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Por que os magistrados estão descontentes com a audiência de custódia?

25/08/2016 às 12:32
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Fomos surpreendidos com a notícia da nova investida dos magistrados estaduais contra a audiência de custódia. Vejamos os argumentos utilizados para isso.

Durante o transcorrer dos últimos dias, fomos surpreendidos com a notícia da nova investida dos magistrados estaduais contra a audiência de custódia. Os juízes, através Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES, ajuizaram uma ação no Supremo Tribunal Federal para discutir a constitucionalidade da resolução n. 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, que, em linhas gerais, “dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas”, ou seja, regulamenta as audiências de custódia e cria uma uniformidade do procedimento em todo o país.

A ANAMAGES alega a inconstitucionalidade formal com o argumento de que o CNJ, ao editar uma resolução, cometeu um vício de iniciativa, visto que, segundo a entidade as audiências de custódia estão relacionadas ao Direito Processual Penal, e, dessa forma, sua regulamentação deve ser feita por via de lei com iniciativa da União. O presente artigo não pretende analisar e discorrer sobre o mérito da constitucionalidade ou não da supramencionada resolução, mas, sim, sobre o grau punitivista que os magistrados brasileiros possuem.

 Existem vários posicionamentos que me fizeram escrever esse artigo a respeito da atitude dos magistrados estaduais. Vamos ao primeiro deles. Um dos argumentos da ANAMAGES é de que as audiências de custódia são “extremamente retrógradas”, porém, se analisarmos a origem etimológica da palavra “retrógrada”, veremos que ela advém da palavra em latim retrogradus, ou seja, aquilo que anda para trás ou se apresenta de trás para frente. Que me desculpem os magistrados do país inteiro, mas é um absurdo o argumento apresentado. Se existe algo que a audiência de custódia não possui é o caráter retrógrado. Estamos falando de uma das maiores medidas já implantadas na política criminal brasileira, um avanço nas garantias fundamentais do preso em flagrante, garantias essas,  inclusive, que o Brasil ratificou em 1992 através do Pacto de San Jose da Costa Rica, porém não as colocou em prática.

Dentro do mesmo raciocínio os juízes estaduais alegam que as audiências “trazem pouca ou nenhuma vantagem às partes envolvidas”. Obviamente outra falácia do pensamento punitivista de parte da magistratura brasileira, pois o CNJ calcula ter evitado ao menos 15 mil ingressos de presos no já tão conturbado e crítico sistema carcerário brasileiro, isso sem falar em uma economia de R$ 40 milhões aos cofres do Estado, certamente em época de contenção de gastos públicos essa economia trouxe sim uma grande vantagem a uma das partes, que é o próprio Estado. A audiência também serviu para dar voz ao preso quanto ao registro de casos de tortura e abuso policial, pois com uma rápida apresentação ao juiz as agressões ficam mais nítidas e são confirmadas facilmente. Então, se a realização da audiência de custódia trouxe proveito para o Estado e para o preso, como elas não são vantajosas? Fica o questionamento para os magistrados.

Vamos ao segundo posicionamento contra a posição da ANAMAGES! Conforme a associação, as audiências foram criadas durante a época da ditadura militar, segundo a qual: “ocasião em que serviam para coibir as práticas de torturas e execuções realizadas pelas Forças Armadas”. É bem verdade que vivemos em um regime democrático e de direitos (embora os direitos estejam, cada vez mais, sendo suprimidos), mas não relacionar as execuções das Forças Armadas no regime ditatorial com as execuções realizadas pela Polícia Militar nos tempos atuais é totalmente incongruente, todos nós sabemos que a nossa Polícia é uma das que mais mata no mundo, e que se utiliza da tortura como um dos seus métodos de trabalho.

Indo para um terceiro posicionamento, e já finalizando esse artigo, faz-se necessária a reflexão do correto papel do magistrado dentro de um Estado Democrático de Direito. Possuímos uma Constituição construída para proteger direitos e garantias fundamentais. Nosso Estado é fundado na proteção da dignidade da pessoa humana, pelo menos em tese. Mas, qual dignidade existe para uma pessoa que é presa, torturada pela polícia, em muitos casos, não possui ao menos condições para pagar os honorários de um advogado e estará na presença do juiz somente após 180 dias (sendo otimista quanto à morosidade do Judiciário)?

Qual a função de um magistrado que, simplesmente, com o famigerado fundamento de garantir a ordem pública, converte uma prisão em flagrante em prisão preventiva sem ao menos analisar o caso exposto a sua frente?

Novamente peço desculpas pelas críticas aos Excelentíssimos Senhores Doutores Juízes de Direito, mas o Direito não pode ser entendido somente pela ótica fria e punitivista da lei. Estamos tratando de relações humanas, de vidas que podem ser perdidas apenas para “garantir a ordem pública”. A audiência de custódia é, sim um avanço e ela veio justamente para confrontar o paradigma punitivista existente.

É preciso mudar aquela velha opinião formada sobre tudo.

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Sobre o autor
Leonardo Martins Felix

Advogado, Sócio-Fundador do Almeida, Barbosa & Felix Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELIX, Leonardo Martins. Por que os magistrados estão descontentes com a audiência de custódia?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4803, 25 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46183. Acesso em: 28 mar. 2024.

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