser utilizado. Pelo contrário, tem tido até mesmo mais sucesso que a própria Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão.
Apenas um detalhe: com relação às normas de eficácia contida, estas já possuem efeitos, mas os mesmos podem ser restringidos. Desse modo, poder-se-ia pensar que as normas infraconstitucionais (que lhe digam respeito) somente poderiam ser objeto de controle de constitucionalidade por ação. Porém, acreditamos que, eventualmente, tais normas também podem incidir em omissão parcial.
Não vamos nos aprofundar nesse aspecto da omissão parcial, haja vista não se tratar do tema central do trabalho, mas fica o registro.
Enfim, identificados os institutos propícios a garantir direitos constitucionalmente reconhecidos, imperiosa agora a análise dos seus efeitos.
2. DOS EFEITOS DAS DECISÕES QUE RECONHECEM A OMISSÃO NORMATIVA
Inicialmente, é importante destacar que se discute muito na doutrina e na jurisprudência os limites da efetividade das decisões estampadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão e no Mandado de Injunção.
De fato, trata-se de linha muito tênue aquela que aparta as funções do Poder Judiciário e dos demais Poderes. Existe, assim, uma faixa cinzenta na qual não podemos ter certeza se determinada decisão adentra ou não em atividade típica de outro Poder. Em verdade, o que mais se discute nesta seara é justamente o Princípio da Separação/Tripartição dos Poderes prevista no art. 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Desse modo, até que ponto pode a Justiça imiscuir-se em atividade intrínseca do Legislativo quando este se esquiva de cumprir o seu papel principal?
Muito já se escreveu e se discutiu entre ambos os extremos: tanto para a completa impossibilidade do Judiciário sequer reconhecer a mora do legislador, como para, prontamente, indicar a norma a ser aplicada no caso posto em análise.
No nosso entendimento, temos percebido que o Judiciário, notadamente o STF, tem valorizado a cultura da impetração do writ Mandado de Injunção do que a Ação Concentrada de Inconstitucionalidade. Identificamos esta posição ao analisarmos a maior efetividade emprestada à ação de controle difuso do que na outra. Aliás, a ADO perante o Supremo tem tido utilidade bastante diminuta.
Acreditamos que essa lógica está invertida e, para bem entender a situação, necessário analisarmos a evolução e estado de utilização de cada uma delas para, enfim, chegarmos a uma conclusão juridicamente sustentada.
2.1. DO ATUAL ESTÁGIO DE EFETIVIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS EM SEDE DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – ADO.
Cumpre mencionar que apenas recentemente foi publicada a Lei nº 12.063, de 27/10/2009, para incluir o capítulo II-A na Lei nº 9.868, de 10/11/1999 – o qual estabelece a disciplina processual da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Trata-se de importante e necessária inovação para que possamos, de forma clara e objetiva, termos as normas adjetivas de utilização da ADO.
De todo modo, já se vinha usando a norma da ADI genérica, servindo o novo capítulo apenas para espancar dúvidas pontuais a respeito do instrumento processual a ser aplicado.
Pois bem, a nossa Constituição foi clara ao afirmar em seu art. 103, § 2º, que
declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Parece-nos que o nosso intérprete-mor da Constituição parou por aí, avançando muito pouco na efetividade de suas decisões.
Este também parece ser o entendimento dos doutrinadores de como o STF encara a questão:
Em respeito ao princípio da tripartição dos Poderes, previsto no art. 2º da CF/88, não é permitido ao Judiciário legislar (salvo nas hipóteses constitucionalmente previstas, como a elaboração de seu Regimento Interno). A sentença proferida em sede de ADO, contudo tem caráter mandamental, constituindo em mora o poder competente que deveria elaborar a lei e não o fez (LENZA, 2011, p. 340-341).
Do mesmo modo:
ciência para adoção das providências necessárias, sem prazo preestabelecido. Nessa hipótese, o Poder Legislativo tem a oportunidade e a conveniência de legislar, no exercício constitucional de sua função precípua, não podendo ser forçado pelo Poder Judiciário a exercer seu múnus, sob pena de afronta a separação dos Poderes, fixada pelo art. 2º da Carta Constitucional (MORAES, 2011, p. 798).
Estas idéias encontram-se, de certa forma, na decisão do STF na ADI nº 3.682:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.
(ADI 3682, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 EMENT VOL-02288-02 PP-00277 RTJ VOL-00202-02 PP-00583)
O referido julgamento proferido na ADI 3682 acima tratou da questão de omissão do Poder Legislativo em normatizar o art. 18, §4º, da Constituição Federal. Ou seja, “não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios.”
Em assim permanecendo durante um grande lapso de tempo, o STF identificou que se tratava de omissão inconstitucional em razão de, apesar de haver diversos projetos de lei nesse sentido, nenhum deles ter chegado ao seu cabo. A questão se torna ainda mais flagrante quando se percebe que diversos Municípios vinham sendo criados sem observância, até mesmo, das mínimas regras constitucionais.
Apesar disso, o STF apenas declarou a mora e aconselhou que o Congresso Nacional edite a norma faltante em 18 meses, lembrando que diversas outras ações pretéritas já haviam sido julgadas nesse mesmo sentido. Estas últimas conferiam o lapso temporal de 24 meses, mas foram descumpridas.
Como se verá mais adiante, trata-se tal perspectiva, com a devida vênia aos entendimentos em contrário, de visão limitada do instituto e do poder que ele contém. Em verdade, acreditamos que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão possui maiores e mais amplos poderes, pelo menos em tese, que o Mandado de Injunção.
Sigamos adiante para comparar tal solução na ADO com a solução dada ao Mandado de Injunção.
2.2. DA EVOLUÇÃO DOS EFEITOS NO MANDADO DE INJUNÇÃO
Em contrapartida às amarras da Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, a jurisprudência do Mandado de Injunção evoluiu e chegou a dar-lhe amplitude jamais pensada durante sua inauguração na Constituição de 1988.
Por incrível que pareça, o presente writ sequer possui ainda norma regulamentadora, aplicando-se-lhe analogicamente a Lei nº 12.016 do Mandado de Segurança.
Consultando o sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, observa-se que, apenas recentemente (na sessão deliberativa extraordinária de 24/03/2015), foi aprovado o Projeto de Lei nº 6.128/2009, seguindo para o Senado Federal. Portanto, provavelmente, apenas nos próximos meses de 2015 teremos uma lei regulamentadora de um instrumento constitucional criado em 1988, e aplicado desde então.
Em que pese este detalhe, o Mandado de Injunção tem sido usado amplamente pelos interessados e com considerável sucesso.
Quanto à efetividade desta ação, ela tem evoluído e percebe-se na doutrina, e até mesmo na jurisprudência, a identificação dos seus estágios.
Passou por um período não-concretista, no qual o STF entendia que não poderia compelir o Parlamento a legislar. Do mesmo modo, não poderia sequer assegurar o exercício de um determinado direito pelo impetrante. Essa antiga posição do STF retirava qualquer utilidade do Mandado de Injunção.
Porém, o STF, percebendo a inutilidade que emprestava ao writ, mudou de posicionamento e passou a adotar, aqui acolá, uma das vertentes da teoria concretista.
A começar pela concretista-individual-intermediária, o Ministro Néri da Silveira, em posição isolada e superada, entendia que após a procedência do Mandado de Injunção, o Judiciário deveria fixar prazo ao Legislativo para que esse normatizasse a omissão; em não o fazendo, aí sim o Judiciário iria “fixar as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor” (MORAES, 2011, p. 191).
Na concretista-individual-direta, por sua vez, “a decisão implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente” (LENZA, 2011, p. 953). Ou seja, não precisaria aguardar um tempo para atividade do Legislativo. Essa posição se torna ainda mais evidente quando, em casos idênticos anteriores, o Legislativo manteve-se inerte.
A repetição de inúmeros Mandados de Injunção com o mesmo objeto pavimentou o acesso à vertente mais evoluída a seguir:
Por fim, a concretista-geral chegou a patamares impensáveis quando da criação do instituto. Por meio dela,
a decisão do Poder Judiciário terá efeitos erga omnes, implementando o exercício da norma constitucional através de uma normatividade geral, até que a omissão seja suprida pelo poder competente (MORAES, 2011, p. 188).
Esta evolução foi percebida pela doutrina, ao se constatar que
nessa medida, ao avançar surpreendentemente em sua jurisprudência relativa ao mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal chegou a atribuir efeitos universais (erga omnes) a ações propostas por determinadas categorias de servidores públicos regionalmente situadas (servidores do Poder Judiciário do Pará: MI 712-8/PA, policiais civis do Espírito Santo: MI 670-9/ES, servidores da educação no Município de João Pessoa: MI 708-0/DF) e assentar a aplicação da legislação de greve na iniciativa privada ao setor público (ROTHENBURG, 2010, p. 79).
Igualmente, o Ministro do STF, Gilmar Mendes, em seu trabalho doutrinário chancela:
Interessante ressaltar, ainda, a extensão possível dos efeitos advindos de decisão em mandado de injunção. O que se evidencia é a possibilidade de as decisões nos mandados de injunção surtirem efeitos não somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo também seus efeitos normativos para os demais casos que guardem similitude. Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda que dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão objetiva, com eficácia erga omnes, que serve para tantos quantos forem os casos que demandam concretização de uma omissão geral do Poder Público, seja em relação a uma determinada conduta, seja em relação a uma determinada lei. (MENDES, 2011, p. 1394-1395)
Vale salientar que o STF ainda oscila entre as teorias concretista-individual-direta e a concretista-geral. Porém, conforme se percebe que muitos casos são idênticos, contemplando a mesma omissão, não podem ter resultados diversos. Daí a referida “dimensão objetiva”.
Em outras palavras, ao se julgar corriqueiramente ações praticamente idênticas, o STF, ao fazê-lo, por questão de segurança jurídica, tende a repetir a conclusão dos julgados anteriores.
Dito isto, percebendo que as decisões tomadas possuem o mesmo locus, muitas vezes, semelhante à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, acreditamos que muitas das contribuições na evolução jurisprudencial do Mandado de Injunção podem ser aplicadas à ação de controle concentrado – o que nos leva ao próximo item.
3. DA NECESSÁRIA EVOLUÇÃO DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS EM SEDE DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – ADO.
Conforme foi dito linhas atrás, o Mandado de Injunção se afigura como instituto, originariamente, de conotação individual. É, portanto, controle difuso e concreto de inconstitucionalidade das omissões.
Em tese, este instrumento, no seu nascedouro, deveria aproveitar apenas aos impetrantes. Porém, foi ganhando espaço (assim como a ampliação da aplicação do Mandado de Injunção na sua vertente coletiva) e seus efeitos foram se alargando ao ponto do próprio Supremo já ter reconhecido, em determinados casos, pelos efeitos erga omnes.
Por outro lado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, juntamente com as demais ações de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, possui uma quantidade bastante limitada de legitimados ativos e conseqüências efetivamente drásticas no direito brasileiro.
É, portanto, da natureza deste tipo de controle que os seus efeitos irradiam contra todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, e com efeitos vinculativos, ensejando até mesmo a Reclamação Constitucional para preservar a autoridade das suas decisões.
Ora, se tal instrumento já nasceu com toda essa bagagem, como pode o STF limitar-lhe o alcance? Acreditamos que a resposta esteja no receio de invadir a competência de outro Poder.
Porém, assim como o fez com o Mandado de Injunção, diante de uma inércia/omissão constitucional, não pode o STF se limitar a tal ponto das suas decisões não possuírem qualquer efetividade.
Aliás, ao assim proceder, a nossa Corte Constitucional abre espaço para a impetração de milhares de Mandados de Injunção a respeito de matérias que, obviamente, já foram devidamente postas ao seu conhecimento por meio do controle abstrato.
Se fosse emprestada eficácia erga omnes à ADO e a sua decisão efetivamente implementasse o direito que se persegue, não necessitaríamos de, corriqueiramente, bater às portas do Poder Judiciário para garantir a fruição de um direito para mais uma leva de pleiteantes/autores.
Ademais, não fosse o efeito erga omnes que vem sendo dado ao Mandado de Injunção, poderíamos nos deparar com uma indesejável insegurança jurídica por meio de decisões dissonantes.
Inclusive, é importante salientar que, também por meio de ações ordinárias, se requer direitos constitucionais que ainda não foram regulamentados, a exemplo da aposentadoria especial do art. 40, §4º, da Constituição Federal. Aqui, então, há uma infinidade de magistrados decidindo de acordo com o seu próprio entendimento pessoal.
Ressalte-se que, quanto a estas últimas, o Mandado de Injunção não possui força vinculante, mas apenas a força de precedente – o qual não possui obrigatoriedade. Já a ADO, pelo contrário, teria o poder de evitar a tomada de decisões contraditórias.
Desse modo, não encontramos argumentos plausíveis ao ponto de limitar o âmbito de utilização e efetividade da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
Ademais, importante destacar que a adequada utilização da ADO em nada prejudica as atividades do STF, muito pelo contrário, dá-lhe força para irradiar efeitos para todos os demais órgãos do Poder Judiciário.
Enfim, sem afastar a utilidade do Mandado de Injunção, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é o instrumento apto a imprimir a necessária efetividade a inúmeras situações semelhantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal tem efetivamente evoluído na sua jurisprudência quanto ao Mandado de Injunção; e é importante que o faça, para que este instrumento concreto de garantia do afastamento da omissão inconstitucional possa ser utilizado com efetividade pela população brasileira em seus casos específicos.
Porém, nota-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não tem sido bem aproveitada pela Excelsa Corte. Em que pese este seja o instrumento constitucionalmente adequado para imprimir efeitos erga omnes e gerais às decisões identificadoras de omissão contrária à Carta Magna.
O Supremo, enquanto Tribunal Constitucional, é a última instância, não apenas no Judiciário, mas de toda a Federação. Ele é, e deve ser, o equilíbrio entre os Poderes – obviamente sem se sobrepor e nem pretender totalitarizar a República. Pelo contrário, seus limites são a própria Constituição Federal e somente a ela deve observância.
Não acreditamos, portanto, que se trata de invasão à atribuição do Poder Legislativo quando o Supremo Tribunal Federal vier a disciplinar determinada omissão inconstitucional. Se o Parlamento não normatiza determinado direito assegurado aos indivíduos, não pode o Supremo lavar as mãos e omitir-se no seu dever. A proibição do non liquet lhe impede que haja desse modo.
Nesse sentido, a efetividade da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão merece evolução para possibilitar a generalização da efetividade de direitos, promovendo maior segurança jurídica e igualitarização dos provimentos judiciais a todos os eventuais jurisdicionados – imprimindo celeridade e evitando o nascedouro de mais e mais ações que assoberbam o Judiciário a cada dia.
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