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Direito fundamental social subjetivo:

conceito, características e eficácia da norma constitucional

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10. Posição ativa: O sujeito ativo de direito fundamental social.

Como restou consignado em tópico anterior, não é tarefa dificultosa identificar quem pode ser titular de certo direito fundamental social a partir das disposições constitucionais típicas, isto é, que é o sujeito de direito da relação obrigacional fundamental social. Por vezes a Constituição utiliza-se de termos abrangentes como “todos”, noutros casos refere-se a “desamparados”, ou, “a quem dela necessitar”, “crianças”, “adolescente”, “materno-infantil”, “incolumidade das pessoas”, que se traduzem em nortes seguros a essa individualização. É certo que, entre uma e outra dessas denominações, a imprecisão do termo é próprio e apropriado à latitude da natureza da prestação e à projeção subjetiva da relação jurídico-obrigacional. Assim, o direito à segurança pública a fim de proteger a incolumidade psicofísica é titularizado por todas as pessoas, obviamente que independentemente da sua situação social, devendo a Administração Pública laborar para que as pessoas e as áreas mais expostas e afetadas recebam tratamento conforme o postulado da isonomia.

Noutras circunstâncias, ou noutras espécies de direitos sociais, como a assistência social, é intuitivo, quando não vem expressado às claras, que os destinatários da ação governamental serão as pessoas que deles necessitem ou desamparadas, restando apenas a definição de quem seja necessitado para os fins prestacionais sociais.

De um modo geral, mesmo o direito de proteção à maternidade, à infância, à juventude, à educação, à saúde etc. de espectro universalista, do ponto de vista da atuação positiva governamental, em países marcados por concentração de riqueza, será priorizada aquela parcela da população destituída de condições socioeconômicas capazes de provê-las sem a intervenção estatal. Daí porque se dizer que a titularidade dos direitos sociais, via de regra, somente são reconhecíveis in concreto, em face da limitação orçamentária, vale dizer, não devem ser compreendidos in abstrato prestigiando-se até mesmo quem deles não necessite[73].


11. Posição passiva: O sujeito passivo de direito fundamental social.

Segundo Kelsen, é impróprio falar em relação se supra-ordenação e subordinação, na medida em que os indivíduos habilitados pelo ordenamento jurídico a criar ou aplicar normas jurídicas a elas se sujeitam tanto quanto os que não participam dessa função de poder político. Assim, supra-ordenação há entre as normas definidoras de obrigações e direitos, mas jamais entre uns e outros indivíduos[74], isso, por óbvio, num estado de direito democrático.

 O estado é, sob todas as luzes, o principal devedor dos direitos sociais, pois que essa é a sua incumbência mor a par de ser um estado constitucional de direito democrático, que deve obediência máxima ao estatuto jusfundamentalsocial. Tem ele o dever de “agir no sentido indicado pela Constituição (E deve interferir na esfera I). De forma simétrica, o indivíduo tem o direito (positivo-subjetivo!) de receber algo, que pode ser material ou imaterial (E deve entrar na I)”[75]. Por essa razão, “a efetivação dos direitos fundamentais e, principalmente, dos direitos sociais constitui um dever fundamental do Estado, a ser cumprido por meio de medidas apropriadas”[76].


12. Poder de exigir: Justiciabilidade.

Como vimos de ver, à justiciabilidade dos direitos sociais costumam-se antepor objeções e críticas que por vezes se limitam à questão lógico-estrutural-eficacial do modelo normativo-constitucional que os veiculam, dizendo-o programático e sob cuja eficácia jurídica não se contempla, desde si, por si só e diretamente, a fruição do direito, senão que o põe numa categoria eficacial intermediária, de perspectiva e expectativa, quanto ao bem considerado em si mesmo, donde não se poderia extrair direito subjetivo das suas quase prescrições.

Outras objeções há que são, a rigor, pautadas em dados sócio-jurídicos efetivamente realísticos e pertinentes, tais como a circunstância de que a legitimidade democrática e institucional para dispor sobre os gastos públicos pertence primariamente às funções legislativa e executiva do poder político, de modo que a intervenção da função jurisdicional implicaria distorção da concepção competencial originariamente concebida na Constituição e, de conseguinte, desorganização na Administração Pública; além das multireferidas reservas “orçamentária” e de “consistência”.

Desse modo, por sua natureza e predisposição, a função jurisdicional do poder encontrar-se-ia habilitada a prover e a compor a solução de conflitos intersubjetivos originados a partir de relações jurídico-materiais circunscritas ao tráfico particular de bens e direitos cujos efeitos são subjetivamente relativos e, que, por essa razão, o espectro da sua propagação social não tem potência para repercutir nas demais relações jurídico-sociais, seja entre os demais administrados-jurisdicionados, seja entre estes e o Estado, diferentemente do que sucederia quando a função jurisdicional fosse chamada a decidir e a compor conflito que, embora haja sido judicializado individualmente, está irremediavelmente imerso e envolto numa relação material subjetivamente difusa, como sói ocorrer na promoção e disputa pelos bens e direitos anotados em normas estatuidoras de direitos fundamentais sociais.

Inobstante a força argumentativa de tais premissas teóricas e o muito que têm de desejável fator dissuasório de uma distorcida concepção voluntarista e protagonista da função judicante[77], o fato, valorado normativamente e inescondível, consiste no déficit jurídico-eficacial, insistentemente duradouro, no que concerne à fruição mínima e razoável dos direitos econômicos, sociais e culturais para uma extensa parcela da população. Assim, não se pode conceber que o direito posto permaneça jungido a uma concepção individualista sobre sua validez e eficácia. Aliás, veja-se que muitos – e de há muito – já são os avanços legislativos experimentados pela prática nacional premidos por fatores evolutivos sociais, como convém ao Direito, que igualmente arejaram a postura jurisprudencial, tais como os subsistemas de defesa do consumidor e de proteção do meio ambiente, o que pode e certamente virá a acontecer na seara dos direitos fundamentais sociais, a partir da prática jurisprudencial, da criação de juízos, promotorias, defensorias, advocacias e outros organismos afins especializados.

O argumento jus-político-social conseqüencialista da desorganização da Administração Pública a par de uma suposta e indevida intromissão judiciária desigualizante não é mais jurídico-político-socialmente importante do que as funestas conseqüências marginalizadoras, inclusive e marcadamente econômico-financeiras, que necessária e inexoravelmente advém do desigualizador desamparo de condições emancipadoras mínimas e razoáveis de fruição dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Aqui, se está, portanto, no campo das repercutibilidades e conseqüencialismos que podem ser validamente ponderados.

A multiplicidade de decisões jurisdicionais que, num dado caso concreto e individual, deferem pedido popular razoável – muitas das vezes, e cada vez mais acentuadamente, postulados pelas Defensorias Públicas, em sua missão institucional de assistir juridicamente aos necessitados – diante da irrazoabilidade da insatisfação de certo direito social, há de ser seriamente considerada como um fator, um dado, um elemento empírico (micro-justiça) importante para a elaboração de políticas públicas apropriadas, ou, melhor, para que se imprima e conjugue os princípios da eficiência e da moralidade administrativas quando da alocação dos recursos (gastos) públicos, como um todo, e não apenas daqueles que já foram destinados à satisfação de específico bem ou direito fundamental social; além de impor, inafastavelmente, à eventual culpa lato sensu do agente público responsável a necessária sanção indenizatória reflexa, sem prejuízo das prescrições aflitivas doutras searas do Direito.

Diz-se justiciável o predicado de um direito que se possa fazer valer por meio de uma ação judicial. É o ápice da proteção jurídica que tem início com a positivação, reforça-se com o preenchimento de normatividade até este poder de por a função jurisdicional a serviço da satisfação de uma posição juridicamente tutelada, quando se está diante da ameaça ou já propriamente da conduta, comissiva ou omissiva, a ela oposta.

Essa potencialidade judicializante sempre foi tida pela teoria do Direito de matriz positivista como integrativa do conceito de direito subjetivo.[78] Por essa razão, Kelsen afirma que “uma pretensão a ser sustentada num ato jurídico apenas existe quando o não-cumprimento do dever se possa fazer valer através de uma ação judicial”.[79]

Tal como o dever e o direito correlato, tal como a relação jurídica e o direito subjetivo, esse poder somente poderia advir do ordenamento jurídico. Assim, se todos os ingredientes que resultam na eficácia jurídica estiverem suficientemente descritos e positivados, estabelecendo um dever a ser cumprido por quem relacionalmente vinculado e obrigado, esta conduta normativamente prescrita e esperada, mas socialmente frustrada, ou o resultado prático equivalente ou, ainda, em se ultimando a sua impossibilidade, a indenizabilidade[80], pode ser objeto de execução estatal forçada, mediante pedido deduzido por meio de competente ação judicial[81].

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Destarte, como a teoria do Direito elaborou a instituição do direito subjetivo a partir das relações jurídicas entre particulares, isso explica, segundo Mello, que “a recusa do atributo da justiciabilidade tenha sido o acento tônico da doutrina constitucionalista que se seguiu ao processo de positivação dos direitos sociais na segunda metade do século XX. Aos direitos sociais recusava-se exigibilidade judicial porque a sua concretização exigia necessariamente uma lei que instituísse previamente a estrutura normativa básica para a sua satisfação no âmbito administrativo, e o momento e o conteúdo dessa lei dependia de escolhas políticas do legislador que não podiam ser invalidadas ou substituídas por juízes”[82]. Com isso, a positivação não era por si só suficiente a conferir eficácia aos direitos sociais. Destarte, a inexigibilidade, antes de ser uma questão de ausência de autorização do ordenamento jurídico ao manejo da ação judicial, respondia a uma deficiência estrutural da norma, impeditiva da exigibilidade por essa via. Essa crítica se fazia sob o “argumento político que sustentava a necessidade de juízos políticos para a concretização de direitos sociais”.[83]

Em prol da realização prática dos direitos fundamentais sociais tem o legislador o dever-poder de atuar incessantemente e com precedência, e, na seqüência, o administrador, a partir de prioridades e escolhas albergadas e justificáveis pela finalidade sócio-includente que anima a Constituição. Mas de modo algum isso pode significar incompatibilidade ao controle, injuntivo até, como ultima ratio, até porque a isso corresponde o predicado da harmonia das funções do poder político, sob pena de se correr o risco, no caso brasileiro manifesto e consumado, de que ditos direitos conformem-se à predatória conjectura política do mero apelo ao legislador, sem nenhuma impositividade, quando se sabe que “existe uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora, entre outras coisas, de transformações econômicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a efectivação desses direitos”.[84]

Não se trata, de modo algum, de transferir essa competência concretizante dos direitos sociais aos ombros da função jurisdicional, mas é ainda mais contrário ao Direito que a Constituição quede desatendida e sem nenhum socorro institucional legítimo. Desse modo, não é licenciosidade alguma, ao contrário, trata-se de definitivamente reconhecer o indisponível caráter normativo da Constituição, e, assim, inevitavelmente, atribuir a tais direitos “um determinado nível de justiciabilidade, e não apenas em situações mínimas de extrema necessidade. Ao mesmo tempo, ao órgão de controle exige-se-lhe que respeite as ‘decisões razoáveis’ tomadas pelos órgãos politicamente conformadores. Assim o exige o princípio do ‘Estado de Direito’ e o princípio da ‘separação de funções’”[85] do poder político. 

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Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Direito fundamental social subjetivo:: conceito, características e eficácia da norma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46981. Acesso em: 23 dez. 2024.

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