Sumário: Introdução. 1. O direito fundamental à educação. 1.1. Aspectos iniciais sobre o direito fundamental social à educação. 1.2. Aspectos da evolução dos direitos sociais: o desenvolvimento das dimensões/gerações dos direitos fundamentais. 1.3. A eficácia jurídica do direito fundamental à educação como norma constitucional de efeito programático. 2. A educação no estado social democrático de direito brasileiro. 2.1. Breve escorço histórico da educação no constitucionalismo brasileiro. 2.2. A regulamentação jurídica da educação no Brasil. 2.2.1. O direito fundamental à educação na Constituição Federal de 1988. 2.2.2. Plano Nacional de Educação (PNE). 2.2.3. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 2.3. O atual paradigma da educação de base obrigatória no direito brasileiro. 3. As implicações jurídicas da cláusula da reserva do possível e a efetividade do direito à educação básica. 3.1. A cláusula da reserva do possível e a aplicabilidade do conteúdo do mínimo existencial no direito fundamental à educação. 3.2. A judicialização do direito fundamental à educação. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Hodiernamente, o progresso e o desenvolvimento de uma sociedade estão vinculados à forma como se desencadeia o processo de formação da educação de base dos seus indivíduos.
Uma educação de qualidade se origina do fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio sociocultural. Por essa razão, a sua primazia é sopesada como um dos fatores primordiais para se alcançar o pleno exercício da cidadania, a profissionalização e o integral desenvolvimento da pessoa humana.
Dessa forma, a educação foi elencada como um direito fundamental social, sendo um direito de todos e dever dos órgãos públicos e da família em conjunto com a sociedade. Por ser caracterizada como um direito social cabe ao Estado conceder o suprimento necessário para o fomento da educação, através de aplicação de verbas públicas que sejam suficientes para a concretização das diretrizes educacionais e das políticas públicas que as envolvem.
Ocorre que, frente à omissão do poder público na efetivação dos direitos fundamentais de cunho social, o Estado tem utilizado a alegação da cláusula da reserva do possível com o intuito de justificar os limites da sua atuação na ausência da concretização de tais direitos.
É certo que ao Estado cabe o dever de prover esses direitos a partir do patamar do mínimo existencial para a preservação da dignidade e do desenvolvimento da personalidade humana. Portanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 admite que o indivíduo possa gozar dos seus direitos por via de demandas direcionadas ao Poder Judiciário.
Diante do exposto, a questão que se insurge a presente pesquisa versa sobre como os Tribunais pátrios tem decidido atualmente os casos que contrapõe a cláusula da reserva do possível e do princípio do direito fundamental à educação básica, bem como qual desses postulados tem prevalecido nas decisões judiciais.
Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo traçar atenção pertinente à educação de base, tendo em vista que na falta desta, o indivíduo jamais poderá alcançar metas acadêmicas e profissionais que correspondam à fomentação do seu desenvolvimento humano.
No capítulo primeiro estão traçadas as noções conceituais do direito à educação, abrangendo o seu delineamento como um direito fundamental social. Em seguida, é demonstrado o seu aspecto na evolução dos diretos sociais, assim como será abordada a questão da sua eficácia jurídica como norma de conteúdo programático constitucional.
Para melhor compreensão do tema, o capítulo segundo tem por objetivo esboçar os contornos da educação no Estado democrático de direito brasileiro. Para essa missão, será estudada a contextualização histórica da educação no constitucionalismo do Brasil, bem como a sua regulamentação jurídica, com foco no desenvolvimento do Plano Nacional de Educação (PNE) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Por fim, no capítulo terceiro será atribuída oportunidade para a discussão da problemática a qual se apresenta o presente estudo. A análise recai em posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da eficácia do direito à educação em contraposição ao uso da cláusula da reserva do possível utilizada em defesa dos órgãos públicos pela sua inatividade política e administrativa.
Aprecia-se para tanto como metodologia da pesquisa, o uso de julgados e precedentes dos anos mais recentes da Suprema Corte brasileira.
1. O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
1.1. ASPECTOS INICIAIS SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO
A educação é contemplada como um dos fatores necessários para a edificação de uma determinada sociedade. A sua essencialidade justifica a formação e o desenvolvimento do ser humano, o que contribui para o processo democrático e para o direcionamento da comunidade. Segundo o filósofo americano John Dewey:
Etimologicamente, a palavra educação significa exatamente processo de dirigir, de conduzir ou elevar. Se tivermos em mente o resultado desse processo, diremos que a educação é uma atividade formadora ou modeladora – isto é modela os seres na forma desejada de atividade social. (DEWEY, 1959, p. 11)
Declarada a sua importância para a concretização da dignidade da pessoa humana e dotada de valor supremo e universalidade, a educação passou por um processo de positivação através do seu reconhecimento em Declarações de Direitos, bem como em dispositivos Constitucionais.
Para elucidar, o direito à educação foi consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19482 e também pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 19663.
Reconhecida como direito fundamental em diversos dispositivos constitucionais, a educação caracteriza-se por uma dupla concepção. Representa tanto um direito subjetivo quanto um direito objetivo. Nestes termos, considera Gilmar Ferreira Mendes que:
Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos seus titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua acepção como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueles outros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. (MENDES, 2014, p.631)
A educação é um direito assegurado a qualquer indivíduo e representa um direito público subjetivo. Para a doutrina, por ser fruto das revindicações e carências da sociedade, o direito à educação é dotado de caráter social. Nas palavras de José Afonso da Silva:
Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta e indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, 2009, p. 286-287)
Na atual ordem constitucional brasileira, o direito à educação foi elencado como um dos direitos fundamentais de cunho social. Sua previsibilidade está determinada pelos dispositivos constitucionais do artigo 6º4 combinado com os que se resevam ao Capítulo da educação, cultura e do desporto.
A Constituição Federal de 1988 declara que o direito à educação é direito pertencente a todos e versa uma obrigação decorrente do Estado e da família. Além disso, a educação deverá ser incentivada pela sociedade para o pleno desenvolvimento da pessoa humana e também para o seu preparo ao exercício da cidadania, bem como para a formação profissional. Como declara Jaeger citado por Clarice Seixas Duarte:
A educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprime-se em cada um de seus membros e é no homem, muito mais do que nos animais, fonte de toda ação e de todo comportamento. Em nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com seu próprio sentir, cada nova geração. A estrutura de cada sociedade assenta nas leis e normas escritas e não escritas que a unem e unem seus membros.
(JAEGER, apud, DUARTE, disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a0428100> Acesso em: 19 jul.2015).
Contudo, não obstante a Magna Carta atribuir valor de cunho social à educação, o mesmo diploma constitucional reconhece em seu conteúdo aspectos de caráter liberal ou individual.
O artigo 206, em seu inciso II5, contempla a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento. A partir desse dispositivo, fica claro que os pais tem a liberdade de escolha a respeito do plano de ensino e aprendizagem dos seus filhos, não sendo estes obrigados a frequentar as instituições públicas, mas podem cursar instituições de ensino privado6.
É o que a doutrina tem denominado de direito às liberdades públicas. A esse respeito, Andre Ramos Tavares propõe que:
É possível falar em uma função não prestacional do direito à educação, consistente no direito de escolha, livre, sem interferências do Estado, quanto à orientação educacional, conteúdos materiais e opções ideológicas. Nesse sentido, o Estado cumpre e respeita o direito à educação quando deixa de intervir de maneira imperial ditando orientações específicas sobre a educação, como “versões oficiais de História” imposta como únicas admissíveis e verdadeiras, ou com orientações políticas, econômicas ou filosóficas. Também cumpre a referida dimensão deste direito quando admite pluralidade de conteúdos (não veta determinadas obras ou autores, por questões ideológicas, políticas ou morais). (TAVARES, 2013, p.742-743).
Destarte, apesar da Constituição Federal de 1988 apresentar esse duplo aspecto referente ao direito educacional, não há dúvidas de que o seu caráter prioritário é de direito social. Isso decorre ao fato de que a educação é originária dos direitos fundamentais de “segunda dimensão”, pois é dotada de cunho igualitário e prestacional.
1.2. ASPECTOS DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: O DESENVOLVIMENTO DAS DIMENSÕES/GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente cumpre destacar sobre a polêmica da terminologia referente às “dimensões” e “gerações” dos direitos fundamentais.
Para parte da doutrina, a terminologia “gerações” não é admitida por conter uma conotação que possa vir a ser interpretada como uma substituição gradativa de uma geração pela outra.
Segundo a orientação de Ingo Wolfgang Sarlet, a expressão adequada para o estudo é “dimensões”, tendo em vista que este termo não induz à sucessão cronológica e a consequentemente decrepitude dos direitos das dimensões que se antecedem, ou seja, se organizam em um processo cumulativo. Dessa forma, aduz o constitucionalista que:
A teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.” (SARLET, 2007, p. 55).
Como os direitos fundamentais surgem a partir das reivindicações históricas, os seus valores podem variar conforme as ideologias e carências da sociedade. Portanto, se torna oportuno o estudo sobre como esses direitos se consagraram e a sua consequente positivação jurídica.
Os direitos de “primeira dimensão” tiveram o seu início com o apogeu do Estado Liberal no século XVIII. Através das constituições escritas e das Declarações de Direitos, foram considerados como direitos fundamentais os direitos civis e políticos, bem como os direitos de resistência ao Estado e o direito a liberdade. Para Paulo Gustavo Gonet Branco:
Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de reunião, e à inviolabilidade de domicílio. São direitos em que não desponta a preocupação com as desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. Por isso, a liberdade sindical e o direito de greve – considerados, então, fatores desarticuladores do livre encontro de indivíduos autônomos – não eram tolerados no Estado de Direito Liberal. (BRANCO, 2014, p.137)
Reconhecidos como tutela das liberdades públicas, esses direitos marcam a autonomia individual e são afirmados como direitos de defesa. Resguardam-se contra a intervenção estatal através das obrigações de não fazer e de não intervir na propriedade privada. Ao Estado resta tão somente a proteção das liberdades, dos direitos civis e políticos.
Ocorre que, o liberalismo econômico de Adam Smith e os direitos concebidos no período do Estado “laissez faire et laissez passer” não foram suficientes para acalmar as transformações econômicas e sociais que vigoravam no século XIX. Mas, é no século XX que o atual paradigma reage contra o Estado Liberal e se projeta pela ordem social do Estado.
Com o desenvolvimento industrial houve a concentração de capital da iniciativa privada sem qualquer forma de comando ou regulamentação. O proletariado se subjulgava ao domínio dos burgueses e às condições nefastas sociais, o que intensificou a desigualdade de massa e a opressão ao hipossuficiente.
Outro marco histórico fundamental para a origem dos direitos sociais, econômicos e culturais se deu com as duas grandes guerras mundiais e com a crise de 1929. Nesse período surgiram diversas manifestações a favor da ordem social pelo Estado. Nascem, portanto, um novo molde de direitos que caracterizam a chamada “segunda dimensão dos direitos fundamentais”. De acordo com Paulo Bonavides:
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez que proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra. (BONAVIDES, 2009, p. 564)
Entretanto, é preciso advertir que os direitos sociais não tiveram o seu início apenas com o surgimento do “Welfare State” (conhecido como Estado de Bem-Estar Social). Esses direitos não são apenas reflexos da falha do Estado Liberal, mas decorrem de um tempo mais remoto, qual seja, a antiguidade e a Idade Média. Segundo Pisarello, citado pelo professor Marcos Sampaio:
Tanto na antiguidade quanto na Idade Média existiam diferentes mecanismos institucionais orientados a amenizar situações intensas de pobreza e dar assistência aos mais necessitados, citando como exemplo a garantia, na polis ateniense, de banheiros públicos, ou mesmo de leis que asseguravam uma quantidade mínima de alimentos aos necessitados na Roma republicana, constatando-se, ainda, na Inglaterra, a luta pelos direitos de participação, de reforma agrária e de assistência aos mais necessitados, dando azo, por exemplo, à edição da Poor Law. Referida lei, editada na Inglaterra no ano de 1601, e também conhecida como Elizabethan Poor Law, depois emendada pelo Poor Relief Act de 1662, retirou da assistência aos pobres o caráter de caridade, determinando ao Estado a obrigação jurídica de amparar os necessitados, sendo, assim uma das primeiras sistematizações das ideias inglesas acerca da responsabilidade do Estado de prover o bem-estar dos seus cidadãos. (PISARELLO, apud, SAMPAIO, 2013, p. 79).
Além disso, aponta Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p.57) sobre “estes direitos fundamentais, que embrionariamente e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848”.
Porém, é no século XX com o surgimento das Constituições sociais, dentre elas a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição da República de Weimar de 1919, que os direitos fundamentais de “segunda dimensão” são reconhecidos e regulamentados. No Brasil, é com a Constituição de 1934 que esses direitos são sistematizados pela vez primeira no Título “Da Ordem Econômica e Social”.
Como visto os direitos fundamentais que compõem os direitos de “segunda dimensão”, são os que tutelam a igualdade, exigem atuação do Estado através do oferecimento de prestações positivas, como a realização de programas sociais que resguardem o direito à educação com promoção a todos aos planos de ensino e aprendizagem, saúde, direitos trabalhistas, direito de greve, direito à habitação, cultura e lazer, dentre tantos outros assegurados constitucionalmente.
Os constitucionalistas apresentam também outras três dimensões no processo de evolução dos direitos fundamentais. Com as vindicações da pessoa humana inserida no processo tecnológico e global surgem os direitos fundamentais de “terceira dimensão”.
Esses direitos se caracterizam não pela proteção individual do indivíduo como se tutelou nas dimensões anteriores, mas preocupa-se com o ser humano inserido na coletividade. Para André Ramos Tavares:
São direitos de terceira dimensão aqueles que se caracterizam pela sua titularidade coletiva ou difusa, como os direitos do consumidor e o direito ambiental. Também costumam ser denominados como direitos da solidariedade ou fraternidade. (TAVARES, 2013, p. 353)
As outras duas dimensões que são propagadas pelos estudiosos referem-se aos direitos fundamentais de “quarta e quinta dimensão”. Os direitos de “quarta dimensão” são derivados do neoliberalismo e da globalização, compreendendo direito à democracia, ao pluralismo e à informação. Afirma Paulo Bonavides que:
Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de ultimo, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir. A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta dimensão, que aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. (BONAVIDES, 2009, p. 571)
O autor acima citado reconhece o direito à paz como o direito fundamental de “quinta dimensão”. Tal direito se torna imperativo para a convivência e existência da pessoa humana e está fortemente inclinado para o avanço e união das pátrias.
Frisa-se que, de acordo o surgimento das reivindicações da pessoa humana e das carências da sociedade, novos direitos podem inovar a tutela da ordem jurídica bem como expansão das dimensões dos direitos fundamentais.
1.3. A EFICÁCIA JURÍDICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO COMO NORMA CONSTITUCIONAL DE EFEITO PROGRAMÁTICO
Os direitos fundamentais de cunho social possuem em sua órbita de estudo uma eficácia dúbia, pois apresentam algumas controvérsias referentes à sua aplicabilidade e à sua efetividade.
Conforme consta o artigo 5º, §1º7 da Constituição Federal de 1988, os direitos e garantais fundamentais tem aplicabilidade imediata. Para este dispositivo constitucional em sua literalidade, não há distinções quanto da aplicabilidade imediata dos direitos individuais e dos direitos sociais. Segundo pondera Paulo Bonavides:
Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. (BONAVIDES, 2009, p. 564-565)
Entretanto, nem sempre todos os direitos fundamentais irão produzir os seus efeitos de forma espontânea sem ao menos necessitar da intervenção do Poder Legislativo ou do Executivo. Corrobora desse pensamento Paulo Gustavo Gonet Branco ao apontar que:
Há normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis. Carecem de interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. As normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social, usualmente, têm sua plena eficácia condicionada a uma complementação pelo legislador. É o que acontece, por exemplo, com o direito à educação, como disposto no art. 205. da Lei Maior (...). (BRANCO, 2014, p.155)
O direito fundamental à educação considerado um direito essencial para o desenvolvimento da dignidade humana, tem a sua eficácia dependente das normas de cunho programático. Trata-se, portanto, de normas de eficácia limitada, pois estão condicionadas a programas estatais e políticas públicas. Quanto ao conceito de normas programáticas José Afonso da Silva leciona que são:
Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos e jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. (SILVA, 1998, p. 138)
São normas que dependem de recursos econômicos para a implementação desses direitos. O direito à educação de base obrigatória fornecida pelas instituições oficiais públicas depende da reserva de verbas que estejam em conformidade com a redistribuição orçamentária do Estado.
Destarte, a aplicabilidade e eficácia do direito à educação dependem da peculiar proeminência econômica dos recursos materiais. Em contrapartida, a grande discussão referente à eficácia do direito a uma educação pública digna e de qualidade, está associada ao limite da reserva do possível inerente aos custos financeiros do Estado.
A doutrina defende que os direitos sociais, apesar de serem considerados como normas constitucionais de eficácia limitada a efeitos programáticos, não podem deixar esvaziar o conteúdo do seu mínimo existencial. E para isso, a reserva do possível não pode de forma alguma restringir a cláusula desses direitos. Ou seja, o Estado não pode se negligenciar diante da concretização do direito educacional. Nos ditames de Robert Alexy:
Fica claro que o direito, enquanto direito prima facie, é um direito vinculante, e não um simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, “em sua validade normativa, não [pode] depender de um menor ou maior grau de possibilidades de realização. Mas a natureza de direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a “reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade” – não pode levar ao esvaziamento do direito. (ALEXY, 2011, p. 515)