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Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social

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10/03/2016 às 14:38
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4. ATIVISMO, JUDICIALIZAÇÃO E A FLUIDEZ DOS CONCEITOS, OU A ESCOLHA DE SOFIA

Com o surgimento do constitucionalismo democrático, no segundo Pós-Guerra, vem a lume a universalização do judicial review, bem como, a afirmação de leis fundamentais que passam a impor limites à regra da maioria. Surgem, ainda, mecanismos que assegurem condições de possibilidade para a implementação do texto constitucional[36].

E nesse pormenor, o Poder Judiciário, ao possibilitar condições de implementação dos parâmetros constitucionais, assume sua cota de responsabilidade, quanto ao sucesso político das exigências do Estado Social.

Como se nota alhures, muitas derivações legais somente podem vicejar a partir da aplicação judicial do parâmetro legalmente estabelecido, em cotejo com as várias nuances sociais que se verificam temporalmente e geograficamente.

Dentro desse nesse novo paradigma, portanto, em tempos de Pós-positivismo e Neoconstitucionalismo, a partir da ponderação de princípios, os juízes buscam concretizar os direitos fundamentais, apontando direções para a realização de políticas públicas indispensáveis a esse desiderato.

Nesse sentido, ainda Inocêncio Mártires Coelho[37] conclui que:

A verdadeira questão não é se os juízes devem completar a obra que as convenções constitucionais e as assembléias legislativas deixam inacabadas, mas se deverão fazê-lo com plena consciência de sua função de criadores de direito imbuídos de propósito manifesto de servir ao bem-estar da comunidade.

Portanto, por imposição constitucional, como se verbera, ao Poder Judiciário não fora mais consentido abster-se do encargo de conformar as políticas públicas do Estado aos imperativos constitucionais; visto que no Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário também exerce uma função política.

Nesse sentido, Nagibe de Melo Jorge Neto[38] doutrina que:

Devemo-nos lembrar que a função exercida pelo Poder Judiciário é também uma função essencialmente política e que, em alguma medida e dentro de certos limites, o Poder Judiciário está autorizado pela Constituição a pronunciar-se sobre as questões políticas. Somente as questões ditas meramente políticas não se submetem ao controle do Poder Judiciário. Isso é decorrência da opção política fundamental do Estado Democrático de Direito, que importa não só na auto-limitação do Estado pelo ordenamento jurídico, com também na participação democrática, tanto mais ampla quanto possível, de todo os cidadãos e setores da sociedade política nas escolhas e fixação das políticas públicas pelo Estado, inclusive mediante a utilização de mecanismos outros de participação democrática dentro dos quais avulta o processo judicial.

Do mesmo modo, Inocêncio Mártires Coelho[39] conclui que:

Semelhante postura faz tabula rasa do fato de legisladores e juízes são criaturas constitucionais de igual hierarquia e que, por isso mesmo, as prerrogativas de igual hierarquia e que, por isso mesmo, as suas prerrogativas possuem a mesma estatura, enquanto atributos conferidos pela Constituição. Mesmo quando declaram atributos conferidos Constituição. Mesmo quando declaram a inconstitucionalidade das leis, os juízes não fazem por direito próprio, mas apenas como preposto ou funcionário do povo, cuja vontade está consubstanciada na Constituição. Para exaltar o juiz não é preciso desqualificar o legislador, até porque, sem a mediação conformadora e atualizadora dos representantes do provo, escolhidos em eleições periódicas, os textos constitucionais correm o risco de permanecerem estáticos e fora de sintonia com a realidade social.

Ademais, considerando a Constituição Federal de 1988, com sua conformação analítica, o protagonismo judicial também é consequência de um processo de densificação constitucional, o qual redundou na inserção de inúmeras matérias, que antes eram tratadas pelo processo político majoritário e para a legislação ordinária, no texto constitucional. Tal conformação vicejou na ampliação do espectro de proteção dos direitos fundamentais, com a consequente convocação do Poder Judiciária a eficaciar tal conteúdo normativo.

Ao derredor, ainda a justificar o protagonismo judicial, como explica Luís Roberto Barroso, a amplitude do controle de constitucionalidade brasileiro, de caráter híbrido ou eclético, ao reunir o sistema americano e o europeu, redundou na possibilidade de todas as causas de relevância nacional baterem às portas do Supremo Tribunal Federal.

De outro giro, é certo que Luís Roberto Barroso adverte que em tal temática, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados, visto não ter outra escolha senão apreciar o mérito dos pedidos, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento das ações[40].

No entanto, no que toca especificamente aos direitos sociais, a temática adstrita à concretização dos direitos sociais afeta à Reserva do Possível, enredado na necessidade de harmonia entre os Poderes constitutivos do Estado Democrático de Direito, ganha ponderações mais veementes.

Assim, Jorge Reis Novais[41] explica que:

Mais concretamente e em última análise, tratar-se-á de saber se, no controlo das acções ou omissões dos poderes públicos referentes à realização dos direitos sociais, a última palavra deve caber ao legislador e à administração ou ao juiz. É que, no fundo, uma vez situações de escassez econômica moderada tudo reside numa definição de prioridades, numa opção orçamental sobre a afectação dos recursos disponíveis, do que se trata é de saber quem define as prioridades, que faz as escolhas, quem tem sobre a matéria a última palavra. Nesse sentido, o problema subjacente ao reconhecimento da reserva do possível e à relação entre legislador e juiz na realização dos direitos sociais não é um problema de contabilização de recursos existentes, mas um problema de competência orçamental, de divisão e separação de poderes em Estado democrático.

Com fundamento nessas constatações, e notadamente levando-se em consideração o caráter programático das normas configuradoras dos direitos sociais, faz-se coro, em certo sentido, à argumentação que verbera pelo cabimento da exigibilidade desses direitos pela via judicial.

Nesse sentido, Fabiana Okchstein Kelbert[42] pondera que:

Não restam dúvidas de que grande parte dos direitos sociais só se realiza por meio de políticas públicas, o que desperta novamente a problemática da exigibilidade desses direitos, pois seria vedado ao Poder Judiciário interferir na adoção e consecução das referidas políticas. Há que se reconhecer, de outra parte, que a efetivação dos direitos sociais pela via judicial atende aos princípios norteadores de um Estado social e democrático, ao qual a Constituição brasileira aderiu, especialmente ao que se refere à justiça social.

De outra ponta, o protagonismo judicial tem a sua mais destacada fronteira pousada na garantia da força normativa da Constituição; ante a omissão dos outros entes constitucionalmente determinados a lhes conceder eficácia. Tal situação paradigmática faz nascer a chamada omissão inconstitucional.

Nesse sentido, Walter Claudius Rothenburg[43] mentor de tal teoria, explica que:

Verifica-se desde logo que a tarefa de implementação dos direitos fundamentais propostos pelo constituinte já não é deferida com prioridade absoluta ao legislador. A implementação deles está ao alcance de qualquer sujeito e encontra no próprio quadro constitucional positivo instrumentos de viabilização (como mandado de injunção). Além desse alargamento da possibilidade de realização dos direitos fundamentais, a aplicabilidade direta – com seu corolário, o princípio da máxima efetividade – autoriza defender o deslocamento de competência, com a mudança de titulares, no intuito de obter-se uma maior implementação dos ditos direitos.

Portanto, a apreciação dessas omissões se desenvolve judicialmente, a partir não de um modo meramente mecanicista, eivada de absoluta passividade perante o sentido literal dos textos constitucionais, mas por meio de uma atividade criativa. Tal atuação judicial supletiva justifica-se, na medida em que, sendo as regras e os preceitos constitucionais dotados de superioridade normativa diante da legislação infraconstitucional, é dever do legislador infraconstitucional a concretização, na máxima medida possível, dos conteúdos constitucionais que reclamam uma atuação legislativa para sua concretização[44].

Nesse sentido, explica Luís Roberto Barroso[45] que:

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A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. É que, através da conjugação desses dois mecanismos, retira-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das eventuais maiorias eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez constitucional e pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição.

Além disso, ao legislador, apesar de gozar de relativa liberdade quanto ao conteúdo normativo, não lhe é dado, entretanto, por ocasião da conformação constitucional, liberdade de se abster no seu mister.

Dentro desse contexto, evidencia-se, como ideal de uma época de pós-positivismo e concretização judicial da principiologia constitucional, a presença, cada vez mais constante, de uma atitude criadora do Juiz, em antítese à omissão legislativa, ao se desincumbir de sua missão judicante, e por tais razões, o parcimonioso trabalho dos juízes é bem-vindo.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso[46] pondera que:

[...] o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.

Portanto, se de uma ponta, não é dado ao Poder Judiciário se omitir. De outra, na prestação judicial, não deve pretender substituir os Poderes Executivo ou Legislativo, quanto à decisão sobre a característica a ser dada ao Estado, visto que a mesma tem como fonte a Constituição Federal, em sua arquitetura funcional própria. E, com resguardo no mesmo fundamento constitucional; a priori, não lhe é dado definir políticas públicas, ante a ausência de mandados constitucionais.

Por tal razão, Elival da Silva Ramos[47] pondera, mutatis mutandis, que:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata de exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros poderes.

No entanto, como referido, ao Poder Judiciário cabe atuar objetivamente na concretização dos preceitos constitucionais, quando pela omissão dos legitimados originariamente previstos no texto constitucional, direitos fundamentais sociais deixarem de ser efetivados, visto que, a omissão estatal, nessa medida, representa a negação desses direitos, considerando que sua ontologia reside nos direitos às prestações sociais.

Desse modo, a título de fecho, note-se que em qualquer noção de direitos que se preze; o mecanismo transformador é inerente. Nos direitos sociais isso é exponencial, ontologicamente são mecanismos provocadores de transformações sociais.

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Sobre o autor
Alexandre Gazetta Simões

Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM, Pós Graduado com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC –União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural), Direito Constitucional (UNISUL- Universidade do Sul de Santa Catarina), Direito Constitucional (FAESO- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos); Direito Civil e Processo Civil (Faculdade Marechal Rondon) e Direito Tributário (UNAMA- Universidade da Amazônia ), Graduado em Direito (ITE- Instituição Toledo de Ensino), Analista Judiciário Federal – TRF3 e Professor de graduação em Direito (FSP – Faculdade Sudoeste Paulista).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Alexandre Gazetta. Discussões acerca da eficácia do direito subjetivo à seguridade social . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4635, 10 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45985. Acesso em: 26 abr. 2024.

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