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Direito fundamental social subjetivo:

conceito, características e eficácia da norma constitucional

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7. Individualização da vantagem.

Ostentar ou fazer uso de um direito subjetivo consiste no poder jurídico de submeter o sujeito passivo relacional a comportar-se de modo a, desincumbindo-se do seu dever, satisfazer uma pretensão material, sendo esta o conteúdo genérico de todo e qualquer direito, inclusive os fundamentais sociais, para os quais “as obrigações de promoção caracterizar-se-iam pelo dever de promover e desenvolver as condições necessárias para que os titulares do direito possam aceder ao bem”[61].

Como se viu, em tópico anterior, há a crítica de que os direitos sociais não seriam legitimáveis individualizadamente, justamente porque são direitos de todos cuja fruição de um não se desprende da possibilidade da fruição de todos. Essa anotação, embora condizente a toda sorte de direitos sociais, há situações – ou direitos – que podem ser exigidos de per si e outros cobram a reunião de todos os interessados. Dimoulis admite que “as prestações estatais (dimensão objetiva) que realizam os direitos sociais podem ser prestações materiais que podem consistir no oferecimento de bens ou serviços a pessoas que não podem adquiri-los no mercado (alimentação, educação, saúde etc.) ou no oferecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado (segurança pública)”[62].

É factível, em Direito, poder haver unissubjetividade ou plurissubjetividade em qualquer dos pólos de uma relação jurídica de direito material, de modo que tanto um dever pode ser encargo de um ou mais sujeitos, assim como um e mesmo tipo de direito pode ser titularizado individualmente ou em conjunto: “são sujeitos de um direito em sentido técnico dois ou mais indivíduos quando o dever idêntico ao direito reflexo tem por conteúdo uma conduta em face de dois ou mais indivíduos, e quando o poder jurídico de fazer valer, através de uma ação, o não-cumprimento deste dever poder ser exercido por um ou por outro destes indivíduos – alternativamente, portanto – ou somente através de uma atuação conjunta de todos estes indivíduos – cooperativamente, portanto”. [63]

Apesar de se recusar, por vezes, que seja possível prevê, a priori, em favor da efetividade de um direito fundamental de matiz social, mercê da índole principiológica da norma veiculadora, não somente as condutas a serem adotadas à sua consecução, mas também qual a porção, extensão, medida, ou seja, a qualidade e a quantidade necessárias e sufucientes para que a sua disponibilidade e a sua fruição sejam compreendidas como constitucionalmente satisfatória, o que consistiria óbice a sua exigibilidade unipessoalmente, tem-se que esta não é necessariamente a hipótese de todos os direitos sociais, sob certas condições, pois que todos os destinatários têm direito ao mesmo gênero e espécie do bem da vida, que há de ser disponibilizado a cada um e a todos quantos deles necessitem, indistintamente, em porções autônomas que guarneçam todas as propriedades de determinada vantagem jurídica, sem que isso constitua rechaço seja à concessão espontânea pelo devedor, seja pela execução forçada, no exercício do poder jurídico em que se traduz o direito subjetivo.

Quanto à possibilidade de individualização do bem, no sentido da legitimidade igualmente individual para sua postulação, pode ser evidenciado em relação à segurança pública, na hipótese de alguém que se encontre em situação de risco iminente, como no caso de ameaça direta a sua integridade, ou daquele que habite local reconhecidamente perigoso pelas autoridades policiais, em que o legitimado é um só: este alguém ou grupo. Ou, ainda, no caso de uma parturiente, de nenhum ou exíguo recurso material, cujos riscos recomendem a sua imediata internação em unidade de terapia intensiva. Outros há cujo exercício, ou melhor, cuja exigibilidade é mais apropriada e ajustada a certo contingente populacional, como no caso do direito à moradia digna, mas, mesmo nesta hipótese, é possível vislumbrar situação individualizadora, como no caso de preenchimento dos requisitos a fim de obtenção de crédito a pessoas de baixa renda, sob condições favoráveis, onde, a despeito de o crédito ser oferecido à coletividade de parcos rendimentos, é possível defender-se uma posição jurídica particular em caso de exclusão, defendendo-se contra o retrocesso ou com base no princípio de defesa da isonomia. Nesse sentido, “costuma-se referir o exemplo de acordo com o qual para o particular, caso excluído arbitrariamente da fruição de uma determinada prestação já existente, nasce um direito subjetivo de natureza defensiva, com o objetivo de impedir o tratamento discriminatório, viabilizando-se-lhe, ademais, o acesso à prestação pretendida”[64], seja como for, nesta última hipótese, ter-se-ia o direito fundamental da isonomia atuando em favor da obtenção em face do Estado de autêntico bem social.

Segundo Dimoulis, “os direitos de status positivus ou sociais permitem ao indivíduo exigir determinadas prestações por parte do Estado. A essência desses direitos está na obrigação de atuação estatal em prol da melhoria nas condições de vida da população (política social). Exemplo: é dever do Estado garantir a todos o direito à saúde mediante políticas de prevenção e oferecimento de serviços de atendimento e tratamento médico (art. 196)”[65]. Assim, o fato de várias pessoas encontrarem-se numa mesma situação de carência, numa relação com o estado, não é ontologicamente diferente da situação de um grupo de pessoas que se consorciam para adquirir de certo fornecedor uma quantidade de unidades de bem determinado, já que todos, em conjunto ou isoladamente, podem exigir a satisfação do crédito a que fazem jus, não sendo a pluralidade subjetiva impedimento a tanto, nem a circunstância de haverem contribuído diretamente para a aquisição tem o condão de alterar em essência o modo de cumprimento da obrigação ou de sua exigência.

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O certo, enfim, é que não é juridicamente correto impedir a postulação da vantagem sob o argumento da impossibilidade jurídica do pedido por haver sido deduzido individualmente. O cumprimento da determinação legal e a satisfação do direito podem, e devem, até porque não impedidos pelo fato da pretensão unissubjetiva, ser subjetivamente abrangente, mas não se pode pretender esquivar-se ao atendimento pondo em oposição meramente teórica todos os interessados, sobrelevando-se um conteúdo negativista e estéril ao postulado constitucional da isonomia.


8. Limitação à esfera de atuação de outro pela imposição de deveres positivos ou negativos.

Para Kelsen, “apenas quando um indivíduo é juridicamente obrigado a uma determinada conduta em face de um outro tem este, perante aquele, um ‘direito’ a esta conduta. Sim, o direito reflexo de um consiste apenas no dever do outro”[66]. Essa conduta determinada a que alude o referido autor, no que atende aos direitos sociais, e no caso brasileiro, é evidenciada não somente pela previsão expressa de uma série de direitos, e ainda pela estipulação explícita da eficácia imediata dos direitos fundamentais, mas também pela rigorosa disposição de que a Administração Pública deverá ser eficiente, sob pena de sua conduta refletir desobediência constitucional a ser aplacada, quando pouco, pelo mínimo da sanção invalidante, sem descuidar da necessária e indisponível (mas ainda não exercitada pelos organismos institucionais de defesa da cidadania, ou diretamente pelos próprios cidadãos) responsabilização pessoal do Administrador desidioso, por dolo ou culpa, em razão dos danos suportados pelos administrados mercê da falta oficial, em invocação e aplicação analógica do § 6.º do art. 37 da Constituição Federal.

Destarte, a sindicabilidade e controle das condutas da Administração Pública, praticadas por intermédio dos seus agentes políticos, seja em qualquer outra instância ou em sede jurisdicional, constituem uma premissa básica do regime constitucional e do estado de direito democrático.


9. Relação jurídica na perspectiva dos direitos fundamentais sociais.

A relação jurídica “é definida como relação entre sujeitos jurídicos, quer dizer, entre o sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente direito”[67]. Por essa razão, sempre que o ordenamento jurídico atribuir o poder jurídico para que alguém reclame jurisdicionalmente o cumprimento de uma prestação e a satisfação de um direito tutelado daquele que agiu em desconformidade às suas prescrições, estar-se-á diante de “uma relação jurídica entre o indivíduo dotado deste poder jurídico e o indivíduo obrigado”[68].

Onde a Constituição ou a lei delimita os elementos configuradores de uma relação jurídica, identificando os sujeitos, dispondo sobre o vínculo, as obrigações e prestações etc. tem-se a potencialidade do direito subjetivo. Não é – e não deve ser – diferente no que concerne aos direitos sociais, já que há sim uma obrigação positiva do Estado no sentido de atuar eficientemente. A Constituição então passa a ser de fato o astro central do firmamento político-jurídico, em torno do qual gravita o próprio Estado, em quaisquer das suas manifestações de poder político. Destarte, a Constituição consubstancia-se no vínculo jurídico originário e instituidor, disciplinador e regulamentador da relação obrigacional pública.

Dado que a Constituição tem seu núcleo essencial no estatuto dos direitos fundamentais, tem o Estado a obrigação constitucional de envidar todos os melhores e maiores esforços no sentido de implementar políticas públicas capazes de dar-lhes a máxima satisfação. No sentido dessa vertente positiva da atuação estatal, assevera Mendes que há, “inequivocamente, a identificação de um dever do Estado de tomar todas as providências necessárias para realização ou concretização dos direitos fundamentais”[69].

A necessidade impositiva desse preenchimento eficacial do estatuto fundamental acomoda-se à compreensão que Krell[70] admite acerca das intituladas normas programáticas, segundo a qual elas “prescrevem a realização, por parte do Estado, de determinados fins e tarefas; no entanto, elas não representam meras recomendações ou preceitos morais com eficácia ético-política meramente diretiva, mas constituem Direito diretamente aplicável”. Nesse mesmo sentido é a acepção conferida por Sarmento, para quem “as normas programáticas não são aforismos políticos, exortações retóricas, apelos sentimentais, promessas vazias, boas intenções ou expectativas de realização dos programas. Elas prescrevem deveres estatais que se consubstanciam pela intervenção dos órgãos legiferantes ou pela atividade concretizadora da administração pública e da jurisdição”[71].

Nesse mesmo sentido, assevera Alexy que “en tanto derechos subjetivos, todos los derechos a prestaciones son realciones trivalentes entre un titular de derecho fundamental, el Estado y uma acción positiva del Estado”[72].

Identificados o vínculo, o obrigado e a obrigação, força é reconhecer que há um direito que lhes é correspondente e um sujeito que o titulariza: o direito, traduzido, imediatamente, no desempenho estatal eficiente e efetivo, e, mediatamente, no específico bem da vida; o credor, o povo, via de regra, carente e desassistido. Desse modo, se o componente executivo do Estado inadimplementa desarrazoavelmente a Constituição, tem o povo prejudicado a faculdade de exigir do componente jurisdicional do Estado o resguardo da Carta Política e, de conseguinte, a tutela do seu direito, constituindo grave ofensa à Constituição eventual postura de indiferença, sob o pretexto de se homenagear o princípio da “separação” dos “poderes”.

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Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Direito fundamental social subjetivo:: conceito, características e eficácia da norma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46981. Acesso em: 18 abr. 2024.

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