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Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social

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10/03/2016 às 14:38
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Em que pese não se poder negar a concretização dos direitos sociais sob a alegação peremptória de ausência de caixa, também não se poderá exigir a concretização imediata de todos os objetivos estruturais eleitos pelo Estado, visto que os patamares civilizatórios pretendidos se dão por etapas.

RESUMO: O presente artigo busca apresentar uma visão geral da estruturação da seguridade social enquanto instrumento de proteção social. A partir desse contexto, procura-se desnudar a conceituação, além do fundamento constitucional da seguridade social, bem como de sua caracterização jurídica. Para tanto, ao se evidenciar o direito da seguridade social, como direito social, emerge toda a problemática adstrita à concreção desses direitos, e, portanto, sua real eficácia, considerando a delicada questão ligada à sua ontologia, enquanto direito fundamental. Assim, ao se contextualizar toda a axiologia correlata ao modelo de Constituição Dirigente, baseando-se no postulado preconizado pela Constituição Federal, segundo o qual o Estado brasileiro deve caracterizar-se pela sua feição social, fundada em seu comprometimento com a igualdade material, vem a lume a temática correlata à judicialização dos direitos fundamentais, em cotejo com as limitações de recursos materiais e financeiros que condicionam a atuação do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à Seguridade Social. Mínimo Existencial. Reserva do Possível. Constituição Dirigente. Ontologia dos Direitos Sociais. Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais.


INTRODUÇÃO

A seguridade social constitui-se em um conjunto de ações integradas, tanto da sociedade como dos Poderes Públicos, tendo como objetivo concretizar os direitos relativos à saúde, à assistência social e a previdência social, afigurando-se, portanto, como um sistema de proteção social.

Tal sistema proteção social é construído e alicerçado por meio de princípios e regras, as quais objetivam dar suporte normativo à pretensão constitucional, que redunde em uma ação por parte da sociedade e do Estado, quando se verificar a ocorrência de uma contingência social, de modo a ser garantida ao titular dessa rede de proteção social, chamado de beneficiário, a preservação de mínimos sociais que lhe possibilitem a sobrevivência com dignidade.

Tal acepção remete, em verdade, à necessária correlação entre o componente normativo principiológico, pois se quer evidenciar o caráter axiológico fundamentador da seguridade social, motivador da potencial política pública de proteção social, e o que efetivamente se verifica na realidade, enquanto ação prática institucional, viabilizada pelo Estado, quando já não há ação social possível, na melhor significação do Princípio da Subsidiariedade.

Nesse viés, portanto, sobeja toda a temática adstrita à concretização dos direitos sociais, veiculado ao surgimento do Estado Social, e seu ideário correlato à Função Promocional do Direito.

De outro giro, correlata a essa ontologia própria dos direitos sociais, onde “proteger” direitos implica em “realizar” direitos, toda a frustração que emana do considerável fracasso da agenda social preconizada pelas Constituições Dirigentes, que identificam o Estado Social com essa missão salvaguardadora da dignidade da pessoa humana, emerge.

Tal quadro de vazio institucional, que muito amiúde se verifica na sociedade, conclama a atuação do Poder Judiciário, como último bastião a possibilitar, às vezes com certa miopia, à concreção de direitos de viés social.


1. DO DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL COM EXPRESSÃO COLETIVA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O direito à seguridade social corresponde a uma derivação do gênero dos direitos sociais. Portanto, constituem-se em um tipo de tutela pessoal. Assim, os direitos sociais; e, portanto, o direito à seguridade social; fazem parte do plexo dos chamados direitos fundamentais.

A importância desses direitos revela-se na noção de que os mesmos extrapolam a relação entre Estado e indivíduo, passando a ser reconhecidos como interesses comunitários, fornecendo diretrizes para toda atuação estatal.

A conformação dos direitos sociais, por sua vez, liga-se a uma temática de ação, visto que o Estado não pode se limitar a assistir a estagnação dos mandamentos constitucionais, vertido em letra morta, ante a ausência de políticas tendentes ao bem-estar de seu povo.

Tal acepção dos direitos sociais (ligada a um conceito de igualdade material e, portanto, de justiça), faz-nos volver os olhos para a percepção de que o Direito somente se justifica como mecanismo provocador de transformações sociais.

A demonstrar tal acepção, Nagibe de Melo Jorge Neto[2] pontua que:

O Direito, já há algum tempo, não é mais visto como mero instrumento de pacificação de conflitos, assumiu definitivamente o lugar de instrumento de desenvolvimento econômico e social, instrumento de construção da sociedade com base nos valores idealizados e positivados na Constituição.

Nesse passo, a seguridade social é um sistema de proteção social constituído por um feixe de princípios e regras destinado a acudir o indivíduo diante de determinadas contingências sociais (ou seja, as situações previstas na legislação que, quando verificadas, deflagram o mecanismo de proteção descrito na norma[3][4]), assegura-lhe o mínimo indispensável a uma vida digna, mediante a concessão de benefícios, prestações e serviços.

Tal pormenor é apontado por Jediael Galvão Miranda[5], ao explicar que:

Portanto, a dignidade da pessoa humana é valor fundamental que dá suporte à interpretação de norma e princípios da seguridade social, de molde a situar o homem com o fim de seus preceitos, e não como objeto ou instrumento. Em tema de seguridade social, garantir o mínimo existencial (um dos núcleos do princípio da dignidade humana) significa proporcionar condições materiais mínimas (prestações e serviços) para assegurar subsistência digna e vida saudável ao indivíduo atingido por determinadas contingências sociais.

Assim, a sociedade deve responder, a partir da chamada teoria do risco social, pelos infortúnios que recaiam sobre os indivíduos, membros da comunidade social, visto que tais situações são relevantes como um fato social, na medida em que:

[...] a repercussão que ela traz em suas consequências acaba sendo compartilhada na sociedade por todos, e não simplesmente por cada um dos seus membros individualmente considerados, até porque tais situações estão a ocorrer a todo o momento numa sociedade dinâmica e ativa[6].

Tais razões, portanto, fundamentam e justificam a seguridade social, visto que:

[...] os infortúnios causadores da perda, permanente ou temporária, da capacidade de trabalhar e auferir rendimentos foram objeto de várias formulações no sentido de estabelecer de quem seria a responsabilidade pelo dano patrimonial causado ao trabalhador, partindo da responsabilidade subjetiva ou aquiliana do tomador de serviços até chegar-se à responsabilidade da sociedade como um todo, pela teoria do risco social. [...], Segundo tal teoria, cabe à sociedade assegurar seu sustento ao indivíduo vitimado por uma incapacidade laborativa, já que toda a coletividade deve prestar solidariedade aos desafortunados, sendo tal responsabilidade de cunho objetivo – não se cogitando, sequer, da culpa do vitimado[7].

Portanto, afigura-se claro o decisivo papel que gozam os direitos sociais, dentro da Função Promocional do Direito.

Nesse viés, portanto, sua concretização encontra-se enredada à problemática ontologia dos direitos sociais, na medida em que não se bastam em serem declarados para terem existência assegurada.


2. A ONTOLOGIA PECULIAR DOS DIREITOS SOCIAIS COMO DIFICULDADE IMANENTE À SUA CONCREÇÃO

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, onde inserem-se os direitos sociais, diferem-se sobremaneira dos direitos fundamentais de primeira geração. Estes como direitos de defesa frente ao Estado, enquanto aqueles como direitos à prestação do Estado.

Assim, acalentar direitos sociais viceja na exigência de efetivá-los. Afinal, parece crível supor que “o âmbito de proteção de um direto social é composto pelas ações estatais que fomentem a realização desse direito”[8]. Desse modo, se os direitos sociais operam-se como verdadeiros referenciais axiológicos para o Estado[9], a efetivação desses direitos passa necessariamente por decisões políticas (condições político-econômicas)[10], que poderão comprometer a existência desses, bastando a omissão estatal, ou mesmo a ação insuficiente, por parte do Estado.

Tal é o cerne do problema concernente à efetiva implementação dos direitos sociais, e mais propriamente do direito à seguridade social, visto que esses “direitos trazem como características mais marcantes o fato de que são direitos que pressupõem uma conduta ativa por parte do ente estatal”[11]. Assim, a partir do momento em que o Estado passa a intervir na economia, de forma a proporcionar a satisfação das necessidades dos indivíduos, não o fazem senão por determinação das Constituições ditas Dirigentes, valendo-se da supremacia constitucional a fundamentar esses direitos a uma prestação social do Estado.

A garantia dos direitos de matiz social, portanto, ao se optar pela chamada teoria externa, fundamenta-se em um princípio de otimização, lastreando-se no conceito de direitos prima facie, que a partir do Postulado da Proporcionalidade, admitem sopesamento de per si. Desse modo, ao se considerar os Princípios do Mínimo Existencial e da Reserva do Possível, chegar-se-á, pela aplicação do já referido Postulado da Proporcionalidade, ao direito definitivo, resguardado, portanto, seu conteúdo essencial.

Desse modo, no limiar de um Estado dialógico e preventivo, com a derrocada do Estado Social clássico, “uma vez impossibilitada a implementação irrestrita de direitos sociais, a orientação passou a ser no sentido de evitar, ao menos, a piora da situação dos indivíduos com os avanços do ‘capitalismo selvagem’ e seus excessos”[12].

Essa limitação intrínseca aos direitos sociais inspira situações em que mesmo que a pretensão de uma prestação apresenta conformação “razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos necessários recursos; daí a designação mais expressiva de reserva do financeiramente possível”[13].

Desse modo, os direitos sociais apresentam como uma de suas características a relevância do conteúdo econômico, na medida em que demandam recursos públicos disponíveis para que sejam concretizados.

Tratam-se, portanto, de direitos subjugados à conjuntura econômica. E desse modo, por dependerem de prestações positivas por parte do Estado, os direitos sociais acabam por esbarrar nas limitações de recursos materiais e financeiros que condicionam a atuação do Estado.

E mais, em um viés eminentemente pragmático, enfrentam as especificidades contidas no orçamento, que fixa as previsões de receita e define a despesas a serem efetuadas. Justamente por tais razões que se sustenta que a efetividade dos direitos sociais se encontra subordinada a chamada Teoria da Reserva do Possível, na medida em que o Poder Público somente poderá, de fato, implementar as políticas públicas dentro de sua capacidade financeira.

Nesse sentido, Rafael José Nadim de Lazari[14] explica que:

A Reserva do Possível, assunto intrinsecamente relacionado ao “custo dos direitos”, consiste, num conceito originário e ontologicamente despretensioso, na limitação argumentativo-fática à implementação dos direitos constitucionalmente previstos, em razão de insuficiência orçamentária para tal.

Entretanto, e tal ponderação deverá ser apresentada em tom enfático, a Reserva do Possível jamais poderá se tornar um óbice à preservação de um mínimo necessário à garantia da dignidade humana; sob pena de se esvaziar a teleologia Constitucional[15], sendo certo, porém, que a efetivação desses direitos, também não ocorre de forma plena, ante tais imperativos factuais, mas a partir de estágios[16].

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Assim, não há dúvida de que o Estado está constitucionalmente obrigado a prover as demandas advindas da implementação dos direitos sociais. Resta saber, portanto “se, e em que medida, as ações com o propósito de satisfazer tais pretensões podem ser juridicizadas, isto é, se, e em que medida, tais ações se deixam vincular juridicamente”[17]. Eis, portanto, o ovo da serpente.


2. DO IMBRÓGLIO IMANENTE AO CONCEITO PROPOSITALMENTE METAFÍSICO DE MÍNIMO EXISTENCIAL

Como já referido, sem o suprimento desse Mínimo Existencial[18], não há que se falar em liberdade ou igualdade, uma vez que a dignidade humana é o alicerce e o ponto de partida para a efetivação de qualquer direito fundamental.

Nesse sentido, manifesta-se Daniel Machado da Rocha[19], no seguinte teor:

Os direitos sociais prestacionais, tais como a saúde, previdência, habitação, educação, na medida em que sua implementação reclama a mediação estatal, têm a sua realização umbilicalmente relacionada com a organização de políticas públicas. Fatores como o planejamento e a priorização de determinadas atividades, os condicionamentos institucionais – isto é, a existência de uma estrutura administrativa dotada de organização e capacidade técnica para a prestação de serviços – e um orçamento compatível, não podem ser ignorados.

Dentro desse paradigma, portanto, impende fazer-se uma breve análise quanto ao direito subjetivo de se exigir do Estado à concretização dos direitos sociais.

Assim, inicialmente, há que se referir à concepção de José Afonso da Silva, o qual entende não haver direito subjetivo individual em relação a direitos fundamentais sociais, exceto na sua vertente negativa. Essa postulação está ligada à definição, por ele proposta, das normas chamadas de programáticas[20].

Assim, explica José Afonso da Silva[21] que:

Aceitando as linhas fundamentais dessa doutrina, e reservando espaço para esclarecimento e especificações ulteriores, podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhe os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativo, executivo, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.

Tal concepção, no entanto, retira a possibilidade de se pleitear juridicamente condições mais dignas de vida[22].

Tal postulação, entretanto, não se sustenta, na medida em que o próprio José Afonso da Silva defende que todas as normas constitucionais apresentam alguma eficácia.

Uma segunda teoria, capitaneada por Ricardo Lobo Torres; partindo da concepção de cidadania de Marshall, restringe a efetivação dos direitos sociais, a partir de postulados jurídico-formalistas de inspiração liberal na interpretação e implementação desses direitos.

Entretanto, não nega, de forma peremptória, a subjetividade aos direitos fundamentais sociais, dando-lhes maior amplitude. Assim, toma por base a doutrina dos status de Jellinek, buscando, a partir daí, a delimitação da atividade do Estado em relação ao indivíduo (status positivo).

Assim, Jellinek pondera que as normas de direitos fundamentais, ao objetivar assegurar posições jurídicas aos indivíduos, cumprem diferentes funções; assegurando, perante o Estado, diversas posições jurídicas, chamadas de status. Portanto, o status negativo corresponde à esfera de liberdade na qual os interesses essencialmente individuais encontram sua satisfação. Por sua vez, o status passivo estabelece uma situação na qual o indivíduo se encontra em posição de sujeição ao Estado. Trata-se de uma esfera de obrigações. De outra parte, o status positivo dota o indivíduo de prerrogativas jurídicas de exigência perante o Estado de prestações positivas. Desse modo, o indivíduo reclama algo para si, ao qual o Estado está obrigado[23].

Finalmente, uma terceira teoria, ligada à concepção de Estado Social ou Estado Democrático de Direito, defendida por Paulo Bonavides, Andreas Krell e Lênio Luiz Streck, postula pela aplicação e efetivação dos direitos fundamentais sociais[24].

Tal teoria preconiza que os limites para o exercício dos direitos fundamentais estão vinculados à preservação das condições sociais, pressupostos de uma ação estatal ativa e positiva na efetivação desses direitos.

Nesse sentido, manifesta-se Dirley da Cunha Júnior[25]:

Os obstáculos que usualmente se erguem contra essa imediata aplicabilidade é que, segundo pensamos, não podem prevalecer ante a inquestionável vontade do constituinte de ver os direitos fundamentais que consagra diretamente usufruídos por seus titulares, independente da vontade do legislador ordinário. Esclarecemos, porém, que o “mínimo existencial” ou “padrão mínimo social”, como objeto de imediata e irrecusável garantia dos direitos sociais, compreende um completo, eficiente e qualificado atendimento básico das necessidades vitais do indivíduo, como saúde, educação, alimentação, moradia, assistência, variando seu conteúdo, evidentemente, de país para país.

Entretanto, como alhures referido, nessa ponderação de valores, é essencial a invocação do princípio da proporcionalidade para se resguardar o equilíbrio entre a Reserva do Possível e o Mínimo Existencial, impedindo, assim, o retrocesso nas conquistas sociais.

Outra argumentação que defende a aplicabilidade dos direitos sociais, de um modo geral, repousa na aplicação do Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, considerando que os direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, estariam submetidos à sua lógica, a partir do impositivo da aplicação imediata, sob o enquadramento “das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais”[26].

Nesse sentido, portanto, evoca-se o disposto no Art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, como elemento justificador da aplicabilidade imediata dos direitos sociais, de um modo geral; visto que o referido dispositivo aponta para um constitucionalismo concretizador[27].

O fato dos direitos sociais serem veiculados por meio de normas programáticas, e as mesmas, por sua natureza, limitarem-se a prescrever programas sociais a serem adotados pelo Estado; como já mencionado,  não se constitui em motivo suficiente para negar aplicabilidade das mesmas.

Na verdade, como aponta Fabiana Okchestein Kelbert[28]:

[...] a não realização dos direitos sociais que dimanam das aludidas normas programáticas pela falta de regulamentação desmerece o próprio direito, ou seja, a inação estatal por falta de lei viola o direito e a norma que o prevê, a qual seria destituída de sentido caso não pudesse gerar qualquer efeito.

De outra parte, como aponta Virgílio Afonso da Silva[29], todas as normas constitucionais, em maior ou menor medida, dependem de atuação estatal; o que nos faz concluir que as normas jurídicas constantes da Constituição Federal, que veiculam os direitos sociais, e particularmente o direito à seguridade social, devem ter aplicabilidade tanto quanto possível.

Nesse sentido, João Luiz M. Esteves[30] pondera que:

Mas, de forma contraditória, não consegue enxergar que é a própria Constituição Federal que, taxativamente, pela disposição contida no §1º do seu art. 5º, resolve expressamente a questão ao dispor que as normas sobre direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata. É necessário compreender que cada vez mais vem perdendo força argumentativa a doutrina que pretende restringir a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais, em vista de que se vem uniformizando o entendimento de que o caráter aberto dessas normas e seu caráter principiológico não são impeditivos à imediata aplicabilidade, e, conforme Eros Grau, podem ensejar o gozo de direito subjetivo individual, independentemente de sua concretização legislativa [...].

Ainda, a reforçar tal argumento quanto à aplicabilidade imediata dos direitos sociais, e por consequência, do direito à seguridade social, tem-se que muitos direitos dessa natureza, seja por sua estrutura normativa, seja por sua função, apresentam-se como direitos de defesa, não existindo maiores problemas em dar-lhes eficácia imediata[31].

De outro giro, prudência é recomendável na aplicação, de forma irrestrita, da Teoria da Reserva do Possível à realidade brasileira, visto que a mesma fora concebida levando em consideração um parâmetro emanado da sociedade germânica.

Assim, situações diametralmente opostas, não podem ser regidas por um mesmo paradigma.

De uma parte, tem-se um país europeu, onde os mecanismos de proteção social já foram instalados e funcionam, possibilitando um patamar de igualdade sociológica aceitável, porém não ideal. De outra parte, vislumbra-se um país localizado na periferia do capitalismo global, onde impera a desigualdade social e o quase abandono de grande parcela da população pelo Estado.

Nesse sentido, Dirley da Cunha Júnior[32] explica que:

O problema de “caixa” não podem ser guindados a obstáculos à efetivação os direitos fundamentais sociais, pois imaginar que a realização desses direitos depende de “caixas cheios” do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero, o que representaria uma violenta frustração da vontade constituinte e uma desmedida contradição do modelo do Estado do Bem-Estar Social.

Portanto, evidencia-se que problemas de caixa, simplesmente, não podem bastar para justificar a inoperância Estatal, no que tange à efetivação de direitos.

Nesse sentido, conclui Dirley da Cunha Júnior[33] que:

A inaplicabilidade do limite da reserva do possível ainda é mais patente se fora considerado mais de perto o caso brasileiro, pois paradoxalmente o Brasil é um país que se encontra entre os dez países com a maior economia do mundo, muito embora dados do IBGE mostrem que, em 1998, aproximados 14% (21 milhões) da população brasileira são família com renda inferior à linha de indigência e 33% ( 50 milhões) à linha da pobreza. A maioria desse grupo, que representa hoje mais de 70 milhões de pessoas, não dispõe de um atendimento de mínima qualidade nos serviços públicos de saúde, educação, assistência social e vive, enfim, em condições indignas e subumanas, sem alimentação, sem moradia, sem higiene, o que é pior, sem a mínima perspectiva de melhoria.

Dessa feita, tal teoria dever ser encarada com ressalvas, ante a inexorável implementação do Estado Gerencial, sob os auspícios da Responsabilidade Fiscal, notadamente após a Lei Complementar nº 101/2000, como vetor impositivo na propugnação, pelos gestores públicos, das políticas públicas estatais.

No entanto, também não se pode olvidar, que a escassez moderada, mesmo quando estamos a falar de um Estado Social; e, portanto, ideologicamente voltado a uma política de redistribuição de renda e concretização da justiça social, implica em eleição de prioridades. E, portanto, tal situação fática resultante da limitação orçamentária se impõe, mesmo quando se ponderando que a importância dos direitos sociais transcende sua órbita comezinha, derivando para uma significação seminal. De modo que “os próprios direitos sociais acabam por ser condições da liberdade, pressupostos tácticos da possibilidade de exercício dos direitos de liberdade”[34].

Desse modo, cabe ao Estado demonstrar a situação ensejadora da reserva orçamentária, da ordem que impeça, com a profusão argumentativa necessária, e fundamentos embasados em robustas provas, os investimentos preconizados pela Constituição, na efetivação da solidariedade social.

Afinal, como já referido, por várias vezes, a longo desse texto, o imperativo constitucional determina a implementação do Estado Social em nosso país, como fundamento dessa República Federativa.

Nesse pormenor, manifesta-se Marisa Ferreira dos Santos[35], nos seguintes termos:

A única forma de dar cumprimento ao preceito constitucional que elegeu a justiça social como objetivo da Ordem Social, é dar efetividade aos direitos sociais. A efetivação dos direitos sociais. De seu turno, por expressa disposição constitucional, tem um modus operandi constitucionalmente estabelecido: é por meio do desenvolvimento, fundado na solidariedade social, que se poderá chegar à justiça social. Não há como se dissociar o conceito de justiça social dos objetivos fundamentais da República. O art. 3º da Constituição, além de determinar que a República procure a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo, também, o bem de todos sem discriminações, determinou que se construa uma sociedade livre, justa e solidária, e se garanta o desenvolvimento nacional. Todos os instrumentos contidos na Ordem Social são desdobramentos objetivos da República. Somente o desenvolvimento nacional, que se efetivará mediante a solidariedade social, é capaz de garantir que todos os direitos sociais sejam efetivados.

Em outro ponto de vista, o imperativo constitucional da concretização dos direitos sociais tem grande apoio na chamada Teoria da Proibição do Retrocesso. Tal teoria, apesar de já bastante surrada, preconiza que após a previsão legal de direitos fundamentais sociais, surge para o cidadão o direito subjetivo de exigir a concretização dessas prestações; bem como, o preceito de que tais direitos incorporam-se ao patrimônio jurídico, não mais podendo ser suprimidos ou terem a sua amplitude reduzida. Trata-se da dimensão negativa dos direitos sociais, os quais sob esse viés colocam-se como instrumentos de defesa em relação a atos de governo que importem em ofensa, pelo Estado, aos direitos de seus cidadãos.

Inobstante, ainda viceja a pobreza e a miséria espreita em cada esquina. Assim, last but not least, no Brasil, em especial, com a inauguração de um Estado Constitucional e Democrático de Direito, por conta da nova ordem constitucional, a partir de 1988; a radicalização do processo democrático exige a participação do Poder Judiciário na arena política.

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Sobre o autor
Alexandre Gazetta Simões

Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM, Pós Graduado com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC –União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural), Direito Constitucional (UNISUL- Universidade do Sul de Santa Catarina), Direito Constitucional (FAESO- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos); Direito Civil e Processo Civil (Faculdade Marechal Rondon) e Direito Tributário (UNAMA- Universidade da Amazônia ), Graduado em Direito (ITE- Instituição Toledo de Ensino), Analista Judiciário Federal – TRF3 e Professor de graduação em Direito (FSP – Faculdade Sudoeste Paulista).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Alexandre Gazetta. Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4635, 10 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45985. Acesso em: 19 abr. 2024.

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