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Direito fundamental social subjetivo:

conceito, características e eficácia da norma constitucional

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13. Conclusão. 

O risco maior, no que respeita ao desembaraço da função administrativa, reside, pois, na maior indefinição e latitude com que se lhe apresentem os meios por via dos quais há de perseguir o fim constitucional, traduzido, proeminentemente, em estabelecer as condições que propiciem a satisfação do estatuto fundamental social.

Essa margem de conformação posta à disposição da função governativa também não se lhe franqueia em homenagem aos agentes que lhe emprestam corpo, senão na perspectiva realística de que há situações e demandas absolutamente imprevistas, além de situações que, embora previsíveis, não se lhes é possível antecipar finamente a extensão e a gravidade.

Daí que a efetividade de certos empreendimentos jusfundamentais reclama uma apreensão das múltiplas variantes e nuances dos fenômenos sociais, a partir do contato mais direto com os fatos e os “dados empíricos”[86].

Nesse mister, além dessa aproximação, impõe-se dotar o agente público do cabedal necessário a habilitá-lo a extrair diagnoses, empreender prognoses e estabelecer prescrições que respondam ajustadamente ao múnus público que grava indissociavelmente a sua atuação, traduzido no desafio de dar efetividade satisfatória ao estatuto jusfundamental social.

Assim, não há dúvida do melhor aparelhamento da função governativa, por meio dos seus múltiplos organismos, tais como ministérios, secretarias, autarquias, fundações etc., no desembaraço do seu dever, pois que se parte do pressuposto de que aquela reuniu “os dados necessários, que deverá procurar principalmente em ciências não-jurídicas, valendo-se de peritos e dos estudos científicos que forem necessários para conferir à referida norma o desenvolvimento e a efetivação cabíveis”. [87]

Por tudo isso é que o controle popular dos atos admininstrativos pela função jurisdicional constitui-se medida excepcional. Mas a excepcionalidade dessa medida não pode ser prévia e abstratamente definida senão que casuisticamente trabalhada, ou seja, a excepcionalidade não é algo que se defina, quantitativa e meritoriamente, aprioristicamente. A excepcionalidade cede passo à medida que restar documentado o desatendimento de um dever ser normativamente estabelecido na Constituição ou nos válidos atos normativos infraconstitucionais.

Excepcionalidade há não porque assim informa o princípio da independência dos poderes, nem porque lhe faltaria legitimidade. Mas porque, em circunstâncias normais, será tormentoso, a uma decisão judicial que divirja prima facie da opção feita pelo governante, atender ao requisito constitucional da substanciosidade da fundamentação, pois que o sistema pressupõe que a função governativa arrimou-se em conhecimentos extraídos de ciências não-jurídicas, de cuja intimidade nem sempre desfruta o julgador, isto é, no preenchimento do sentido da norma, ou na colmatação do suporte fático ante a latitude seja do antecedente, seja do conseqüente da norma, a função governativa goza de precedência, mas não de primazia absoluta, sendo certo que essa presunção, é bom que se diga, só opera prima facie, dado que é relativa, e como tal, admite o sistema, como valência reconhecida, que se documente o contrário e, já assim sendo, o controle impõe-se, normativamente.

Da mesma forma que o sistema prevê a possibilidade de o povo, por meio da função jurisdicional do poder político, aferir o acerto das prognoses levadas a efeito pela função legislativa, com muito maior razão deve-se admitir esta mesma investigação quanto aos atos administrativos, tendo em vista que estes têm ideologicamente um espectro de conformação e decodificação muito mais restrito. O que não se admite é que uma decisão, meramente intuitiva ou voluntarista, despegada dos fundamentos normativo-constitucionais, ou, de outro giro, razoavelmente afinada com esses balizamentos conteudísticos, tomada pela função legislativa ou pela função governativa, pudesse ser substituída por outra decisão assim também tomada pelo juiz[88], pois que, aí sim, encontraria óbice no postulado da “independência dos poderes”, do qual é corolário a competência primária e originária para dispor sobre tais provisões.

É intuitivo, não há dúvida, que a esse controle imponha-se acentuada criteriosidade e racionalidade da função jurisdicional na análise de pretensões que, direta ou incidentalmente, se ponham a acoimar de inconstitucional as ações comissivas ou omissivas do Estado-Executivo, em sede de controle dos atos administrativos.

A exigência dessa sobrecautela consta da advertência de Fernado Sérgio Moro que, apesar de se referir ao processo de enunciação legal, também se ajusta ao processo de elaboração de políticas públicas. Confira-se:

O acerto das decisões judiciais a respeito de temas constitucionais relevantes não pode, porém, prescindir das mais amplas informações, vindas, se necessário, de ciências não-jurídicas. Se o legislador não prescinde delas quando do desenvolvimento e efetivação das normas constitucionais no âmbito de sua função, não pode o julgador ignorá-las, submetido que está à reserva de consistência[89].

Esse controle pode ser feito (1) antes de haver ação governamental, isto é, quando não há específica política pública em execução a fim de atender determinada demanda fundamental, caracterizando a omissão estatal; (2) durante a elaboração do projeto de determinada política pública, quando a adequabilidade poderá ser aferida pelo apuro da prova da proporcionalidade entre meios e fins; e, naturalmente, posteriormente à implementação de uma determinada política pública, quando então os seus resultados já serão visíveis e, portanto, permitirão que sejam concretamente confrontados com a exigência constitucional.

Tudo isso não escapa das forças e da sistemática orçamentária. Mas, como observa Fernando Facury Scaff:

... não há total e completa liberdade (de conformação) do legislador para incluir neste sistema de planejamento o que bem entender. O legislador, e muito menos o administrador, não possuem discricionariedade ampla para dispor dos recursos como bem entenderem. Existem vários tipos de limites a esta liberdade do legislador para utilizar os recursos públicos. Ela é conformada pela supremacia da Constituição.

O fato é que as formulações teóricas ambientadas em países centrais podem e devem, se ajustadas aos preceitos constitucionais locais de índole principiológica, subsidiar-nos na compreensão dos fenômenos e institutos jurídicos, na elaboração das regras pertinentes, na implementação de políticas públicas coerentes e na aplicação concreta do Direito Positivo, enfim.

O problema surge em todos os casos de aplicação de proposições alienígenas, e em especial na seara dos direitos fundamentais, muito mais no que respeita ao substrato fático sobre o qual se inspiraram tais teorias, em cotejo com as circunstâncias nativas, do que com a receptividade teórico-dogmático-constitucional ou legal, cuja aferição de compatibilidade é muito menos tormentosa.

Quer-se com isso dizer que, num país central, onde os elevados índices de desenvolvimento humano evidenciam uma tradição de respeito e efetividade dos direitos fundamentais, em todas as suas dimensões, certamente uma teoria sobre a possibilidade de controle popular-jurisdicional em torno de políticas públicas há de estipular uma série de requisitos restricionistas, pois que, a julgar pela satisfatividade, satisfatoriedade e consolidação dos resultados sociais, há uma sensação de respeito aos postulados constitucionais e, de conseguinte, um sentimento de confiabilidade institucional na instância governativa.

Aqui, esses rigorismos também hão de pautar dito controle. Ocorre que o substrato fático-social demonstra às escâncaras não somente que há um incrível deficit no que diz respeito à efetividade jusfundamental, mas também que existe uma das piores distribuição de renda, um índice alarmante de corrupção, diante de uma das maiores economias mundiais.

É preciso reconhecer que no Brasil, muitas das vezes, o problema do enfrentamento e solvibilidade da demanda fundamental é muito mais de absoluta ausência, ou de carência e timidez, do que propriamente meritório.

Assim, é justamente a notoriedade desse deficit que autoriza o controle popular por meio da função jurisdiconal do poder político, uma vez que além de denotar a inefetividade constitucional – que pode ou não se revelar constitucionalmente justificado – generaliza a sensação de desconfiança na função executiva do poder político. Nesse contexto, ressalta Alexy, “en modo alguno un tribunal constitucional es impotente frente a un legislador inoperante. El espectro de sus posibilidades procesales-constitucionales se extiende, desde la mera constatación de una violación de la Constitución, a través de la fijación de un plazo dentro del cual deve llevarse a cabo una legislación acorde la Constitución, hasta la formulación judicial directa de lo ordenado por la Constitución”. [90]

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Em síntese: os estreitos requisitos restricionistas de lá até podem ser repetidos cá, e nada mudará na percepção e na constatação prima facie de que tais condicionantes estão postos e satisfeitos, autorizando e reclamando que se empreste vazão ao controle popular-jurisdicional.

A par disso, a quem interessar juridicamente ingressar com ações e pedidos dessa natureza não deve contentar apenas a evidenciação do desatendimento do direito, que por vezes, frise-se, é notório, mas, se possível, é recomendável que se cerque de elementos, inclusive orçamentários, idôneos a demonstrar a equivocada eleição de prioridades e a inadequação e distorção da destinação das receitas públicas, além da efetiva existência destas, presente ou futura.

Além do mais, é desejável que também exerça a crítica às diagnoses, prognoses e prescrições levadas a efeito pela instância governativa, confrontando-lhes e propondo-lhes outras substitutivas, explicitando-lhes e esclarecendo-lhes as vantagens e o apreço constitucional.

Em reforço de tudo isso, deve sempre ser invocada a supremacia vinculativa do estatuto jusfundamental, ao qual se assujeita o Estado, de modo a permitir o privilégio processual da inversão do ônus probatório, em proveito do interesse público primário, traduzido na satisfação dos direitos fundamentais sociais.

Desse modo, o Estado ficará invariavelmente obrigado a demonstrar cabalmente que a sua postura é a que de fato melhor atende ao princípio constitucional da eficiência. Mas disso não irá desvencilhar-se com alegações simbólicas de que padece de insuficiência de meios, ou de que o controle é ilegítimo e ofensivo ao princípio da independência dos “poderes” ou da “reserva de consistência”.

Terá de iniludivelmente enfrentar o mérito propriamente dito da questão, abrir os orçamentos, promover encontro de contas, evidenciar as receitas que estão sendo destinadas a satisfazer interesses subalternos, dos quais é exemplo a assombrosa soma de recursos públicos gastos não em campanhas informativas, mas em propagandas oficiosamente auto promocionais ou na contratação de um número assombroso de cargos comissionados etc., sob pena de procedência da ação, sem prejuízo da responsabilização administrativa, civil e penal do gestor público desidioso (art. 37, §§ 4.º e 6.º, CF/88).

Por fim, há de se permitir plena liberdade probatória do julgador, sendo-lhe lícito recorrer, inclusive, às percucientes contribuições científicas e às experiências dos expertos, de organismos não governamentais idôneos e de reputação ilibada, que lidem diretamente com a demanda social objeto da disputa etc., a fim de se cercar do cabedal heterônomo que o habilite a fundamentar e prescrever medidas assuntivas e pontuais da elaboração e execução de políticas públicas.

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Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Direito fundamental social subjetivo:: conceito, características e eficácia da norma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46981. Acesso em: 28 abr. 2024.

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