Custa acreditar que a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR e a Concessionária Triunfo Concebra fossem capazes de prestarem tamanho desserviço à sociedade com o espetáculo de desinformação que apresentaram por meio das notas de esclarecimentos divulgadas em suas respectivas páginas de internet[1].
No afã de justificar a falta de emissão de documento fiscal pelas praças de pedágio que se espalham pelo Brasil, proferiram teratologias tributárias que não podem passar desapercebidas, dentre as quais destaco e comento:
1º Destaque:
“[...] nota fiscal é para venda de mercadorias em geral e serviços de comunicação, transporte intermunicipal e fornecimento de energia, atividades de pagamento do ICMS (imposto Estadual), o que não é caso do pedágio, categoria de prestação de serviço que paga ISS [...]”
Comentário:
A emissão de nota ou cupom fiscal, que são espécies do gênero documento fiscal, trata-se de obrigação tributária acessória imposta a qualquer pessoa física ou jurídica que produza ou circule bens e/ou serviços, cuja obrigatoriedade legal de emissão está prevista na legislação tributária do sujeito ativo do tributo, que, no caso do fato gerador concernente ao chamado “pedágio”, é o município[2].
2º Destaque:
“[...] A lei (instrução normativa 1099 de 15 de dezembro de 2010) determina que seja entregue ao usuário um recibo [...] O recibo entregue no pagamento da tarifa nas praças administradas pela Triunfo Concebra atende à lei [...]”
Comentário:
Sobre fatos geradores do ISSQN - caso clássico dos serviços públicos concedidos à iniciativa privada e remunerado por tarifa (pedágio) - somente ao município da ocorrência da prestação dos serviços é reservado o direito de legislar sobre a obrigação acessória de emitir nota fiscal, tratando-se, pois, de iniciativa privativa do ente municipal, não podendo a Receita Federal interferir nessa competência constitucional[3], ainda mais por mero ato administrativo.
Ao citar a I.N. n. 1099/10-RFB, a Concessionária comete dois erros: o primeiro por nominá-la como sendo uma lei; pois, como já referido, não passa de mero ato administrativo, que só teria aplicação de forma subsidiária, caso a lei municipal não contemplasse o rol das discriminações mínimas atribuídas ao documento fiscal. O segundo é o de usá-la como excludente da obrigação acessória imposta por lei municipal – a única apta a tal – de emitir o documento fiscal referente a fatos geradores do ISSQN.
3º Destaque:
“[...] pedágio é tarifa, o recolhimento do imposto é ISS pois se trata de prestação de serviço, essa tarifa não é deduzida no Imposto de Renda. [...]”
“[...] as concessionárias devem emitir recibos do pagamento, que servem para todos os fins necessários de comprovação de pagamento [...]".
Comentário:
Toda pessoa física que se utiliza do livro-caixa para apurar o IRPF, ou pessoa jurídica que se submete ao regime de apuração do IRPJ pelo lucro real, pode deduzir a despesa “pedágio” da base de cálculo do Imposto de Renda.
Exemplificando: uma sociedade de advogados, um representante comercial, um autônomo ou um empreendedor, que, para desenvolver sua atividade profissional tenha que fazer uso de pedágio no valor de R$ 4,30, vai ter uma despesa diária de R$ 8,60 - anualmente calculada em cerca de R$ 3.000,00. Nesse exemplo, escriturando essa despesa no livro-caixa do IRPF ou na apuração do IRPJ (lucro real) gerariam uma economia de até R$ 825,00 de IR ao ano. É pouco para você?
Destarte, ao contrário do que afirmam, a despesa de pedágio pode sim ser deduzida do IR. A propósito, da afirmação de que os recibos que fornecem servem para todos os fins necessários também temos que discordar, em especial porque, além de não se tratar de documentos fiscais próprios, esses recibos são totalmente apócrifos para o tomador do serviço; assim sendo, a rigor, são imprestáveis como prova de despesas pessoais, inclusive para fins de dedução do IR.
Conclusão
Não é necessário muito esforço para percebermos a importância do direito do cidadão de receber e do dever do prestador ou fornecedor emitir documento fiscal idôneo relativo a operações de compra/venda de mercadorias e serviços; já que tal ato se apresenta como verdadeira matriz de todas as demais obrigações tributárias principais e acessórias atinentes à produção e circulação de bens e serviços.
Conclui-se que a resistência das Concessionárias de rodovias em emitir o regular documento fiscal em suas praças de pedágio é, no mínimo, estranha, especialmente quando se trata de atividade que envolve um movimento anual de bilhões de reais, circulados em moeda corrente, cédulas usadas e, em sua maioria, de pequeno valor. Não é necessária muita malícia para perceber que tais circunstância criam o ambiente ideal para inúmeras práticas ilícitas.
Daí a importância da emissão do documento fiscal legalmente exigido na respectiva operação de compra e venda de mercadorias e serviços, prática que transcende o mero controle fiscal-tributário, consistindo no meio mais eficaz de prevenção a ilícitos mais graves, tais como a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas, o caixa-dois, o contrabando/descaminho; dentre outros tantos que o Brasil já está cansado vivenciar.
Notas
[1] Notas de esclarecimento disponíveis em: https://drive.google.com/file/d/0B1ami__vgnZOVnBDQjJ5dGw0WTQ/view?usp=sharing Acessado em 29/12/2015e em: http://www.abcr.org.br/Conteudo/Noticia/8712/abcr+alerta+sobre+video+na+internet+que+incentiva+pratica+ilegal+de+evasao.aspx Acessado em 29/12/2015
[2] § 3º do Art. 1º da Lei Complementar n. 116/2003
[3] Art. 156, III da CF/88