Da Ilegalidade das Correções Genéricas por Atacado ou Correções Britânicas: a dissimulação das bancas examinadoras no momento do reexame recursal.
Resumo
O presente artigo aborda tese construtiva do referido autor, inspirada no Julgamento do MS/OE 1172523-0 – TJ/PR, e desenvolvida nos autos do Mandamus 0011239-70-2015.5.03.0000, PJE, Órgão Especial TRT/MG. O presente estudo nasce da observação fática das condutas arbitrárias de algumas bancas de concursos públicos, e a conclusão ora extraída decorre de pesquisa de campo, coleta de dados e análise de provas aplicadas aos candidatos desses certames. Portanto, o presente artigo não é fruto de um devaneio jurídico, mas nasce da observação do mundo real em cotejo com o estudo da teoria do direito administrativo e constitucional.
Illegality of Revisions Generic Wholesale or British Reviews: simulation of public institutions at the time of the review of exams resources for public office.
Abstract
This article discusses constructive theory of that author, inspired by the judgment of the MS / OE 1172523-0 - TJ / PR, and developed in the process of Mandamus 0011239-70-2015.5.03.0000, PJE, Special Section of the TRT / MG. This study is born from factual observation of the arbitrary conduct of some public institutions in the implementation of public admission exams, and now extracted conclusion results from field research, data collection and analysis tests applied to candidates for these positions. Therefore, this article is not the result of a legal imagination, but is born from real-world observation analysis to the study of the theory of administrative and constitutional law, and results in a completely original thesis on the subject.
Keywords: Office. Arbitrariness. Institutions. constitutional. Supervise.
Palavras–chave: Concurso. Arbitrariedade. Bancas. Constitucional. Controle.
Sumário: Introdução. 1. Abordagem jurisprudencial atual. 2. Do pano de fundo construtivo da tese abordada. 3. Das correções genéricas por atacado ou correções britânicas. Conclusão. Referências.
Introdução
Em um país, onde a economia vai de mal a pior, os negócios retrocedem, e os tributos funcionam quase como um “espantalho” pendurado no topo do campo empresarial privado, assustando para longe os investidores, e consequentemente diminuindo em muito a oferta por bons empregos – cuja contrapartida financeira seja equilibrada e traga segurança pessoal e familiar – não é de causar espanto que a “indústria dos concursos públicos” tenha cada vez mais ganho espaço face ao setor citado, não apenas entre os mais jovens, mas também entre aqueles mais experientes que, após alcançar uma certa idade, frustrados com o refreio do setor profissional onde trabalharam a vida inteira e nada construíram, são atraídos pela ideia de um recomeço promissor na seara pública, e de enfim poderem viver, o tão perseguido “sonho latino-americano”, de uma carreira sólida, estável e promissora.
Como já dito, isso se explica principalmente pela necessidade que todo ser humano possui de se sentir útil e valorizado, não só financeiramente, mas no que se refere ao reconhecimento profissional, qualidade de vida, e status social.
É indiscutível que ser uma autoridade pública - como um delegado de polícia, promotor de justiça, ou mesmo um juiz de direito – é tarefa demasiadamente honrosa e que permeia os sonhos de muitos, que tomados por esse objetivo profissional, embarcam de corpo e alma nessa jornada tão acirrada. Ademais, os sonhos desses candidatos a uma vaga no serviço público, passa em muito pelas mãos das chamadas ‘bancas examinadoras’. Por sua vez, observamos que tem havido uma queda de qualidade muito grande no modo como essas organizadoras elaboram as suas provas, e também como avaliam os candidatos. O que se questiona, pois, não é a honestidade dessas instituições, mas sim o fato de que, o excesso de serviço, e a cobiça desenfreada pelo lucro proveniente desses certames, têm feito as mesmas adotarem alguns métodos de “execução procedimental mecanizado”, que lhes possibilite cumprir toda a demanda assumida dentro do menor e apertado espaço de tempo que lhes sobra dentre os vários concursos que organizam. Há, por exemplo, no atual cenário certas bancas que realizam os certames de praticamente todos os TRT e TRF espalhados pelo país, o que não é pouca coisa, fora outras instituições públicas aqui não citadas.
Também em decorrência disso, se tem visto a adoção de algumas práticas arbitrárias, que cada vez mais, vem se repetindo, e formando uma cultura “dissimulada” de correção de provas, que acabam prejudicando inúmeros candidatos que, como sabemos, investem rios e rios de dinheiro com aquisição de materiais caros, viagens para realização das provas, taxas de inscrição, hospedagens, e todos os demais atos inerentes à vida de um ‘concurseiro’, de modo que, o mínimo que essas pessoas merecem é um procedimento que reflita a justiça desses certames admissionais públicos. Citamos aqui, por exemplo, um caso muito noticiado, onde uma das Bancas Examinadoras mais conhecidas do país, reduziu a nota de um candidato afirmando de maneira veemente existir erro de grafia em sua prova, uma vez que a palavra “execução” deveria ser escrita com “ss”, ou seja, “execussão”, para o espanto de todos. O referido candidato recorreu administrativamente, mas como já era de se esperar, a banca não aceitou o seu recurso, lhe fornecendo uma resposta pré-fabricada e que não se adequava sequer aos seus argumentos. O fato virou discussão judicial, indo parar no TRF da 1ª Região, Agr. Instr. 2005.01.00.042622-8, Decisão Monocrática, DJU de 21.06.2005, onde tempos depois a situação viria a ser resolvida.
O objetivo do presente estudo é demonstrar, de maneira muito didática, uma dessas práticas abusivas comumente adotadas por algumas bancas examinadoras nos certames públicos. A presente tese, que será, portanto, mais adiante desenvolvida, se embasou em pesquisa de campo e método analítico de amostragens de alguns exames aplicados por essas bancas, de onde as conclusões aqui extraídas se originaram.
1. Abordagem jurisprudencial atual
No âmbito do direito administrativo, especialmente no que concerne à seara dos concursos públicos lidamos o tempo inteiro com situações práticas que, colocam à baila um dilema entre o direito insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da nossa Carta Magna, em especial no que se refere ao princípio da inafastabilidade do controle judicial - segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, tendo a parte direito a ver apreciadas pelo juízo competente as suas razões e a ver fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento - e de outro lado, o respeito à chamada reserva da administração ou núcleo de reserva administrativa, o qual segundo Miguel Seabra Fagundes, em sua Obra "O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário” (2006, p. 179-180), “sujeita a atuação judicante a certas restrições”. Para ele o Poder Judiciário não poderá funcionar como instância revisora de decisões administrativas. Advertindo, todavia, que o se veda, assim, não é o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, mas sim a sub-rogação jurisdicional, ou seja, a usurpação da função administrativa, por assim dizer.
Tal entendimento, de modo geral, já era amplamente aplicado pelo judiciário, inobstante isso, recentemente a Suprema Corte consolidando a referida tese, julgou em repercussão geral, por maioria de votos, o Recurso Extraordinário – RE nº 632.853, em sessão de 23 de abril de 2015, estabelecendo que “Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário.” Esta tese em 'repercussão geral' passou a endossar ainda mais a dura postura que já vinha sendo adotada pelo Judiciário, e muitas vezes com excesso de rigor, feria o comando do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, inicialmente citado, e infelizmente acabava por chancelar atos arbitrários de Bancas Examinadoras de Concursos, que sob a tutela do manto principiológico da 'soberania das comissões organizadoras', acabavam por não salvaguardar o direito de muitos prejudicados, indeferindo de plano, a maioria dos processos judiciais sob a argumentação extensiva e mal interpretada da 'invasão ao mérito administrativo'.
Ademais tenha ficado assentado a referida tese, a qual certamente deve nortear o judiciário daqui em diante quanto ao tema, por outro lado, ficou em aberto a possibilidade de, excepcionalmente, haver sim o poder-dever do referido controle nos casos de flagrante ilegalidade ou arbitrariedade, situações estas que, quando verificadas, indubitavelmente autorizam a Justiça ingressar no mérito administrativo para rever critérios de correção e de avaliação impostos por banca examinadora, o que alguns preferem chamar de 'verificação dos aspectos legais do mérito', num excesso de preciosismo a nosso ver, pois, ora, seria utópico imaginarmos um procedimento fiscalizatório da regularidade de um ato, sem que antes fosse permitido ao julgador adentrar nas nuances materiais e fáticas desse ato, para conhecendo-as a fundo, indicar se houve ou não extrapolação dos parâmetros de discricionariedade que regem o mérito em si. Seria como exigir de um médico dizer a lástima que afetara um certo paciente, sem contudo, poder se valer dos procedimentais científicos, como ressonâncias, ultrassons e congêneres.
Sobre essa temática, o autor Alessandro Dantas (advogado especializado em concursos públicos, autor de obras jurídicas sobre o tema, conferencista do Congresso Brasileiro de Concurso Público, instrutor de concursos públicos da ERX, consultor da ANDACON – Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro, fonte de entrevista dos principais jornais do Brasil quando a matéria é concursos públicos, colaborador da revista Negócios Públicos, onde escreve mensalmente sobre o tema e da GOVERNET e ainda Palestrante e professor da LFG - Rede Luiz Flávio Gomes) defende em sua Obra “Concurso público: controle das provas discursivas pelo Poder Judiciário”, que o princípio da soberania das bancas não é absoluto, aliás, nem os direitos fundamentais são absolutos, em outras palavras, o referido princípio não pode ser tido como uma armadura impenetrável para proteger o infrator da violação cometida contra direitos alheios. As decisões das Bancas Examinadoras não podem ser escolhidas sem parâmetros claros como se fossem “adivinhos de uma cartomante”, nem as questões de provas podem ser como um “jogo de tarô”, mas deve ser coerente e de acordo a “realidade das coisas”, sempre inequivocadamente motivadas, e não o sendo desta forma, deve então emergir a atuação fiscalizatória judicante para a apreciação da legalidade destes atos. No entendimento do ilustre autor “ao corrigir uma prova discursiva a Banca Examinadora deverá motivar a nota atribuída ao candidato. Segundo a teoria dos motivos determinantes os fatos que servirem de suporte à decisão administrativa integram a validade do ato. Logo, enunciados os motivos que ensejaram a atribuição daquela nota, esta só será válida se as justificativas tiverem procedência. Isso quer dizer que o padrão de resposta deve refletir com precisão os conceitos consolidados das disciplinas avaliadas, não cabe a Banca Examinadora determinar o que é certo ou errado, mudando a realidade das coisas.” (DANTAS, 2015, pág.02).
Acompanhando a mesma linha de raciocínio do referido autor, pedimos permissão para citar ainda o entendimento do nobre professor Almiro de Couto Silva, que em sua Obra"Correção da prova de concurso público e seu controle jurisdicional”, defende ainda que “não cabe à Administração Pública o poder incontrastável de reputar como certo o que bem lhe parecer, pois isso seria arbítrio”. Em outras palavras, não cabe a Administração Pública por meio das suas delegatárias contratadas para execução dos certames públicos legislar em causa própria, criando situações que não se amoldam ao direito atual e vigente, ou mesmo fantasiando, no alto das suas galfinhadas jurídicas, interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que nem os mais renomados autores ou magistrados se entendem sobre o assunto ou endossam como absolutamente corretas, pois isso também viola os limites da sua esfera discricionária.
2. Do pano de fundo construtivo da tese abordada.
Os reexames recursais, ora estudados, são em sua essência típicos atos administrativos, de modo que, para entendermos melhor, carecemos preliminarmente, tecer algumas considerações sobre o ato administrativo e seus elementos, especialmente no que tange ao motivo e, a motivação, que apesar de, para muitos, não estar entre os elementos do ato, inequivocadamente é uma decorrência daquele primeiro.
Vale anotar que o edital de abertura de um certame público é um típico ato administrativo, e é justamente este ato o que mais nos interessa no presente estudo. Como veremos mais adiante, o ato administrativo é composto de cinco elementos, um deles o qual abordaremos melhor, mais especificamente um desdobramento seu e não um elemento em si próprio, qual seja – a motivação – será ainda estudado. Outro aspecto que não pode deixar de ser abordado é o da “tipicidade” dos atos. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em Sua Obra "Direito Administrativo", a tipicidade “é um atributo do ato”, ou seja, um predicado, uma "qualidade" que não pode faltar aos atos públicos, em detrimento inclusive do princípio da “legalidade estrita” que rege o ramo administrativista. Para a autora “o presente atributo é uma verdadeira garantia ao particular que impede a Administração de agir absolutamente de forma discricionária. Para tanto, o administrador somente pode exercer sua atividade nos termos estabelecidos na lei, e somente está presente nos atos unilaterais, pois nos atos bilaterais não existe imposição de vontade”. (DI PIETRO, 2006) (grifo nosso)
Assim, para que um ato seja legal, deve também estar previsto na lei, deve estar tipificado, escrito, como dito, em decorrência do próprio princípio da "legalidade estrita" que rege a administração pública. No caso dos concursos, como o Edital é a própria encarnação legal que rege o certame, o “atributo da tipicidade” aparece justamente aí, de modo que, não pode a banca examinadora fugir aos critérios ali enraizados, normatizados ou tipificados, do contrário estaria a praticar "flagrante ilegalidade", passível de sofrer interferência fiscalizatória no chamado "controle judicial". Entendemos que, em decorrência da tipicidade, o ato editalício deve ser rigorosamente "objetivo" e "taxativo" em suas observâncias aos candidatos, para evitar abusos do instituidor do ato, que poderia criar interpretações ilógicas, incoerentes e ampliativas de acordo a sua conveniência para burlar a referida norma.
Por conseguinte, toda vez que, no edital, a administração criar restrições de direitos ou formas punitivas como critérios para diminuição de pontos dos candidatos, atribuição de nota zero, ou mesmo hipóteses de exclusão do certame, esses atos devem ser interpretados literal e restritivamente, pois esta é uma premissa básica no direito: qualquer ato ou rol que vise criar restrições a direitos não se interpreta ampliativamente. Um exemplo prático é o Edital de um Concurso que, cobrando tema complexo e de solução não pacífica na doutrina e jurisprudência – onde seriam discutíveis ao menos dois entendimentos plausíveis entre os estudiosos do direito – não especifica dentre os critérios de avaliação a observância obrigatória de uma determinada linha bibliográfica 'X' ou 'Y', todavia, no momento de correção das provas resolve pontuar apenas a linha bibliográfica de sua predileção e preferência, desconsiderando totalmente a outra linha existente, a qual notoriamente divide o cenário jurídico com aquela primeira, e por consequência atribui nota zero aos candidatos que adotaram a segunda corrente, tão defendida e adotada, no universo jurídico, quanto àquela linha de sua predileção. Esse ato, indubitavelmente, gera fuga ao edital, violando a "tipicidade", vez que, ficando comprovado nos autos a existência de duas correntes que dividam o cenário jurídico atual, como poderia o candidato literalmente "adivinhar" o que a banca esperava dele na solução prática do caso como resposta única e taxativa? Tal ato é desarrazoado e arbitrário, pois estar-se-ia a colocar o candidato diante de um verdadeiro ‘ato espírita’, por conhecer os dois posicionamentos, mas não saber em qual deles a Banca se apóia como melhor solução.
A Lei nº 4.717/65 , enumera no seu artigo 2º, os cinco elementos que compõe o ato administrativo: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Dentre esses elementos, o que mais nos interessa concerne ao “motivo”, ou melhor, mais especificamente à "exposição dos motivos", também chamada de "motivação", por isso falaremos apenas desse ponto em especial que, Di Pietro, descreve como sendo “a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram.” (DI PIETRO, 2006). Para a autora, a motivação é necessária tanto para os atos discricionários, quanto para os atos vinculados, para garantir a legalidade do ato administrativo.
Não temos a menor dúvida de que a conduta de fugir à motivação macula o ato de nulidade insanável, criando "ausência de motivação", devendo-se entender como ausência de motivação não apenas a falta de motivação, mas a falsa motivação, a motivação enganosa, ludibriadora, aquela que visa dar uma idéia errônea ao destinatário quanto a um ato que ele acredita veementemente ter existido, quando na verdade nunca ocorrera efetivamente, não tendo passado de uma mentira jurídica: um ‘não ato’.
Seguindo esse pensamento, o autor Hely Lopes Meirelles, ao lado de Décio Balestero Aleixo, e Jose Emmanuel Burle Filho – na Obra “Direito administrativo brasileiro”, 2012 – defendem que “a motivação é, em regra, obrigatória. Só não o será quando a lei a dispensar ou se a natureza do ato for com ela incompatível. Portanto, na atuação vinculada ou na discricionária, o agente da Administração, ao praticar o ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o quê o ato será inválido ou, pelo menos, invalidável, por ausência da motivação”.
3. Das correções genéricas por atacado ou correções britânicas.
Tecidas essas considerações, adentremos, pois, no ponto principal desse artigo, qual seja tese ora construída, e, data máxima vênia, denominada por nós de Correção Genérica por Atacado ou Correções Britânicas de Recursos, tese esta ventilada no autos do Remédio Mandamental nº 0011239-70-2015.5.03.0000, o qual é discutido perante o Órgão Especial do TRT da 3ª região, e cujos impetrados referem-se a Comissões Organizatórias de um referido certame público realizado no presente ano – 2015. O argumento foi inspirado pelo Julgamento TJPR, de 20 de outubro de 2014, Órgão Especial – MSOE – 1172523-0 – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dartagnan Serpa Sa, onde por maioria, julgou a ilegalidade de tais atos, com extremo senso do dever de Justiça.
Entendemos por sentido de "atacado", o ato de vender indistintamente vários 'produtos pré-fabricados por um só preço'. Trazendo para a esfera jurídica, seria a venda pré-fabricada de uma mesma motivação para justificar um “falso reexame” de várias pretensões recursais, fundadas em construções alegativas distintas e peculiares. Elucidado o conceito que intitula a presente tese, as coisas ficam mais lúcidas, nos parecendo não restar a menor dúvida de que a produção literalmente clonada e fotográfica de uma mesma motivação quando vendida como produto enganoso a vários candidatos sob a tutela de justificativa para o indeferimento das suas pretensões recursais, viola o direito de defesa ao se revelar como uma 'motivação fantasma', ou seja, aquela que só existe no imaginário dos destinatários, portanto, efetivamente, é viciada, dado que no direito não importa a nomenclatura que se dá às coisas, mas sim o que elas efetivamente representam. É indiscutível que, quando isto ocorre, efetivamente também não ocorrera a análise das individualidades e peculiaridades de cada recurso. Ora, se um recurso não foi efetivamente reexaminado, podemos concluir que o direito de defesa, por consequência lógica, também não o foi efetivamente proporcionado ao recorrente, consubstanciando-se em inequívoco caso de cerceamento do direito defensório insculpido no art.5°, LV da nossa Carta Magna.
Uma das principais finalidades do direito é a de coibir atos atentatórios a lealdade e à boa fé, e é induvidoso, que o ato que se vale de uma mesma motivação pré-fabricada para justificar o indeferimento da pretensão deduzida por vários candidatos se mostra ato simulado e fraudulento, e atenta contra a própria licitude do certame. Tais atos ficam ainda mais latentes se estivermos falando da correção de "provas dissertativas" uma vez que nestas, não há como os candidatos exporem como resposta, de maneira idêntica e exata, uma mesma fundamentação, mas diversamente disso, os argumentos e o domínio do tema são distintos, como a própria articulação literal e argumentativa e a própria bagagem de conhecimento, merecendo cada uma delas correção individualizada e atenta às peculiaridades de cada solução encontrada pelo candidato, valorando, portanto, as individualidades de cada um.
O problema é que, algumas dessas organizadoras, pautadas no que o judiciário tem chamado de “soberania das bancas examinadoras”, fazem dessa ‘prerrogativa autonomicista’ um salvo conduto para a prática de vários atos abusivos, ilegais e arbitrários, como não reconhecer os erros cometidos no concursos ou suas 'patinadas jurídicas' ao interpretarem equivocadamente dadas jurisprudências e com isso estabelecem o caos entre os candidatos que, sentido-se prejudicados, logicamente buscam a via judicial. Alguns magistrados, por sua vez, acabam por se amparar nesses super-poderes das bancas para se esquivarem da responsabilidade de analisar legitimamente os autos, cumprindo o seu papel de fazer justiça, e assim, indeferem de plano muitos instrumentos processuais de tutela do cidadão, justificando nesse poderio ilegítimo dessas instituições que, fazem e acontecem, todavia, quase nunca reconhecem seus atropelos.
No cenário prático atual, por exemplo, é quase impossível se discutir no Judiciário um abuso praticado por uma Banca Examinadora quanto à opção equivocada apontada por esta como correta em uma prova de concurso, haja vista que, o entendimento adotado é de que não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito das questões para revisar ou corrigir provas desses certames, o que faria dos Tribunais um verdadeiro 2º grau recursal “administrativo” de decisões de bancas examinadoras. Nesse ponto concordamos, o problema é que, muitos julgadores, quando analisam o conceito de mérito enxergam-no com dimensões montanhescas, por outro lado, quando buscam por resquícios de ‘arbitrariedades’, utilizam uma lupa para identificarem algo que se encaixa nessa descrição, de tão ínfimo e desinteressante que se tornou. O mérito passou a ser uma grande plantação, enquanto o ato arbitrário ganhou status de ervilha, carecendo muito esforço para percebê-lo.
Nesse contexto, a chamada “reserva administrativa” se tornou maior do que deveria ser, aliás, tem se tornado maior que a própria obrigação de se fazer justiça. Dessa maneira, não são poucas as vezes que vemos o descaso com que atuam algumas bancas, chegando a zombar de todo um acervo doutrinário e jurisprudencial existente quando trazem para seus exames, verdadeiros “monstros jurídicos”, que chegam a ser motivo de espanto.
Já citamos aqui, inclusive caso muito conhecido, onde uma das Bancas Examinadoras mais conhecidas do país reduziu a nota de um candidato afirmando de maneira veemente existir erro de grafia em sua prova, uma vez que a palavra “execução” deveria ser escrita com “ss", ou seja, “execussão”, para o espanto de todos.
Com base em reclamações de vários candidatos a concursos públicos, decidimos por fazer um pequeno levantamento nessas provas, e, verificamos que algumas dessas Bancas Examinadoras, na fase administrativa dos Recursos, tem adotado uma prática que, temos denominado de 'Correção Genérica por Atacado' ou 'Correções britânicas', também em homenagem ao entendimento consolidado pela Justiça Especializada Trabalhista no diz respeito aos ‘Cartões Britânicos’, prática muito conhecida por alguma empresas que, visando fraudar as horas extraordinárias de seus empregados, anotam nos seus cartões de pontos, meras informações padronizadas quanto aos horários, para assim, justificar ao final do mês, o não pagamento das horas trabalhadas à mais, em suma: uma ‘motivação falsa’ ou um ‘não ato’.
Tomamos emprestado, data máxima vênia, do direito jus laborativo essa feliz expressão, por assim dizer. Nessa mesma linha de raciocínio, seria faticamente impossível que, numa prova dissertativa, as correções dos recursos fossem exatamente iguais, linha por linha, vírgula por vírgula, quarenta, cinquenta, sessenta linhas exatamente idênticas, clonadas e padronizadas, isto porque, tratando-se de questões abertas, cada candidato coloca à baila a sua experiência técnica e prática, o domínio de conteúdo dos temas, os seus argumentos de modo mais ou menos inteligente, mais ou menos criativo quanto à abordagem e fundamentações. Todo candidato deve ter o direito de uma correção individualizada em sem tratando de provas abertas, por isso, ao invés de máquinas, temos pessoas corrigindo esses exames, o contrário do que ocorre nas provas objetivas, o que é feito por meio de leitores digitais, face a marcação de gabaritos.
Ocorre que, ao conferir recursos dos mais diversos candidatos, percebemos que de cada vinte recursos, dez ou quinze tinham exatamente a mesma fundamentação, linha por linha, ponto por ponto, reproduzindo verdadeiras “cópias xerográficas”, e muitas vezes refutavam argumentos que nem o próprio candidato utilizou no seu recurso, demonstrando que mal foram lidos, não passando de meros fundamentos pré-fabricados.
Tal conduta, quando praticada, claramente viola norma editalícia implícita do “legítimo e regular reexame dos recursos”, quando cometendo ato atentatório à boa fé, à transparência, a probidade administrativa, e de nítido descaso com os candidatos, adota as práticas arbitrárias já bem descritas aqui. Por conseguinte, as autoridades coatoras produzem argumentos “pré-padronizados”, e indistintamente utilizam o método “copia e cola” em quase todos os recursos. Pré fabricam pelo menos dois ou três argumentos, e distribuem de maneira 'inteligente e ardil' suas “pseudo-correções”, acelerando assim o seu trabalho braçal, e se desonerando o mais rapidamente possível das obrigações assumidas perante a Instituição contratante, que é a de encerrar o certame, possibilitando àquela iniciar tão logo às tão desejadas nomeações. Isso gera uma “correção genérica e Simultânea” de Inúmeros Recursos através de uma mesma Decisão pré-concebida, do tipo que, conforme diz o ditado popular, 'derruba dez coelhos com uma única cajadada', portanto, além da “ausência de motivação” do ato, um “faz de conta jurídico”, fere ainda vários princípios como do 'devido processo', 'direito de defesa', 'moralidade', 'Boa fé', 'Transparência' e o 'dever de honestidade', e fora tudo isso, tal conduta poderia ainda ser enquadrada no art. 11, incisos I e V da Lei 8429/92 – pois viola os 'deveres de lealdade', visa 'fim diverso do previsto em lei', e ainda “atenta contra a licitude do concurso público”.
Nesse casos entendemos que cabe a anulação da questão, conforme o precedente jurisprudencial abaixo no ensina:
"EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA A CARREIRA DE JUIZ SUBSTITUTO. ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. CORREÇÃO GENÉRICA E SIMULTÂNEA DE INÚMEROS RECURSOS ATRAVÉS DA MESMA DECISÃO ADMINISTRATIVA. VÍCIOS DE ILEGALIDADE. CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. ADMISSIBILIDADE. CONCURSO CONCLUÍDO. (...) PRECEDENTE DO STJ E DESTE ÓRGÃO ESPECIAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. (TJPR - Órgão Especial - MSOE - 1172523-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dartagnan Serpa Sa - Por maioria - J. 20.10.2014)" (grifo nosso)
A referida conduta é grave, configurando-se como “ato eivado de nulidade”, que pretende vender a idéia errônea ou mascarada de algo que efetivamente não ocorrera, ou, se ocorrera, o fizera fora dos ditames legais, não busca outra coisa senão iludir, ludibriar ou enganar o candidato a respeito de uma pretensão que ela espera ter regularmente verificada, mas que talvez nunca o saiba que não o fora. Portanto, além de resultar em “simulação da motivação” do ato, pois apenas cria “um faz de conta jurídico”, fere ainda vários princípios, como os acima já descritos, gerando por consequência lógica o "cerceamento de defesa" do candidato, haja vista que, real e faticamente, o legítimo e regular exercício do direito insculpido no art.5°, LV, da Constituição da República jamais existira na prática, não passando de malfadada enganação, que objetiva vender vários atos ao preço de um, portanto, nulo de pleno direito.
Conclusão
Como dito, o presente estudo partiu da análise prática e real de amostragens de provas de concursos e correções de recursos efetuados por bancas examinadoras, em cotejo com a teoria do direito administrativo e constitucional. Após esse levantamento, o qual tomou por parâmetro a análise de aproximadamente vinte provas aleatoriamente escolhidas, dentro de um mesmo certame, constatamos que pelo menos quinze delas, tinham respostas pré-fabricadas, as quais muitas vezes rebatiam argumentos que nem os próprios candidatos haviam ventilado em seus recursos, ou deixavam de fundamentar pontos alegados por alguns desses candidatos em suas razões recursais.
Quanto a essas condutas, espera-se que o Ministério Público esteja ainda mais atento, pois se insurgem contra o próprio fim público do procedimento citado, que é o de escolher, de maneira honesta e isonômica, os melhores candidatos.
No que concerne aos prejudicados, para atacar tais atos, estes podem se valer ainda da via instrumental do mandado de segurança, quando houver violação de direito líquido e certo, com base no art. 5º, inciso LXIX, e na Lei nº 12.016 de agosto de 2009, que regulamenta o 'writ'. Em caso de situações mais complexas, que demandem uma dilação probatória mais ampla, o candidato pode se valer ainda da via da "ação ordinária”. De todo modo, seja qual for a via escolhida, o candidato deve estar sempre certo do direito que pleiteia, para não tornar o Poder Judiciário ainda mais abarrotado, e sem um justo motivo, evitando assim, colaborar negativamente para que se torne uma via inócua de aventureiras ações mandamentais, onde nada mais se busca senão a justificativa infundada para uma frustração decorrente da sua própria inaptidão preparatória.
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 22ª edição, revista ampliada e atualizada. Ed. Lumen Juris. Rio de janeiro, 2009, pág.95.
MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Décio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 38. Ed. Atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.
TJPR - Órgão Especial - MSOE - 1172523-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dartagnan Serpa Sa - Por maioria - J. 20.10.2014
DANTAS, Alessandro. Concurso público: controle das provas discursivas pelo Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3617, 27 maio 2013. Disponível em:. Acesso em: 6 dez. 2015.
SEABRA FAGUNDES, MIGUEL. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
DE COUTO SILVA, ALMIRO. Correção da prova de concurso público e seu controle jurisdicional. Ed. Del Rey, 2006".